quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Paulo Nogueira Batista Jr.: Bye, bye, Uncle Sam

Hoje quero tratar de um tema de longo prazo, de natureza “estrutural” por assim dizer. Refiro-me ao declínio do Ocidente, mais especificamente à sua parte principal – o declínio dos Estados Unidos, a superpotência que até há pouco tempo dominava o planeta. Esse declínio tem várias dimensões e se mostra inexorável. Não obstante, os Estados Unidos, seus aliados e satélites resistem a aceitá-lo, resistem de forma sistemática e feroz. Como nas tragédias gregas, a resistência ao destino não faz mais do que acelerar a sus concretização.

Acostumados, há vários séculos, a dar as cartas, a ditar regras e a impor as suas vontades, os americanos e europeus fazem de tudo para negar a realidade, mesmo sendo ela objetiva e implacável. A queda ano após ano do peso relativo dos EUA e cia. em termos demográficos e econômicos é clara e cristalina. A população dos países de alta renda corresponde a apenas 15% da população mundial e tende a continuar caindo. A economia da China já é maior do que a dos Estados Unidos há algum tempo, em termos de paridade de poder de compra (a forma mais correta de fazer comparações internacionais).

Na China, os EUA encontram o seu maior rival, mais ameaçador do que outros rivais com que se defrontaram em outras épocas. A União Soviética foi um rival militar, mas não econômico. O Japão foi um rival econômico, mas não militar. A China é as duas coisas ao mesmo tempo.

Os chineses, durante muitos anos, proclamaram a esperança de que a sua ascensão poderia ser pacífica. Não sei se realmente acreditavam nisso – os chineses são muito dissimulados –, mas proclamavam o tempo todo o mantra da sua “ascensão pacífica”. Essa esperança se espatifou no período Trump. Ficou evidente que os EUA estão dispostos a bloquear e prejudicar o desenvolvimento da China, mesmo que isso possa trazer danos a seus interesses econômicos de curto prazo. A palavra de ordem é obstruir, se possível sufocar, a expansão econômica e política da China. Biden manteve essa política, chegando a aprofundá-la.

Os resultados têm sido pífios. A economia da China acusou alguma desaceleração, em parte por causa das sanções econômicas impostas pelos EUA, mas continua crescendo mais que os países do Ocidente e mais do que a média mundial. Refletindo o seu crescente poderio econômico, a China cresce politicamente e se mostra presente em todas as áreas do mundo, inclusive no Hemisfério Ocidental. Os EUA esperneiam, mas não conseguem deter a onda chinesa.

E cometem erros palmares, que aceleram o seu declínio econômico e político. O principal deles foi ter iniciado uma outra grande confrontação – com a Rússia, em torno da Ucrânia. Superestimando suas forças e capacidades, os americanos se julgaram capazes de confrontar a China e a Rússia simultaneamente. A Rússia e a China levam a melhor até agora. Além disso, a hostilidade dos americanos aproximou russos e chineses como nunca.

Essas confrontações têm levado os EUA a medidas extremas, entre elas a militarização do dólar e do sistema financeiro ocidental para punir severamente os países hostis. O ápice dessa militarização foi o congelamento de cerca de US$ 300 bilhões de reservas internacionais da Rússia em represália à invasão da Ucrânia em 2022. Um abalo importante para a Rússia, mas também para o dólar. Sofreu a confiança na moeda americana e no sistema financeiro ocidental, já abalada por medidas do mesmo tipo adotadas contra outros países. Os EUA, ironia da história, mostram-se os piores inimigos do dólar.

O declínio dos EUA tem uma dimensão especificamente política, que aparece na baixa qualidade dos seus líderes, na disfuncionalidade do seu sistema político e na descrença de grande parte da população nas eleições e nas instituições. A ninguém escapa que o dinheiro é que governa. A democracia converteu-se em plutocracia. Mais grave: em kakistocracia o governo dos piores. Alguma dúvida? Basta ver quem foi presidente da maior potência do planeta em tempos recentes: George W. Bush (eleito não uma, mas duas vezes), Donald Trump (eleito uma vez, talvez uma segunda em 2024) e Joe Biden. Impressionante sucessão de mediocridades.

Para completar o quadro adverso, os EUA arcam com o imenso prejuízo político de apoiar o comportamento criminoso de Israel na faixa de Gaza. Até satélites matriculados vacilam um pouco em acompanhar os americanos nessa empreitada funesta e onerosa. Por que os EUA se mostram dispostos a incorrer nesse custo extraordinário? Basicamente por causa de outra antiga disfuncionalidade da plutocracia americana: a força do lobby israelense, que há muito tem levado a política externa dos EUA a subordinar-se à política de Israel. Agora, que Israel parte para o vale tudo, os EUA pagam boa parte do preço. Nunca esteve tão desmoralizado o discurso ocidental de defesa dos valores e direitos humanos.
Em uma frase: perda de expressão econômica, demográfica e política dos EUA; China, Rússia e Israel; lideranças americanas fracas e despreparadas. Tempestade perfeita. Bye, bye, Uncle Sam. Os EUA têm muitos recursos e a despedida vai ser longa, mas já começou.

Não se deve descartar que os EUA e seus aliados ainda consigam reagir a essas tendências e eventos desfavoráveis. Estão sempre tentando e lançam mão de todos os recursos, inclusive a violência. As superpotências são mais perigosas, leitor, quando entram em declínio. Mas é difícil imaginar que a tendência histórica possa ser revertida. Americanos, aliados e satélites vão continuar esperneando, mas o seu destino parece estar traçado.

 

Ø  Garibaldi ou balde de gari? Por Adhemar Bahadian

 

Tive um professor de história no final do curso secundário que nos advertia sempre sobre a diferença entre o preciso e o impreciso, o certo e o provável, o sonho e a realidade e resumia essas lições de sabedoria com a frase que escolhi para título deste nosso encontro de hoje.

Era um homem a nos alertar sobre a tentação do discurso pseudo-científico a nos seduzir muito mais com a forma do que com o conteúdo, muito mais com a retórica pomposa do que com a sóbria exposição da realidade a ser compreendida. Chamava-se Tarlé e foi meu professor no Externato São José, hoje infeliz e constrangedoramente desfigurado pela carnificina imobiliária no Rio de Janeiro.

Tive professores que, independentemente das matérias lecionadas preservavam um evidente compromisso em nos alertar sobre os artifícios da linguagem, ideologizada ou mercadológica, e nos chamavam a atenção para a ética envolvida no discurso, principalmente no discurso político. Tive uma educação que deveria ser o objetivo de nossa política educacional pública e escrevo por que acredito que esses parâmetros podem e devem ser transferidos com honestidade, transparência e humildade, pois todo conhecimento se renova a cada dia no diálogo entre homens realmente interessados num mundo melhor.

Lembrei-me desses professores ao ouvir o candidato do Partido Republicano dos Estados Unidos da América repisar frases certamente impactantes dirigidas a seu eleitorado, mas que finalmente parecem estar provocando a reação que já deveriam ter provocado faz muito tempo.

Revistas e jornais de coloração política conservadora como o "Economist", por exemplo, dedicaram editoriais e colunas de opinião a denunciar o risco que o Ocidente estará correndo se eventualmente Donald Trump for reeleito.

A cada dia mais arrogante, Trump não esconde seus propósitos de montar um governo nos Estados Unidos não só autocrático e invasor dos Direitos Fundamentais da Cidadania, mas também claramente vingativo em relação a eventuais adversários políticos.

Aqui mesmo, no Rio de Janeiro, o “O Globo” publicou na sexta-feira 26 um editorial absolutamente pertinente sobre os riscos de uma nova administração Trump.

Espanta ainda escutar brasileiros que depositam esperança num revigoramento dos princípios democráticos a ser trazido por Trump.

O primeiro mandato de Trump só nos gratificou com tapinhas nas costas de autoridades brasileiras que o bajulavam. De prático, Trump aumentou as tarifas americanas na importação do aço brasileiro e nos mandou assobiar e chupar cana. Na Pandemia, nos mandou um encalhe de placebos.

Trump 2025 nos promete uma relação comercial bilateral muito mais complexa com fortes manifestações de protecionismo, impensáveis desde o fim da Segunda Guerra Mundial. As condicionalidades a nos serem impostas por Trump farão a ALCA parecer uma brincadeirinha de jardim de infância. Com Trump, as regras da OMC serão ainda mais desequilibradas em propriedade intelectual e em transferência de tecnologia. E acordos bilaterais de comércio leoninos serão os bitcoins dos cassinos das relações econômicas.

Trump teve sua política de comércio exterior descrita para quem quiser ver em livro publicado por seu ex-responsável pelas negociações internacionais, Robert Lighthizer. A resenha do livro aparece no número de Janeiro de 2024 da revista “Foreign Affairs“ e deveria ser leitura obrigatória por todos que tenham alguma preocupação com o comércio bilateral Brasil-Estados Unidos. (vide Washington New Trade Consensus and what it gets wrong.)

O que o "Foreign Affairs" não diz é que a política econômica externa dos Estados Unidos tenderá a dificultar em muito nossas relações com a China que, queiramos ou não, é hoje nosso principal comprador. As objeções de Trump à manutenção de nossa liberdade de importar tecnologia chinesa são mais do que previsíveis e, para tanto, ele não hesitará em alegar supostas razões de segurança hemisférica para desviar nosso fluxo comercial para os exportadores americanos. E possivelmente, se bobearmos, ainda corremos o risco de sanções unilaterais.

Em suma, já vivemos essas barbaridades no passado, em que a América do Sul nada mais era do que quintal americano. Os tempos para Trump são claramente retrógrados em matéria de Direito Internacional e as regras pactuadas em organizações internacionais são confessadamente recusadas e ignoradas pela nova geopolítica americana.

Faço essas advertências porque vejo em muitos analistas políticos brasileiros o queixume habitual sobre as posições tidas como retrógradas de nossa politica industrial, recentemente levada ao conhecimento público pelo próprio vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, politico brasileiro que compreendeu, desde a primeira hora, a importância de um governo de Frente Ampla no Brasil.

Embora, tenha sérias dúvidas sobre a eventual reeleição de Trump, deveríamos nos preparar para o pior cenário. Um eventual eixo Milani-Trump poderá atrasar em muito uma efetiva cooperação entre o Mercosul, caso não o destrua definitivamente. No cenário de retrogressão e demagogia que se desenha, o interesse nacional nos obriga bem pesar as consequências de nossas opções democráticas. Enquanto elas existam. A proposta Trumpista, sejamos claros, nos leva a uma subordinação quase colonial .

Causa particular preocupação que setores exportadores e industriais se acreditem a salvo das reformulações das regras do jogo em gestação no radicalismo trumpista.

Infelizmente, continuamos a ter uma visão saudosista de um comércio livre que nunca existiu, a não ser naqueles que insistem em confundir Garibaldi com balde de gari.

Ou, o que é muito pior, confundir interesses nacionais permanentes com as oscilações governamentais de países por mais amigos que nos pareçam.

 

Fonte: Jornal do Brasil

 

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