terça-feira, 2 de janeiro de 2024

Congresso termina o ano em conflito com Lula e STF

Congresso Nacional teve um ano de confrontos institucionais até os últimos instantes. Os parlamentares encerram 2023 com uma pendência para os primeiros dias de janeiro, quando o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), prometeu analisar a medida provisória (MP) publicada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para reonerar de forma gradual 17 setores da economia.

A MP substitui a lei que permitia a desoneração da folha de pagamento para essas áreas por mais quatro anos, ou seja, até 2027. O projeto de lei teve aprovação do Congresso, mas sofreu veto de Lula. Em dezembro, os parlamentares reverteram a negativa do presidente, e a matéria partiu para a sanção.

A lei foi promulgada esta semana, mas sem a assinatura do chefe do Planalto, denunciando o cabo de guerra entre Legislativo e Executivo. Do lado do petista, a área econômica, liderada pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda), considera inconstitucional o texto aprovado no Parlamento para desonerar os setores até 2027.

Já a oposição aponta ataque à Constituição pela MP publicada pelo governo. A Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE) pede para Pacheco devolver a medida. O presidente da FPE, deputado federal Joaquim Passarinho (PL-PA), acusou o governo federal de afrontar o Legislativo.

Haddad já havia refutado a crítica de afronta: “Não existe isso. O que existe, desde o começo, é o discurso oficial da AGU (Advocacia-Geral da União), do Ministério da Fazenda, da PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) de que a matéria, da maneira como estava sendo tratada, era inconstitucional”.

Se considerados válidos pelo Congresso, os efeitos da MP começariam a valer em 1º de abril e, até lá, ficaria em vigor a desoneração aprovada pelos parlamentares. A articulação econômica do governo pretende persuadir os congressistas a aprovarem a medida até março.

Para chegar a uma conclusão, o governo não descarta a possibilidade de judicializar a reoneração e enviar o tema para avaliação do Supremo Tribunal Federal (STF) no novo ano.

·        “PEC do retrocesso”

Com o STF, o Congresso causou desconforto ao discutir uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que limita os poderes da Corte. Em novembro, o Senado aprovou, em dois turnos, a PEC nº 8/2021. O texto veda as decisões monocráticas — proferidas por apenas um ministro — que suspendam leis ou atos do presidente da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados ou do Congresso Nacional.

De um lado, ministros classificaram a PEC como “retrocesso“. De outro, parlamentares argumentam que a aprovação ocorre para dar fim a uma “intervenção indevida” da Suprema Corte no Poder Legislativo.

Assim, o ano de 2024 começará com a responsabilidade do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), pautar o tema. É na Casa Baixa que o atrito gerado com o STF voltará a ser analisado. Na mão dos deputados estará o debate entre a “PEC do retrocesso” e o que Lira chamou de “PL da Moderação dos Poderes”.

Como forma de criar consenso entre Legislativo e Judiciário, o presidente da Câmara passou a defender um texto para “aperfeiçoar o regime jurídico do processo constitucional”. Seria uma maneira de tratar de inovações legislativas e apaziguar os ânimos.

De autoria do deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP), vice-presidente da Câmara, o texto tramita na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa e é fruto das ações de um grupo de trabalho formado por juristas e presidida pelo ministro Gilmar Mendes, do STF.

Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo, sempre deixou clara a postura de dialogar, mas não esconde o descontentamento com a limitação aprovada no Senado. Na sessão de encerramento do Ano Judiciário, em 19 de dezembro, Barroso ressaltou que decisões monocráticas são “imperativo da realidade do STF”.

Barroso destacou que seria inviável acabar com as decisões monocráticas, a não ser que fossem reduzidas “drasticamente as competências do Supremo”.

A peleja vai a amplo debate após o retorno do recesso do Judiciário e do Legislativo em fevereiro de 2024. A data de votação depende de Lira e do amadurecimento do tema.

·        Marco Temporal

A questão do Marco Temporal envolve tanto o Congresso quanto Lula e se tornou pauta do STF mais uma vez. Ainda em outubro, o chefe do Executivo deixou para o último dia possível para anunciar se vetaria ou sancionaria o projeto de lei, aprovado por parlamentares e rejeitado pela Corte, prevendo desagradar um dos lados com qualquer decisão tomada.

O presidente optou por sancionar a matéria com vetos e irritou congressistas conversadores ao remover justamente a tese do Marco Temporal. Por ela, poderiam ser demarcadas como terras indígenas apenas os locais ocupados na data da promulgação da Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988. Indígenas, no entanto, argumentam que, em muitos casos, não poderiam fazer essa comprovação, porque haviam sido expulsos por invasores.

Os vetos, no entanto, foram derrubados pelo Congresso em meados de dezembro. Uma semana depois, Lula disse que iria “brigar” contra a lei. “Quando chegou a minha mão, eu vetei tudo, mas voltou para o Congresso, e o Congresso derrubou meu veto. Agora, a gente vai ter de voltar a brigar na Justiça, porque a gente não tem maioria”, comentou. Pela AGU, o governo deve acionar o STF.

Na quinta-feira (28/12), PL, PP e Republicanos entraram com uma ação no STF para a manutenção da lei e assegurar a derrubada dos vetos de Lula. As siglas pedem para o Supremo declarar a tese constitucional. Por sorteio, o ministro Gilmar Mendes foi apontado o relator do processo.

Na sexta-feira (29/12), PSol e Rede se juntaram à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) protocolada na Corte pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a fim de anular a lei do Marco Temporal.

Drogas e aborto

Outros dois temas acirraram os ânimos entre Congresso e STF: drogas e aborto. Após oito anos, o Supremo começou apreciar uma ação que pode levar à descriminalização do porte de drogas no país.

Com placar de 5 a 1 pela descriminalização apenas da maconha para consumo próprio e com maioria para que seja estabelecida uma quantidade mínima da droga que diferencie usuário de traficante, o julgamento teve pedido de vista e foi adiado, mas está na pauta do próximo ano.

Pacheco, presidente do Senado, chegou a classificar o julgamento do tema como “equívoco grave” e invasão de competência do Poder Legislativo.

Embora não exista previsão para julgar a descriminalização do aborto em 2024, Rosa Weber levantou o tema ao dar seu voto na matéria, em setembro, antes da aposentadoria. Weber votou contra a criminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Depois disso, Barroso pediu destaque da matéria, e não há nova data para apreciá-la.

Isso foi o suficiente para o Congresso insuflar contra o Supremo de novo. Para parlamentares incomodados, esses assuntos polêmicos deveriam ser resolvidos no Parlamento, e não no STF.

 

Ø  Barroso diz que confusão com STF começou por causa da bancada bolsonarista

 

A responsável por colocar o Supremo Tribunal Federal como um inimigo do Brasil na mente de parte da população foi a bancada bolsonarista no Congresso Nacional. A afirmação é de Luís Roberto Barroso, ministro da Corte, dita numa entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, publicada no fim da noite de sábado (30).

“Houve um presidente da República que elegeu o Supremo como seu adversário... como o seu principal inimigo”, começou dizendo Barroso. Para ele, tanto da parte dos políticos que veneram o ex-presidente como de seus eleitores, a estratégia deu certo e lançou o tribunal na confusão que se instalou no país nos últimos anos.

“O ex-presidente atacava o tribunal e ofendia seus integrantes com um nível de incivilidade muito grande. Em qualquer parte do mundo, isso seria apavorante... Foi relativamente tolerado por um grande contingente de eleitores que se identificaram com aquela linguagem e atitude”, completou.

“É natural que estes parlamentares queiram corresponder às expectativas dos seus eleitores que acham que o Supremo é parte do problema”, disse ainda o magistrado.

Já em relação à Câmara e ao Senado, enquanto instituições, o ministro do STF diz que a Corte mantém excelente relação, citando o deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), este último a quem classificou como “uma liderança importante e extremamente civilizado e educado”.

“Ele (Rodrigo Pacheco), presidente de uma Casa, procura, em alguma medida, expressar o sentimento dominante naquela Casa. O que eu verbalizei mais uma vez é que mexer no Supremo, no ano em que foi invadido por golpistas antidemocráticos, é uma simbologia ruim”, explicou Barroso.

Em relação ao balanço que faz da atuação do Supremo Tribunal Federal cumprindo suas funções como instância máxima do Judiciário nacional, o ministro disse que a Corte “tem feito bem ao país”, ainda que tenha afirmado que, como toda instituição humana, apresente falhas.

“O Supremo tem feito muito bem ao país. Na defesa da democracia, nós prestamos um serviço importante. Não acho que o STF acerta sempre. Como uma instituição humana, ele tem falhas. Num colegiado, pessoas têm ideias próprias, às vezes um de nós diverge de alguma linha que prevaleça, ninguém é dono da verdade”, ponderou Barroso.

Já no que diz respeito à ação do STF para frear o autoritarismo e o golpe de Estado tentado pelos bolsonaristas, o magistrado do Supremo foi mais direto.

“Nós conseguimos deter o populismo autoritário, prestamos um serviço imprescindível ao país, que é a preservação da Constituição e da democracia... O Supremo cumpriu o seu papel. Opinião pública é um conceito um pouco volátil, ela varia e muda a opinião pública de lugar com frequência. Eu sou um sujeito que eu vivo para a história e não para o dia seguinte”, concluiu.

 

Ø  8 de janeiro: Movimentos vão às ruas no aniversário da tentativa de golpe

 

No próximo dia 8 de Janeiro, as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, protagonistas de diversas manifestações em defesa da democracia durante o governo de Jair Bolsonaro, realizarão um ato de resistência em frente ao Museu de Arte de São Paulo (MASP), na Avenida Paulista, às 17h. A iniciativa visa marcar o primeiro aniversário da tentativa de golpe deflagrada por bolsonaristas, que invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília. 

Sob o lema "8 de Janeiro: o Brasil se une em defesa da democracia", os movimentos pretendem reafirmar a importância da preservação do Estado democrático de direito e enviar uma mensagem clara de repúdio a qualquer ameaça às instituições democráticas.

Raimundo Bonfim, coordenador da Frente Brasil Popular e da Central de Movimentos Populares (CMP), destaca a relevância do evento como meio de prevenir futuras tentativas golpistas. Em suas palavras: "A manifestação será importante para impedir que novas tentativas de golpe ocorram."

A mobilização busca conscientizar a sociedade sobre a necessidade de permanecer vigilante diante de ameaças à democracia e promover a união de diferentes setores em prol de um país mais justo e plural.

O ato, que reunirá ativistas, líderes comunitários e cidadãos engajados, será uma oportunidade para expressar a resistência democrática e reafirmar valores fundamentais para a construção de uma sociedade justa e igualitária. O MASP, cenário histórico de importantes mobilizações sociais, será palco desse encontro cívico que busca consolidar a voz do povo na defesa dos princípios democráticos.

·        Lula convoca ato em Brasília 

O ato pela democracia anunciado por Lula para acontecer no dia 8 de janeiro, um ano após a depredação promovida por apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) para tentar um golpe de Estado, já tem local e parte da programação definida.

Além de Lula, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Luís Roberto Barroso, presidentes do três poderes, Alexandre de Moraes, que comanda o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deve discursar no evento que acontecerá no  Salão Negro do Congresso Nacional.

O evento, que está sendo chamado de Democracia Restaurada, deve ter cerca de uma hora de duração e contará com a apresentação de um vídeo com imagens dos ataques às sedes do Supremo Tribunal Federal (STF), Congresso e Palácio do Planalto.

Por outro lado, governadores alinhados ao bolsonarismo buscam arrumar desculpas para fugirem do ato.

Ex-ministro de Bolsonaro e governador de São Paulo, Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos) já comunicou que não estará presente, pois só deve voltar um dia depois da viagem de férias para a Europa. O vice, Felício Ramuth (PSD), informou que estará na China e também não deve comparecer.

Presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp), o deputado bolsonarista André do Prado (PL) ainda não confirmou se irá como governador em exercício.

Ibaneis Rocha (MDB), que chegou a ser afastado do cargo durante as investigações, também não vai comparecer pois estará curtindo férias em Miami, nos Estados Unidos, até 15 de janeiro.

Ronaldo Caiado (União), de Goiás, estará em viagem de férias e não irá.

Um dos mais próximos a Bolsonaro, o catarinense Jorginho Mello (PL) diz que não houve convite formal e, por isso, não se posicionou. Ratinho Junior (PSD) também informou que não recebeu convite formal.

Envolto em denúncias de corrupção, Cláudio Castro (PL), do Rio, marcou reunião com o secretariado para o dia 8 e ainda não definiciu se estará em Brasília. Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, também não definiu se irá.

·        Bolsonaristas convocam atos para 8 de janeiro

Há convocações nas redes para atos em diversas cidades do país para o próximo dia 8 de janeiro, segundo o Ministério da Justiça. O secretário nacional de Segurança Pública, Tadeu Alencar, no entanto, afirma que as adesões são muito baixas e não causam preocupações. Por enquanto. O governo segue monitorando.

Os atos antidemocráticos do início deste ano ainda preocupam. Por iniciativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Brasília vai sediar no dia 8 um evento no Senado com chefes dos três poderes e governadores. O objetivo é marcar a data.

A organização está a cargo de Flávio Dino, que fica no ministério da Justiça até essa data. Em fevereiro, ele deve ser empossado no Supremo Tribunal Federal (STF).

Alencar disse à Folha que "há sinais detectados que estão chamando [atos], mesmo depois de toda a gravidade do que aconteceu e da consequência, com a prisão de pessoas. Ainda assim você tem indicativos abertos chamando para manifestações em todos os estados".

"Não tem nenhum sinal objetivo de que há algo consistente que ocorrerá no dia 8 de janeiro. Mas nós não podemos nos fiar nisso. Eu acho que todos aprendemos que qualquer cautela não é excessiva, é sempre adequada."

Segundo Alencar, há no DF questões "pontuais". "Tem uma manifestação no Instagram, numa rede social, mas assim, nada que você detecte que é algo que tenha uma organicidade maior", disse ainda.

"Mas volto a dizer, a gente não pode dizer que isso não esteja acontecendo, que não está sendo, que habitualmente pode não estar sendo detectado", afirma.

·        Plano de segurança

No próximo dia 4 deverá ocorrer uma reunião entre representantes da PRF, da Polícia Federal, da Força Nacional, da Secretaria de Segurança Pública do DF, do Senado, da Câmara dos Deputados, do Supremo e do GSI (Gabinete de Segurança Institucional). Na ocasião será finalizado um plano de segurança.

De acordo com o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli, "o que a gente tem monitorado é ameaça, ataques a instituições democráticas e as instituições, mas até agora não há nada que preocupe", disse.

 

Fonte: Metrópoles/Fórum

 

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