Argentina: choque de Milei tenta acabar com o Estado de direito, mas
enfrenta resistências
Apenas 20 dias passaram desde a posse presidencial de Javier Milei. Apesar do pouco
tempo decorrido, a Argentina atravessa um verdadeiro choque, sem precedentes
desde a reabertura democrática. Em menos de três semanas, o governo de extrema
direita tem implementado um conjunto de medidas estruturais com as quais
pretende realizar "a maior reforma da história da Argentina", de
acordo com seus funcionários.
Depois de ter realizado uma desvalorização de 54%,
anunciado cortes nos gastos públicos e instalado um protocolo que restringe o
direito de protesto. Neste sábado (30), finalmente, entrou em vigor o mega Decreto de Necessidade e Urgência (DNU), com o qual o governo de
extrema-direita pretende abolir ou modificar 366 leis em vigor no país.
Com a assinatura deste polêmico megadecreto, Milei
se arroga o poder de legislar e modificar, sem discussão parlamentar, quase
toda a arquitetura jurídica do país. O DNU elimina os direitos trabalhistas,
torna a economia mais flexível, limita os direitos sindicais, revoga todos os
tipos de legislação sobre aluguéis, entre muitas outras coisas.
O anúncio da assinatura do decreto foi feito na noite do dia 20 de dezembro. Desde então, a decisão tem provocado
uma onda de protestos na Argentina. Várias organizações de direitos
humanos, associações civis e federações sindicais têm apresentado queixas aos
tribunais solicitando a declaração de nulidade do decreto de Milei e a
suspensão de sua aplicação por considerá-lo inconstitucional. Até o
momento, pelo menos 34 recursos foram apresentados ao Judiciário.
Uma das principais apresentações aos
tribunais foi feita na última quarta-feira (27) pelo movimento trabalhista
organizado do país. A apresentação foi acompanhada de uma mobilização massiva em que
participaram as diferentes centrais sindicais.
A própria Central Geral dos Trabalhadores (CGT)
anunciou que realizará uma greve geral no 24 de janeiro, exigindo a anulação da
DNU. Nunca antes na história do país uma greve geral foi convocada tão pouco
tempo após a posse de um novo governo.
De acordo com a legislação argentina, os DNU são
mecanismos excepcionais (ditados por uma necessidade urgente, como o próprio
nome indica) que funcionam como instrumentos para o Poder Executivo ditar ou
modificar leis frente a um problema urgente que não pode esperar pelo debate no
Congresso.
Assim como o protocolo que restringe o direito de manifestação – que
também se atribui um caráter legislativo sobre o Código Penal do país –, o DNU
pretende limitar severamente o protesto social no país.
Essa situação na Argentina despertou preocupação
internacional. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) observou
que o Estado argentino "deve respeitar" as manifestações e pediu que
fosse garantido "o direito à liberdade de expressão e de reunião".
Os grandes conflitos sociais provocados pelas
primeiras medidas de Milei tiveram um impacto na imagem de seu governo. De
acordo com a última pesquisa de opinião da consultora Zuban-Córdoba, a imagem
negativa de Milei alcançou o 55,5% dos entrevistados. Ao mesmo tempo, 54,3% dos
entrevistados acreditam que o país está indo "na direção errada". Em
relação ao DNU, o estudo indica que apenas 39,8% dos entrevistados consideram
que a medida "deve entrar em vigor".
·
Debates no Parlamento
Nas próximas semanas, espera-se que um comitê
bicameral do Congresso analise o DNU. A comissão será composta por oito
senadores e oito deputados. Entre seus poderes, ela pode aprovar ou vetar o
pacote de medidas.
Se for aprovada na comissão, o DNU será enviado
para as sessões plenárias de cada câmara, que deverão aceitar ou rejeitar a lei
em sua totalidade. Com a aprovação de apenas uma das câmaras, o decreto é
considerado válido. Somente o voto negativo nas duas câmaras pode rejeitá-lo.
Caso não seja tratado pelo Legislativo, o DNU também é aprovado.
Até o momento, nenhum DNU chegou a ser rejeitado
pelo Congresso. Entretanto, nunca houve um DNU que legislasse sobre um número
tão grande de normas, ao ponto de que diversos juristas argumentem que se
trata, de fato, de uma reforma constitucional vedada.
Embora os blocos de Milei em ambas as câmaras sejam
minoritários, a mudança de governo e o desdobramento da antiga Juntos
por el Cambio (a coalizão de partidos que incluía o expresidente
Maurício Macri e a atual ministra da Segurança, Patricia Bullrich, além de outros setores) produziu um
reordenamento nos diferentes blocos partidários.
Além dos legisladores da extrema direita, há também
legisladores que respondem a Macri e Bullrich que se registraram como
aliados do atual governo.
Por outro lado, setores ligados ao governo anterior
– em sua maioria – se mantêm na oposição, junto com a esquerda radical. Mas a
principal questão política é que tanto a atual oposição quanto o atual governo
terão que negociar com um bloco amplo e heterogêneo que, por enquanto,
permanece "independente". A maior parte desse setor fazia parte
do Juntos por el Cambio.
·
Poderes extraordinários
Em meio à polêmica sobre a DNU e ao aumento do
conflito social, nesta quarta-feira (27), Milei enviou ao Congresso um
megaprojeto com o qual pretende complementar a profunda reorganização do Estado
anunciada no decreto.
Intitulado "Projeto de Lei de Bases e Pontos
de Partida para a Liberdade dos Argentinos", o megaprojeto contém mais de
664 artigos e deverá ser tratado durante sessões extraordinárias. A proposta
trata de diversas questões, que vão desde a desregulamentação da proteção
ambiental, passando pelo total desfinanciamento da promoção e distribuição da
cultura nacional, até o aumento das penalidades contra manifestantes.
Entre os pontos mais importantes da iniciativa
destaca-se uma declaração de emergência para delegar poderes legislativos ao
Executivo por pelo menos dois anos, com a possibilidade de que o próprio
Executivo prorrogue esse período por mais dois anos. Dessa forma, Milei poderia
governar todo o seu mandato sem o Congresso. No entanto, de acordo com vários
especialistas, a Constituição proíbe essa transferência de poderes.
Além dessa busca por uma concentração de poder, sem
precedentes na história do país, a iniciativa propõe que as atuais 41 empresas
públicas sejam "sujeitas à privatização". Entre elas estão a empresa
estatal de petróleo YPF, o Banco Nación, a Aerolíneas Argentinas e a agência de
notícias Télam. Também suspende a fórmula de pensão usada para atualizar os
salários dos aposentados e estipula que o governo concederá aumentos por
decreto com foco nos salários mínimos.
Ao mesmo tempo, da mesma forma que o DNU e o
protocolo contra protestos sociais, o megaprojeto de lei acentua a
criminalização de manifestações. Por um lado, estabelece penas de prisão para
organizadores de manifestações que bloquearem ruas ou estradas enquanto,
paralelamente, estipula que qualquer reunião de três ou mais pessoas em vias
públicas precisará de autorização do Ministério da Segurança.
Além da tentativa de concentrar poder na figura do
presidente, a própria redação do decreto é foco de controvérsia na Argentina.
Muitos na imprensa argentina apontaram que, assim como o Decreto de Necessidade
e Urgência, o projeto de lei foi elaborado pelos principais escritórios de
advocacia do país, representantes dos mesmos grupos empresariais que se
beneficiarão enormemente com a desregulamentação e a privatização do sistema
econômico argentino que as medidas propõem. Um desses escritórios é o Bruchou
& Funes de Rioja, que há décadas vem elaborando propostas para a
desregulamentação dos direitos trabalhistas a pedido dos setores dominantes.
Como adverte a Federación de Aceiteros, uma das
organizações mais poderosas do movimento de trabalhadores argentinos, através
de um comunicado, trata-se de uma tentativa de instalar "uma refundação da
relação capital-trabalho feita pelos escritórios de advocacia dos empregadores
para atender à coalizão que hoje detém o poder: uma aliança entre grupos
econômicos e financeiros locais, funcionários do antigo governo Macri e o
presidente Milei".
Apenas 20 dias transcorreram desde a posse do novo
governo na Argentina, e tudo aponta que este será um ano de grandes conflitos
sociais.
Ø Em tom de
ameaça, Milei adverte para 'catástrofe social de proporções bíblicas' caso sua
'lei ônibus' seja rejeitada
O presidente da Argentina pediu que o Congresso
nacional aprove o decreto 70/2023, que argumenta como sendo necessário
"para tentar moderar os efeitos da pior herança da história".
Se o Congresso da Argentina não aprovar o pacote de reformas proposto pelo novo governo para
lidar com a "situação de emergência nacional", a população do país
corre o risco de enfrentar uma "catástrofe social de proporções
bíblicas", afirmou no sábado (30) o presidente da Argentina.
Em sua mensagem à nação, citada neste domingo (31) no jornal argentino La Nación, Javier Milei
afirmou que as medidas propostas por seu governo, conhecidas como "lei
ônibus", são "necessárias para tentar moderar os efeitos da pior
herança da história".
Ele garantiu que esses são os primeiros passos para
"deixar para trás, de uma vez por todas, o modelo econômico que mergulhou
os argentinos na miséria por mais de 100 anos".
"Estamos enfrentando uma situação de
emergência nacional que exige que ajamos imediatamente e com força, com o maior
número possível de instrumentos", disse ele, explicando ser essa a razão
pela qual seu governo enviou ao Congresso "um projeto de lei que pode
muito bem determinar o destino de nossa pátria", e que dá os poderes
necessários para "evitar a catástrofe econômica".
Em poucas semanas, disse ele, os deputados e
senadores argentinos "estarão diante de duas opções: podem rejeitar a lei e continuar com o modelo que há 100 anos
empobrece o país, ou podem aprovar a lei para fazer uma mudança profunda e
abraçar novamente as ideias de liberdade".
Ele reiterou que, devido às "decisões
irresponsáveis tomadas pelos últimos governos, o próximo ano será difícil para
os argentinos".
"Mas a outra certeza que tenho é que, se nosso
programa for obstruído pelas mesmas pessoas de sempre, que não querem que nada
mude, não teremos os instrumentos para evitar que essa crise se transforme em
uma catástrofe social de proporções bíblicas", disse ele.
Milei assinou em 20 de dezembro um conjunto inédito
de 366 artigos, alterações e leis revogadas para desregular a economia da
Argentina, com o objetivo declarado de simplificar significativamente a
atividade econômica do país, que tem sido frequentemente paralisada por algumas
das mais altas taxas de inflação no mundo.
Ao mesmo tempo, os críticos advertem para o efeito negativo explosivo que tais mudanças, que
também foram apelidadas de leis de austeridade, ou terapia de choque, podem
criar, havendo já relatos de grandes subidas nos preços dos bens e serviços
após a assinatura do decreto 70/2023 pelo atual mandatário.
Ø Milei:
Jornalista que defendeu que argentino coma apenas uma vez por dia vira
ministro. Faz sentido
É dada como certa na Argentina a
nomeação do jornalista Eduardo Serenellini como novo Secretário de Comunicação
de Javier
Milei. Será o terceiro, em menos de um mês de governo. Mas agora parece que é
o homem certo no lugar certo.
Há pouco tempo, em um programa de TV, Serenellini
se mostrou o mais "mileísta" dos jornalistas, vestiu a camisa do
governo sem vergonha e defendeu que os argentinos deixassem de consumir
streaming, abrisse mão do automóvel, e adotasse o hábito de comer apenas uma
vez ao dia.
Segundo o El Cronista,
Serenellini será o novo secretário de comunicação de Javier Milei.
Ele virá em substituição a Belén Stettler,
funcionário muito próximo de Santiago Caputo que deixaria o poder Executivo
Nacional.
“Estamos fazendo mudanças na Secretaria
de Comunicação. Anunciamos na terça-feira”, disseram fontes do governo ao El
Cronista, portanto a chegada do novo funcionário só ocorreria na próxima
semana.
O vídeo que provavelmente selou a convocação
de Serenellini para o cargo, chega a explicar a uma mãe como ela deve fazer: de
preferência dar comida a toda a família à noite, para que as crianças durmam
com a barriga cheia. Durante o resto do dia "vamos vendo"...
Não se questionam se Milei cortará na ração de seus
cachorros conselheiros. Milei, que teve como primeira medida chutar a lei do
nepotismo para o espaço e arrumar uma boquinha no governo para a irmã.
Fica clara a frase lapidar de Joseph Pulitzer sobre
esse tipo de jornalismo e jornalistas:
"Com o tempo, uma imprensa cínica,
mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil como ela
mesma"
Fonte: Brasil de Fato/Sputnik Brasil/Fórum
Nenhum comentário:
Postar um comentário