domingo, 28 de janeiro de 2024

Corte da ONU determina que Israel evite atos de genocídio

Embora a Corte Internacional de Justiça (CIJ) não tenha acatado a demanda da África do Sul por um cessar-fogo imediato em Gaza, as medidas impostas nesta sexta-feira (26) pelo tribunal a Israel são históricas e colocarão forte pressão sobre o país, segundo analistas entrevistados pela BBC.

Os 17 juízes da CIJ determinaram que Israel tome as medidas em seu poder para evitar atos que podem ser considerados genocídio em Gaza e pediram a libertação dos reféns mantidos pelo Hamas.

Para os especialistas, a decisão desta sexta emite um sinal para Israel e seus aliados de que suas ações estão sob escrutínio internacional.

Juliette McIntyre, professora da Universidade da Austrália do Sul, destaca que os juízes da Corte citaram diversas declarações feitas por autoridades israelenses.

Para ela, isso mostra que eles estão atentos ao debate público e que o governo israelense precisará ser mais cuidadoso em seus posicionamentos.

Essa pressão também deverá ter efeitos dentro de Israel, na avaliação do professor Itamar Mann, da Universidade de Haifa.

Para ele, o governo terá agora que tomar decisões sobre o que chamou de “governança contragenocídio”. E isso pode provocar brigas internas, inclusive entre o Ministério da Justiça e a Procuradoria Geral israelenses.

A decisão da CIJ também é, para Mann, mais um episódio a ser observado pela população israelense, somando-se a insatisfações internas com a conduta no conflito em Gaza.

Entretanto, apesar da pressão que deve gerar, Juliette McIntyre aponta que a decisão dessa sexta — que ela vê como uma "vitória" para a África do Sul — não deve provocar mudanças imediatas no conflito em Gaza.

A CIJ, criada em 1945, é o tribunal internacional que deve resolver disputas entre os 193 Estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU).

O tribunal das Nações Unidas avalia a acusação de genocídio contra Israel apresentada pela África do Sul, mas as decisões anunciadas hoje ainda não são uma posição final sobre essa alegação — que o governo israelense nega veementemente e pode demorar anos para ser julgada (entenda mais abaixo).

A Corte, no entanto, determinou algumas medidas provisórias. Entre as principais decisões, estão:

1. Israel deve tomar todas as medidas possíveis para prevenir quaisquer atos que possam ser considerados de genocídio, entre os quais matar membros de um grupo étnico, causar danos corporais, infligir condições destinadas a provocar a destruição do grupo ou impedir nascimentos;

2. Israel deve garantir que os seus militares não cometam quaisquer atos considerados de genocídio;

3. Israel deve prevenir e punir quaisquer comentários públicos que possam ser considerados incitamento ao genocídio em Gaza;

4. Israel deve tomar medidas para garantir o acesso à ajuda humanitária em Gaza;

5. Israel deve impedir qualquer destruição de provas que possam ser utilizadas em um caso de genocídio;

6. Israel deve apresentar um relatório ao tribunal no prazo de um mês após esta ordem ser dada.

As medidas exigidas na decisão desta sexta se destinam a garantir que, embora os juízes ainda estejam analisando a acusação fundamental da África do Sul contra Israel, os palestinos de Gaza tenham alguma forma de proteção.

O tribunal também expressou grande preocupação com o destino dos reféns mantidos pelo Hamas em Gaza e pediu sua libertação imediata.

As decisões da CIJ são vinculantes, ou seja, Israel tem que cumpri-las. Mas não existe mecanismo para garantir o cumprimento das determinações.

Isso significa que Israel poderia optar por ignorar completamente as determinações dos juízes, afirma o correspondente de diplomacia da BBC Paul Adams.

Israel declarou guerra contra o Hamas depois que o grupo invadiu e matou 1.300 pessoas em seu território — a maioria civis — e fez cerca de 240 reféns em um ataque sem precedentes.

Mais de 25 mil pessoas, principalmente mulheres e crianças, foram mortas na campanha militar israelense em Gaza desde então, segundo o Ministério da Saúde controlado pelo Hamas.

·        Reações

Após a sessão da CIJ, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse: "(Israel) continuará a defender a nós próprios e aos nossos cidadãos, ao mesmo tempo que adere ao direito internacional".

O premiê israelense afirmou ainda que Israel "continuará esta guerra até a vitória absoluta" e até que "todos os reféns sejam devolvidos".

O ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, também se pronunciou, afirmando que "o Estado de Israel não precisa ser ensinado sobre moralidade para distinguir entre terroristas e a população civil em Gaza".

Em publicação nas redes sociais, ele também classificou o processo da África do Sul contra Israel como "antissemita".

Por sua vez, a ministra dos Negócios Estrangeiros da África do Sul, Naledi Pandor, afirmou que, sem um cessar-fogo em Gaza, a decisão da "CIJ não funciona realmente".

"Eu gostaria que a palavra 'cessação' fosse incluída na decisão, mas estou satisfeita com as instruções que foram dadas", disse ela.

Questionada por um jornalista se acha que Israel cumprirá as ordens, ela afirmou que "nunca teve esperanças em relação a Israel", mas espera que os "amigos poderosos" do país o aconselhem a seguir as determinações.

O governo sul-africano também divulgou um comunicado acolhendo as ordens judiciais e qualificando a sentença como uma "decisão histórica".

O ministro dos Negócios Estrangeiros palestino saudou as medidas provisórias ordenadas pelo tribunal.

"Os juízes da CIJ avaliaram os fatos e a lei, decidiram a favor da humanidade e do direito internacional", afirmou Riyad Al-Maliki, segundo a agência de notícias Reuters.

Al-Maliki faz parte da Autoridade Palestina, que administra parte da Cisjordânia e é rival do Hamas.

·        O julgamento

A África do Sul considera que Israel está cometendo um genocídio contra o povo palestino em Gaza e abriu um processo na Corte Internacional de Justiça em 29 de dezembro de 2023.

O governo brasileiro manifestou apoio à iniciativa sul-africana.

Nas provas apresentadas à CIJ, a África do Sul disse que as ações de Israel "têm por objetivo provocar a destruição de uma parte substancial do grupo nacional, racial e étnico palestino".

No documento de 84 páginas, o país africano argumenta que os atos genocidas incluem matar palestinos, causar graves danos mentais e corporais e infligir deliberadamente condições destinadas a "provocar a sua destruição física como grupo".

Também afirma que as declarações das autoridades israelenses expressam intenções genocidas.

Em resposta às alegações, Benjamin Netanyahu disse que seu país está se comportando com uma "moralidade" sem paralelo na sua campanha em Gaza.

Um porta-voz do governo israelense comparou o caso da África do Sul a um "libelo de sangue", uma falsa alegação de que judeus assassinaram cristãos para usar o seu sangue em rituais antigos.

Ele também disse que o Hamas tem total responsabilidade moral pela guerra que iniciou.

A África do Sul apresentou um segundo processo solicitando à CIJ que tomasse medidas temporárias, o que foi julgado nesta sexta.

No caso, o país pedia que o tribunal ordenasse a Israel que parasse todas as ações militares em Gaza — decisão que não foi acatada pela CIJ.

Como o processo foi classificado como urgente, foi ouvido primeiro.

A Ucrânia fez um pedido semelhante depois de ter sido invadida pela Rússia em 24 de fevereiro de 2022, e a corte ordenou que a Rússia suspendesse a sua campanha militar algumas semanas depois. Moscou ignorou isso.

·        O que é genocídio?

Nos termos da Convenção das Nações Unidas sobre Genocídio de 1948, trata-se de um ato cometido com a intenção de destruir total ou parcialmente um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, que envolve:

  • Matar membros do grupo
  • Causar danos corporais ou mentais graves a membros do grupo
  • Infligir deliberadamente condições de vida calculadas para trazer destruição física
  • Impor medidas destinadas a prevenir nascimentos
  • Transferir de forma forçada crianças do grupo para outro grupo

O genocídio é um dos crimes internacionais mais difíceis de provar. Tanto Estados quanto pessoas podem ser acusadas pelo crime.

·        Qual é o papel da Corte Internacional de Justiça?

A CIJ é o tribunal superior das Nações Unidas que decide sobre disputas entre Estados. Todos os membros da ONU são automaticamente membros da CIJ.

Parte da competência do tribunal é ouvir disputas relativas à Convenção do Genocídio de 1948.

Seis milhões de judeus foram assassinados pelos nazistas na Europa durante a Segunda Guerra Mundial, de 1939 a 1945. Posteriormente, os líderes mundiais procuraram evitar uma repetição, adotando esta convenção.

Israel, África do Sul, Mianmar, Rússia, Brasil e Estados Unidos são algumas das 153 partes que a ratificaram.

 

Ø  As reações de israelenses e palestinos à decisão

 

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse que Israel "continuará a defender a si e aos seus cidadãos, ao mesmo tempo que adere ao direito internacional", após a Corte Internacional de Justiça (CIJ) determinar que o país deve tomar medidas para evitar atos que possam caracterizar genocídio na Faixa de Gaza.

Netanyahu afirmou ainda que Israel "continuará esta guerra até a vitória absoluta" e até que "todos os reféns sejam devolvidos", em referência aos cidadãos, em sua maioria israelenses, sequestrados em Israel nos ataques promovidos pelo grupo militante islâmico Hamas em 7 de outubro de 2023.

A CIJ também determinou que os reféns ainda mantidos em poder do Hamas devem ser libertados. Estima-se que 240 foram raptadas e levadas para Gaza durante os ataques.

Israel afirma que 132 pessoas continuam desaparecidas após terem sido raptadas e levadas para Gaza durante os ataques. O país acredita que 25 estejam mortos.

Outras 105 pessoas foram libertadas em um acordo de cessar-fogo com o Hamas que durou seis dias no final de novembro, quando prisioneiros palestinos foram libertados por Israel como parte das negociações.

A CIJ não concordou, porém, com o pedido feito pela África do Sul — que acusou Israel de estar cometendo genocídio contra o povo palestino na ação movida perante o tribunal — de que fosse determinado um cessar-fogo imediato.

Ainda assim, a decisão representa uma vitória para a África do Sul e uma derrota para Israel, avalia Jeremy Bowen, editor de assuntos internacionais da BBC News, porque a Corte sinalizou que a forma como Israel trava esta guerra deve mudar radicalmente.

Bowen aponta que a CIJ não exigiu um cessar-fogo porque "sob o direito humanitário internacional, nas circunstâncias certas e dentro do contexto jurídico, a guerra é legal, e Israel foi atacado".

Ao mesmo tempo, embora Israel tenha reiteradamente afirmado que respeita as leis internacionais sobre guerras, "as observações feitas pela juíza da CIJ indicam que o tribunal não concorda".

·        'Decisão a favor da humanidade'

Do lado palestino, o ministro de Relações Exteriores, Riyad Al-Maliki, celebrou a decisão da CIJ.

"Os juízes avaliaram os fatos e a lei, decidiram a favor da humanidade e do direito internacional", dise Al-Maliki, segundo a agência de notícias Reuters.

Al-Maliki é membro da Autoridade Palestina, que administra parte da Cisjordânia, e é rival do Hamas.

Um membro do alto escalão do partido político Fatah – que está no no poder da Cisjordânia e também rival do Hamas – também saudou a decisão da Corte.

Sabri Saidam disse à BBC que Israel recebeu um "cartão amarelo" e acrescentou que o Fatah está esperando para ver como Israel responde e o que será feito para implementar as medidas determinadas pela CIJ.

"Gostaríamos de ver as hostilidades e a sabotagem de todo o plano de deslocamento dos palestinos cessarem e que seja permitida a chegada de ajuda e a reconstrução de Gaza", diz Saidam.

"Mas o mais importante é que todos os palestinos vejam o fim do conflito."

Ele acrescentou que, embora a decisão da CIJ seja um "passo na direção certa”" ele acredita que muitos palestinos sentirão que é tarde demais.

Saidam diz que a questão do conflito com Israel "não é mais sobre o Hamas", mas sobre o futuro dos palestinos como povo.

Israel afirmou repetidamente que os objetivos da sua ofensiva em Gaza são eliminar o Hamas e libertar os reféns em poder do grupo.

·        'Israel não precisa de lição de moralidade'

No entanto, ministros de Israel não receberam positivamente a decisão da Corte.

O ministro da Defesa israelense, Yoav Gallant, rejeitou as decisões da CIJ para que Israel faça mais para garantir a prevenção de quaisquer atos que possam ser considerados genocidas.

"O Estado de Israel não precisa de ser ensinado sobre moralidade para distinguir entre terroristas e a população civil em Gaza", publicou ele nas redes sociais, chamando a ação movida pela África do Sul de "antissemita".

"As IDF [Forças de Defesa de Israel] e as agências de segurança continuarão a operar para desmantelar as capacidades militares e de governo da organização terrorista Hamas e para devolver os reféns às suas casas. Tenho plena confiança nas nossas tropas", disse ele.

O ministro de Relações Internacional de Israel, Israel Katz, também recorreu às redes sociais para reafirmar que o país tem o direito de se defender e disse que o governo israelense está comprometido com o direito internacional, "independentemente de qualquer processo da CIJ".

Após a decisão da CIJ, ele disse à equipe jurídica de Israel: "Vocês representaram Israel e o povo judeu com honra. Vocês nos deixaram orgulhosos".

·        Autoridades do Hamas saúdam decisão da CIJ

Também ouvimos o Hamas, e o grupo também acolheu hoje a decisão da CIJ.

Sami Abu Zuhri, um alto funcionário do Hamas, disse à agência de notícias Reuters: "A decisão do Tribunal Internacional de Justiça é um desenvolvimento importante que contribui para isolar a ocupação (Israel) e expor os seus crimes em Gaza."

"Pedimos que a ocupação seja obrigada a implementar as decisões do tribunal".

A CIJ decidiu que Israel deve tomar todas as medidas para evitar atos genocidas em Gaza, mas não chegou a pedir a suspensão imediata das operações.

 

Fonte: BBC News Mundo

 

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