terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Bahia lidera ranking de trabalho escravo no Nordeste

O caso dos 197 baianos em situação análoga ao trabalho escravo no município de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, em 2023, é só mais uma das muitas provas que a abolição da escravatura no país em 1888 não deu fim a essa mazela. 28 de janeiro é reconhecido como o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo no Brasil e ainda há muito a ser feito. A auditora fiscal e coordenadora de combate ao trabalho análogo a escravidão na Bahia no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), Liane Durão, explica o panorama da situação atualmente.

“Falamos mais sobre o assunto hoje, porque a sociedade foi tomando mais consciência e houve uma melhora do nosso sistema de atendimento dessas denúncias. A gente registra mais, porque a gente sabe mais. Não necessariamente por um aumento nesses casos. Até porque os casos existem há muitos anos. Não houve abolição. Houve a abolição daquela escravidão, mas ela continua existindo nesses termos de escravidão contemporânea”.

Ponto ressaltado pela auditora fiscal é que precisa haver maior celeridade na apuração das denúncias, na fiscalização, no resgate e nos devidos processos trabalhistas e criminais.

Ainda no ano passado, foram registrados 333 casos de pessoas baianas traficadas para fins de trabalho escravo, sendo 248 em outros estados e 85 casos dentro do território. Já entre 2021 e 2022, o número aumentou em 17,14%, segundo levantamento do MTE. A Bahia desponta na liderança do ranking de empregadores condenados por trabalho escravo contemporâneo no Nordeste.

Este ano, a Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo da Bahia (Coetrae-BA) completa 15 anos de atuação no enfrentamento a esse crime. A força tarefa atua com ações permanentes de combate ao trabalho escravo, através da repressão a esse crime; bem como no resgate de trabalhadores e nas ações de pós-resgate.

·        Superexploração

A professora e pesquisadora do grupo GeografAR da UFBA, Gilca Garcia, explica o contexto da questão no país. “O trabalho análogo a de escravo no Brasil e na Bahia é pautado na formação econômica e social do país que tem como base o latifúndio, a monocultura e o trabalho escravo dos povos negros e dos indígenas. O racismo estrutural e a superexploração do trabalho estão na estrutura de exploração dos trabalhadores”.

Conforme a pesquisadora é preciso que aconteça uma transformação social que rompa com o ciclo de exploração que se apoia na vulnerabilidade dos trabalhadores

Esse é o caso de Luís Antônio (nome fictício), que foi uma dos baianos vítima do caso de Bento Gonçalves. Ele sofreu por quase 50 dias dessa situação em que trabalhava num regime de horas excruciante, sem pagamento, sem os equipamentos de proteção individual (EPIs) necessários e submisso a possibilidade de sessões de tortura. “Eles enganam pessoas que estão realmente passando por uma necessidade”. Após ser resgatado, Luís Antônio conta quais são seus planos e desejos para o futuro. “A gente espera que eles paguem tudo que fizeram com a gente, porque não merecemos”. Hoje, ele trabalha para ajudar pessoas que passaram por situações semelhantes e está quer conseguir uma bolsa para fazer faculdade.

 

Ø  A era da “pós-escravidão”

 

O combate aos efeitos da “pós-escravidão”, como se pode nomear todo o período desde a lei de esvaziamento das senzalas, a 13 de maio de 1888, até este exato minuto, precisa estar presente no cotidiano, sem hipótese de trégua.

28 de janeiro, especialmente, reserva-se a data para lembrar o eufemismo do “trabalho escravo”, ainda uma realidade objetiva, apesar dos esforços no sentido de demolir a chaga supremacista.

Coincidentemente, este é o mês de nascimento do Prêmio Nobel da Paz, Martin Luther King, referência de luta por direitos civis iguais para todas e todos, 55 anos após seu assassinato.

De um viés emergencial, a liça se dá contra condições subumanas às quais se submetem trabalhadoras e trabalhadores em busca de sobrevivência, jogados às traças e percevejos de dormitórios insalubres.

Na Bahia, o serviço de pensar ações preventivas e repressivas é desenvolvido por comissão estadual criada para erradicar a praga capaz de produzir tamanha infelicidade, enquanto os espertos se locupletam.

A sensação de impunidade incentivada pelas omissões e discursos dos governantes, entre 2019 e 2022, pode ter contribuído para a escalada das estatísticas em 17% dos inquéritos policiais.

A título de exemplo para o país, os baianos lideram os registros em âmbito nacional de “empregadores” condenados por recrutarem mão de obra desesperada devido ao perfil de escória do proletariado.

Funciona assim: um capataz “terceirizado” combina o salário; a vítima consome produtos de subsistência na cantina, paga a dívida mensal, mas é impedida de sair, pois novas despesas são contraídas: o inferno é mesmo aqui.

Espancamentos e danos morais compõem aspectos dos flagrantes verificados, quando a polícia resolve se mobilizar, embora seja comum a informação do delito chegar às delegacias tão somente quando um neo-escravizado foge.

O racismo é indicador deste cenário, pois o grupo social, exposto aos maus-tratos, tem a maioria de pretas e pretos, como se estivesse ativo no país um braço da ku klux klan estadunidense.

 

Ø  Mãe de santo fala da importância da Festa de Bonfim de Mata de São João na luta contra intolerância: “Momento de visibilidade”

 

A Festa de Bonfim de Mata de São João também é um momento de luta para o povo de santa. A líder religiosa Maria Cícera, a Ciça de Oyá, fala da importância do evento na luta contra a intolerância às religiões de matriz africana.

“Nós somos um povo que somos sofredores, já viemos com esse histórico de sofrer. Vamos dizer que este é um momento de visibilidade. Nós somos escravizados desde o passado e isso continua. Então, é como se nós estivéssemos quebrando essas correntes e dizendo para o povo que nós, povo de axé, ancestralidade, nós sempre estamos vivos. A resiliência reside em cada um de nós”, destacou Ciça ao Bahia Notícias.

“Por conta da opressão, as babalorixás e ialorixás recuam com medo, mas estamos ao pouco mostrando que estamos numa nova era, em um novo mundo,  que o amor está resistindo a tudo isso, e nós vamos chegar ao total de 100 terreiros contabilizados”, pontuou.

 

Fonte: A Tarde/BN

 

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