Bahia lidera ranking de trabalho escravo no
Nordeste
O caso dos 197 baianos
em situação análoga ao trabalho escravo no município de Bento Gonçalves, no Rio
Grande do Sul, em 2023, é só mais uma das muitas provas que a abolição da
escravatura no país em 1888 não deu fim a essa mazela. 28 de janeiro é
reconhecido como o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo no Brasil e
ainda há muito a ser feito. A auditora fiscal e coordenadora de combate ao
trabalho análogo a escravidão na Bahia no Ministério do Trabalho e Emprego
(MTE), Liane Durão, explica o panorama da situação atualmente.
“Falamos mais sobre o
assunto hoje, porque a sociedade foi tomando mais consciência e houve uma
melhora do nosso sistema de atendimento dessas denúncias. A gente registra
mais, porque a gente sabe mais. Não necessariamente por um aumento nesses
casos. Até porque os casos existem há muitos anos. Não houve abolição. Houve a
abolição daquela escravidão, mas ela continua existindo nesses termos de
escravidão contemporânea”.
Ponto ressaltado pela
auditora fiscal é que precisa haver maior celeridade na apuração das denúncias,
na fiscalização, no resgate e nos devidos processos trabalhistas e criminais.
Ainda no ano passado,
foram registrados 333 casos de pessoas baianas traficadas para fins de trabalho
escravo, sendo 248 em outros estados e 85 casos dentro do território. Já entre
2021 e 2022, o número aumentou em 17,14%, segundo levantamento do MTE. A Bahia
desponta na liderança do ranking de empregadores condenados por trabalho
escravo contemporâneo no Nordeste.
Este ano, a Comissão
Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo da Bahia (Coetrae-BA) completa 15
anos de atuação no enfrentamento a esse crime. A força tarefa atua com ações
permanentes de combate ao trabalho escravo, através da repressão a esse crime;
bem como no resgate de trabalhadores e nas ações de pós-resgate.
·
Superexploração
A professora e
pesquisadora do grupo GeografAR da UFBA, Gilca Garcia, explica o contexto da
questão no país. “O trabalho análogo a de escravo no Brasil e na Bahia é
pautado na formação econômica e social do país que tem como base o latifúndio,
a monocultura e o trabalho escravo dos povos negros e dos indígenas. O racismo
estrutural e a superexploração do trabalho estão na estrutura de exploração dos
trabalhadores”.
Conforme a
pesquisadora é preciso que aconteça uma transformação social que rompa com o
ciclo de exploração que se apoia na vulnerabilidade dos trabalhadores
Esse é o caso de Luís
Antônio (nome fictício), que foi uma dos baianos vítima do caso de Bento
Gonçalves. Ele sofreu por quase 50 dias dessa situação em que trabalhava num
regime de horas excruciante, sem pagamento, sem os equipamentos de proteção
individual (EPIs) necessários e submisso a possibilidade de sessões de tortura.
“Eles enganam pessoas que estão realmente passando por uma necessidade”. Após
ser resgatado, Luís Antônio conta quais são seus planos e desejos para o
futuro. “A gente espera que eles paguem tudo que fizeram com a gente, porque
não merecemos”. Hoje, ele trabalha para ajudar pessoas que passaram por
situações semelhantes e está quer conseguir uma bolsa para fazer faculdade.
Ø
A era da “pós-escravidão”
O combate aos efeitos
da “pós-escravidão”, como se pode nomear todo o período desde a lei de
esvaziamento das senzalas, a 13 de maio de 1888, até este exato minuto, precisa
estar presente no cotidiano, sem hipótese de trégua.
28 de janeiro,
especialmente, reserva-se a data para lembrar o eufemismo do “trabalho
escravo”, ainda uma realidade objetiva, apesar dos esforços no sentido de
demolir a chaga supremacista.
Coincidentemente, este
é o mês de nascimento do Prêmio Nobel da Paz, Martin Luther King, referência de
luta por direitos civis iguais para todas e todos, 55 anos após seu
assassinato.
De um viés
emergencial, a liça se dá contra condições subumanas às quais se submetem
trabalhadoras e trabalhadores em busca de sobrevivência, jogados às traças e
percevejos de dormitórios insalubres.
Na Bahia, o serviço de
pensar ações preventivas e repressivas é desenvolvido por comissão estadual
criada para erradicar a praga capaz de produzir tamanha infelicidade, enquanto
os espertos se locupletam.
A sensação de
impunidade incentivada pelas omissões e discursos dos governantes, entre 2019 e
2022, pode ter contribuído para a escalada das estatísticas em 17% dos
inquéritos policiais.
A título de exemplo
para o país, os baianos lideram os registros em âmbito nacional de
“empregadores” condenados por recrutarem mão de obra desesperada devido ao
perfil de escória do proletariado.
Funciona assim: um
capataz “terceirizado” combina o salário; a vítima consome produtos de
subsistência na cantina, paga a dívida mensal, mas é impedida de sair, pois
novas despesas são contraídas: o inferno é mesmo aqui.
Espancamentos e danos
morais compõem aspectos dos flagrantes verificados, quando a polícia resolve se
mobilizar, embora seja comum a informação do delito chegar às delegacias tão
somente quando um neo-escravizado foge.
O racismo é indicador
deste cenário, pois o grupo social, exposto aos maus-tratos, tem a maioria de
pretas e pretos, como se estivesse ativo no país um braço da ku klux klan
estadunidense.
Ø
Mãe de santo fala da importância da Festa
de Bonfim de Mata de São João na luta contra intolerância: “Momento de
visibilidade”
A Festa de Bonfim de
Mata de São João também é um momento de luta para o povo de santa. A líder
religiosa Maria Cícera, a Ciça de Oyá, fala da importância do evento na luta
contra a intolerância às religiões de matriz africana.
“Nós somos um povo que
somos sofredores, já viemos com esse histórico de sofrer. Vamos dizer que este
é um momento de visibilidade. Nós somos escravizados desde o passado e isso
continua. Então, é como se nós estivéssemos quebrando essas correntes e dizendo
para o povo que nós, povo de axé, ancestralidade, nós sempre estamos vivos. A
resiliência reside em cada um de nós”, destacou Ciça ao Bahia Notícias.
“Por conta da
opressão, as babalorixás e ialorixás recuam com medo, mas estamos ao pouco
mostrando que estamos numa nova era, em um novo mundo, que o amor está
resistindo a tudo isso, e nós vamos chegar ao total de 100 terreiros
contabilizados”, pontuou.
Fonte: A Tarde/BN
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