Veja os principais pontos da operação que
investiga espionagem ilegal da Abin
Apurações da Polícia
Federal apontam que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) pode ter sido
"instrumentalizada" para monitorar ilegalmente uma série de
autoridades e pessoas envolvidas em investigações, além de desafetos do
ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O uso indevido da Abin
teria ocorrido quando o órgão era chefiado por Alexandre Ramagem (PL-RJ),
aliado de Bolsonaro que, atualmente, é deputado federal. Ramagem foi alvo de
uma operação da PF nesta quinta-feira (25).
O crime, segundo as
investigações, envolvia o uso do software "First Mile", ferramenta de
geolocalização que permite identificar as movimentações de pessoas por meio dos
celulares delas.
>>>> Veja
abaixo os principais pontos da operação.
• Decisão de Alexandre de Moraes
A operação
"Vigilância Aproximada" da Polícia Federal foi autorizada pelo
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que retirou o
sigilo da decisão nesta quinta.
Na decisão, Moraes
escreveu que, sob a direção do deputado Alexandre Ramagem, policiais fizeram
serviços de "contrainteligência ilícitos".
E, ainda, que Ramagem
usou o órgão para fazer espionagem ilegal a favor da família do ex-presidente
Jair Bolsonaro.
• Buscas e apreensões
Ao todo, a PF cumpriu
21 mandados de busca e apreensão em endereços suspeitos em Brasília, Juiz de
Fora, São João del Rei, e Rio de janeiro.
A TV Globo apurou que
Alexandre Ramagem era o principal alvo da operação.
Foram feitas buscas no
gabinete de Ramagem e no apartamento funcional da Câmara nesta quinta.
Agentes apreenderam
quatro computadores, seis celulares e 20 pendrives em endereços do deputado. A
TV Globo apurou que, entre os objetos apreendidos, há um notebook e um celular
da Abin.
Segundo a PF, além das
buscas, foram tomadas outras medidas alternativas à prisão, incluindo a
suspensão imediata de sete policiais federais supostamente envolvidos no
monitoramento ilegal.
• Autoridades espionadas
A lista dos espionados
inclui a ex-deputada Joice Hasselmann, que era aliada de Bolsonaro no início do
mandato. Ela chegou a ser líder do governo no Congresso, mas rompeu com o
ex-presidente.
Também foi alvo de
espionagem o ex-deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara na primeira metade
do mandato de Bolsonaro. O ex-parlamentar também se tornou um desafeto do
ex-presidente e aliados.
A PF afirmou a
Alexandre de Moraes que o monitoramento de Joice e Maia, feito "a pedido
de Ramagem para posterior divulgação apócrifa", ocorreu durante um jantar
de ambos do qual advogados também participaram.
As investigações dão
conta ainda de que um servidor da Abin "teria sido flagrado pilotando um
drone nas proximidades da residência do então governador do Ceará, Camilo
Santana (PT-CE)", sem justificativa técnica para tal ação.
A decisão de Alexandre
de Moraes não apresenta mais detalhes sobre o contexto do suposto monitoramento
do petista pela Abin.
Atualmente, Camilo
Santana é ministro da Educação do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Conforme as
investigações, também foram localizadas anotações que indicam que servidores da
Abin tentaram associar deputados federais e ministros do STF a uma facção
criminosa de São Paulo, com o intuito de desmoralizá-los.
No caso do STF, foram
coletadas informações sobre o julgamento de uma ação, a ADPF 579, que tratava
de visitas íntimas em presídios, e a participação de uma ONG nessa ação.
Nesse contexto,
segundo a PF, "identificou-se anotações cujo conteúdo remete à tentativa
de associar deputados federais, bem como Exmo. ministro relator Alexandre de
Moraes e outros parlamentares à organização criminosa PCC".
• Celulares espionados
Cerca de 1,5 mil
números de telefones foram alvo de espionagem, segundo dados obtidos pela
investigação da PF. Foram 60 mil acessos para monitorar esses números de
telefone, segundo apurou o blog da Natuza Nery.
A investigação da PF
apontou que o software israelense "First Mile", comprado pelo
governo, usava de GPS para monitorar irregularmente a localização de celulares
de servidores públicos, políticos, policiais, advogados, jornalistas e até
mesmo juízes.
Naquele momento,
quando a denúncia do uso do sistema veio à tona, a Abin confirmou ao g1 que
utilizou a tecnologia. O programa foi comprado no fim do governo Temer, a
poucos dias da posse de Jair Bolsonaro, e usado até parte do terceiro ano do
seu mandato.
• Família de Bolsonaro
<<< Flávio
Bolsonaro
A investigação afirma
ainda que a estrutura da Abin foi utilizada para produzir documentos para
proteger filhos do ex-presidente de investigações.
Em um dos casos, o
material seria para orientar a defesa do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ),
filho do ex-presidente, na investigação sobre a suspeita de
"rachadinha" no seu gabinete quando deputado estadual.
No início do mandato
de Bolsonaro na Presidência, Flávio foi acusado de recolher parte dos salários
dos servidores de seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de
Janeiro. Posteriormente, a investigação foi anulada pelos tribunais superiores.
Na decisão que
autorizou a operação, o ministro Alexandre de Moraes diz que "a utilização
da Abin para fins ilícitos é, novamente, apontada pela Polícia Federal e
confirmada na investigação quando demonstra a preparação de relatórios para
defesa do senador Flávio Bolsonaro".
Em entrevista à
GloboNews após a divulgação do material, o senador negou ter recebido
informações da agência que pudessem beneficiá-lo.
"Isso é uma
história completamente fantasiosa. Nunca recebi relatório de Abin para que
pudesse ser beneficiado de alguma forma", afirmou.
"Eu nunca recebi
relatório nenhum e, ainda que tivesse recebido, isso aí é imprestável, minha
defesa nunca usou isso para nada. Isso não teria nenhuma utilidade para mim,
assim como não teve", disse.
<<< Jair
Renan Bolsonaro
Jair Renan Bolsonaro
em imagem de 17 de outubro de 2022 — Foto: Evaristo Sa/AFP/Arquivo
A polícia apontou
ainda a Moraes que, sob a direção de Ramagem, a Abin trabalhou "para
interferir em diversas investigações da Polícia Federal, como por exemplo, para
tentar fazer prova a favor de Jair Renan Bolsonaro, filho do então presidente
Jair Bolsonaro".
Segundo a PF, em 2021,
foi aberto um inquérito para apurar suposto tráfico de influência pelo filho 04
do ex-presidente. Os investigações afirmam que havia suspeita de que ele tinha
recebido um veículo elétrico para beneficiar empresários do ramo de mineração.
Ainda de acordo com a
PF, nesse caso, a Abin agiu para produzir provas de que o carro estava em posse
"de um dos principais investigados – sócio de Renan Bolsonaro", e não
do filho do então presidente.
• Dificuldades na investigação
A Polícia Federal
afirmou ao ministro Alexandre de Moraes do STF, que integrantes da atual cúpula
da Abin, nomeados para os cargos pelo presidente Lula, adotaram postura que
interferiu e até prejudicou as investigações sobre o monitoramento ilegal feito
pelo órgão.
A pretexto de proteger
informações sensíveis, segundo a PF, a atual gestão da Abin estaria
dificultando o acesso a dados relevantes para a apuração das responsabilidades
dos gestores anteriores, nomeados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro.
"A preocupação de
'exposição de documentos' para segurança das operações de 'inteligência', em
verdade, é o temor da progressão das investigações com a exposição das
verdadeiras ações praticadas na estrutura paralela, anteriormente, existente na
Abin", diz relatório da PF.
• Caso Marielle Franco
Segundo as
investigações, a Abin espionou ilegalmente Simone Sibilio, ex-coordenadora da
força-tarefa do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) que investigou as
mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes.
Durante a investigação
sobre a espionagem, a Controladoria Geral da União (CGU) encontrou um resumo do
currículo da promotora do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) que
coordenava a força-tarefa que investigava as mortes de Marielle e Andreson.
Esse documento,
segundo as investigações, estava formatado do mesmo jeito que outros relatórios
apócrifos criados pela estrutura paralela de espionagem existente na Abin
durante o governo Bolsonaro.
"(...) ficou
patente a instrumentalização da Abin, para monitoramento da Promotora de
Justiça do Rio de Janeiro e coordenadora da força-tarefa sobre os homicídios
qualificados perpetrados em desfavor da vereadora Marielle Franco e o motorista
que lhe acompanhava Anderson Gomes", escreveu Moraes.
A decisão de Moraes
não esclarece qual seria o objetivo do monitoramento da promotora responsável
pelo caso.
• Entrevista concedida por Ramagem
O deputado Alexandre
Ramagem disse, em entrevista à GloboNews, nesta quinta-feira (25) que nunca
teve acesso às senhas de sistemas de monitoramento First Mile para espionar
autoridades públicas e cidadãos comuns. A declaração foi dada durante
entrevista à GloboNews nesta tarde.
"Nós da direção
da Polícia Federal, policiais federais que estavam comigo, nunca tivemos a
utilização, execução, gestão ou senha desses sistemas", pontuou Ramagem.
“Quando nós fomos
ouvir o diretor responsável pelas senhas e pela gestão para demonstrar como
funciona ou para melhor funcionar (...) não estava tendo isso. Quando se
negaram a me informar como eles estavam trabalhando com a ferramenta, eu
exonerei esse diretor, que era o chefe dessa ferramenta, e encaminhei todo o
procedimento para a corregedoria”, completou o deputado.
Ramagem também disse
que o celular e o computador encontrados no gabinete dele durante as buscas
eram "equipamentos antigos, sem utilização".
"Poderia
devolver, mas estava ali, não sabia, pensei que fosse da Polícia Federal
antiga, que eu tenho direito à custódia. Eu tinha direito à custódia, à
cautela. São computador antigo e telefone antigo, sem nenhuma utilização (...),
sem entrar em qualquer tecnologia da Abin, sem ter contato com sistemas da
Abin", disse.
Sobre a suspeita de
espionar Simone Sibilio, que investigou as mortes de Marielle Franco e Anderson
Gomes, Ramagem se posicionou com surpresa.
"Quando veio a
mim a questão de Marielle ali na Abin eu fiquei até 'como é possível, como que
vai ter algo da Marielle, algo da investigação, utilização do sistema? Não'. Aí
eu verifiquei que não tem nada a ver com o sistema, é um currículo da promotora,
e parece que é uma informação que circulou ai", afirmou Ramagem na
entrevista.
• Abin colabora com investigações
A Abin informou que
tem 10 meses que a atual gestão vem contribuindo com os inquéritos da PF e STF
e que é "a maior interessada em esclarecer eventuais ilícitos", por
isso "vai continuar colaborando com as investigações".
PF precisa esclarecer também a
arapongagem usada para monitorar e achacar aliados de Bolsonaro. Por Moisés
Mendes
Estagiários da Abin
sabem que a estrutura paralela de espionagem, que abastecia Bolsonaro, não
produzia dossiês apenas contra quem o governo considerava adversário ou
inimigo.
Ativistas da extrema
direita, amigos de Bolsonaro, gente da intimidade do poder, que bajulava o
líder em gabinetes e palanques, também foi monitorada para a elaboração de
dossiês quase sempre depreciativos.
Se investigar apenas
os casos de vítimas classificadas como inimigas de Bolsonaro, a Polícia Federal
sabe que estará fazendo um trabalho incompleto.
É preciso saber como
funcionava a perseguição a amigos. Nem o estagiário da Abin perguntaria por que
esse monitoramento era feito. O estagiário sabe o que motivava a produção de
dossiês.
Os relatórios sobre
amigos, alguns célebres e com poder econômico, eram usados para tentar
mantê-los sob controle e, quem sabe, achacar gente com problemas a resolver,
segundo o que diziam os homens da Abin.
São procedimentos
clássicos da arapongagem contra os próprios aliados e ativistas das diversas
facções de suporte a uma estrutura criminosa de governo.
Uma das vítimas dos
arapongas, que teve o dossiê divulgado pela imprensa, é o empresário Luciano
Hang. Um relatório de 15 páginas foi produzido em junho de 2020 contra ele.
O documento seria um
alerta a Bolsonaro sobre o histórico do autoproclamado véio da Havan, com
informações sobre supostos delitos de contrabando, agiotagem, evasão de
divisas, lavagem de dinheiro e sonegação.
A Abin desmentiu
publicamente que tenha feito o dossiê, porque ninguém espera que arapongas
confirmem a própria arapongagem, muito menos contra gente poderosa que
transitava com desenvoltura em Brasília.
O que Bolsonaro
poderia fazer com o relato? Que utilidade teriam as pretensas denúncias, se o
agora inelegível-quase-preso confiava em Hang a ponto de tê-lo ao seu lado até
na tribuna de honra do 7 de Setembro de 2022, vestido patrioticamente, como foi
descrito por Alexandre de Moraes, de verde periquito?
Outros militantes do
bolsonarismo foram acompanhados de perto pelas Abins, a oficial ou a paralela,
para que o chefe, a família e os militares soubessem o que nem todos sabiam a
respeito de quem os cortejava. Entre os quais alguns amigos dos garotos.
Alexandre Ramagem
tinha uma estrutura de Estado, com um puxado ilegal, com poder que nenhum outro
integrante do governo tinha, para saber o que quisesse de inimigos e amigos do
governo.
Ramagem não era um
Anderson Torres e muito menos um Mauro Cid. Era muito mais. Torres era um
leva-e-traz atrapalhado, tão trapalhão que não soube nem esconder a minuta do
golpe.
Mauro Cid era o
militar com formação para ser um oficial prestativo, tão disponível para
tarefas banais que se prestava até a gerir a receptação de muambas e a pagar as
contas de Michelle.
Ramagem era o homem da
informação privilegiada, xerife da sala, da copa e da cozinha do Planalto e da
família, com redes de controle dos passos e das vozes que Bolsonaro precisava
monitorar.
Torres e Cid seriam no
máximo, numa estrutura hipotética em que estivessem juntos, meros ajudantes do
poderoso delegado Ramagem, tão poderoso que até hoje mantinha em seu poder
computador e celular funcionais da Abin.
Com uma diferença: não
há até agora nada indicando que Torres e Cid tenham produzido informações e
intrigas contra aliados e bajuladores de Bolsonaro.
Fonte: g1/Brasil 247
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