Ensino médio, PNE, apagão docente: conheça
os desafios do campo da educação para 2024
As expectativas do
campo popular para a área de educação no primeiro ano do terceiro governo de
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) eram altas. Afinal, a área foi uma das mais
prejudicadas na gestão de Jair Bolsonaro (PL), tanto em termos de recursos como
de políticas negativas.
"Costumo dizer
que o MEC (Ministério da Educação) deveria ser o ministério mais importante do
governo Lula", diz Catarina de Almeida Santos, professora da Faculdade de
Educação da Universidade de Brasília (UnB) e conselheira do Conselho Técnico
Científico da Educação Básica (CTC-EB) da Capes. "Depois de quatro anos de
governo Bolsonaro, do processo das eleições como elas foram, depois tem um 12
de dezembro em Brasília, depois uma tentativa de golpe no 8 de janeiro. O
Brasil tem um sistema educativo de 56 milhões de pessoas. O que significa que a
população brasileira inteira está diretamente vinculada à escola. Se eu coloco
esses 56 milhões, mais profissionais da educação e mais familiares, então eu
tenho uma sociedade brasileira em torno da escola, em torno do sistema
educativo. Esse sistema educativo é o lugar central de você debater, formar,
problematizar essa realidade que nós que nós estávamos", defende.
Após um ano de
governo, no entanto, a avaliação de especialistas sobre o desempenho do MEC não
é positiva. Políticas importantes foram anunciadas, como aquelas voltadas para
a alfabetização, escolas em tempo integral, conectividade e alimentação
escolar. Apesar disso, militantes da área dizem que a gestão deixou a desejar.
Catarina Santos lembra
que a pasta não conseguiu executar a totalidade de seu orçamento. "O MEC
está sem projeto de educação. Ele não conseguiu executar o orçamento em 2023,
em um ano em que você teria tudo a ser reconstruído", diz. Dos R$ 130 bilhões
reservados para a pasta, R$ 126 bilhões foram empenhados, mas apenas R$ 109
bilhões foram efetivamente utilizados. De acordo com levantamento realizado
pelo jornal Folha de S.Paulo, R$ 9 bilhões foram liberados nos últimos quatro
dias de 2023 – o equivalente a 8% do total.
Para Jhonatan Almada,
diretor do Centro de Inovação para a Excelência em Políticas Públicas (CIEPP) e
ex-reitor do Instituto Estadual de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão
(Iema), em 2023, o ministro da Educação, Camilo Santana (PT), falhou em defender
os projetos do próprio ministério. "Se você compara a atuação de Fernando
Haddad (PT) como ministro da Fazenda na aprovação da reforma tributária e a
atuação do Camilo Santana como ministro da Educação em relação ao Projeto de
Lei do Ensino Médio, a diferença é brutal. Você percebia o Haddad fazendo a
articulação política no Congresso, era visível. Ele [Camilo], não",
afirma.
A atuação do MEC na
tramitação do PL do Ensino Médio gerou constrangimento para o governo no
Congresso. Após pedido de urgência para sua aprovação por parte do Planalto, o
texto foi parar na relatoria de Mendonça Filho (União-PE), ex-ministro da
Educação na gestão Temer, responsável pela aprovação do Novo Ensino Médio, um
fracasso reconhecido até mesmo pelos seus defensores, como as fundações
empresariais dedicadas à educação.
Apesar de não ser um
projeto de autoria integral do governo – houve um tímido processo participativo
com atores como pesquisadores, militantes, estudantes e famílias –, Mendonça
Filho fez modificações importantes no texto na sua relatoria. Entre elas está a
diminuição da carga horária para matérias básicas: o MEC encaminhou o PL com
2,4 mil horas de disciplinas comuns e o relator defende a diminuição para 2,1
mil.
O próprio Camilo
Santana reconheceu os problemas, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo:
"Talvez a gente precise melhorar a forma que tem se relacionado nesse
aspecto. Recebi pessoalmente no meu gabinete 340 parlamentares em 2023. Vamos
tentar estabelecer um processo mais próximo".
• Participação
O impasse fez com que
o governo retirasse o pedido de urgência. Após negociações com o presidente da
Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a votação ficou para 2024. A mudança foi
considerada uma vitória pelos movimentos de educação, que poderão debater o
texto e as estratégias de luta durante a Conferência Nacional de Educação
(Conae), que acontece entre os dias 28 e 30 de janeiro, em Brasília (DF). É na
Conae, ponto alto da participação popular na área, que acontecem os debates
sobre o novo Plano Nacional de Educação (PNE), que traça metas para os próximos
10 anos. Se tudo correr como o previsto, o texto será entregue ao MEC para que
seja elaborado um projeto de lei, que deve então tramitar no Congresso
Nacional.
"No melhor dos
mundos, a melhor proposta é adiar o plano. O país não cumpriu as metas do plano
anterior, e pode ser uma boa pedida diante do Congresso que a gente tem. De
qualquer forma, o plano precisa estar na agenda", avalia Catarina Santos.
"Existem muitas pendências: tem o sistema nacional de educação, que a
gente nunca conseguiu implementar; temos processos de avaliação, o próprio
sistema nacional de avaliação da educação básica, que está lá na Constituição e
não foi implementado. Isso para a gente pensar de políticas macro. Tem ainda
nas questões cotidianas no nosso país: infraestrutura escolar, quantidade de
pessoas que estão fora do sistema, o combate às agendas ultraconservadoras,
militarização, homeschooling", complementa a especialista.
Jhonatan Almada, por
sua vez, avalia que há um avanço no atual cenário, em que existe debate e
elaboração de planos que virão a ser aprovados como leis no Congresso Nacional.
Ele aponta que a Conae ainda é limitada se comparada a conferências semelhantes,
como a da área da saúde. Mas, ainda assim, deve ser vista como algo positivo.
"O desafio para
esse ano será a mobilização. As etapas preparatórias tiveram baixa participação
social. Fazer [a conferência nacional] em janeiro, mês de férias, é outra
dificuldade. Mas o debate do plano é uma conquista. O planejamento deve ser uma
relação dialética entre política e técnica. Nenhum deve sobrepujar o outro. Há
o desafio de fazer o contraponto à atuação das fundações empresariais, que não
fazem a política em espaços como a Conae, mas nos gabinetes. O MEC deveria
capitanear essa discussão, é um desafio que o ministro tem que enfrentar",
alerta.
Ao Brasil de Fato, o
presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE),
Heleno Araújo, disse que o debate sobre o novo PNE já deveria ter começado no
Congresso Nacional. Ele lista alguns desafios que devem ser contemplados no
plano, como a evasão escolar, valorização dos professores, oferta de vagas
públicas nos ensinos superior e técnico e a garantia de aplicação de 10% do
Produto Interno Bruto (PIB) em educação – o que deixou de acontecer em
decorrência do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff (PT) e o teto de gastos
implantado pela gestão de Michel Temer (MDB).
"Há muitos
profissionais com contratos temporários, não só professores. Não há realização
de concursos públicos. Porteiros devem estar em todas as escolas e devem ser
profissionais concursados, que tenham preparo para a função. Tem escola que não
tem porteiro. Pior: tem segurança armada, o que é um problema. As redes de ensino não cumprem o preceito da
gestão democrática, previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LBD). É
preciso regulamentar a gestão democrática em todas as redes, garantir que a família
esteja na escola, que grêmios sejam eleitos. A participação das pessoas ajuda a
criar um ambiente positivo nas escolas", aponta.
• Violência nas escolas
Criado em abril do ano
passado pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, o canal Escola Segura,
lançado para receber informações sobre ameaças e ataques a instituições de
ensino, levou a 400 prisões em menos de seis meses, segundo dados do governo federal.
Os números alarmantes deixam claro que o enfrentamento a esse tipo de ataque é
um dos principais desafios para a educação no curto prazo. Só entre março e
abril do ano passado, o país teve quatro ataques violentos em escolas em apenas
15 dias.
"A escola precisa
ser um lugar seguro. Já há dois relatórios do governo que mostram que o
extremismo de direita avançou no mundo e no Brasil nos últimos anos e conseguiu
cooptar crianças e adolescentes. Esses grupos desenvolveram uma tecnologia que consegue
chegar até as crianças e adolescentes e trazê-las para as suas visões de mundo,
que são extremistas, que redundam em violência e em eliminação do
diferente", alerta Jhonatan Almada.
O especialista lembra
que os relatórios citados já deram ao poder público recomendações para
prevenção e proteção das vítimas de ataques. Isso passa pela criação de uma
rede de proteção que envolva conselhos tutelares, Ministério Público,
defensorias, sociedade civil e polícias para garantir conscientização e ações
rápidas se acontecerem novos casos.
"Na linha de
prevenção é preciso continuar apostando na formação sobre diversidade e
direitos humanos. Se a pessoa acredita que é preciso eliminar os homossexuais,
os negros, as mulheres, então a gente tem que explicar qual foi a nossa
construção histórica. O que que a misoginia, o que é machismo, o que é
homofobia", complementa Almada.
Na mesma linha,
Catarina Santos afirma que "não estamos atuando na causa" destes
problemas. Para ela, é preciso ter um plano de ação bem definido para combater,
por exemplo, grupos que pregam o ódio às mulheres, já que muitos dos ataques
são misóginos. "As ações focadas no aparato de segurança não vão resolver.
É preciso que os jovens não queiram atacar sua escola. O Ministério da Justiça
teve um papel importante de desmobilização dos ataques, mas não para evitar. O
MEC foi muito aquém do que deveria e falta encarar as questões da misoginia e
do racismo", avalia a especialista.
Professoras e
professores também são vítimas de diferentes tipos de violência. Mobilizado por
líderes de extrema-direita e iniciativas como o famigerado "Escola Sem
Partido", muitos estudantes passaram a realizar gravações e a expor
professores. Além desse, há outros tipos de censura, muitas vezes
institucionais, como o monitoramento das atividades em sala de aula determinado
pelo governo de São Paulo em 2023.
"A perseguição a
professores se dá em três formas: demissão ou procedimentos administrativos
para apuração de conteúdos dados em sala; censura propriamente dita, em que o
professor é proibido de abordar certos assuntos; e a auto-censura, quando eles
se privam de abordar determinados temas por medo de uma eventual gravação por
parte do aluno, da escola em si, já que algumas escolas gravam as salas de
aula, ou de uma postagem ou de alguma coisa que o leve a ser demitido ou
perseguido", aponta Jonathan Almada.
Também há o problema
histórico da falta de valorização. Muitos estados se negam a cumprir a lei do
piso salarial e determinações do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o tema.
Professores extremamente qualificados, com especializações, mestrados ou doutorados,
permanecem com os mesmos níveis salariais.
"A Unesco vem
publicando dados sobre falta de professores no mundo. A juventude não quer ser
professor. Tem a ver com a remuneração, condições de trabalho, com o que o
professor vai encontrar nas escolas – e isso tem a ver também com a violência
contra as escolas e a agenda conservadora", lembra Catarina Santos.
"Há redes em que mais da metade dos professores é contratado, e não
concursado. Isso impacta diretamente no direito à educação, já que não há
estabilidade e os professores não têm condições de desenvolver um trabalho de
longo prazo. É preciso um mecanismo para induzir os entes federados a fazer
concursos", conclui.
Fonte: Brasil de Fato
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