Paulo Nogueira Batista Jr.: A economia
brasileira continuará a crescer?
A economia brasileira
continuará a crescer? É a pergunta que muitos fazem e que alguns economistas,
temerários, se animam a responder. Fato é que a economia cresceu algo como 3%
ao ano em 2022 e 2023, o que configura certa recuperação. Nada de espetacular,
verdade, mas já é um começo. O que interessa, entretanto, é saber se o
crescimento continuará nos próximos anos. O que esperar de 2024 e 2025?
Depende, em grande
medida, da política econômica do governo, em especial da política fiscal e da
política monetária. Os economistas dedicados a fazer projeções regularmente não
estão muito otimistas. Entraram o ano prevendo um prevendo um aumento do PIB de
apenas 1,6 % em 2024 e de 2% em 2025. Resultados medíocres, se as previsões se
confirmarem.
Felizmente, podemos
dizer que essas projeções não têm grande valia – como vimos em 2022 e 2023,
quando as taxas de expansão econômica previstas no início do ano foram
largamente superadas pelos resultados observados. Nenhuma novidade. Os
economistas sempre demonstraram uma crônica incapacidade de identificar
relações funcionais estáveis e, portanto, de antecipar minimamente o futuro.
Como dizia Galbraith, a única função das previsões econômicas é conferir certa
respeitabilidade à astrologia.
E, no entanto, cabe
reconhecer que o pessimismo atual dos economistas não é de todo descabido.
Ressalte-se, primeiramente, que uma acentuada desaceleração da economia
brasileira está em curso desde o terceiro trimestre de 2023. O crescimento do
ano passado apresentou pontos vulneráveis. Dependeu muito do setor
primário-exportador e do consumo das famílias. A indústria de transformação
estagnou e a formação bruta de capital fixo caiu. A taxa agregada de
investimento, que já era insuficiente, diminuiu mais, ficando abaixo de 17%.
Com um rimo tão modesto de investimento e de criação de capacidade produtiva,
fica difícil sustentar taxas adequadas de crescimento econômico.
O que explica essa
performance sofrível? Uma razão, bem conhecida nossa, é a política de juros
altos praticada sistematicamente pelo Banco Central. A autoridade monetária
demonstra uma aversão instintiva e profundamente arraigada a tudo que possa
parecer crescimento econômico. Ao menor sinal de reativação da economia,
acendem-se sinais de preocupação no BC, que logo passa a remar em direção
contrária. E tem praticado, como se sabe, as maiores taxas de juro reais do
planeta Terra. Quando não são as maiores, estão sempre entre as maiores. Houve,
é verdade, certa diminuição dos juros básicos desde meados de 2023, mas foi em
ritmo lento, deixando as taxas reais nas alturas.
Pode ser que isso
mude. O Comitê Política Monetária do BC, o famigerado Copom, conta agora com
quatro integrantes nomeados pelo governo Lula. É verdade que são nove ao todo e
o presidente continua a ser aquele foi nomeado pelo governo de Jair Bolsonaro, em
razão da lei de autonomia do Banco Central conferir ao comando da instituição
mandatos fixos não coincidentes com o do Presidente da República. De todo modo,
quatro em nove já é suficiente para fazer alguma diferença – a menos que os
novos membros do Copom se contentem em ser meras vacas de presépio, aceitando
bovinamente a linha definida pelo presidente do Banco Central. Não acredito e
por isso arrisco dizer que há esperanças.
Até porque são tantos
e tão evidentes os malefícios dos juros estratosféricos que podemos supor que,
cedo ou tarde, haverá de baixar uma luz providencial lá no Banco Central. O
leitor já deve ter escutado, provavelmente mais de uma vez, os argumentos contra
a política de juros altos. Mas vale a pena insistir uma vez mais, dado que os
juros brasileiros continuam na lua.
São três os malefícios
principais. Primeiro, o já referido impacto adverso sobre o crescimento
econômico. Com juros altos e crédito escasso, cai a demanda por bens duráveis
de consumo e, mais importante, o nível de investimento em capacidade nova de
produção. Para que correr o risco de aventurar-se em novos empreendimentos ou
na ampliação dos existentes, se o dinheiro pode ficar aplicado em segurança,
liquidez e rendendo juros confortáveis? Neste paraíso do rentista chamado
Brasil, não compensa ser empresário.
Segundo malefício: a
política de juros altos concentra a renda nacional, pois o que ela faz é
transferir renda para aqueles que detém patrimônio financeiro, ou seja, para as
minorias aquinhoadas. Eis um argumento que deveria sensibilizar os corações e
mentes num país como o nosso, que apresenta, desde sempre, uma das piores
distribuições de renda do planeta. Deveria, mas não faz nem cócegas nos
círculos ilustres da Patifaria Lima. Ali, a preocupação principal, quase
exclusiva, repetida ad nauseam, é com o risco fiscal e o desequilíbrio das
contas públicas.
E, com isso, chegamos
ao terceiro grande malefício dos juros altos e, ao mesmo tempo, a uma notável
contradição no discurso da turma (ou turba) da bufunfa. Veja, leitor, que coisa
curiosa. O que é o risco fiscal? Basicamente, o fato de o déficit público gerar
uma expansão da dívida que pode ser revelar insustentável. Recomenda-se,
portanto, zerar o déficit primário das contas do governo, em linha com o que
promete o arcabouço fiscal do ministro Fernando Haddad.
O curioso é que os que
alardeiam as suas preocupações com o risco fiscal, raramente, quase nunca, se
referem ao componente financeiro do déficit público. É uma omissão sintomática,
que reflete os interesses da Patifaria Lima. O assunto omitido nada tem de
misterioso. O déficit público reflete menos o déficit primário do que a despesa
líquida de juros do governo. Esta por sua vez decorre da política monetária. Em
2023, por exemplo, estima-se que o déficit total tenha representado cerca de
8,3% do PIB, correspondendo a um déficit primário de 1,5% e a uma despesa
líquida de juros mais de quatro vezes maior, de 6,8% do PIB.
Não perder de vista
que o crescimento da dívida pública, que tanto preocupa os economistas do
mercado, está associado ao déficit total e não somente ao primário. Não se
justifica, assim, o foco exclusivo ou quase exclusivo no resultado primário,
isto é, nas contas exclusive a carga de juros.
No Brasil, a dívida
pública é sobretudo interna e o seu custo depende diretamente das taxas básicas
fixadas pelo Copom. Para ser considerado monetariamente responsável pela
Patifaria Lima, o Banco Central precisa manter juros altos. Pouco importa se
essa suposta responsabilidade monetária conflita com as declaradas preocupações
com a responsabilidade fiscal.
Em resumo, baixar os juros favoreceria o
crescimento e, de quebra, afetaria favoravelmente a distribuição da renda
nacional e as contas públicas. Resta saber se juros menores seriam suficientes
para garantir a manutenção de um crescimento razoável da economia nos próximos
dois anos. Talvez não. A experiência sugere que a política fiscal joga um papel
tão ou mais importante que a monetária. O investimento privado depende do
investimento público; o consumo, das transferências sociais.
A função mais
importante da política monetária na atual conjuntura talvez seja a de abrir
espaço para uma política fiscal mais flexível sem que isso se reflita em
crescimento preocupante da dívida pública. Aqui entram o arcabouço fiscal e as
suas metas ambiciosas de resultado primário para os próximos dois anos: déficit
zero em 2024 e superávit em 2025. Metas fixadas, recorde-se, para tranquilizar
a Patifaria Lima e aplacar as suas desconfianças em relação ao governo Lula.
Nessa situação
estamos. Precisamos de uma política fiscal flexível para reverter a estagnação.
Mas as metas vigentes correm o risco de levar a uma política contracionista,
exatamente o contrário do que se necessita. Ave Patifaria Lima, morituri te
salutant – os que estão prestes a morrer te saúdam.
Fonte: Jornal
GGN/Brasil 247
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