Luiz Nassif: Um quadro econômico complexo
pela frente
Em qualquer
circunstância, política econômica é meio para se atingir os verdadeiros
objetivos de qualquer estado nacional.
Peça 1 – economia
estagnada
Divulgada na
quarta-feria, a Pesquisa Mensal do Comércio (PMC), do IBGE, registrou alta de
apenas 0,7% no mês de novembro e de 1,95% em 12 meses. No acumulado de 12
meses, é um indice 1,6% abaixo de novembro de 2020.
Já a Pesquisa Mensal
da Indústria (PMI), referente a novembro, mostrou queda mensal das Indústrias
de Transformação (-0,23%). O índice geral mostrou alta de 0,52% mas devido
exclusivamente às exportações de commodities agrícolas e minerais.
A indústria de
transformação é a que mede, efetivamente, a temperatura da economia interna, o
potencial de geração de empregos e de arrecadação fiscal.
Em 12 meses, a
indústria cresceu 1,16%, mas puxada pelas indústrrias extrativas (+14,01%)
compensando a queda de 0,76% na indústria de transformação. Nem se ouse
comparar com 120 meses atrás.
Quando se analisam as
grandes categorias econômicas, Bens de Capital (o setor que produz máquinas que
irão registrar nova produção à economia) teve queda de 15,32% em 12 meses. Mostrei
aqui a diferença de preços entre uma máquina chinesa, importada, e uma máquina
produzida pela Romi, a maior indústria brasileira de máquinas. E essa invasão
chinesa está afetando setores consolidados, como o siderúrgico.
• Peça 2 – o equilíbrio fiscal
Na quarta-feira, o
Tribunal de Contas da União divulgou suas estimativas sobre a questão fiscal.
• O trabalho constatou que a Receita
Primária Federal Líquida, em 19,2% do PIB, é muito acima do que foi observado
nos anos recentes, indicando estar superestimada. Além disso, a
sustentabilidade da Dívida Líquida do Setor Público parece não ser alcançável
nos próximos 10 anos. O valor estimado pelo Instituto Nacional do Seguro Social
(R$ 12,5 bilhões) em economia de despesas também não é factível.
Ou seja, para não
haver cortes orçamentários, teria que haver um crescimento das receitas – que
depende do comportamento da economia – e de algumas medidas fiscais, que o TCU
julgou insuficientes. Sua estimativa é de um déficit primário de até R$ 55,3 bilhões,
e o descumprimento da meta de resultado fiscal proposta na Lei de Diretrizes
Orçamentárias.
• Peça 3 – a taxa de juros
Mantidas as atuais
regras do jogo, o Copom (Comitê de Política Monetária) terá muitos argumentos
para reduzir o ritmo de queda dos juros. Ontem, o FMI (Fundo Monetário
Internacional) apitou a flauta de Hamlin para os bancos centrais encerrarem o
ciclo de queda dos juros.
Segundo o Financial
Times, a bíblia do mercado, um alto funcionário do FMI alertou que os bancos
centrais precisam agir com cautela no corte das taxas de juros este ano, já que
as expectativas do mercado de uma política monetária mais frouxa podem alimentar
outro surto de inflação.
No mesmo tom, Karen
Ward, estrategista-chefe de mercado para Europa, Oriente Médio e África na
JPMorgan Asset Management, reforçou que, passado o entusiasmo com a decisão do
FED, de não aumentar os juros, o mercado deveria cair na real e começar a se
preocupar com a volta da inflação.
É um jogo modorrento,
de tão previsível. Se a inflação aumenta, há que se aumentar os juros. Se a
inflação cai, há que se aumentar os juros para a inflação não subir de novo.
Aliás, sugiro a
leitura do livro “História da Diplomacia Monetária”, de Maurício Metri. Aí se
entenderá melhor o uso que a Inglaterra fez da política monetária, quando a
libra dominava e o Banco da Inglaterra dava as ordens, sucedido pela era do
dólar e do FED (o Banco Central americano). E como os países periféricos iam
bovinamente para o matadouro, até que fossem salvos pelo Senhor Crise.
Enquanto isto, o
Conselho de Estado da China alterou as regras do Comitê de Política Monetária
do PBOC (o banco central chinês). Pelas novas regras, quem passa a definir a
política monetária é o Partido Comunista chinês.
Segundo a nota
oficial,
A alteração também
estimula o fortalecimento da orientação das expectativas e da comunicação com o
mercado, acrescentou.
Antes disso, em
setembro do ano passado, Liu Shijin, membro do comitê de política monetária do
Banco Popular da China (PBOC), alertava para as restrições da política
monetária, devido à ampliação dos diferenciais de juros em relação aos Estados
Unidos.
“Se a China continuar
a se concentrar em políticas macro em seus esforços para estabilizar o
crescimento, haverá cada vez mais efeitos colaterais. Mais importante ainda,
perderemos novamente a oportunidade de fazer reformas estruturais.”
As reformas
estruturais anunciadas passam pela demanda – com a proposta de oferecer aos
trabalhadores imigrantes acessos aos serviços públicos -, e do lado da oferta,
com o estímulo ao empreendedorismo em setores emergentes.
• Peça 4 – a economia como meio
A diferença fundamental
entre o modo de pensar Ocidental – profundamente amarrado à coordenação do FMI,
como representante do grande capital financeiro – e a China está na maneira
como analisam a política econômica.
Em qualquer
circunstância, política econômica é meio para se atingir os verdadeiros
objetivos de qualquer estado nacional: a promoção do desenvolvimento como
maneira de alcançar o bem estar social da população. E o bem-estar, na forma de
atendimento em educação, saúde e outros direitos, é o motor que impulsiona o
desenvolvimento, pela oferta de mão de obra especializada e pelo fortalecimento
do mercado interno.
Só que se tem um país
que foi institucionalmente destruído pela irresponsabilidade golpista do
período mensalão-Bolsonaro, um governo politicamente enfraquecido pelo controle
do Centrão sobre o Congresso, do mercado sobre os gastos públicos e uma mídia que,
ao mesmo tempo, defende o controle de gastos e critica a retirada de isenções
espúrias a setores empresariais e religiosos.
Em algum momento, o
governo Lula terá que pagar para ver. Se permitir a manutenção dos juros
atuais, se continuar com as mãos amarradas para investimentos públicos e
políticas de defesa da produção nacional – especialmente contra a invasão
chinesa – apenas adiará a ida para o matadouro.
É mais do que hora de
encabeçar um movimento em defesa da produção nacional.
Como as privatizações contribuem para o
aumento da desigualdade no Brasil e no mundo
A privatização de
empresas públicas está entre as principais causas do aumento da desigualdade
social no mundo, de acordo com um estudo realizado pela organização
internacional Oxfam. O trabalho foi divulgado na segunda-feira (15) e indica
que a venda de companhias estatais faz com que empresários fiquem cada vez mais
ricos enquanto lucram prestando serviços cada vez mais caros à população cada
vez mais pobre.
A Oxfam dedica-se há
anos a levantar dados sobre o aumento da discrepância social entre ricos e
pobres no mundo. A entidade divulga anualmente um relatório sobre o assunto
junto com o início do Fórum Mundial Econômico de Davos, na Suíça, onde
lideranças políticas e empresariais de todo mundo reúnem-se para tratar desse e
de outros assuntos.
Neste ano, o relatório
da Oxfam foi intitulado de “Desigualdade S.A.”. Está focado em explicar como
grandes empresas estão entre as grandes responsáveis pelo crescimento forte e
constante da desigualdade mundial.
Segundo a Oxfam, a
riqueza dos cinco mais ricos do mundo dobrou desde 2020. Ao mesmo tempo, 60% da
população global – cerca de 5 bilhões de pessoas – ficou mais pobre. Ainda de
acordo com a entidade, isso aconteceu, em parte, por conta das privatizações.
No Brasil, há
políticos, como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos),
e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que ainda defendem esse tipo de venda do
patrimônio público, aliando-se ao interesse de grandes companhias interessadas
em expandir seus negócios. Para a Oxfam, o resultado dessas operações é uma
maior concentração de renda.
“Uma forma importante
– embora subestimada – pela qual o poder das grandes empresas fomenta a
desigualdade é a privatização dos serviços públicos. Em todo o mundo, esse
poder está pressionando incessantemente o setor público, mercantilizando e,
muitas vezes, segregando o acesso a serviços vitais como educação, água e
saúde, enquanto obtém enormes lucros bancados pelos contribuintes e destrói a
capacidade dos governos de fornecer o tipo de serviços públicos universais e de
alta qualidade que poderiam transformar vidas e reduzir a desigualdade”, diz o
relatório.
“A privatização pode
funcionar bem para os ricos, incluindo as elites econômicas e políticas, que
podem se beneficiar financeiramente, bem como quem tem recursos suficientes
para pagar por serviços privados caros. No entanto, um robusto conjunto de
evidências demonstra que, em muitos casos, a privatização provoca exclusão,
empobrecimento e outras consequências prejudiciais”, acrescenta.
• ‘Privatização moderna’
A Oxfam ressalta que o
interesse em privatizações é enorme já que “elas movimentam trilhões de dólares
e representam imensas oportunidades de geração de lucros”. Instituições como o
Banco Mundial, que em tese atua para reduzir a pobreza e desigualdade, seguem
apoiando esse tipo de negócio, que hoje acontece de diversas formas:
“integração deliberada do setor empresarial em políticas e programas públicos,
terceirizações e parcerias público-privadas (PPPs)”, enumera.
“Muitos sistemas
contemporâneos [de privatização], como as PPP e a terceirização, podem ser
altamente dispendiosos para o Estado e exigir que os contribuintes garantam os
lucros do setor privado. Os riscos fiscais das PPPs são particularmente
elevados, o que lhes valeu o apelido de ‘bombas-relógio orçamentárias’. O fato
desses sistemas representarem frequentemente um fardo pesado para os cofres
públicos e geralmente custarem mais do que os serviços públicos coloca em
questão os argumentos de que a privatização é necessária porque o setor público
carece de recursos suficientes”, escreve a Oxfam, sobre as novas formas de
privatização.
Mauricio Weiss,
economista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS),
acrescenta que a situação financeira dos estados segue como o maior argumento
em favor das privatizações. Segundo ele, inclusive no Brasil, o setor
empresarial pressiona os governos por corte de gastos e controle do orçamento
público. Isso, na verdade, inviabiliza o funcionamento de estatais e a
prestação de um serviço de qualidade. Resta ao Estado, portanto, privatizar.
“O que o mercado
financeiro fala? Que o Estado tem que cortar os gastos. Se há corte de gastos,
o governo reduz o investimento, inclusive nas estatais. Elas param de ter
eficiência. Vira um argumento para privatizar”, descreve Weiss. “O privado faz
a demonização das estatais porque eles querem privatização a preço baixo no
mercado.”
Segundo Weiss, esse
discurso de austeridade pautou privatizações de Bolsonaro. Empresas como a
Eletrobras tiveram seu controle vendido por valores questionáveis. Empresários
ganharam espaço em setores essenciais e com pouca concorrência – no caso,
energia elétrica –, demitiram trabalhadores e aumentaram os ganhos da
diretoria.
A Eletrobras, por
exemplo, lançou um plano de demissão voluntária (PDV) após a privatização para
desligar mais de 2 mil trabalhadores. Ao mesmo tempo, a empresa aumentou em
3.500% no salário de seus administradores.
• Desigualdade tributária
Jefferson Nascimento,
coordenador de Justiça Social e Econômica da Oxfam Brasil, diz que o
fortalecimento do orçamento público é fundamental para evitar as privatizações
e reduzir a desigualdade. Isso ocorre basicamente cobrando mais impostos dos
ricos para oferecer melhores serviços aos pobres.
“Existe um amplo apoio
ao fornecimento de serviços públicos universais, e esses serviços têm custo. Os
custos são pagos por impostos”, lembrou. “Os impostos precisam ser mais justos
para financiar esses serviços.”
No Brasil, no entanto,
o sistema tributário contribui com as injustiças, segundo Nascimento. O governo
concede descontos em tributos para empresas e sobre determinadas despesas que
só beneficiam a população mais rica.
Ele lembra por exemplo
que todas as custas médicas podem ser descontadas sobre o Imposto de Renda.
Contudo, só ricos têm esse tipo de gasto, já que grande parte da população usa
o Sistema Único de Saúde (SUS). “Cerca de 400 mil pessoas deduziram do seu imposto
de renda R$ 26 bilhões só em 2022. Isso é 23% de tudo o que foi deduzido em
despesas médicas no ano, de acordo com dados da Receita.”
Nascimento diz que o
governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem sinalizado um esforço
para a mudança na tributação sobre renda no país. Para ele, contudo, não é tão
claro quanto foi o empenho feito para a reforma dos impostos sobre o consumo,
aprovada no ano passado sem um efeito significativo contra a desigualdade.
Ao mesmo tempo, o
governo estabeleceu o déficit zero das contas públicas já a partir de 2024 e
colocou em vigor o Novo Arcabouço Fiscal (Naf). A nova regra limita o gasto
público com base no crescimento da receita. Isso pode enfraquecer ainda mais o
estado caso a arrecadação não cresça e acabar, ao fim, fomentando novas
privatizações.
Fonte: Jornal
GGN/Brasil de Fato
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