Brasil precisa fortalecer sua indústria de
defesa para responder a agressões, diz deputado
Em entrevista à
Sputnik Brasil, o deputado Carlos Zarattini (PT-SP) defende a criação de uma
frente parlamentar voltada para a indústria de defesa. Analistas afirmam que a
frente pode ajudar a envolver o Congresso e a sociedade em um debate crítico
para o Brasil, por conta das proporções continentais e da riqueza de recursos
do país.
O deputado federal
Carlos Zarattini vem buscando assinaturas para lançar a Frente Parlamentar da
Indústria de Defesa no Congresso.
O debate sobre o tema
é de antigo interesse do parlamentar. Em 2017, por exemplo, em discurso na
Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara, ele defendeu um
debate mais amplo sobre a estratégia de defesa nacional.
"A defesa
nacional deve ter recursos garantidos para a execução de seus objetivos. Por
isso, a nossa preocupação permanente com a manutenção da soberania nacional na
região amazônica e da nossa principal fonte energética, que é o petróleo do
pré-sal, assim como de outras riquezas minerais. Não podemos abrir mão de uma
exploração correta desses recursos, garantindo a preservação da nossa
soberania", disse o deputado na ocasião.
Em entrevista à
Sputnik Brasil, ele explica que o objetivo da criação da frente é trazer para o
Congresso o debate sobre a importância de investir no setor, bem como buscar
formas de aprimorar a estratégia nacional de defesa.
"A indústria de
defesa é uma das prioridades, um dos cinco setores industriais prioritários da
nova política industrial brasileira. É um setor que tem uma capacidade de
geração de emprego bastante grande e, ao mesmo tempo, de desenvolvimento
tecnológico", explica o deputado.
Ele afirma que a
criação da frente parlamentar abriria uma ligação direta com o Parlamento, que
é onde se vota o Orçamento e se discutem as leis.
"Uma das questões
fundamentais para o desenvolvimento da indústria de defesa é você ter uma
garantia de orçamento ao longo do tempo e de que essa indústria possa ter a sua
produção continuada, quer dizer, não haver nenhuma interrupção. […] É aqui no
parlamento que se discutem todas as leis. Então nós precisamos aprovar a lei.
Já aprovamos uma lei que é criar aqui a empresa estratégica de defesa. Nós
temos a questão dos incentivos fiscais, da prioridade de compras para os
produtos nacionais. Enfim, tudo isso tem que ser discutido aqui no Parlamento,
no Congresso Nacional, e por conta disso é que a gente está criando essa
frente", afirma o deputado.
Ele acrescenta que os
conflitos atualmente vigentes no mundo, como o ucraniano e a ofensiva
israelense na Faixa de Gaza, expõem a necessidade de uma estratégia de defesa
pautada na autonomia da indústria nacional.
"Porque se o
Brasil sofrer qualquer tipo de agressão, o Brasil pode ter autonomia suficiente
para produzir as suas armas, os seus equipamentos e, consequentemente, pode ter
uma condição de enfrentar qualquer outro país do mundo, caso a gente tenha algum
tipo de agressão", diz Zarattini.
Segundo ele, a falta
de investimento na indústria de defesa atrasa projetos importantes que já
deveriam estar bastante avançados, como o de modernização da frota de aviões
militares FX2, que ele afirma que já era para estar concluído, e os submarinos
nucleares, que, segundo ele, deveriam estar muito mais desenvolvidos.
"Nós precisamos
desenvolver um grande projeto de lançar mais navios da Marinha no oceano
Atlântico para garantir nossa soberania, ter equipamentos de radar na Amazônia
Azul e em toda a fronteira terrestre também."
• Qual o investimento do Brasil em defesa?
De acordo com o
deputado, o Brasil investe em seu setor de defesa um percentual muito aquém do
necessário e de forma inadequada às necessidades do país.
"Nós temos um
gasto militar que 75% são com pessoal, seja pessoas que estão na ativa ou uma
parcela muito grande de pessoas que estão na inatividade. Esse custo de pessoal
é muito alto. Nós precisamos achar soluções para isso, para que a gente possa
ter uma parcela maior do Orçamento dedicada ao desenvolvimento e à compra de
materiais de defesa. Como resolver isso? Nós precisamos encontrar soluções,
principalmente para garantir a Previdência dos militares de uma forma, talvez,
mais inovadora", explica o deputado.
A opinião é
compartilhada por Marcos José Barbieri Ferreira, economista e especialista em
indústria aeroespacial e defesa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Ele destaca que apesar dos avanços importantes vivenciados, os investimentos
ainda são insuficientes para garantir uma indústria de defesa nacional robusta
e adequada.
"Quando nós
verificamos o orçamento de defesa brasileiro, o que é gasto em defesa no Brasil
em relação ao PIB, verificamos que, nas duas primeiras décadas deste século,
destinamos ao orçamento total de defesa 1,4% do PIB apenas. Para que nós
possamos ter uma comparação, em âmbito mundial esse valor nesse mesmo período
foi de 2,2% do PIB. Quer dizer, nas duas primeiras décadas do século XXI o
mundo gastou, em média, 2,2% do PIB em defesa", explica o especialista.
Ferreira afirma que
nos últimos anos houve um aumento global no investimento em defesa, por conta
da eclosão de conflitos em várias partes do mundo. Em contraponto, no Brasil
houve uma redução do investimento no setor.
"Nós já
gastávamos um valor baixo, [se] comparado internacionalmente, e nos últimos
anos nós temos um aumento dessa diferença. Enquanto o mundo está tendo um
orçamento maior em defesa, o Brasil vem reduzindo esse orçamento."
Assim como Zarattini,
Ferreira chama a atenção para a forma como o orçamento destinado ao Ministério
da Defesa é aplicado.
"Uma parte vai
para pessoal, seja da ativa ou aposentados, uma parte vai para custeio, para as
operações, e uma parte vai para investimento, para novas instalações, para
compra de novos equipamentos, produtos estratégicos, armas leves, munições. A parcela
desse orçamento que é destinada a investimento, nas duas primeiras décadas, foi
apenas de 8,8%. Então, daquele 1,4% do PIB gasto em defesa, apenas 8,8% desse
montante foi destinado a investimentos", explica o especialista.
"Para que você
tenha uma comparação internacional, na OTAN [Organização do Tratado do
Atlântico Norte], a diretriz colocada era a de que os países destinassem 2% do
PIB para defesa, e desses 2% pelo menos 20% fossem destinados a investimentos.
E a maioria, a maior parte dos países da OTAN, investe uma porcentagem maior.
No Brasil, nós estamos gastando 1,4% e investindo 8,8%, quer dizer, muito aquém
das nossas necessidades, muito aquém do que é visto em âmbito mundial. Isso
reflete em uma estrutura de defesa aquém das nossas necessidades, muito mais se
considerar o fato de nós termos um país continental, com uma população ampla,
com uma posição geopolítica ativa, com recursos naturais em alimentos, em
energia, somos um importantíssimo player mundial em alimentos",
complementa.
Fernanda Nanci,
professora de relações internacionais da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ) e do Centro Universitário La Salle do Rio de Janeiro
(Unilasalle-RJ), destaca que o Brasil já teve uma indústria de defesa forte na
década de 1970, mas aponta que o setor passou por um sucateamento nas décadas
seguintes.
Ela sublinha que
embora o Brasil não tenha inimigos nem seja alvo de ameaças diretas, "é um
país que tem um vasto território e não pode ser dependente de tecnologia
externa de defesa".
"Independentemente
de os conflitos existirem, o Brasil é um país que (pela sua própria natureza,
sua própria dimensão) precisa se preocupar."
Sobre o
desenvolvimento da Base Industrial de Defesa, conhecida pela sigla BID, ela
afirma que já existem iniciativas de fomento feitas há algum tempo, no âmbito
de diferentes governos, com destaque para as gestões petistas.
"Nesse aspecto eu
queria chamar a atenção especificamente para os governos petistas. O governo
Lula teve uma tentativa de se aproximar dos militares, organizou a casa, que é
o Ministério da Defesa. A gente teve várias fases do Ministério da Defesa até
chegar em uma maior maturidade, no governo Lula. E um dos aspectos do
Ministério da Defesa no governo Lula era fortalecer a Base Industrial de
Defesa", diz a professora.
"Essa política de
fortalecimento fica muito no plano retórico, mas existem algumas legislações
que foram emitidas com a intenção de trazer esse fomento à BID, e a gente tem
no governo da Dilma [Rousseff] a indicação de Celso Amorim como ministro da Defesa.
E o Celso Amorim, como ministro da Defesa, teve também essa orientação de
fortalecimento da BID, falava muito, inclusive, sobre isso. Tem vários
discursos dele falando sobre a importância de a gente ter a BID forte, robusta,
para que o Brasil pudesse investir efetivamente em defesa, reforçar a sua
capacidade de defesa", complementa.
• Qual a importância de alcançar a
soberania tecnológica em defesa?
Ferreira aponta que um
dos pontos positivos da frente parlamentar proposta por Zarattini seria o
aprimoramento da capacitação tecnológica na indústria de defesa nacional.
"Nós temos uma
capacitação tecnológica na indústria de defesa muito boa, que o Brasil vem
desenvolvendo ao longo de décadas, com competência e esforço. Mas por falta de
recurso, apoio e incentivo, muitos projetos têm se perdido ao longo do tempo.
Empresas nacionais têm ido à falência, têm sido vendidas para concorrentes
estrangeiros, empresas que nós estamos perdendo. E essas [perdas de] empresas
significam o quê? Perda também de competência tecnológica", explica.
"O esforço de
décadas para desenvolver, por exemplo, um míssil, que não é adquirido por falta
de recursos. E aí toda aquela competência que foi feita, aquele projeto de 20,
30, 40 anos, muitas vezes uma competência que foi sendo adquirida ao longo do
tempo, ela é perdida. Então é fundamental, é muito importante essa proposta de
frente em apoio à Base Industrial de Defesa para que se leve essa discussão ao
Congresso Nacional", complementa.
Ele afirma que o
Brasil deve possuir autonomia produtiva e, sobretudo, tecnológica, de forma a
não ficar dependente de tecnologia estrangeira em um setor crítico como a
defesa nacional.
"Nós devemos ter
não apenas equipamentos, mas produtos estratégicos de defesa, desde elementos
mais básicos, como munições, armas leves, até equipamentos mais sofisticados,
como fragatas, submarinos, aviões de caça, sistemas de controle e defesa aérea,
de comunicações seguras. Nós precisamos ter uma autonomia, senão vamos imaginar
que o Brasil tenha recursos, mas se esses recursos foram destinados apenas à
aquisição de produtos no exterior, nós vamos manter uma dependência. No caso de
um conflito, o país vai estar totalmente dependente dos fornecedores."
Zarattini, por sua
vez, destaca que a estratégia nacional de defesa deve também prezar pela busca
da maior autonomia possível na fabricação de produtos de defesa e militares.
Ele afirma que a criação da frente tem o apoio do ministro da Defesa, José Múcio
Monteiro, e a expectativa é que o ministro auxilie a frente no desenvolvimento
de suas atividades.
"Por exemplo,
antigamente as Forças Armadas convidavam parlamentares para visitar
instalações, projetos, e hoje a gente não vê mais isso. Então um dos objetivos
da frente também é fazer com que um maior número de congressistas conheça esses
locais. Nós temos a nossa produção de submarinos em Itaguaí, que praticamente
nenhum parlamentar conhece. Temos o nosso sistema de controle aéreo, que muito
poucos parlamentares também conhecem. Então nós precisamos fazer com que esses
equipamentos importantes cheguem ao conhecimento visual, conhecimento local da
maioria dos parlamentares. Nós temos lá, por exemplo, a base de lançamento de
Alcântara, que tem que ser conhecida pelos parlamentares."
Frente vai trazer para
a sociedade o debate sobre defesa nacional
Ferreira destaca que a
criação da frente parlamentar terá como efeito trazer para os holofotes o
debate sobre a importância da defesa nacional, envolvendo também a sociedade e
a mídia no assunto.
"É muito
importante que essa discussão seja levada para a sociedade e seja levada para o
Congresso Nacional. […] Nesse sentido, a proposta do deputado Carlos Zarattini
é essencial, é muito importante. É uma frente que possa reunir parlamentares de
diversos partidos, de diversas correntes, diversos representantes da sociedade,
de diversos estados, de diversas regiões do Brasil, e que passem a discutir a
importância da defesa nacional e de que maneira podemos defender, fortalecer,
estruturar uma base industrial de defesa, que o Brasil tenha autonomia
tecnológica, empresas nacionais fortes."
Fernanda Nanci afirma
que a defesa muitas vezes é tratada como um tema específico para técnicos e
militares, quando na realidade se trata de uma política pública.
"A defesa é uma
política pública, ela é de interesse de toda a sociedade, então a gente está
falando de uma frente parlamentar que vai trazer luz a um tema que
tradicionalmente é pensado como um tema fechado, como um tema alheio ao
interesse público. A ideia de criar essa frente parlamentar é mostrar
exatamente que o tema da defesa não é alheio à sociedade, ele faz parte da
sociedade. A gente depende inclusive de ter segurança nas nossas fronteiras
para ser um país que efetivamente oferece segurança aos seus cidadãos",
explica a especialista.
"Ainda mais o
Brasil, que é um país que sofre com vários problemas na área de segurança.
Quando a gente pensa na segurança externa, quando a gente pensa em
narcotráfico, em tráfico de armas, entre outras questões, inclusive na própria
segurança da Amazônia, a gente está lembrando da área de defesa", conclui.
Fonte: Sputnik Brasil
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