Raízes sagradas: blocos afro e afoxés
celebram relação com o candomblé
A ancestralidade está
diretamente ligada aos blocos afros e afoxés que abrilhantam o carnaval de
Salvador. É uma conexão direta e natural, até porque, o primeiro desses blocos
surgiu em um terreiro de candomblé. O Ilê Aiyê, o qual celebra seu 50º aniversário
neste ano, foi criado em novembro de 1974 por Antônio Carlos dos Santos, o Vovô
do Ilê, no terreiro Ilê Axé Jitolu, de Hilda Jitolu, que fica sediado na
ladeira do Curuzu, no bairro da Liberdade.
Ouvidora geral do
Estado da Bahia e diretora do Ilê Aiyê, Arany Santana, afirma que o “terreiro
foi um grande celeiro que deu margem a essa explosão de blocos afros e de
afoxés”. “Os afoxés antecederam os blocos afros, porque todo afoxé,
obrigatoriamente, nasce de um terreiro de candomblé. Todo e qualquer afoxé. Mas
o bloco afro não, ele é mais contemporâneo, ele só tem 50 anos”, pontua, em
entrevista ao projeto Sons do Terreiro Mundo, do A TARDE Play.
“O bloco afro já é uma
escola que, ao vislumbrar o afoxés, recria uma modalidade nova que não é
obrigatório que as pessoas sejam de terreiro. Ele sofistica tudo. A
indumentária, a dança, os amarrados, as cantigas, se criam novas músicas, e as
músicas se reportam à Mãe África, à cultura africana.” - Arany Santana,
diretora do Ilê Aiyê
Nesse sentido, o
percussionista e pesquisador Gabi Guedes enfatiza que a música afro vem abrindo
portas há séculos. “Até hoje é assim. Os toques que se apresentam nas festas
populares, nas festas de largo, nos carnavais, toda essa formação rítmica vem
dos terreiros, desde a época do Pixinguinha. As batidas vêm dos terreiros. As
pessoas sempre pesquisaram sobre o samba, que vem do candomblé também”.
Prestes a completar 75
anos de existência, o Afoxé Filhos de Gandhy também tem uma relação muito forte
com a ancestralidade. “O Filhos de Gandhy tem muito a ver com o candomblé
porque quem compõe o bloco são todos de axé. O bloco é o candomblé. O candomblé
tem uma irmandade muito forte com esse bloco. Entre os elementos que evidenciam
a relação do gandhy com o candomblé tem água de cheiro, a alfazema, o milho
branco, a pipoca, a pomba da paz. Tudo que tem no candomblé tem no Gandhy”, diz
o Babalorixá Pai Toinho.
• “É raro ser de um bloco afro e não ser
do axé”
Integrantes do maior
balé afro do mundo, o Malê Debalê, o bailarino Agnaldo Fonseca e a dançarina
Juliete Ribeiro destacaram a importância do candomblé para o grupo. “Os blocos
afros têm compromissos políticos, de resistência negra, de ocupar espaços dentro
dos seus referenciais estéticos e, principalmente, de religiosidade”, inicia
Fonseca.
Segundo ele, “por mais
que seja um lugar profano, de rua, a ancestralidade está ali presente. Quando a
gente fala de rua, fala dessas encruzilhadas. Os terreiros são de extrema
importância porque é preciso nos prepararmos. Todas as nossas insurgências negras
vieram pelo corpo”.
“Os espaços de axé
foram as primeiras organizações negras de potencialização, porque quando
chegamos aqui na condição de escravizados o único lugar que o negro se segurou
foi a nas suas heranças ancestrais africanas. Foram elas que mantiveram eles
para resistir como estamos resistindo até hoje. Os espaços de terreiro são de
extrema importância para manter firme essa fé”, conclui.
Já para Juliete
Ribeiro, “não há como falar dos blocos afros se não tiver ligado a um terreiro
de candomblé, porque as danças partem desse locais, essa ancestralidade, onde a
gente trabalha os arquétipos e as simbologias dos orixás”.
“[...] A gente não sai
para mostrar o nosso trabalho sem antes ir no axé fazer todo o preparo. A gente
não pode ir para uma festa de rua de peito aberto. É raro ser de um bloco afro
e não ser do axé. É coligado, não tem como separar” - Juliete Ribeiro, dançarina
do Malê Debalê
Outro bloco que faz
questão de enaltecer suas raízes é Olodum, que, conforme o presidente Marcelo
Gentil, “tem um envolvimento enorme com a religiosidade afro-brasileira”.
“O papel do Olodum
enquanto bloco afro é dar a sua contribuição para manter viva e reconhecida a
religiosidade afro-brasileira, que é a religiosidade a qual eu pertenço.” -
Marcelo Gentil, presidente do Olodum
• Legado da ancestralidade
Fundada em 13 de
dezembro de 1993, em Salvador, pelo mestre de bateria Neguinho do Samba
(1945-2009), que também criou o samba-reggae e marcou, em definitivo, a Bahia
no mapa mundial da música, a Didá é a primeira banda de percussão formada só
por mulheres negras do Brasil. Para a diretora de projetos da banda e primeira
maestrina feminina de samba-reggae, Adriana Portela, os tambores do grupo
“ecoam os sons de matriz africana”.
“Para além de ser uma
banda feminina, nós também herdamos esse legado da ancestralidade. Não se pode
dizer que não tem um paralelo entre os tambores de samba-reggae e os tambores
do terreiro de candomblé. Nós usamos células de matriz africana dentro do nosso
ritmo samba-reggae. Não há como não participar dessa conexão”, completa.
Artista plástico e
criador do Cortejo Afro, Alberto Pitta, destaca que o candomblé não é
importante apenas para o cortejo, mas sim para os blocos afros. “O Ilê Aiyê foi
fundado dentro de um terreiro de candomblé. A partir disso, várias comunidades
começaram a fundar seus blocos afros e seus afoxés e, naturalmente, feitos por
pessoas ligadas aos terreiros de candomblé. Daí isso vira uma tradição. Todo
afoxé e bloco afro tinha a sua mãe de santo”.
“Ou seja, o candomblé
legitima o carnaval negro e baiano.” - Alberto Pitta, criador do Cortejo Afro
Orquestra formada por mulheres que tocam
xequerê se apresenta no dia 2
Formada por mulheres
de todo o país, a Orquestra Agbelas, que é especializada em tocar xequerê, se
apresentará na Festa de Iemanjá às 7h desta sexta-feira, 2, na Rua da
Paciência.
A oferenda musical do
grupo faz parte da programação do Festival Somente Flores para Iemanjá,
iniciativa que completa 17 anos em 2024. “Nossa apresentação é um presente para
Iemanjá. Construímos juntas uma Orquestra de Agbê, tambem conhecido como
xequerê, na qual esse instrumento e as mulheres são as protagonistas",
disse a líder e fundadora da Orquestra e da iniciativa Agbelas, Gio Paglia.
"Os temas
mulheres negras e justiça climática serão as pautas principais dentro da
tradicional Festa de Iemanjá desse ano, e estão totalmente alinhadas com os
fundamentos e filosofia das Agbelas”, continuou Gio. As Agbelas pesquisam,
praticam e ensinam ritmos, toques e a confecção do instrumento xequerê, que tem
origem africana.
Fonte: A Tarde
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