Garimpo desacelera, mas segue
inviabilizando saúde do povo Yanomami
Pouco mais de um ano
depois de o governo federal declarar emergência em saúde pública e expulsar
invasores da Terra Indígena Yanomami (TIY), a maior do país, o garimpo ilegal
na área sofreu uma desaceleração. Apesar disso, as atividades criminosas não
apenas continuam ocorrendo, como inviabilizam o atendimento de saúde da
população, que mantém baixa cobertura vacinal, padece de problemas de saúde e
mortes por doenças tratáveis, além de sofrer intimidações, afetando o trabalho
dos profissionais de saúde.
As conclusões constam
de nota técnica da Hutukara Associação Yanomami, publicada nesta sexta-feira
(26). O documento é endossado pelas associações Wanassedume Ye’kwana (Seduume)
e a Urihi Yanomami, e conta ainda com o apoio técnico do Instituto Socioambiental
(ISA) e do Greenpeace.
Segundo os dados
apresentados pela entidade, a área total impactada pelo garimpo na terra
indígena cresceu cerca de 7% em 2023, atingindo um total de 5.432 hectares.
Esse número representa desaceleração significativa na taxa de crescimento da
área degradada, na comparação com o avanço vertiginoso verificado em anos
anteriores, quando o garimpo ilegal no território chegou a crescer 54% entre
2021 e 2022, e 30%, entre 2019 e 2020.
As regiões que mais
sofreram com a devastação foram as bacias dos rios Couto Magalhães, Mucajaí e
Uraricoera. Historicamente, esses são os rios mais afetados pelo garimpo ilegal
na Terra Indígena Yanomami. Do total de 37 divisões internas do território, 21
foram impactadas pelo garimpo no ano passado. Esse monitoramento é feito por
meio de imagens de uma constelação de satélites de média e alta resolução,
vinculados ao Sistema de Monitoramento de Garimpo Ilegal (SMGI). Os dados
também são usados para balizar ações das forças de segurança no território.
“Máquina tem força,
máquina destrói tudo, rasga, derruba floresta, bota veneno na água. Peixe é
nosso alimento, alimento do povo originário. Nós não temos loja, como vocês têm
na cidade, guardando comida. Nós não precisamos usar água encanada, precisamos
do rio. É assim a cultura Yanomami. Garimpeiros estão voltando para continuar
garimpando, mas agora chega de maltratar meu povo yanomami e ye’kwana”,
desabafou o escritor e líder indígena Davi Kopenawa, em vídeo enviado à
imprensa para apresentar o documento da Hutukara.
Ao todo, 308 indígenas
yanomami morreram em 2023, sendo 129 por doenças infecciosas, 63 por
parasitárias e 66 por respiratórias. O número é inferior, mas não muito
distante das 343 mortes registradas em 2022, quando a crise estourou. No ano
passado, sete indígenas morreram em confrontos com armas de fogo levadas ao
território por garimpeiros ilegais.
·
Repressão
descontinuada
A nota técnica aponta
mudança na dinâmica do garimpo ilegal ao longo do ano passado. Quando as forças
de segurança do governo federal iniciaram forte operação de comando e controle,
no primeiro semestre, estima-se que cerca de 80% do contingente de invasores
foram expulsos da terra, mas com o relaxamento das medidas a partir do segundo
semestre, “observou-se a reativação e a intensificação da exploração em
diversas zonas”.
Denúncias das próprias
comunidades indígenas mostram que duas situações diferentes ocorreram após o
início da repressão das forças de segurança. De um lado, algumas zonas de
garimpo se mantiveram intactas por causa da resistência de grupos mais
violentos, ainda não debelados. Outras áreas de exploração mineral,
inicialmente abandonadas, foram sendo reativadas ao longo do ano.
Também foi observada
mudança nos centros de distribuição da logística do garimpo, que se deslocaram
para áreas mais próximas ou já dentro do território venezuelano. Imagens de
satélite mostram o aparecimento, a partir de julho do ano passado, de nova pista
clandestina para aviões ilegais em uma área a três quilômetros (km) da
fronteira, e outra já em área do país vizinho.
“Segundo informações
de terreno, o garimpo ilegal no Alto Orinoco vem se intensificando desde o
início das operações em 2023, e parte de sua logística é operada no Brasil, em
articulação com o garimpo do Alto Catrimani, Homoxi, Xitei, entre outros”, diz trecho
do relatório. À Agência Brasil, o diretor de Amazônia e Meio Ambiente da
Polícia Federal (PF), Humberto Freire de Barros, confirmou que aviões ilegais
continuam entrando e saindo diariamente no Território Yanomami.
De acordo com dados do
relatório, há uma média de três aeronaves por dia com destino à pista do
Mucuim, na região do Rio Uraricoera. A pista havia sido inutilizada no primeiro
semestre, mas foi restaurada para uso pelos garimpeiros. “Pessoas da região atribuem
a rápida reestruturação do garimpo no Uraricoera às débeis e descontinuadas
operações de extrusão, que deveriam ter ocorrido com maior força e frequência”,
diz o levantamento.
No início de janeiro
deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva convocou uma reunião ampliada
para cobrar ministros pela efetividade das ações, já tendo informações que as
ações criminosas persistiam no território. Em decorrência disso, o governo federal
anunciou a criação de nova estrutura permanente em Roraima para coordenar as
ações e serviços públicos direcionados aos yanomami.
Em balanço da semana
passada, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama) informou ter realizado 205 vistorias em pistas de pouso na
terra indígena e entorno. Com isso, 31 pistas foram embargadas e 209
monitoradas. A força-tarefa envolveu também a PF, a Fundação Nacional dos Povos
Indígenas (Funai), a Força Nacional de Segurança Pública e outros órgãos do
governo.
Entre apreensão e
destruição de bens, os fiscais interditaram 34 aeronaves, 362 acampamentos, 310
motores, 87 geradores de energia, 32 balsas, 48 mil litros de combustível, 172
equipamentos de comunicação e mais de 150 estruturas logísticas e portos de apoio.
Houve ainda a apreensão de 37 toneladas de cassiterita, o principal minério
extraído da região, 6,3 quilos de mercúrio e pequenas porções de ouro.
·
Saúde desestabilizada
No relatório, as
entidades afirmam que a persistência do garimpo na terra indígena ainda é fator
de desestabilização do atendimento de saúde da população. No território, o
modelo de saúde foi estabelecido para prever a presença permanente de
funcionários nas unidades básicas de Saúde e visitas frequentes às comunidades
mais distantes.
“A persistência de
núcleos de exploração do garimpo no território impede a retomada das ações de
promoção e prevenção em saúde em muitas comunidades mais vulneráveis. Devido ao
clima de insegurança e conflito nessas zonas, os profissionais de saúde têm evitado
visitas em muitas aldeias, com sérias implicações para a realização de ações
fundamentais de atenção básica, como vacinação, busca ativa de malária e
pré-natal. Foi exatamente esse mecanismo que ajudou a produzir a crise que
atingiu seu ápice em 2022. Em 2023, já no cenário da Declaração da Emergência,
a manutenção de altas taxas de mortalidade por doenças do aparelho respiratório
– que vitimou em 2023 pelo menos 66 pessoas na TI Yanomami – é uns dos maiores
exemplos da correlação entre manutenção do garimpo e desassistência”, diz a
nota.
A baixa resistência
imunológica dos yanomami é tida como agravante para casos de doenças
respiratórias, o que faz com que as infecções atinjam alto índice da população,
comprometendo de forma expressiva suas atividades de subsistência e facilmente
evoluindo para complicações e mortes. Para reverter o quadro, visitas de
equipes de saúde nas aldeias precisam ser frequentes, além da disponibilização
de equipamentos como concentradores de oxigênio, nebulizadores e kits de
higiene.
·
Vacinação ameaçada
Outra medida
preventiva fundamental é a vacinação. No entanto, como indica o relatório,
dados do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) mostram que entre as
crianças de até 1 ano de idade, menos da metade recebeu todas as vacinas
previstas, e na faixa de 1 a 4 anos, em metade dos polos a cobertura não
atingiu 50%.
No Xitei, região com
população total de mais de 2 mil pessoas, a vacinação abrangeu apenas 1,8% das crianças
de até 1 ano, e 4,2% das crianças de 1 a 4 anos. “Nessa região, por sua vez,
sabe-se que a equipe de profissionais de saúde, além de ser pouco numerosa,
está impedida de realizar as visitas às casas coletivas, porque o garimpo
persiste no local, com inúmeros episódios de violência e ameaças. Ali, pelo
menos 12 crianças menores de cinco anos morreram em 2023, sendo cinco por
pneumonia”, informa o relatório.
Em um dos alertas
recebidos, os indígenas do Xitei denunciam a presença de jagunços do garimpo,
além da existência de conflito aberto entre diferentes grupos de garimpeiros,
“colocando as comunidades em situação de fogo cruzado”.
Os casos de malária no
território seguiram em alta em 2023, com mais de 25 mil casos notificados até o
fim de outubro. A malária é uma doença infecciosa que causa febre aguda e
transmitida pela picada da fêmea do mosquito Anopheles, que se reproduz de forma
abundante em água parada. As cavas de água parada do garimpo são criadores
perfeitos para esses insetos transmissores.
O Ministério da Saúde
informou que investiu mais de R$ 220 milhões para reestruturar o acesso à saúde
dos indígenas da região, um valor 122% mais alto que o do ano anterior.
“Em 2023, houve a
ampliação do número de profissionais em atuação no território (+40%, passando
de 690 profissionais para 960). Também foram reabertos sete polos-base e
unidades básicas de saúde indígena, que estavam fechados por ações criminosas,
totalizando 68 estabelecimentos de saúde com atendimento em Terra Yanomami.
Nessas localidades, onde é possível prestar assistência e ajuda humanitária,
307 crianças diagnosticadas com desnutrição grave ou moderada foram
recuperadas. Além disso, o governo federal, por meio do Programa Mais Médicos,
permitiu um salto de 9 para 28 no número de médicos para o atendimento aos
yanomami em 2023. Três vezes mais médicos em atuação”.
·
Expulsão definitiva
As associações
indígenas pedem, no relatório, que o governo federal retome com força as
operações de desintrusão de garimpeiros da terra indígena, elabore um plano de
proteção territorial completo e viabilize que comunidades indígenas possam ter
a opção de se mudar das áreas mais afetadas pela presença dos invasores.
“Os dados demonstram
que embora o atual governo tenha se mobilizado para combater o garimpo ilegal
na TIY em 2023, os esforços foram insuficientes para neutralizar a atividade na
sua totalidade. De fato, houve importante redução no contingente de invasores,
o que pode ser verificado na desaceleração das taxas de aumento de área
degradada, mas o que se verificou ao longo de 2023 é que, ainda que em menor
escala, o garimpo permanece produzindo efeitos altamente nocivos para o
bem-estar da população.. Além de contribuir para a proliferação de doenças
infectocontagiosas e dos impactos ambientais, a presença dos garimpeiros tem
efeitos diretos na estabilidade política das regiões e na segurança efetiva das
famílias indígenas e dos profissionais de saúde, em muitos casos inviabilizando
a livre circulação das pessoas e a possibilidade da realização de visitas
regulares às aldeias”, diz o texto.
Ø
Terras públicas são destinadas aos povos
Kanela do Araguaia e Apurinã
Retomada em setembro
do ano passado, por meio de decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula
da Silva, a Câmara Técnica de Destinação e Regularização Fundiária de Terras
Públicas Federais Rurais realizou, nesta sexta-feira (26), as primeiras entregas
entre as ações de prevenção e controle do desmatamento na região amazônica.
A medida, que destina
à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) pouco mais de 22 mil hectares
de terra pública para usufruto de grupos indígenas, está publicada no Diário Oficial da União.
O documento trata de
uma área de 2,47 mil hectares da Gleba São Pedro, localizada no município de
Luciara, estado de Mato Grosso, que destinada à regularização da Terra Indígena
Kanela do Araguaia. Também foi definido o uso de 3,57 mil hectares da Gleba Afluente,
e 16,40 mil hectares da Gleba Bom Lugar, totalizando 19,97 mil hectares, para
regularização parcial da Terra Indígena Aripunã Valparaíso, localizada no
município de Boca do Acre, estado do Amazonas.
A medida define a
finalidade para o uso da terra, que deverá ter continuidade com a demarcação e
transferência de domínio pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (Incra). Durante esse processo, foi recomendado que a Secretaria do
Patrimônio da União do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos
garanta a segurança jurídica, com a emissão de portarias de declaração de
interesse do serviço público e que a Funai manifeste esse interesse, no Sistema
de Gestão Fundiária.
·
Finalidade
A Câmara Técnica de
Destinação e Regularização Fundiária de Terras Públicas Federais Rurais é um
colegiado do governo federal, de caráter deliberativo sobre a destinação de
terras públicas. É coordenada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e
Agricultura Familiar e tem a participação dos ministérios do Meio Ambiente e
dos Povos Indígenas, Secretaria de Patrimônio da União, Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra), Serviço Florestal Brasileiro, Instituto
Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e Funai.
A principal finalidade
da câmara técnica é a regularização fundiária de áreas da União e do Incra com
destinação de terras, que priorizam políticas públicas de conservação ambiental
e o uso social da terra, conforme previsto na Constituição Federal.
Fonte: Agencia Brasil
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