Paulo
Kliass: O plano do “mercado” para abocanhar os Correios
A sanha
acumuladora do grande capital privado nunca teve limites. No caso brasileiro,
as classes dominantes aproveitaram a onda liberalóide que se seguiu à
implementação do Consenso de Washington, a partir dos anos 1980, para avançar
na pauta da privatização. A estratégia pressupunha associar a presença do
Estado na economia a um quadro ditatorial na esfera da política, donde se
concluía que a transição democrática no Brasil deveria incorporar a venda das
empresas estatais de forma ampla, geral e irrestrita.
Assim,
a partir da posse de Fernando Collor de Mello na Presidência da República em
1990, tem início um longo processo de transferência de ramos inteiros de nossa
economia do setor público para o setor privado. Mesmo depois do impeachment do
caçador de marajás, o governo de Fernando Henrique Cardoso deu continuidade à
política de entrega generosa do patrimônio estatal. Assim foi feito com o
sistema bancário ligado aos governos estaduais, com o parque da siderurgia, com
a petroquímica e os fertilizantes, com as telecomunicações, com boa parte do
setor de energia elétrica e com a simbólica Vale do Rio Doce.
Apesar
de seu desejo manifesto de promover a desestatização completa da economia, as
elites destas terras não conseguiram completar integralmente tal missão. Houve
resistência de vários tipos e algumas empresas estatais ainda permanecem no
âmbito da União. Esse é o caso dos bancos federais (BB, CEF, BASA, BNB e
BNDES), da Petrobrás (apesar do fatiamento e privatização de subsidiárias do
grupo), de parte do sistema de energia elétrica, da Embrapa e dos Correios. A
mais recente tentativa declarada de eliminar a presença do Estado na economia
ocorreu durante o governo de Jair Bolsonaro, quando seu superministro da
economia, Paulo Guedes, prometia privatizar 100% das estatais.
• Correios têm muita História!
Uma das
iniciativas dessa bravata fracassada do aprendiz de banqueiro foi o processo de
privatização da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, a ECT. À época, o
governo chegou a encaminhar um Projeto de Lei (PL 591/21) ao legislativo
tratando do tema. A Câmara dos Deputados aprovou a matéria, mas felizmente o
Senado Federal impediu a continuidade de mais este crime contra o país. No
entanto, a campanha fomentada pelo financismo em favor da venda da empresa ao
capital privado não cessou.
Os
Correios têm uma longa história de presença na sociedade brasileira. Desde as
primeiras formas de organização do sistema de entrega de correspondência no
século XVII, passando por mudanças ainda no tempo do Império com a criação da
Diretoria Geral dos Correios em 1829, o sistema foi sendo ampliado e
aperfeiçoado. Em 1931 Getúlio Vargas cria o Departamento de Correios e
Telégrafos (DCT) e posteriormente, em 1969, o então DCT é transformado com a
constituição da atual empresa pública para assegurar esses serviços sob uma
forma mais moderna e eficiente. O modelo pressupunha o monopólio estatal para o
setor, por meio da exclusividade da União como agente para a maior parte das
operações. Esse foi o modelo formalizado pela Lei nº 6.538/78. Apesar de tal
peça legal ter sido recepcionada pela Constituição em 1988, o fato é que ao
longo deste meio século de vigência das normas houve um significativo
desenvolvimento tecnológico no setor. Assim, os termos “carta”, “telegrama” e
“selo” presentes no texto legal foram substituídos por outros modelos de
correspondência e comunicação.
A
generalização da concorrência de facto ao modelo de atuação dos Correios
provocou mudanças também na estrutura das receitas da empresa. Esse processo
permitiu o estrangulamento da ECT e facilitou a narrativa daqueles que
permanecem pretendendo assumir suas funções de formas plena e absoluta. Os
momentos de divulgação dos resultados operacionais e financeiras da empresa são
geralmente utilizados para amplificar a campanha privatizante.
• Privatização não é solução!
A
grande imprensa aproveitou, mais uma vez, a recente publicação dos resultados
do ano passado para dar vozes aos que ainda clamam pela entrega da empresa ao
capital privado. É verdade que o prejuízo anunciado de R$ 2,6 bilhões relativo
ao exercício de 2024 não pode e nem deve ser ignorado. Na verdade, ao longo do
último triênio os números não foram nada animadores, uma vez que também em 2022
e 2023 o resultado foi igualmente negativo, com números de R$ 770 e R$ 600
milhões, respectivamente.
A
realidade objetiva é que a ECT vem apresentando resultados deficitários, mas
isso não significa que a solução seja a privatização. Caso coloquemos a análise
em uma perspectiva um pouco mais longa, o cenário revela-se um pouco distinto.
O gráfico abaixo ilustra de forma bastante adequada esse enfoque. Aqui estão
apresentados os resultados anuais (lucro e prejuízo) a valores presentes
durante 15 anos, entre 2010 e 2024.
O que
pode ser observado é que a ECT apresentou prejuízo em 5 destes 15 anos. Ou
seja, no biênio 2015/2016 e agora nos últimos 3 anos. Isso significa um total
de perdas acumuladas equivalente a R$ 9,8 bilhões a valores corrigidos. No
entanto, nos outros 10 exercícios do mesmo período, a empresa apresentou
lucros. Caso estes resultados positivos sejam somados e trazidos a valor
presente, eles representam R$ 12,6 bi. Assim, para o conjunto do período
analisado, o resultado líquido dos Correios é de um saldo positivo de R$ 2,8
bi.
Evidentemente
que há muitas mudanças a serem promovidas na ECT em sua estratégia de atuação
empresarial. Afinal, houve uma série de alterações significativas no mercado de
correspondências e entregas, com o aumento da concorrência e novas modalidades
não operadas até pelos Correios. Além disso, a empresa deve aportar recursos
para o fundo de pensão de seus empregados, o Postalis, que apresenta um quadro
de dificuldades financeiras bastante acentuado. Porém, isto não significa que o
caminho da privatização deva ser adotado como uma panaceia para tais problemas
de natureza conjuntural e estrutural.
Afinal,
todos sabemos que uma vez transferido o patrimônio dos Correios para o capital
privado, o único objetivo será a obtenção da maior lucratividade ao menor custo
e no menor prazo possível. Assim, a tendência seria a obtenção da propriedade a
preço de banana e a liquidação de todos os direitos dos trabalhadores e
aposentados do grupo. Como sempre, os maiores prejudicados seriam os usuários
do sistema pela elevação dos preços e tarifas.
Conhecemos
muito bem o final desta estória, com enredo favorável aos futuros acionistas.
Por isso, as forças democráticas e progressistas só têm uma bandeira a defender
no momento: Tirem as mãos dos Correios!
• Jeferson Miola: Legado nefasto de Campos
Neto segue intacto no Banco Central
Os
comunicados e as atas do Banco Central (BC) com Gabriel Galípolo não destoam do
conteúdo e da forma das explicações divulgadas sob a presidência de Roberto
Campos Neto a respeito da política monetária contracionista. O legado nefasto
do bolsonarista segue intacto no Banco Central.
A atual
diretoria do BC continua fundamentando suas decisões na pesquisa Focus sobre as
expectativas futuras e os desejos imediatos do rentismo.
E
continua fiel ao pensamento único pró-juros altos, deliberando favoravelmente
com a unanimidade de todos os diretores, sem nenhuma dissonância.
Quando
os diretores indicados por Lula eram minoria na direção do BC, o argumento para
a posição unânime a favor do aumento dos juros era o da necessidade de
pragmatismo, pois a divergência seria derrotada pela maioria bolsonarista; e,
com isso, o sensível mercado ficaria irado com o governo caso seus nomeados
ousassem questionar os dogmas rentistas.
Depois,
quando os diretores indicados por Lula formaram maioria no Copom, passou a ser
repetido o mantra de que não se pode dar cavalo-de-pau num transatlântico.
E, como
a atual diretoria reforçou os pilares da política monetária de Campos Neto e
até agora ainda não sinalizou disposição em iniciar nem mesmo uma transição
lenta, gradual e segura da queda de juros, o pretexto do transatlântico
adquiriu a força de uma lei férrea.
Nas
três reuniões do Copom de janeiro, março e maio deste ano já sem Roberto Campos
Neto e sob a presidência do Galípolo, a taxa de juros escalou dos 12,25%
deixados pelo presidente nomeado por Guedes/Bolsonaro, para 14,75% com Galípolo
– aumento de 2,5% da Selic.
A
última vez que a taxa de juros alcançou patamar maior que este no Brasil foi há
quase 20 anos, em 2006.
A culpa
por isso foi toda descarregada no Campos Neto, o sabotador bolsonarista que
teria armado uma armadilha para o governo na reunião de dezembro de 2024.
Note-se que na ocasião nenhum diretor indicado por Lula, absolutamente nenhum,
nem mesmo Galípolo, se insurgiu para denunciar a suposta “armadilha”. Em nome
da unanimidade, claro, e do medo do mercado.
Todos
diretores votaram a favor da sinalização absurda de aumento de 1% nas duas
reuniões subsequentes, invadindo o mandato da nova direção, que se iniciaria em
1º de janeiro deste ano, e subscreveram os termos do comunicado e da ata
daquela reunião.
Enquanto
autoridades do governo, políticos e renomados economistas consideraram a
atitude de Campos Neto como um ato explícito de sabotagem, nenhum diretor fez
uma única objeção, nem mesmo para denunciar a ilegitimidade desta postura, que
na prática representou a continuidade da política nefasta que se supunha
pertencente a um mandato encerrado, mas que a vida se encarregou de mostrar que
segue vigente ainda hoje.
Durante
um evento do banco Goldman Sachs nesta segunda-feira (19), Galípolo colocou fim
às dúvidas e expectativas que se tinha sobre mudanças desta política. Ele disse
que “faz sentido a gente permanecer com estes juros num patamar restritivo e
com tempo mais prolongado”.
A
partir dessa declaração de Galípolo, soam insustentáveis [ou falsas] as
explicações que evocam o pragmatismo para não dissentir, o transatlântico para
não mudar e a armadilha do sabotador Campos Neto como justificativa para a
continuidade dos juros altos.
Quando
esteve no Brasil para o seminário do BNDES em março de 2023, o Nobel de
Economia Joseph Stiglitz disse que “a taxa de juros do Brasil é chocante. Uma
taxa de 13,75%, ou 8% real, é o tipo de taxa de juros que vai matar qualquer
economia. É impressionante que o Brasil tenha sobrevivido a isso, que seria uma
pena de morte”.
O que
Stiglitz diria hoje, quando os juros reais no Brasil com Galípolo passaram à
casa dos 10%, dos maiores do mundo?
Sergio
Zimerman, CEO da empresa Petz, entende que “a Selic atual tem muito mais cheiro
de veneno do que remédio. Uma taxa de 14,75% coloca o Brasil em um patamar de
juros reais de 10% ao ano. E 10% ao ano são um convite para você não fazer
absolutamente nada com o dinheiro: não investir em empresa, não investir na
Bolsa, não correr riscos, apenas deixar o dinheiro aplicado. É esterilizar um
país. Tenho severas dificuldades em entender o porquê de uma taxa de juros
dessa magnitude”, declarou [FSP, 20/5].
A
continuidade dos juros altos e ainda por um tempo mais prolongado causará para
o governo Lula os mesmos efeitos destrutivos que teve aquilo que se dizia ser
um ato de sabotagem de Roberto Campos Neto. Com o agravante de que estamos a um
ano e meio da eleição de 2026.
Fonte:
Outras Palavras/Brasil 247

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