‘O agronegócio está na iminência de uma
crise’, diz ministro
O agronegócio está na
iminência de uma crise devido à quebra na safra de grãos, aos preços baixos das
commodities e ao custo ainda elevado de produção. A avaliação é do ministro da
Agricultura, Carlos Fávaro. "Esse é o cenário de hoje, que ainda pode
melhorar ou até piorar no decorrer da safra, mas 2024 será um ano
difícil", disse Fávaro, em entrevista ao Broadcast Agro .
Mas para o ministro a
conjuntura não é de "alarmismo". "Temos experiência com outras
crises dessa magnitude e tranquilidade para enfrentá-la. O presidente Lula está
sensível para trabalharmos a antecipação das medidas antes que a crise se instale,
dentro das possibilidades do governo", assegurou o ministro. Essas medidas
emergenciais passam por crédito, renegociação das dívidas e apoio à
comercialização, adiantou. Já nas políticas agrícolas de médio e longo prazos,
Fávaro se diz otimista com a reformulação do modelo de seguro rural brasileiro
e com o programa de conversão de pastagens degradadas.
>>>> Veja
os principais trechos da entrevista:
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Ministro, estamos
iniciando a colheita da safra de verão 2023/24 com quebra na produção de soja
nas principais regiões produtoras, estimada em até 20% em alguns Estados. Como
o governo está acompanhando a situação?
É fato que teremos uma
quebra na safra brasileira de soja. Vejo números globais apontando para 6% a 7%
de redução, mas pontualmente em algumas áreas ou propriedades pode haver quebra
de até 30%, 40% a 50%. Temos um cenário de quebra de produção atrelado ao alto
custo dos insumos e aos preços achatados das commodities, o que nos coloca na
iminência de uma crise. Esse é o cenário de hoje, que ainda pode melhorar ou
até piorar no decorrer da safra, em torno de 6% colhida. Mas já é um cenário
bem definido de que 2024 será um ano difícil.
·
Diante dessa crise
iminente, que medidas emergenciais podem ser adotadas pelo governo para socorro
aos produtores?
Já estamos tomando
algumas providências, fazendo estudos e diálogos. Na terça-feira, falei por
telefone com o presidente Lula e ele me pediu para, até no máximo terça-feira
(30), apresentar presencialmente para ele o cenário e algumas alternativas que
estamos construindo. Agendamos uma conversa com o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, na manhã do mesmo dia para falar desse cenário e estaremos com o
presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES),
Aloizio Mercadante, no Rio de Janeiro, em 2 de fevereiro para encaminhamentos e
anúncio de medidas. Eu disse ao presidente Lula que temos experiência de
enfrentar uma crise dessa magnitude, de quebra de safra e preços achatados. A
diferença que propomos é que não precisamos deixar a crise se instalar para que
as medidas sejam tomadas. O governo já mostrou que é sensível e já saneou uma
crise semelhante em 2008, quando editou a medida provisória da repactuação das
dívidas e concedeu crédito aos produtores. Então, por que não nos antecipamos?
Se não fizermos nada, virá a inadimplência, virão recuperações judiciais e
crescimento da dívida. Por que não pensar em um plano para manter os produtores
adimplentes para passarmos por este ano de 2024 de dificuldade sem
inadimplência? O presidente gostou da ideia. Temos a experiência e vamos nos
antecipar.
·
Isso passa pela
prorrogação dos financiamentos para a safra 2023/24, pedida pelo setor
produtivo?
Essa é uma alternativa
que está no radar. Temos que ver o custo dessa medida e, por isso, teremos uma
longa reunião com o ministro Haddad. Estamos em discussões de déficit zero,
orçamento curto e não posso, somente pela boa vontade, dizer que vamos prorrogar.
A boa vontade existe, mas agora vamos achar os mecanismos e a forma para que
possa ser feita uma prorrogação das dívidas. Temos que ter a cautela
necessária, porque o orçamento público não é abundante. Precisamos de fato ver
as regiões e produtores que precisam. Não pode ser e não será generalizado,
assim como fizemos no ano passado com a resolução da crise pela seca no Rio
Grande do Sul, com a criação de uma linha de crédito específica. É dessa forma
que isso será tratado, com responsabilidade com o orçamento público.
Outra alternativa
possível, neste momento em que o Brasil retomou a credibilidade para captação
de recursos internacionais, são linhas de créditos ao produtor para que ele
possa acessar e zere o passivo pagando parceladamente. São propostas que estão
sendo construídas para dar mais tranquilidade ao produtor, para mantê-lo
adimplente, com juros compatíveis ao setor e nos antecipando a um cenário de
negativação, incertezas ou recuperação judicial. O presidente Lula está
sensível para trabalharmos a antecipação das medidas, dentro das possibilidades
do governo.
·
A equipe de política
agrícola do Ministério cita a ideia de criação de uma linha dolarizada para
capital de giro para revendas refinanciarem o custeio do produtor. Como está
andando essa proposta junto ao BNDES, ministro?
Estamos propondo uma
linha dolarizada e também uma linha em reais para uma parcela de produtores. A
maior parte possui hedge natural em dólar por exportar commodities. Neste caso,
a eventual criação de uma linha é mais fácil porque não há equalização do Tesouro,
os juros são mais acessíveis e é uma alternativa mais rápida, evitando que o
produtor fique inadimplente. O produtor que ver que não conseguirá pagar as
parcelas de seu financiamento, antes mesmo de terminar a safra, ele já capta os
recursos. Estudamos as possibilidades junto ao BNDES.
·
Nesta semana a soja
atingiu o menor valor desde agosto de 2020 (R$ 116,29 por saca), ainda acima do
mínimo de R$ 86,54, mas já abaixo de R$ 100 em contratos a termo e em queda
contínua. Eventuais medidas de apoio à comercialização de soja estão no radar do
governo, ministro?
Em apenas duas vezes
na história o (governo do) Brasil precisou apoiar a comercialização de soja
para garantia do preço mínimo. A primeira foi no governo (de José) Sarney e a
segunda no governo Lula. Em ambos os casos foram crises gravíssimas, com a mais
recente, de 2006, resultando na medida de repactuação de R$ 87 bilhões. Estamos
muito próximos disso. Quero apresentar esse cenário ao presidente. Não vejo
como uma catástrofe e sim com tranquilidade de que temos experiência adquirida
para agir se for necessário em momento de crise. Ainda há uma distância para
isso e não significa que se ficar pouco abaixo do preço mínimo o produtor vai
querer apoio à comercialização. Mas é um cenário sendo estudado também e com
recursos para apoiar a comercialização.
·
Em contrapartida aos
grãos, o arroz já subiu mais de 40% e o feijão também registrou aumento de
preços. São produtos com peso na cesta básica e, consequentemente, com impacto
na inflação dos alimentos. O governo espera uma contribuição negativa do agro neste
ano para a inflação, com maior pressão inflacionária?
O presidente Lula está
muito atento a esses movimentos. Ele me ligou em um domingo de manhã para
perguntar sobre o aumento do preço do arroz. Neste momento, o governo precisava
ter um estoque mínimo de arroz para oferecer ao mercado, garantir o equilíbrio
e a estabilidade ao consumidor, porque é um produto da cesta básica. Parte do
que estamos vivendo é consequência de um governo passado que foi desatento e
desestruturou essas políticas públicas. No ano passado, iniciamos a retomada da
formação de estoques com milho, uma medida acertada, que agora serviu de apoio
aos produtores do norte de Minas e da Bahia para enfrentar a falta de cereal
para suas criações. Estamos tomando medidas de estímulo ao aumento da produção
de arroz, feijão e mandioca. Apesar da dificuldade deste momento, vimos que a
área plantada de arroz voltou a crescer e seguiremos trabalhando para o
incentivo ao aumento ainda maior da produção de arroz. Vamos incentivar o
plantio e, quando houver uma oferta mais abundante do cereal, o governo vai
recompor seus estoques para minimizar o impacto dessas oscilações que não devem
ocorrer nos produtos da cesta básica.
Apesar da quebra de
safra de grãos e do aumento do arroz, a perspectiva é de que a cesta básica não
seja afetada pela inflação neste ano. Os preços do óleo de soja e dos derivados
de milho tendem a não subir. Nas carnes, se houver reação, será pequena. Na
fruticultura e em leguminosas, há questões sazonais de safra que impulsionam o
preço, mas a recuperação da produção é rápida com um estímulo natural do
mercado. Portanto, o agro não será impulsionador da inflação no Brasil neste
ano.
·
O senhor vem
discutindo a reformulação do seguro rural. Os modelos de outros países
estudados, como o do México, se mostram passíveis de serem adaptados ao Brasil?
Quando essa reestruturação entrará em vigor?
Os modelos estão sendo
avaliados. Acho que o mais próximo é o modelo mexicano porque já está instalado
no Brasil (por seguradoras privadas) com as tecnologias disponíveis para que
possa ser ofertado no mercado. A equipe técnica do ministério está trabalhando
nessa reformulação para simular o modelo. Basicamente, esse modelo mexicano, em
um sistema de inteligência artificial, cruza as informações meteorológicas com
as boas práticas, como o melhor momento de plantio, variedades e tecnologias
utilizadas em cada região para os menores riscos. Com base nisso, é possível
conceder uma receita agronômica e meteorológica ao produtor atrelado ao seguro.
Isso barateia o custo da apólice, dá segurança ao produtor e dá estabilidade na
produção. É um processo que está dando certo em vários países. Queremos muito
que este modelo esteja pronto para ser oferecido no Plano Safra 2024/25. Para a
safra atual, temos um modelo em vigor e orçamento para subvenção. Um orçamento
que deveria ser maior, porém as intempéries mais constantes e o aumento do
custo de produção fizeram o preço das apólices subir. A alternativa que temos é
a modernização do seguro para torná-lo mais eficiente e mais barato. Queremos
lançar instrumentos mais eficientes para o seguro no Brasil junto ao Plano Safra
2024/25.
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O senhor citou que o
orçamento tem cobertor curto. Há espaço para um reajuste do orçamento do seguro
rural, de R$ 964 milhões, ainda para este ano?
O orçamento foi
mantido em torno do valor histórico que vinha sendo registrado nos últimos
anos, de R$ 1 bilhão por ano. O aumento dos recursos é pedido ano a ano. Há
espaço para discussão a partir de março, a depender muito da performance da
arrecadação e do crescimento da economia. Sempre há espaço para negociação, mas
não queremos ficar apenas com essa alternativa para o seguro rural e sim nos
voltarmos para a modernização do modelo.
·
Sobre os novos
programas do governo, qual é a sua expectativa com o plano de conversão de
pastagens degradadas? O comitê gestor foi instituído para traçar as diretrizes
e tem hoje sua primeira reunião. O projeto pode entrar em vigor ainda neste
semestre?
As práticas públicas e
privadas já vêm acontecendo. Queremos que o aumento de produção do País ocorra
sobre pastagens e não sobre áreas de florestas. Não precisamos de novos
desmatamentos para aumentar a nossa produção agrícola. Agora, este comitê vai
agrupar todas as ações sob o mesmo ordenamento e dar um direcionamento para que
possamos quantificar essas práticas com uma certificação, rastreabilidade e
aferições atestadas pela Embrapa para que isso se converta em oportunidades
comerciais e até possivelmente de renda adicional para o produtor. Não se trata
apenas de crescimento de produção. Esse programa está alicerçado na
sustentabilidade, nas boas práticas trabalhistas, sociais, de sequestro de
carbono. Dentro do Plano Safra 2023/24, já temos uma linha de crédito para a
recuperação de pastagens com juros de 7% ao ano. O coordenador do comitê,
Carlos Ernesto Augustin, estabelecerá um prazo de 45 dias para que o grupo
alinhe o arcabouço do programa e esteja efetivamente estruturado para ser
formalizado oficialmente.
Fonte: Jornal do
Brasil
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