Congresso termina o ano em conflito com Lula e STF
O Congresso
Nacional teve um ano de confrontos institucionais até os últimos instantes.
Os parlamentares encerram 2023 com uma pendência para os primeiros dias de
janeiro, quando o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco
(PSD-MG), prometeu analisar a medida provisória (MP) publicada pelo governo
do presidente
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para reonerar de forma gradual 17
setores da economia.
A MP
substitui a lei que permitia a desoneração da folha de pagamento para essas áreas
por mais quatro anos, ou seja, até 2027. O projeto de lei teve aprovação do
Congresso, mas sofreu veto de Lula. Em dezembro, os parlamentares reverteram a
negativa do presidente, e a matéria partiu para a sanção.
A lei foi
promulgada esta semana, mas sem a assinatura do chefe do Planalto,
denunciando o cabo de guerra entre Legislativo e Executivo. Do lado do petista,
a área econômica, liderada pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda),
considera inconstitucional o texto aprovado no Parlamento para desonerar os
setores até 2027.
Já a oposição aponta ataque à Constituição pela MP
publicada pelo governo. A Frente
Parlamentar do Empreendedorismo (FPE) pede para Pacheco devolver a medida. O
presidente da FPE, deputado federal Joaquim Passarinho (PL-PA), acusou o
governo federal de afrontar o Legislativo.
Haddad já havia refutado a crítica de afronta: “Não
existe isso. O que existe, desde o começo, é o discurso oficial da AGU
(Advocacia-Geral da União), do Ministério da Fazenda, da PGFN
(Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional) de que a matéria, da maneira como
estava sendo tratada, era inconstitucional”.
Se considerados válidos pelo Congresso, os efeitos
da MP começariam a valer em 1º de abril e, até lá, ficaria em vigor a
desoneração aprovada pelos parlamentares. A articulação econômica do governo
pretende persuadir os congressistas a aprovarem a medida até março.
Para chegar a uma conclusão, o governo não descarta
a possibilidade de judicializar a reoneração e enviar o tema para avaliação do
Supremo Tribunal Federal (STF) no novo
ano.
·
“PEC do retrocesso”
Com o STF, o Congresso causou desconforto ao
discutir uma
Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que limita os poderes da Corte. Em
novembro, o Senado aprovou, em dois turnos, a PEC nº 8/2021. O texto veda as
decisões monocráticas — proferidas por apenas um ministro — que suspendam leis
ou atos do presidente da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados
ou do Congresso Nacional.
De um lado, ministros classificaram a PEC como
“retrocesso“. De outro, parlamentares argumentam que a aprovação ocorre para dar
fim a uma “intervenção indevida” da Suprema Corte no Poder Legislativo.
Assim, o ano de 2024 começará com a
responsabilidade do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), pautar o
tema. É na Casa Baixa que o atrito gerado com o STF voltará a ser analisado. Na
mão dos deputados estará o debate entre a “PEC do retrocesso” e o que Lira
chamou de “PL da Moderação dos Poderes”.
Como forma de criar consenso entre Legislativo e
Judiciário, o presidente da Câmara passou a defender um texto para “aperfeiçoar
o regime jurídico do processo constitucional”. Seria uma maneira de tratar de
inovações legislativas e apaziguar os ânimos.
De autoria do deputado Marcos Pereira
(Republicanos-SP), vice-presidente da Câmara, o texto tramita na Comissão de
Constituição e Justiça (CCJ) da Casa e é fruto das ações de um grupo de
trabalho formado por juristas e presidida pelo ministro Gilmar Mendes, do STF.
Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo, sempre
deixou clara a postura de dialogar, mas não esconde o descontentamento com a
limitação aprovada no Senado. Na sessão de encerramento do Ano Judiciário, em
19 de dezembro, Barroso ressaltou que decisões monocráticas são “imperativo da
realidade do STF”.
Barroso destacou que seria inviável acabar com as
decisões monocráticas, a não ser que fossem reduzidas “drasticamente as
competências do Supremo”.
A peleja vai a amplo debate após o retorno do
recesso do Judiciário e do Legislativo em fevereiro de 2024. A data de votação
depende de Lira e do amadurecimento do tema.
·
Marco Temporal
A questão do Marco Temporal envolve tanto o
Congresso quanto Lula e se tornou pauta do STF mais uma vez. Ainda em outubro,
o chefe do Executivo deixou para o último dia possível para anunciar se vetaria
ou sancionaria o projeto de lei, aprovado por parlamentares e rejeitado pela
Corte, prevendo desagradar um dos lados com qualquer decisão tomada.
O presidente optou por sancionar a
matéria com vetos e irritou congressistas conversadores ao
remover justamente a tese do Marco Temporal. Por ela, poderiam ser demarcadas
como terras indígenas apenas os locais ocupados na data da promulgação da
Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988. Indígenas, no entanto,
argumentam que, em muitos casos, não poderiam fazer essa comprovação, porque
haviam sido expulsos por invasores.
Os vetos, no entanto, foram derrubados pelo
Congresso em meados de dezembro. Uma semana depois, Lula disse
que iria “brigar” contra a lei. “Quando chegou a minha mão, eu vetei
tudo, mas voltou para o Congresso, e o Congresso derrubou meu veto. Agora, a
gente vai ter de voltar a brigar na Justiça, porque a gente não tem maioria”,
comentou. Pela AGU, o governo deve acionar o STF.
Na quinta-feira (28/12), PL, PP e
Republicanos entraram com uma ação no STF para a manutenção da lei e
assegurar a derrubada dos vetos de Lula. As siglas pedem para o Supremo
declarar a tese constitucional. Por sorteio, o ministro Gilmar Mendes foi
apontado o relator do processo.
Na sexta-feira (29/12), PSol e Rede se juntaram à
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) protocolada na Corte pela
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), a fim de anular a lei do
Marco Temporal.
Drogas e aborto
Outros dois temas acirraram os ânimos entre
Congresso e STF: drogas e aborto. Após oito
anos, o Supremo começou apreciar uma ação que pode levar à descriminalização do
porte de drogas no país.
Com placar de 5 a 1 pela descriminalização apenas
da maconha para consumo próprio e com maioria para que seja estabelecida uma
quantidade mínima da droga que diferencie usuário de traficante, o julgamento
teve pedido de vista e foi adiado, mas está na pauta do próximo ano.
Pacheco, presidente do Senado, chegou a classificar
o julgamento do tema como “equívoco grave” e invasão de competência do Poder
Legislativo.
Embora não exista previsão para julgar a
descriminalização do aborto em 2024, Rosa
Weber levantou o tema ao dar seu voto na matéria, em
setembro, antes da aposentadoria. Weber votou contra a criminalização do aborto
até a 12ª semana de gestação. Depois disso, Barroso pediu destaque da matéria,
e não há nova data para apreciá-la.
Isso foi o suficiente para o Congresso insuflar
contra o Supremo de novo. Para parlamentares incomodados, esses assuntos
polêmicos deveriam ser resolvidos no Parlamento, e não no STF.
Ø Barroso diz
que confusão com STF começou por causa da bancada bolsonarista
A responsável por colocar o Supremo Tribunal
Federal como um inimigo do Brasil na mente de parte da população foi a bancada
bolsonarista no Congresso Nacional. A afirmação é de Luís Roberto Barroso,
ministro da Corte, dita numa
entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, publicada no fim da noite de sábado
(30).
“Houve um presidente da República que elegeu o
Supremo como seu adversário... como o seu principal inimigo”, começou dizendo
Barroso. Para ele, tanto da parte dos políticos que veneram o ex-presidente
como de seus eleitores, a estratégia deu certo e lançou o tribunal na confusão
que se instalou no país nos últimos anos.
“O ex-presidente atacava o tribunal e ofendia seus
integrantes com um nível de incivilidade muito grande. Em qualquer parte do
mundo, isso seria apavorante... Foi relativamente tolerado por um grande
contingente de eleitores que se identificaram com aquela linguagem e atitude”,
completou.
“É natural que estes parlamentares queiram
corresponder às expectativas dos seus eleitores que acham que o Supremo é parte
do problema”, disse ainda o magistrado.
Já em relação à Câmara e ao Senado, enquanto
instituições, o ministro do STF diz que a Corte mantém excelente relação,
citando o deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG),
este último a quem classificou como “uma liderança importante e extremamente
civilizado e educado”.
“Ele (Rodrigo Pacheco), presidente de uma Casa,
procura, em alguma medida, expressar o sentimento dominante naquela Casa. O que
eu verbalizei mais uma vez é que mexer no Supremo, no ano em que foi invadido
por golpistas antidemocráticos, é uma simbologia ruim”, explicou Barroso.
Em relação ao balanço que faz da atuação do Supremo
Tribunal Federal cumprindo suas funções como instância máxima do Judiciário
nacional, o ministro disse que a Corte “tem feito bem ao país”, ainda que tenha
afirmado que, como toda instituição humana, apresente falhas.
“O Supremo tem feito muito bem ao país. Na defesa
da democracia, nós prestamos um serviço importante. Não acho que o STF acerta
sempre. Como uma instituição humana, ele tem falhas. Num colegiado, pessoas têm
ideias próprias, às vezes um de nós diverge de alguma linha que prevaleça,
ninguém é dono da verdade”, ponderou Barroso.
Já no que diz respeito à ação do STF para frear o
autoritarismo e o golpe de Estado tentado pelos bolsonaristas, o magistrado do
Supremo foi mais direto.
“Nós conseguimos deter o populismo autoritário,
prestamos um serviço imprescindível ao país, que é a preservação da
Constituição e da democracia... O Supremo cumpriu o seu papel. Opinião pública
é um conceito um pouco volátil, ela varia e muda a opinião pública de lugar com
frequência. Eu sou um sujeito que eu vivo para a história e não para o dia
seguinte”, concluiu.
Ø 8 de
janeiro: Movimentos vão às ruas no aniversário da tentativa de golpe
No próximo dia 8 de Janeiro, as Frentes Brasil
Popular e Povo Sem Medo, protagonistas de diversas manifestações em defesa da
democracia durante o governo de Jair Bolsonaro, realizarão um ato de
resistência em frente ao Museu de Arte de São Paulo (MASP), na Avenida
Paulista, às 17h. A iniciativa visa marcar o primeiro
aniversário da tentativa de golpe deflagrada por bolsonaristas, que
invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília.
Sob o lema "8 de Janeiro: o Brasil se
une em defesa da democracia", os movimentos pretendem reafirmar a
importância da preservação do Estado democrático de direito e enviar uma
mensagem clara de repúdio a qualquer ameaça às instituições democráticas.
Raimundo Bonfim, coordenador da Frente Brasil
Popular e da Central de Movimentos Populares (CMP), destaca a relevância do
evento como meio de prevenir futuras tentativas golpistas. Em suas palavras:
"A manifestação será importante para impedir que novas tentativas de golpe
ocorram."
A mobilização busca conscientizar a sociedade sobre
a necessidade de permanecer vigilante diante de ameaças à democracia e promover
a união de diferentes setores em prol de um país mais justo e plural.
O ato, que reunirá ativistas, líderes comunitários
e cidadãos engajados, será uma oportunidade para expressar a resistência
democrática e reafirmar valores fundamentais para a construção de uma sociedade
justa e igualitária. O MASP, cenário histórico de importantes mobilizações
sociais, será palco desse encontro cívico que busca consolidar a voz do povo na
defesa dos princípios democráticos.
·
Lula convoca ato em Brasília
O ato pela democracia anunciado por Lula para
acontecer no dia 8 de janeiro, um ano após a depredação promovida por
apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) para tentar um golpe de Estado, já tem local
e parte da programação definida.
Além de Lula, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Luís
Roberto Barroso, presidentes do três poderes, Alexandre de Moraes, que comanda
o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deve discursar no evento que acontecerá no
Salão Negro do Congresso Nacional.
O evento, que está sendo chamado de Democracia
Restaurada, deve ter cerca de uma hora de duração e contará com a apresentação
de um vídeo com imagens dos ataques às sedes do Supremo Tribunal Federal (STF),
Congresso e Palácio do Planalto.
Por outro lado, governadores alinhados ao
bolsonarismo buscam arrumar desculpas para fugirem do ato.
Ex-ministro de Bolsonaro e governador de São Paulo,
Tarcísio Gomes de Freitas (Republicanos) já comunicou que não estará presente,
pois só deve voltar um dia depois da viagem de férias para a Europa. O vice,
Felício Ramuth (PSD), informou que estará na China e também não deve
comparecer.
Presidente da Assembleia Legislativa de São Paulo
(Alesp), o deputado bolsonarista André do Prado (PL) ainda não confirmou se irá
como governador em exercício.
Ibaneis Rocha (MDB), que chegou a ser afastado do
cargo durante as investigações, também não vai comparecer pois estará curtindo
férias em Miami, nos Estados Unidos, até 15 de janeiro.
Ronaldo Caiado (União), de Goiás, estará em viagem
de férias e não irá.
Um dos mais próximos a Bolsonaro, o catarinense
Jorginho Mello (PL) diz que não houve convite formal e, por isso, não se
posicionou. Ratinho Junior (PSD) também informou que não recebeu convite
formal.
Envolto em denúncias de corrupção, Cláudio Castro
(PL), do Rio, marcou reunião com o secretariado para o dia 8 e ainda não
definiciu se estará em Brasília. Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, também não
definiu se irá.
·
Bolsonaristas convocam atos para 8 de janeiro
Há convocações nas redes para atos em diversas
cidades do país para o próximo dia 8 de janeiro, segundo o Ministério da
Justiça. O secretário nacional de Segurança Pública, Tadeu Alencar, no entanto,
afirma que as adesões são muito baixas e não causam preocupações. Por enquanto.
O governo segue monitorando.
Os atos antidemocráticos do início deste ano ainda
preocupam. Por iniciativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Brasília vai
sediar no dia 8 um evento no Senado com chefes dos três poderes e governadores.
O objetivo é marcar a data.
A organização está a cargo de Flávio Dino, que fica
no ministério da Justiça até essa data. Em fevereiro, ele deve ser empossado no
Supremo Tribunal Federal (STF).
Alencar disse à Folha que "há sinais
detectados que estão chamando [atos], mesmo depois de toda a gravidade do que
aconteceu e da consequência, com a prisão de pessoas. Ainda assim você tem
indicativos abertos chamando para manifestações em todos os estados".
"Não tem nenhum sinal objetivo de que há algo
consistente que ocorrerá no dia 8 de janeiro. Mas nós não podemos nos fiar
nisso. Eu acho que todos aprendemos que qualquer cautela não é excessiva, é
sempre adequada."
Segundo Alencar, há no DF questões
"pontuais". "Tem uma manifestação no Instagram, numa rede
social, mas assim, nada que você detecte que é algo que tenha uma organicidade
maior", disse ainda.
"Mas volto a dizer, a gente não pode dizer que
isso não esteja acontecendo, que não está sendo, que habitualmente pode não
estar sendo detectado", afirma.
·
Plano de segurança
No próximo dia 4 deverá ocorrer uma reunião entre
representantes da PRF, da Polícia Federal, da Força Nacional, da Secretaria de
Segurança Pública do DF, do Senado, da Câmara dos Deputados, do Supremo e
do GSI (Gabinete de Segurança Institucional). Na ocasião será finalizado um
plano de segurança.
De acordo com o secretário-executivo
do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli, "o que a gente tem
monitorado é ameaça, ataques a instituições democráticas e as instituições, mas
até agora não há nada que preocupe", disse.
Fonte: Metrópoles/Fórum
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