terça-feira, 30 de janeiro de 2024

'A dama que mente': o controverso legado de Condoleezza Rice

Em 26 de janeiro de 2005, Condoleezza Rice foi nomeada para o cargo de secretária de Estado em Washington. A nomeação fez dela a primeira mulher afro-americana a ocupar a posição, mas também serviu para catapultar ao poder uma das figuras mais polêmicas da política externa estadunidense nos últimos anos.

Como secretária de Estado (cargo equivalente ao de ministro das Relações Exteriores nos Estados Unidos), ela substituiu nada mais nada menos do que Colin Powell, o mesmo que mentiu desavergonhadamente perante o Conselho de Segurança da ONU em fevereiro de 2003, alegando que o Iraque produzia em segredo armas químicas.

A encenação descarada de Powell não foi suficiente para convencer os demais membros do Conselho de Segurança, que à época votavam resoluções com o intuito de promover uma solução diplomática (em vez de militar) para a crise internacional que se formava em torno do Iraque de Saddam Hussein. Na época, Rice também se lançou a enganar o público americano a respeito do assunto.

Em 18 de janeiro de 2003, o jornal The Washington Post alegava que Condoleezza Rice desempenhou um papel significativo na formação das opiniões políticas do então presidente, George W. Bush, sobre a necessidade de invadir o país árabe. Rice foi sem sombra de dúvidas uma apoiadora declarada da guerra no Iraque em 2003.

Ainda que Bagdá tivesse apresentado à ONU uma declaração sobre a inexistência de armas de destruição em massa no país, Condoleezza Rice (enquanto conselheira de Segurança Nacional) publicou um artigo de opinião em janeiro de 2003 no jornal The New York Times intitulado "Por que sabemos que o Iraque está mentindo?" ("Why We Know Iraq Is Lying?"). Rice alegava, levianamente, que o Iraque não havia se desarmado.

Na visão de Condoleezza Rice, o comportamento do Iraque nos anos anteriores não suscitava confiança e, portanto, a comunidade internacional não deveria acreditar nas promessas de Bagdá. Ela afirmava, assim como George W. Bush, que Saddam Hussein se comprometeu a manter e ocultar as suas armas de destruição em massa, impedindo o trabalho dos inspetores internacionais. Quanto ao documento de 12.200 páginas apresentado pelo Iraque à ONU a respeito da inexistência de tais armas, Rice optou por ignorá-lo, chamando-o de fraudulento.

Por certo, Condoleezza Rice desempenhou um papel fundamental na construção do argumento de que o regime de Saddam Hussein possuía armas de destruição em massa, o que justificaria a intervenção militar americana no Oriente Médio. No entanto, Rice, Colin Powell (seu antecessor como secretário de Estado), George W. Bush e toda a administração americana acabaram indelevelmente descreditados perante a comunidade internacional após a invasão, pois não foram encontradas evidências sólidas que corroborassem as alegações de que o Iraque possuía armas químicas.

Essa situação gerou não apenas a trágica perda de centenas de milhares de vidas humanas, mas também contribuiu para ampliar a instabilidade na região do Oriente Médio, com impactos que são sentidos até hoje. Para além disso, a atuação de Condoleezza Rice no cenário internacional durante o período de 2005 a 2009 (quando trabalhou como secretária de Estado) também é alvo de críticas por outros motivos importantes. Especialmente no que diz respeito à sua postura em relação às práticas de tortura e à controversa Diplomacia Transformacional, que visava expandir a democracia estadunidense para as demais partes do mundo.

Quanto às práticas de tortura (como a famosa manobra de afogamento simulado, que aparece de quando em quando em alguns filmes americanos) e outras formas de tratamento cruel e degradante, Rice acreditava que se tratava de ações justificadas, se fosse para obter informações relevantes para a segurança nacional dos Estados Unidos.

Não é preciso dizer que tais práticas de tortura implementadas pelos militares americanos violavam princípios fundamentais de direitos humanos, o que gerou um justo repúdio por parte da comunidade internacional, manchando a reputação de Washington no cenário global. Rice, no entanto, nunca pareceu estar preocupada com essas questões.

Em relação à exportação da democracia para outras partes do globo, Rice coadunava com o proselitismo político neoconservador estadunidense, que entendia ser necessário exportar os valores civilizacionais dos Estados Unidos para outros povos, ensinando-os de forma professoral como deviam viver ou se comportar.

Essa abordagem enfrentou desafios quando o Hamas obteve a maioria nas eleições palestinas em 2006 (apenas um ano depois de Condoleezza Rice assumir o cargo), e quando países influentes como Arábia Saudita e Egito, que contavam com o apoio dos Estados Unidos, mantiveram seus sistemas autoritários, o que demonstrava a hipocrisia da administração americana.

Não obstante, o período em que Condoleezza Rice esteve à frente do Departamento de Estado americano foi um dos mais lucrativos para o complexo industrial militar. Afinal, foram dezenas de bilhões de dólares em armas fornecidos pelos Estados Unidos ao Oriente Médio entre os anos de 2005 e 2009, segundo relatórios da própria Condoleezza Rice.

Os principais beneficiários desse fornecimento foram países como Arábia Saudita, Egito, Kuwait, Bahrein, Catar, Omã e Emirados Árabes Unidos, todos aliados da administração americana na região, além, é claro, de Israel. A propósito, a postura de Rice em relação à questão Israel-Palestina também era bastante controversa.

Sua abordagem, inegavelmente favorável a Israel, não visava encontrar uma solução equitativa para o conflito. No período, Washington vinha promovendo um aumento de quase 25% na assistência militar a Israel, prometendo atingir a cifra de 30 bilhões de dólares até o ano de 2010. A falta de um compromisso claro de Condoleezza Rice e da administração americana com a promoção da paz na região contribuiu para a perpetuação das tensões e de crises, dificultando ainda mais a situação no Oriente Médio.

Em suma, as políticas de Condoleezza Rice durante seu período como secretária de Estado deixaram um legado não só complexo como trágico. Suas decisões em relação à Guerra do Iraque, às práticas de tortura, à questão palestina e a outros temas fundamentais foram marcadas por controvérsias e inverdades.

A análise crítica dessas políticas, por sua vez, talvez seja suficiente para afirmar que Condoleezza Rice será lembrada no futuro não como a primeira mulher afro-americana a ocupar o cargo de secretária de Estado, mas sim como a "dama que mente".

 

Ø  Departamento de Estado dos EUA declara que alegações da CIJ de genocídio em Gaza são 'infundadas'

 

O Departamento de Estado norte-americano declarou que as ações israelenses em Gaza não se enquadram no âmbito da Convenção sobre Genocídio, anunciadas mais cedo pela Corte Internacional de Justiça (CIJ), da Organização das Nações Unidas (ONU).

"Continuamos a acreditar que as alegações de genocídio são infundadas, e observamos que o tribunal não fez uma conclusão sobre o genocídio nem apelou a um cessar-fogo na sua decisão e à libertação imediata e incondicional de todos os reféns detidos pelo Hamas", disse o comunicado.

No início do dia, a CIJ reconheceu alguns direitos reivindicados pela África do Sul perante a Corte em que acusa Israel de cometer genocídio contra o povo palestino na Faixa de Gaza. O tribunal determinou que Israel tome medidas para prevenir o genocídio na Faixa de Gaza, mas não chegou a ordenar o cessar-fogo.

Com mais de 80 páginas, o documento sul-africano alega que Israel violou a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio da ONU, de 1948. As audiências — que tratam do processo da África do Sul contra Israel, acusado de violar a convenção na Faixa de Gaza — ocorreram nos dias 11 e 12 de janeiro, em Haia, nos Países Baixos.

A ação solicita medidas provisórias para que, até que o mérito seja apreciado, haja cessação das condutas de Israel na Faixa de Gaza. Em um primeiro momento, a corte deve apenas verificar a plausibilidade da ocorrência dos atos genocidas.

O secretário-geral da ONU, António Guterres, informou que enviará ainda hoje a decisão do tribunal ao Conselho de Segurança, disse o porta-voz do secretário-geral, Stéphane Dujarric, em um briefing.

"O secretário-geral recorda que, de acordo com a carta e o estatuto do tribunal, as decisões do tribunal são vinculativas e espera que todas as partes cumpram devidamente a ordem do tribunal", disse Dujarric.

·        Conflito já matou mais de 30 mil pessoas

Desde o início do conflito, em 7 de outubro de 2023, o número de residentes da Faixa de Gaza mortos por ataques israelenses ultrapassou os 27 mil e, de feridos, passou de 64,1 mil, informou mais cedo o porta-voz do Ministério da Saúde palestino no enclave, Ashraf al-Qudra.

Do lado israelense, os números são de ataques do grupo palestino, que causaram a morte de cerca de 1,2 mil pessoas e deixaram quase 5,5 mil feridos. O grupo também tomou 250 israelenses como reféns.

De 24 de novembro a 1º de dezembro, durante uma trégua humanitária acordada entre as partes envolvidas no conflito, 80 reféns do Hamas, em sua maioria mulheres e crianças, foram trocados por 240 prisioneiros palestinos. Além disso, as milícias palestinas libertaram mais 30 cativos, a maioria tailandeses que viviam em Israel. Cerca de 130 reféns ainda são mantidos em cativeiro em Gaza.

Quando a trégua expirou, as operações de guerra foram retomadas e o fluxo de ajuda humanitária que chegava ao sul do enclave palestino, proveniente do Egito, foi novamente reduzido a um quinto do que Gaza recebia antes do conflito, segundo a ONU.

 

Ø  OMS rejeita acusações de Israel de conluio com o Hamas

 

O chefe da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, rejeitou nesta sexta-feira (26) a acusação de Israel de que a organização está em conluio com o movimento palestino Hamas.

"A OMS refuta a acusação feita ontem [25] por Israel na reunião do Conselho Executivo de que a OMS está 'em conluio' com o Hamas e está 'fechando os olhos' ao sofrimento dos reféns mantidos em Gaza", disse o chefe da OMS em suas redes sociais.

Segundo ele, as "falsas alegações" podem pôr em perigo os funcionários da agência, que arriscam as suas vidas para servir aos vulneráveis.

Mais cedo, o porta-voz da OMS, Christian Lindmeier, afirmou que as instalações médicas na Faixa de Gaza e na Cisjordânia sofreram mais de 670 ataques desde 7 de outubro, deixando 623 mortos e 837 feridos.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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