Nem à
esquerda e nem à direita: após dois 'nãos', Chile vai desistir de nova
Constituição?
Sistema
privado de previdência com "aposentadorias miseráveis", aumento do
custo de vida e ausência de rede de saúde pública. Em 2019, milhões de chilenos
tomaram as ruas diante do descontentamento com o sistema socioeconômico
neoliberal, sob o lema "O Chile acordou". No ano seguinte, 75% da
população votaram por uma nova Constituição.
Em pouco
mais de 200 anos de história, o Chile teve apenas quatro constituições,
enquanto um país como o Brasil teve sete. E a última possui marcas de um dos
períodos mais difíceis da história chilena: foi promulgada durante a década de
1980, na ditadura de Augusto Pinochet, uma das mais sangrentas de toda a
América Latina. Com isso, reformas profundas na economia e na política do país
eram dificultadas diante do texto constitucional, o que provocou profundas
insatisfações entre a sociedade do país ao longo do tempo.
Tudo isso
eclodiu com as grandes manifestações de 2019, que começaram por conta da
insatisfação com o aumento na tarifa do metrô em Santiago, capital do país,
quando mais de 1 milhão de pessoas chegaram a tomar as ruas em apenas um dos
atos.
Para
estancar a crise, o então presidente, Sebastián Piñera, chegou a pedir o
afastamento de todos os ministros para estruturar um novo gabinete que fosse
capaz de atender às demandas. Correspondente por mais de 20 anos no Chile, o
jornalista e subeditor do site Opera Mundi, Victor Farinelli, explicou ao
podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, a situação do país na época.
"Tem
a Previdência privada, que entrega aposentadorias miseráveis à maioria dos
aposentados desde meados da década passada, e um sistema de saúde totalmente
privado. É uma situação muito parecida com a que acontece nos Estados Unidos,
onde não tem um sistema público e isso faz com que uma pessoa que tem uma
doença, que requer um tratamento um pouco mais caro, acabe se endividando
muito, principalmente as pobres e de classe média. Mas não havia uma liderança,
era um movimento muito horizontal", acrescenta.
Uma das
tentativas do governo Piñera para conter a ebulição social foi justamente um
plebiscito, em que o voto não era obrigatório, sobre a necessidade ou não de
uma nova Constituição, aprovado por ampla maioria. Na sequência, houve a
eleição do atual presidente de esquerda, Gabriel Boric, na época com 35 anos e
considerado o mais novo da história — com pouco mais de 55% dos votos, o
político superou José Antonio Kast, de direita. E agora caberia a Boric
comandar a mudança constitucional no país.
• Por que os chilenos rejeitaram a nova
Constituição?
Nem à
esquerda e nem à direita. Os dois plebiscitos que sucederam os protestos e a
aprovação dos chilenos à nova Carta Magna foram rejeitados. Para Victor
Farinelli, o principal motivo que levou a população a não aceitar nenhum dos
textos foi justamente a falta de liderança política, inclusive um apoio maior
do próprio governo, que defendia a mudança.
"A
primeira, que foi rejeitada em 2022, tinha muitos pontos positivos e respondia
a grande parte das demandas daquela revolta social de 2019, mas faltou uma
liderança que pudesse divulgar melhor o que estava sendo proposto. Era uma
proposta muito parecida com o que o Boric defendeu na campanha presidencial.
[…] E no ano passado tivemos o segundo processo, dominado pela extrema-direita,
totalmente diferente da proposta de 2022, só que também faltou ali uma
liderança", enfatiza.
Diante da
rejeição eleitoral aos textos dos dois campos políticos, o analista acredita
que o Chile entrou em um "limbo constitucional", já que há um
sentimento de fracasso e o próprio governo atual não sabe qual caminho seguir.
"No fim das contas, aquela indignação continua pendente, e com o agravante
da frustração em dois processos que eram inéditos na história do país […]. E
nenhuma Constituição no Chile foi feita através de uma assembleia, todas foram
entre quatro paredes, por políticos tradicionais e uma aristocracia",
pontua.
• Quais as diferenças entre os dois textos
rejeitados no Chile?
Já o
doutor em história pela Universidade de São Paulo (USP) e professor titular de
história da América na Universidade Estadual Paulista (Unesp) Alberto Aggio
disse à Sputnik Brasil que há pontos em comum nos dois textos constitucionais
rejeitados. "A ideia de um Estado democrático e social permaneceu. Mas no
primeiro projeto não se falava do Chile como república, mas um Estado de vários
povos. O plurinacionalismo estava presente, e isso é uma mudança estrutural
muito grande. Ainda havia um espectro de direitos alargadíssimo, que no segundo
foi descartado", resume.
Com o país
voltado para as eleições municipais neste ano, que funcionam como um termômetro
da popularidade do governo central, e também o cansaço com uma nova
Constituição, o especialista acredita que o projeto ficará na gaveta por um
tempo. "Hoje não se fala mais em um terceiro período de discussão
constitucional. Então, a partir de agora, o que o Chile vai tocar politicamente
são as reformas que o governo vai propor ao Parlamento sobre as questões
tributária, de saúde e de educação, como a gratuidade ou não de determinadas
universidades públicas", analisa.
E apesar
dos projetos não terem avançado no país, o professor da Unesp acredita que a
democracia chilena não está ameaçada, mesmo com a herança autoritária presente
na atual Carta Magna. "Esses obstáculos foram sendo enfrentados
paulatinamente, através de consensos entre o oficialismo e alguns setores da
direita que topavam fazer mudanças na Constituição. Então isso acabou, de uma
certa forma, através de um processo que não tem fim [as reformas progressistas]
e que não se completou", conclui.
• Quem governa o Chile hoje?
Eleito sob
grande expectativa quase dois anos após os grandes protestos que tomaram conta
do Chile, cuja população é de pouco mais de 19 milhões de pessoas, Gabriel
Boric segue no poder até 2025. Em meio à inflação alta, à criminalidade e ao
fracasso na questão constitucional, a popularidade do político mais jovem que
já governou o país chegou a 35% no ano passado. Para o jornalista Victor
Farinelli, quem votou em Boric à espera de um governo mais progressista está
"frustrado" com o andamento da atual gestão.
"É um
pouco parecido ao que foi o governo Dilma em 2015, quando ela ganha a eleição e
leva o Joaquim Levy [para dentro da gestão, tornando-se ministro da Fazenda],
adotando um pouco da postura do candidato perdedor, no caso o Aécio Neves. De
qualquer forma, o eleitor sente que o projeto que venceu em 2021 não teve as
principais demandas colocadas em prática, como a participação das mulheres [na
política], o sistema público de saúde", exemplifica.
Segundo o
analista, uma das questões que avançaram foi o investimento para potencializar
a indústria do lítio, deixando o país menos dependente economicamente da
exploração de cobre. "Só que você vai continuar dependendo da extração de
minérios. Mas, mesmo assim, não é uma demanda tão arraigada entre os setores de
esquerda, que votaram por melhorias sociais."
Diante
disso, o ex-correspondente no Chile acredita que a direita no país tem
conseguido pautar mais o debate político, diante do aumento do desemprego e da
questão imigratória.
"Esse
é um problema. Nisso que a extrema-direita consegue manter os seus temas
vigentes, principalmente a questão do ódio aos imigrantes. Aquela coisa, como
você tem um desemprego muito alto, é muito fácil vender um discurso de que o
imigrante é que está roubando seu emprego. O imigrante venezuelano, colombiano,
que são duas comunidades que cresceram muito no Chile nos últimos anos, desde
antes da pandemia. E com esse aumento do desemprego, esse discurso, obviamente,
ganhou muito potencial, e a extrema-direita está sabendo usar", finalizou.
Justiça argentina: reforma trabalhista
incluída em megadecreto é considerada inconstitucional
Um
tribunal argentino de segunda instância declarou a inconstitucionalidade do
capítulo trabalhista do Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) emitido pelo
presidente Javier Milei.
Esse
decreto busca modificar ou revogar 366 leis, visando à desregulamentação de
diferentes setores da economia.
"A
Câmara Justa da Câmara Nacional de Recursos do Trabalho declarou a nulidade
constitucional do título IV [artigos 53 a 97] do DNU 70/2024", afirmou o
acórdão, ao qual a Sputnik teve acesso.
O tribunal
atendeu a um recurso apresentado pelo principal sindicato trabalhista do país,
a Confederação Geral do Trabalho (CGT), ao considerar que o Poder Executivo não
possui competência para legislar sobre regulamentação trabalhista por meio de
DNU.
Os juízes
entenderam que nenhuma das exceções admitidas se aplica para suscitar a
possibilidade de o governo atribuir-se capacidade para legislar, uma vez que o
Congresso está em funcionamento, e que "o próprio Poder Executivo
incorporou na discussão das sessões" a questão da ratificação do DNU, que
é considerado extraordinário.
Para o
Tribunal Nacional de Apelações, todas as pessoas em uma relação de dependência
são afetadas por uma vulnerabilidade, "dada a desigualdade nas
negociações".
• Com Lei Ônibus sob ameaça no Congresso,
Milei pressiona governadores para que reformas sejam aprovadas
Após
precisar retirar o capítulo fiscal da ‘Lei Ônibus' antes que tramite no
Congresso, o governo do presidente Javier Milei continua a pressionar os
governadores das províncias da Argentina com cortes caso seu pacote de reformas
neoliberais não seja aprovado.
"Vai
haver um grande ajuste nas províncias”, declarou o porta-voz presidencial,
Manuel Adorni, em sua conferência de imprensa diária nesta segunda-feira
(29/01).
A ameaça
do governo é uma forma de pressionar os governadores para que obriguem os
deputados daquelas províncias a votarem a favor do texto na próxima terça-feira
(30/01).
“Tudo o
que precisa de ser ajustado será ajustado”, acrescentou, alertando que nada
desviará o governo do seu “norte”, que é o défice zero e o fim da inflação.
Apesar do plano, a Argentina tornou-se, na última semana, o país com maior
inflação do mundo, com 211,4%.
A retirada
do “capítulo fiscal” da Lei Ônibus, na última sexta-feira (26/01) ocorreu em
meio às tensões entre o governo Milei e os governadores das províncias.
Esse
capítulo incluía, entre outros aspectos, a regularização de até US$ 100 mil em
dinheiro, imóveis ou criptomoedas sem o pagamento de impostos, a mudança na
fórmula de aposentadoria, uma moratória fiscal, um adiantamento do imposto
sobre bens pessoais e o aumento nos direitos de exportação.
O texto
neoliberal foi um dos principais motivos da greve nacional realizada na última
quarta-feira (24/01), convocada pela Confederação Geral do Trabalho (CGT) da
Argentina, que organizou um mobilização
massiva em frente ao Congresso em Buenos Aires.
• Milei tem 50% de desaprovação
Com dois
meses de administração a serem completados em 10 de fevereiro, mais da metade
dos cidadãos argentinos desaprovam totalmente o governo Milei, revelou um
estudo estatístico da empresa Zuban Córdoba.
De acordo
com o estudo 52,8% dos argentinos entrevistados apresentam tais críticas ao
governo, que desde o início tem procurado implementar políticas de
desregulamentação econômica e privatização, o que gerou mobilizações populares
e sindicais em diferentes partes do país sul-americano.
Além
disso, a Zuban Córdoba revelou que 55,2% dos entrevistados têm uma imagem
negativa de Milei, enquanto 54,4% acreditam que a Argentina está indo na
direção errada.
A análise
também revelou que 57,1% dos entrevistados acreditam que a economia da
Argentina, daqui a um ano, estará igual ou pior do que atualmente.
Os
analistas ainda identificaram que 58% dos argentinos rejeitam a ideia de que o
ajuste econômico promovido por Javier Milei deve ser pago pelas províncias do
país, como ameaça o presidente.
A análise
identificou igualmente que 45,9% culpam o governo anterior, liderado por
Alberto Fernández pela má situação econômica da Argentina, enquanto 39,1% veem
a administração de Milei como responsável.
Fonte:
Sputnik Brasil
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