terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Acusação da PF à cúpula da Abin causa mais um desgaste a Rui Costa

A saída considerada iminente de Luiz Fernando Corrêa e Alessandro Moretti da cúpula da Agência Brasileira de Inteligência se somará à razoável lista de polêmicas que envolvem o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa — a Abin está subordinada à pasta que comanda. Desde o ano passado, ele vem colhendo desgastes, que envolveram o governo do Distrito Federal, a articulação política com o Congresso e a colocação da mulher com conselheira do Tribunal de Contas da Bahia — estado que governou.

Em 5 de junho de 2023, Costa classificou Brasília como uma "ilha da fantasia". À época, se discutia a possibilidade de deixar o Fundo Constitucional do DF dentro do limite de gastos previsto no Arcabouço Fiscal que deixa o FCDF fora do limite de gastos. O ministro foi criticado por parlamentares da base do governo e gerou incômodo no Palácio do Planalto.

A aliados, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva demostrou irritação e alertou que os ministros não podem dar declarações. Costa, porém, se retratou.

O ministro é motivo de críticas dos congressistas desde que assumiu o cargo pelo jeito ríspido e a pouca disposição em receber deputados e senadores no Palácio do Planalto. E mais: nas reuniões ministeriais, interrompia os colegas de forma abrupta. Há relatos de que melhorou nesse quesito.

Mas Costa não conseguiu explicar a eleição da mulher, Aline Peixoto, para o posto de conselheira do TCE-BA. O nome dela foi aprovado na Assembleia Legislativa do estado com 40 votos, oito a mais que o necessário para fazer parte da Corte de contas.

Desde março do ano passado, por um decreto de Lula, a Abin tornou-se um braço da Casa Civil, que, antes, ficava subordinada ao desgastado Gabinete de Segurança Institucional. A mudança no organograma se deveu à perda de confiança do presidente no GSI, depois da tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023 — a ideia era "desbolsonarizar" a Abin sob o comando de Costa, que endossou a entrada de Corrêa para dirigi-la.

O nome do delegado federal aposentado demorou para ser levado à sabatina pelo presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL). O parlamentar questionou Corrêa sobre a presença de bolsonaristas em postos-chave na Abin, mas escutou que eram da confiança do ex-diretor-geral da PF.

·        Aumenta a pressão para suspender o sigilo da "Abin paralela"

Investigadores da Polícia Federal solicitaram ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que seja retirado o sigilo do relatório sobre o esquema de espionagem ilegal montado pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin), durante a gestão do hoje deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ). Os agentes defendem que sobretudo os nomes daqueles que foram monitorados ilegalmente venham à tona. Fontes ouvidas pelo Correio asseguram que o pedido está sendo avaliado pelo magistrado. O grupo Prerrogativas, que reúne advogados ligados ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, também quer a suspensão do sigilo.

O relatório contém detalhes sobre como funcionou o esquema de espionagem, por meio do sistema israelense First Mile, que durou de 2019 a 2021 e monitorou autoridades consideradas inimigas do governo e do ex-presidente Jair Bolsonaro. A princípio, a bisbilhotagem foi feita contra parlamentares, jornalistas e ministros do Supremo, cujos passos foram vigiados frequentemente.

Ao todo, de acordo com fontes ligadas à investigação, aproximadamente 1,8 mil pessoas foram espionadas. Além do First Mile, o monitoramento ilegal utilizou outros programas que possibilitavam o acesso a dados mais completos dos celulares das vítimas — como mensagens de texto e tráfego de informações em redes sociais.

Ao longo dos três anos, foram realizados 66 mil acessos irregulares por meio do First Mile. Inicialmente, seriam 30 mil monitoramentos, mas, com a renovação do contrato para uso do sistema, foram feitos mais 30 mil.

Na avaliação dos integrantes da investigação da "Abin paralela", os nomes daqueles que foram bisbilhotados na gestão de Ramagem não podem ficar ocultos. Para eles, é importante entender em que contexto se realizaram os monitoramentos e quais objetivos motivaram a espionagem.

Até agora, Moraes apenas retirou o sigilo da decisão que autorizou o cumprimento de 21 mandados de busca e apreensão, o que incluiu endereços ligados ao deputado Ramagem. Mas, na decisão, havia trechos do relatório da PF que aponta alguns dos alvos da bisbilhotice — como a ex-deputada federal Joice Hasselmann, o atual ministro da Educação, Camilo Santana, e uma promotora relacionada à investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista, Anderson Gomes.

·        Bolsonaristas

Numa tentativa de conter o desgaste causado pela Operação Vigilância Aproximada — que devassou a espionagem da Abin na gestão de Ramagem —, deputados bolsonaristas estão coletando assinaturas para protocolar uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que dificulta a execução de operações da PF contra integrantes do Congresso. O texto é de autoria do deputado Rodrigo Valadares (União Brasil-SE) e determina que os mandados de busca e apreensão contra os parlamentares somente poderão ser cumpridos após aval das mesas diretoras da Câmara ou do Senado Federal.

A PEC diz que operações poderão ser feitas sem a permissão do Congresso apenas em crimes de "flagrante delito" — atualmente, não há uma legislação que blinde os parlamentares de buscas e apreensões. Para tramitar, o texto precisa de 171 assinaturas dos 513 deputados da Câmara. Segundo Valadares, até ontem 55 parlamentares tinham manifestaram apoio à proposta.

Os bolsonaristas estão inquietos por causa da operação que tornou Ramagem alvo de operação da PF e, também, devido ao inquérito que investiga os envolvidos na tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023 — que, no começo da semana, colocou o deputado Carlos Jordy (PL-RJ) no centro das apurações. Os apoiadores do ex-presidente vêm cobrando dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), uma postura de enfrentamento às incursões dos federais. 

 

Ø  "Abin paralela": agentes envolvidos depõem e são afastados das funções

 

Três policiais federais acusados de envolvimento no esquema ilegal de espionagem montado na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na gestão de Alexandre Ramagem prestaram depoimento aos agentes que conduzem a investigação. De acordo com informações obtidas pelo Correio, eles foram ouvidos na quinta-feira — um no Rio de Janeiro e dois em Brasília.

Ontem houve outros depoimentos na sede da PF, em Brasília, e na superintendência da corporação no Rio. Todos que foram ouvidos com envolvidos no esquema da "Abin paralela" estão afastados dos cargos que ocupam.

Uma fonte da Controladoria-Geral da União (CGU), ouvida pelo Correio, garante que existe materialidade suficientemente forte para confirmar a participação de Ramagem e outros no esquema. "A investigação apura a utilização do sistema de inteligência First Mile pela Abin (Agência Brasileira de Inteligência) no monitoramento de dispositivos móveis, sem a necessidade de interferência e/ou ciência das operadoras de telefonia e sem a necessária autorização judicial. Segundo informado pela Polícia Federal, o referido sistema, fornecido pela empresa Cognyte Brasil S.A., é capaz de identificar a Estação Rádio Base (ERB) indicando a localização de qualquer celular monitorado", destaca um trecho do relatório da investigação.

A Polícia Federal (PF) investiga se aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) usaram indevidamente outras ferramentas de espionagem além do software First Mile, que permite o monitoramento de geolocalização de celulares em tempo real.

·        Softwares

Documentos apreendidos pela PF na Operação Última Milha, deflagrada em outubro de 2023, indicam que outros programas podem ter sido mobilizados em nome dos interesses pessoais e políticos do ex-presidente Jair Bolsonaro. A investigações encontraram anotações compatíveis com a ferramenta Cobalt Strike, que pode ser usada para invadir computadores. O aplicativo LTESniffer, que intercepta tráfego em redes 4G, é outro que, segundo os agentes federais, pode ter sido usado pela "Abin paralela".

Até o momento, a PF assegura que o software First Mile foi usado mais de 60 mil vezes pela Abin entre fevereiro de 2019 e abril de 2021. O programa não permite o grampo de mensagens e ligações, mas dá acesso à geolocalização em tempo real e a dados pessoais registrados junto a operadoras de telefonia. A capacidade de monitoramentos simultâneos do programa ainda é investigada.

A PF afirma que o aparato da Abin foi usado para monitorar políticos de oposição ao governo e para auxiliar a defesa de filhos do ex-presidente em investigações criminais. A agência também teria sido usada para atacar as urnas eletrônicas e para tentar associar ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) à facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC). 

 

Ø  Cúpula da Abin está por um fio

 

A cúpula da Agência Brasileira de Inteligência está por um fio e pode ser demitida, nos próximos dias, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo os agentes federais envolvidos na Operação Vigilância Aproximada, deflagrada na quinta-feira, o atual comando da Abin manteria contato com o ex-diretor da instituição, o hoje deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), e passaria informações sigilosas. O parlamentar é considerado o responsável pela montagem de um esquema ilegal de monitoramento de autoridades e figuras públicas consideradas inimigas do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Esse, porém, não é o primeiro desgaste sofrido pela atual cúpula da Abin — cujo diretor é o delegado federal aposentado Luiz Fernando Corrêa, que tem como diretor adjunto outro delegado da PF, Alessandro Moretti. Em outubro de 2023, a Operação Última Milha trouxe à tona o uso irregular do sistema First Mile — elaborado para o monitoramento de geolocalização de celulares.

Já ali, investigações apontaram indícios de que servidores da Abin usaram o software para monitorar jornalistas, advogados, políticos e até mesmo ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) nos três primeiros anos do governo Bolsonaro. À época, Rui Costa, ministro da Casa Civil — à qual a agência se reporta —, se reuniu com Moretti, no Palácio do Planalto, para ouvir explicações sobre a utilização irregular das ferramentas da Abin.

Apesar do mal-estar e da pressão para que fossem removidos, Corrêa e Moretti foram mantidos nos postos. Agora, com os resultados da Operação Vigilância Aproximada — um desdobramento da Última Milha —, a necessidade de mudança na agência voltou a ser debatida. Por enquanto, nos bastidores do Palácio do Planalto os comentários são de que Lula analisa e tem ouvido interlocutores sobre o episódio.

·        "Insustentável"

Na decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, que retirou o sigilo sobre a participação de Ramagem na espionagem ilegal, Moretti teria afirmado, em uma reunião com investigados no STF, que o inquérito da PF teria "fundo político e iria passar". Por conta disso, o relatório dos agentes federais classifica como "insustentável" a permanência do atual comando da Abin.

A gestão de Ramagem à frente da Abin foi duramente criticada pela União dos Profissionais de Inteligência de Estado (Intelis), que congrega o corpo profissional da agência, e defende que a instituição seja dirigida por integrantes da própria carreira. "Se confirmados os ilícitos apurados, a problemática gestão da Abin por Alexandre Ramagem e seus assessores reforça a importância de a agência ser gerida por seu próprio corpo funcional, e não por atores exógenos politicamente condicionados, como no governo anterior", criticou a Intelis, acrescentando que "a Inteligência de Estado tem que ser preservada do debate político-partidário, e os profissionais de carreira precisam ser valorizados".

O diretor Corrêa é avaliado por setores do governo como um profissional sério e competente, mas que estaria falhando em limpar o corpo da Abin dos bolsonaristas. Em relação a Moretti a desconfiança é antiga, pois ele tinha estreita relação com o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Anderson Torres — uma das figuras-chave do inquérito sobre a tentativa de golpe em 8 de janeiro de 2023. Mas, como condição para comandar a agência, Corrêa teria exigido Moretti como seu auxiliar direto.

 

Fonte: Correio Braziliense

 

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