Operações da PF mostram que crise na Abin
era questão de tempo
Nos bastidores do
Congresso, a crise na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) era esperada há muito tempo, antes mesmos de serem
desfechadas as operações Última Milha, em outubro de 2023, e Vigilância
Aproximada, na última quinta-feira. Para integrantes da base governista, a
instituição não apenas continuava contaminada pelo bolsonarismo, como não
percebiam na figura de Luiz Fernando Corrêa a necessária energia para limpar a
área.
A principal prova de
que o delegado federal aposentado talvez pudesse ser tragado pelos
simpatizantes do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro remanescentes na
agência — e possivelmente integrantes da "Abin paralela" montada pelo
ex-diretor Alexandre Ramagem —, foi que esperou dois meses para ser sabatinado
pela Comissão de Relações Exteriores e Segurança Nacional do Senado. Parte do
colegiado, incluindo o presidente, senador Renan Calheiros (MDB-AL), via com
preocupação o fato de Corrêa ter indicado — antes mesmo de ter o nome analisado
pelos parlamentares — dois auxiliares considerados bolsonaristas.
·
Indicações
Um deles é Alessandro Moretti, o segundo no comando da Abin. O delegado federal é tachado como muito ligado ao ex-ministro
da Justiça e Segurança Pública Anderson Torres — que cumpre prisão domiciliar
pelo envolvimento na tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro de 2023. O
outro era Paulo Maurício Fortunato Pinto, que ocupava o terceiro cargo mais
importante da agência — foi secretário de Planejamento e Gestão.
Fortunato foi
alcançado pela operação Última Milha, que já apurava o uso indevido da
ferramenta de monitoramento First Mile. Na incursão, os agentes ainda
encontraram na casa do ex-diretor US$ 171.800, que, segundo ele, era "a
poupança de uma família que tinha sonhos para a aposentadoria".
A operação prendeu,
ainda, os ex-servidores da Abin Rodrigo Colli e Eduardo Arthur Izycki — que por
conhecerem o funcionamento do First Mile estariam coagindo a direção da agência
para não serem demitidos.
·
Abin tentou obstruir a PF de buscar
documentos do esquema paralelo
Funcionários da
Agência Brasileira de Inteligência (Abin) tentaram dificultar que a Polícia
Federal (PF) cumprisse os mandados de busca e apreensão, na sede da agência,
por conta da Operação Vigilância Aproximada. Segundo agentes que participaram
da incursão, foi preciso que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo
Tribunal Federal (STF) — que autorizou a ação dos federais — emitisse uma nova
ordem ameaçando de prisão quem tentasse atrapalhar a coleta do material.
A informação da
tentativa de restringir a ação da PF foi divulgada, inicialmente, pelo Blog da
Andreia Sadi, no site G1. A ida dos federais à Abin foi uma das vertentes da
operação, desfechada na quinta-feira, contra o ex-diretor da agência e hoje
deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ). O parlamentar não apenas seria o
responsável por montar um esquema de espionagem ilegal, utilizando o sistema
First Mile, como ainda receberia informações sensíveis de dentro da instituição
— algo que deixou o atual diretor, Luiz Fernando Corrêa, e seu braço-direito,
Alessandro Moretti, em situação insustentável, podendo ser demitidos nos
próximos dias.
Os agentes foram à
Abin coletar dados de que o esquema de espionagem montado ilegalmente por
Ramagem tinha por objetivo bisbilhotar autoridades e pessoas públicas
consideradas inimigas de Jair Bolsonaro. O esquema também se proporia a passar
ao ex-presidente informações privilegiadas de operações que envolvessem seus
filhos.
A partir da chegada da
PF, funcionários da Abin resistiram a permitir o acesso a dados e informações
considerados importantes para confirmar a criação da "Abin paralela"
por Ramagem. Conforme justificaram para os agentes, seria necessário que no
mandado de busca expedido por Moraes se especificasse qual seria o objetivo e o
alcance da medida.
A partir da nova ordem
do ministro é que a PF obteve o que fora buscar. Nela, Moraes, inclusive, frisa
que quem tentasse atrapalhar a coleta do material, seria preso em flagrante —
além de detalhar a extensão das buscas.
• Retirada de sigilo
Em paralelo ao
andamento das investigações, agentes da PF solicitaram a Moraes que seja
retirado o sigilo do relatório sobre o esquema de espionagem ilegal montado por
Ramagem — pretendem que os nomes daqueles que foram monitorados ilegalmente
venham à tona. Fontes ouvidas pelo Correio asseguram que o pedido está sendo
avaliado pelo magistrado.
De acordo com fontes
ligadas à investigação, aproximadamente 1,8 mil pessoas foram espionadas. Além
do First Mile, a bisbilhotagem utilizou outros programas que possibilitavam o
acesso a dados mais completos dos celulares das vítimas — como mensagens de texto
e tráfego de informações em redes sociais. Um deles seria o aplicativo
LTESniffer, que intercepta tráfego em redes 4G.
Ø
Bolsonaristas tentam se recompor após
efeito causado por operações da PF
Os bolsonaristas foram
duplamente atingidos em menos de uma semana. Duas operações da Polícia Federal (PF) contra dois deputados do PL do Rio de Janeiro balançaram
as estruturas do partido do ex-presidente da República e deixaram irritado e
atônito o presidente da legenda, Valdemar Costa Neto, que chegou a bater boca
com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de quem cobrou
explicações e atitudes.
Num intervalo de seis
dias, agentes da PF estiveram em dois gabinetes no Anexo IV da Câmara: no
sétimo andar, de Carlos Jordy, e no quarto andar, de Alexandre Ramagem. Os
policiais compareceram também às residências dos parlamentares, onde fizeram
busca e apreensão de documentos e de aparelhos, como celulares e notebooks.
Para Jair Bolsonaro e
seus correligionários, essas operações são investidas com propósito de atingir
a extrema direita, e fragilizar o partido e seus candidatos a prefeito, em
outubro. Jordy e Ramagem são dois postulantes a esses cargos, em Niterói e no Rio,
respectivamente.
Na sua bancada de 99
deputados, o PL lista 14 prováveis candidatos às prefeituras. Alguns nomes
preocupam o partido e esse assunto foi discutido em uma reunião, na última
quarta-feira, na liderança do PL na Câmara. São os parlamentares que tiveram
problemas com o Supremo Tribunal Federal (STF) e que foram ou são alvos de
inquéritos e também da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Entre esses estão
André Fernandes (CE), cotado para concorrer em Fortaleza; Gustavo Gayer (GO),
que pode disputar em Goiânia; Abilio Brunini (MT), que anunciou ser
pré-candidato em Cuiabá; e Junio Amaral (MG), em Contagem.
Nesse encontro, 25
parlamentares discutiram e articularam que medidas pretendem adotar, ou tentar,
para impedir o que estão chamando de "perseguição contra a direita".
E apontam o ministro Alexandre de Moraes, do STF, e a PF como os perpetradores
dessa "sangria", outro termo que utilizam, contra os aliados de
Bolsonaro.
·
Foro privilegiado
Das ações a serem
adotadas no início do período legislativo, estão a pressão para pautar e votar
a emenda constitucional do fim do foro privilegiado, aprovada no Senado e que
está parada na Câmara desde 2017. A proposta acabaria com o direito a esse foro,
em caso de crimes comuns, para cerca de 55 mil autoridades, entre deputados,
senadores, ministros, governadores, juízes dos tribunais superiores,
desembargadores e uma série de outras carreiras.
Se vier a ser
aprovada, parlamentares beneficiados pela prerrogativa, serão julgados na
primeira instância da Justiça. Essa nunca foi uma pauta do bolsonarismo e, na
campanha eleitoral de 2022, o ex-presidente disse ser contra. Com os anos e os
processos no STF que atingiam a família, os Bolsonaro defenderam o fim do foro.
Depois do 8 de janeiro de 2023, com deputados da direita acusados de atentado
contra o Estado Democrático de Direito e de estimularem um golpe de Estado, a
bancada, agora, vai encampar essa bandeira.
"Vamos trabalhar
para isso, sim", disse Jordy ao Correio, após fazer um
discurso no Salão Verde, na quarta-feira, criticando a operação da PF que o
atingiu. Ele disse que o interesse é "dizimar a direita".
Outra iniciativa da
oposição é tentar fazer andar no Congresso uma PEC que obrigue que todas ações
judiciais contra deputados e senadores só sigam adiante após serem submetidas —
e aprovadas — pelas mesas diretoras das duas casas. Ou seja, processo contra
congressistas, somente com autorização de seus pares. A proposta é do deputado
bolsonarista Rodrigo Valadares (União Brasil-SE).
O parlamentar a
apresentou no dia da busca e apreensão contra Jordy, 18 de janeiro. Para fazer
o texto tramitar, ele precisa colher o apoio de 171 deputados. Até agora,
conseguiu 55, menos de um terço do necessário. E justifica a emenda:
"São ações, como
a de hoje da PF, que visam apenas intimidar e amedrontar os detentores de
mandatos eletivos, o que leva ao constrangimento público e macula a imagem de
um membro do Poder Legislativo, como, por exemplo, no caso acontecido
recentemente com o deputado federal Carlos Jordy. Uma medida que aconteceu
durante o recesso parlamentar do Legislativo, época onde a resposta do
colegiado tende a ser mais demorada, o que se agrava e transmite-se a ideia de
intimidação e coação", explicou.
Um dos líderes dessa
reunião, o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), segundo vice-presidente da
Câmara, também prestou apoio a Ramagem e a Jordy, e acusou a esquerda política
de conluio com o STF para prejudicar a oposição.
"Perseguição
contra todos os conservadores de direita, que defendemos o Brasil verde e
amarelo", disse.
O deputado Luciano
Zucco (PL-RS), outro que participou da reunião, criticou a ação da PF e endossa
a ideia de que parlamentares de seu espectro político estão sendo perseguidos.
Também presente, Carla Zambelli (PL-SP) diz que trata-se de armação política.
"Não é estranho que, em uma semana, sejam realizadas operações contra dois
fortes pré-candidatos à prefeituras no estado do Rio de Janeiro: Carlos Jordy,
por Niterói, e Ramagem, pela cidade do Rio?", desconfia.
Ø
"Abin paralela": Gonet se opôs a
afastamento de Ramagem do mandato
A Polícia Federal
pediu que o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), ex-diretor da Agência
Brasileira de Inteligência (Abin), fosse afastado do mandato enquanto investiga
se ele usou a estrutura da instituição para atender a interesses pessoais e políticos
do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A solicitação, no entanto, foi negada
pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator
do caso.
Ao defender o
afastamento do deputado, a PF afirmou que a agência, sob a gestão de Ramagem,
"estava a serviço, em verdade, do extrato político nacional". Para os
investigadores, a instituição foi loteada com aliados do governo, que formariam
uma "estrutura paralela". O deputado teria "incentivado e
acobertado" o suposto esquema de arapongagem.
"A informalidade
era um meio de ação para não deixar rastros", afirma a PF em relatório
enviado ao STF. "Os elementos de prova colhidos na fase ostensiva
revelaram eventos correlatos que sedimentam o modus operandi e a
instrumentalização da Abin sob a gestão do delegado Alexandre Ramagem."
A Procuradoria-Geral
da República (PGR) foi contra o afastamento do deputado. O procurador-geral,
Paulo Gustavo Gonet Branco, argumentou que o mandato parlamentar deve ser
resguardado e que, como Ramagem não está mais à frente da Abin, cargo que
deixou há mais de um ano, não existe justificativa para afastá-lo da Câmara.
"Se os fatos
atribuídos ao deputado Ramagem são de seriedade evidente, não se avultam, neste
momento, acontecimentos graves e contemporâneos que ponham em risco as
investigações respectivas, justificadores da providência de afastamento das
funções parlamentares", diz o parecer da PGR.
Sete policiais
federais que, durante o governo Bolsonaro, estavam cedidos à Abin foram
afastados do trabalho por determinação do STF. Moraes, no entanto, manteve o
mandato de Ramagem.
"Em que pese a
gravidade das condutas do investigado, Alexandre Ramagem, bem analisada pela
Polícia Federal, neste momento da investigação não se vislumbra a atual
necessidade e adequação de afastamento de suas funções. Essa hipótese poderá
ser reanalisada se o investigado voltar a utilizar suas funções para interferir
na produção probatória ou no curso das investigações", escreveu o ministro
do STF.
Fonte: Correio
Braziliense
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