Paola Jochimsen: Deus, Pátria e Algoritmo
- a nova cruzada dos conservadores em
crise
Observar o Brasil à distância tem sido, nos
últimos anos, um exercício constante de perplexidade. E, mais do que isso, um teste
diário de sanidade diante de absurdos que se normalizaram. Como explicar a
ascensão de figuras que emulam o autoritarismo com estética de culto ou de
movimentos que prometem regenerar a masculinidade com jargões militares e um
discurso moralista que beira a caricatura?
Enquanto o bolsonarismo se enraíza no culto a
um líder tosco e autoritário, que promete ordem ao mesmo tempo em que flerta
com o caos, os “legendários” surgem como uma tentativa de refundar a
masculinidade dentro de uma embalagem de “alta performance”, disciplina e
tradição. Mas, no fundo, são apenas faces da mesma moeda: uma tentativa
desesperada de fugir de um mundo em transformação acelerada, onde as certezas
de outrora já não se sustentam.
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O bolsonarismo, embora enfraquecido
eleitoralmente, sobrevive como espectro ideológico de uma elite ressentida e de
uma parte da população fragilizada emocionalmente, em busca de amparo, ou
melhor, de salvação. Seu parentesco simbólico com a nova onda dos “legendários”
brasileiros, esses grupos de jovens conservadores que seguem cartilhas
estéticas e comportamentais rígidas, não é coincidência. Ambos os movimentos
bebem da mesma fonte: o medo do mundo real. Ambos os grupos têm ares de seita.
Reúnem homens (quase sempre brancos, ou desejantes dessa branquitude simbólica)
que sentem que o mundo “moderno demais” os traiu. Sentem-se deslocados num
presente que exige empatia, escuta, inclusão, autocrítica. Rejeitam a fluidez
contemporânea, buscando uma rigidez imaginária, como se isso os tornasse
novamente donos de alguma coisa.
O curioso nos legendários é que ao invés de
simplesmente se comprometerem com a tarefa honesta de serem bons maridos, pais
ou simplesmente seres humanos decentes, optam por gastar pequenas fortunas em
cursos de autoaperfeiçoamento, workshops de masculinidade e retiros de
“virilidade estratégica”. Parece uma encenação de valores que poderiam ser
simplesmente praticados sem publicidade e sem camiseta personalizada.
<><> As musas do conservadorismo
performático
Do outro lado da moeda conservadora, também
há um papel específico reservado às mulheres. O fenômeno das “tradwives”
(esposas tradicionais) floresce nas redes sociais como resposta direta à
fluidez dos papéis de gênero contemporâneos. São mulheres que abandonam o
mercado de trabalho para viver exclusivamente em função do marido e dos filhos,
promovendo esse estilo de vida com filtros vintage e legendas bíblicas. A
escolha individual é, muitas vezes, apresentada como missão divina ou
resistência moral a um mundo “degenerado”. Mas, assim como os legendários
performam uma masculinidade idealizada, essas mulheres encenam uma feminilidade
arcaica, que confunde submissão com virtude e se ancora numa nostalgia
construída de um passado que raramente foi bom para as mulheres.
Esse moralismo performático revela muito. Não
basta ser bom. É preciso ser visto sendo bom. E, preferencialmente,
dentro de uma moldura masculina, forte, hierárquica. O lema de transformar
homens, famílias e comunidades soa familiar demais. “Deus, Pátria e Família”
não é apenas um slogan conservador. É um eco direto de regimes autoritários do
século XX. Foi o tripé ideológico do fascismo italiano sob Benito Mussolini,
serviu de base ao franquismo na Espanha e ao salazarismo em Portugal. Também
inspirou o integralismo brasileiro de Plínio Salgado nos anos 1930, uma
tentativa explícita de importar o modelo fascista para o Brasil, com camisas
verdes, saudação romana e culto a um chefe supremo. Décadas depois, a ditadura
militar brasileira (1964–1985) retomaria essa mesma retórica, associando
valores “tradicionais” à repressão e à censura. Quando hoje se fala em “salvar
a família” ou “resgatar a ordem”, sob o pretexto de moralidade, é preciso
reconhecer a origem desses projetos históricos tão autoritários quanto
excludentes e violentos.
E o que une legendários e bolsonaristas, para
além da estética e do conservadorismo, é um anseio profundo por pertencimento.
São pessoas que se sentem expulsas de um mundo que não entendem mais. As
senhoras e senhores idosos que ficaram em frente aos quartéis, tentam resgatar
um passado que nunca foi tão glorioso assim. Os mais jovens, se recusam a
aceitar o presente e se refugiam em fantasias de honra e disciplina, como se
estivessem numa simulação da Roma imperial. No final todos buscam algo a que se
agarrar: uma tábua de salvação existencial. Só que já vimos esse filme e nessa
tábua não cabe todo mundo.
<><> Um movimento de estética
(bastante) duvidosa
O uniforme dos legendários é outro capítulo à
parte. A estética é visualmente duvidosa. Não fica claro se a inspiração vem
dos funcionários das plataformas da Petrobras, detentos de alguma penitenciária
estado-unidense, apoiadores do Partido Novo ou apenas jovens fantasiados de
desbravadores da masculinidade. Seja lá qual for, o modelo de obediência
coletiva, unida a frases prontas sobre resgate moral, os aproxima perigosamente
do fanatismo.
Há também, é claro, o elemento econômico.
Enquanto os legendários “gourmetizam” a moralidade em pacotes de cursos caros,
o bolsonarismo cooptou multidões pobres com a promessa de um pertencimento
simbólico. Ninguém seria mais “do povo” do que o ex-capitão. Era o delírio
coletivo transformado em simplicidade: a arma, o nome de Deus, o aplauso fácil.
Para ambos os públicos, é a promessa de importância que conta, ainda que
ilusória e inalcançável.
Nem Jesus escapa desse enredo. Cooptado e
ressignificado, ele é apresentado por esses grupos como um símbolo de ordem e
autoridade, esvaziado de sua radicalidade. Mas o Jesus histórico caminhava ao
lado de prostitutas, pobres e leprosos; pregava o amor, o perdão e a humildade.
Muito provavelmente, seria o primeiro a ser marginalizado por esses mesmos que
hoje clamam por seu nome. Não vestiria o uniforme. Não discursaria com a
virilidade esperada. E não seria aceito como “modelo de homem” por grupos que valorizam
força acima de compaixão, obediência acima de escuta, hierarquia acima de
igualdade. Ainda assim, lhe deram a honra de ser o legionário número 1, uma
ironia tão involuntária quanto reveladora.
<><> Um futuro nada promissor
Estamos diante de algumas gerações (ou
melhor, de diversas faixas etárias) de conservadores em crise, que não
conseguem mais se encaixar. E, por isso, inventam mundos paralelos: bolhas onde
a realidade é filtrada, onde tudo que os confronta a volte a realidade é
descartado como “ideologia” ou “degeneração”. É um retorno simbólico ao útero
do autoritarismo, onde não se pensa, apenas se obedece. Mas a verdade é que o
mundo que eles idealizam não existe mais. E talvez nunca tenha existido da
forma como imaginam.
A tentativa de retomá-lo à força, via
estética militarizada, discursos agressivos e negação das diferenças, está
fadada ao fracasso. Porque a história não anda para trás, mesmo que alguns
insistam em tentar. E, no entanto, para os mais atentos surgem ainda mais
perguntas: o que mais eles ainda podem inventar? Até onde vai essa ânsia de
controlar o incontrolável, de restaurar o que já se perdeu, de reencenar o
passado como se fosse futuro? É preciso estar atento e crítico, pois em se
tratando de Brasil sempre pode aparecer algo pior.
¨
Bolsonaro será engolido
pela máquina de vingança politica que criou. Por Orlando Calheiros
O
bolsonarismo definha a olhos vistos enquanto o ex-presidente Jair
Bolsonaro se recupera de uma cirurgia, e seu filho, o deputado federal Eduardo
Bolsonaro, do PL de São Paulo, um dos principais articuladores políticos do
bolsonarismo, se refugia no exterior.
O
senador Flávio Bolsonaro, do PL do Rio de Janeiro, por sua vez, se vê cada vez
mais reduzido ao papel de um político comum, um crítico tímido do sistema
judiciário brasileiro. Já o vereador carioca Carlos Bolsonaro, também do PL,
assiste passivamente a outros políticos conservadores de seu partido, como o
deputado mineiro Nikolas Ferreira, ganharem proeminência no ambiente que até
outrora dominava de maneira exclusiva.
Sinal
dos tempos. A atuação do que restou do clã Bolsonaro se mostra reiteradamente
incapaz de emplacar a ideia de que a defesa de Jair seria, de longe, a pauta
urgente e unificadora das direitas brasileiras. A mãe de todas as lutas
conservadoras.
O
próprio Jair Bolsonaro se mostrou incapaz de incitar uma mobilização
verdadeiramente popular pela anistia política dos golpistas de oito de janeiro,
inclusive ele.
Nos
bastidores da direita brasileira, os atos realizados no Rio e em São Paulo se
tornaram um elefante branco sobre o qual não se fala. Ao menos não
publicamente.
Tudo
que Bolsonaro conseguiu foi se transformar em meme, até mesmo entre alguns de
seus antigos eleitores, e desagradar alguns de seus antigos setores aliados,
como os militares. Sinal dos tempos, reitero.
Bolsonaro
já não é mais o mesmo homem que prometeu aos seus uma verdadeira revolução, que
prometeu expurgar a “velha política” dos quadros do poder. Agora, desesperado,
se vê obrigado a apelar para a piedade de seus apoiadores, apelando por perdão.
O homem
que esbravejava e dizia que metralharia seus inimigos agora divulga imagens de
sua caminhada pelos corredores de um hospital numa emulação patética da
via-crúcis. O mito se tornou um homem. Pior, se tornou um homem
fraco.
E isso
é imperdoável nos termos do movimento que ele próprio ajudou a consolidar: a
política da vingança!
Como
escrevi em outras ocasiões, em 2018, o bolsonarismo emergiu na política
nacional como um movimento político que atuava em duas frentes principais. Na
primeira, identificava para os brasileiros os supostos responsáveis pelo seu
sofrimento. “Se lhe falta dinheiro, se você está endividado, os verdadeiros
responsáveis por isso são os corruptos da esquerda, todos eles, dos políticos
aos militantes comuns”.
Na
segunda, prometia vingar os brasileiros, expurgando-os da política, não apenas
por meio das vias institucionais, julgando-os e prendendo-os, mas também por
meio das vias simbólicas, transformando o país, sua própria cultura, num
ambiente avesso a tudo aquilo que viam como manifestações da esquerda. Daí vem
a razão de tantos ataques a pessoas transgênero, do estrangulamento
orçamentário das universidades, da censura a manifestações culturais como o
Carnaval etc.
Para
que pudesse prosperar, especialmente diante de outras direitas que lutavam pela
hegemonia do campo, esse movimento necessitava de um líder, uma figura que
fosse, ao mesmo tempo, forte e fraco. Forte no sentido de sua própria
personalidade: um personagem capaz de falar coisas que seriam impensáveis para
os políticos mais tradicionais, coisas violentas e desconcertantes.
Por
outro lado, o líder desse movimento precisaria ser fraco, politicamente
falando: um sujeito sem lastro na política – ainda que tivesse ocupado cargos
políticos por décadas –, sem grandes feitos, sem grandes histórias, um
desconhecido.
Era
necessário alguém sobre quem poderiam construir inúmeras mensagens, com quem os
eleitores poderiam se identificar sob diversos ângulos. Como já escrevi em outras oportunidades, havia um Bolsonaro
sob medida para qualquer um.
O
capitão sem passado! O seu próprio capitão!
Esse é,
justamente, o aspecto central do bolsonarismo, o seu centro vacilante na forma
de um líder paradoxalmente forte-fraco. E isso não sou eu que estou dizendo,
era algo defendido abertamente por um de seus antigos idealizadores, o falecido
Olavo de Carvalho.
E é
justamente esse centro que definha. ão, leitor, leitora, não me refiro (apenas)
à saúde do ex-presidente, mas ao fato de que a gravidade da realidade, enfim,
tem se feito presente. Ao longo dos últimos anos, Bolsonaro tem se mostrado
reiteradamente incapaz de ser esse líder que o movimento que carrega o seu nome
necessita para sobreviver, pelo menos enquanto maior movimento da direita
nacional.
Bolsonaro,
agora, não apenas tem um passado muito concreto – e um passado onde foi incapaz
de realizar a vingança que prometeu – como, desde que perdeu as eleições, boa
parte de suas aparições públicas atuais tem se limitado à própria defesa.
Longe,
muito longe do líder político da resistência conservadora que seus
correligionários, especialmente seus filhos e Valdemar da Costa Neto, o
presidente do PL, prometiam para o Brasil. De fato, já faz tempo, anos, que Bolsonaro
não fomenta mais a imaginação de seu antigo eleitorado. E as coisas só pioram,
especialmente nesse momento em que o ex-presidente clama continuamente por
piedade.
O
antigo “salvador”, assustado, implora por salvação. O seu próprio medo lhe
tornou real aos olhos de seu eleitorado. E isso era tudo que ele não poderia
ser: real. Isso fará com que seja engolido pela própria máquina de guerra (e
vingança) política e social que ajudou a construir –uma máquina que em breve,
muito em breve, deve estar nas mãos de outros sujeitos.
¨
Jorge Alberto Benitz: A
TV Globo e o Bolsonarismo
Zapeando, peguei uma parte do programa
que tratava justamente do quanto a TV Globo sofreu nas mãos da ditadura e “me
tapei de nojo” e fui para outras bandas mais aderentes ao real. Fiquei sabendo
mais sobre o que ocorreu no programa do Pedro Bial através da leitura do artigo
de Thiago Stivaletti, publicado na FSP em 26/04/25, intitulado “Regina Duarte,
Pedro Bial e o Mito do Brasil Cordial”, que
recomendo.
Como a Globo “não bate prego sem estopa” este episódio da Regina Duarte no
programa do Pedro Bial, que, como disse antes, tive o privilégio de me
negar a ver, associado a autoimagem enaltecedora vendida pela própria no
programa de 60 anos de sua criação, onde aparece como uma impávida defensora da
democracia e vítima da censura, botando para baixo dos panos seu papel crucial
como principal defensora e porta voz da ditadura, vem confirmar a ideia
defendida pelo jornalista Fernando Barros e Silva no artigo “O Verniz do
Vale-Tudo”, publicado na revista Piauí, número 223, de abril de 2025.
No artigo acima mencionado ele aponta,
através do questionamento do espaço dado, no jornal O Globo, ao abominável
Eduardo Pazuello, como um sinal claro de que a emissora, através de seus vários
canais de comunicação, defende politicamente o que ele chama de um bolsonarismo
sem Bolsonaro. Associado a esta denúncia, lembro de outro detalhe sutil
demonstrativo desta abordagem legitimadora da extrema direita, feita pela TV
Globo, que é o tratamento mais fofo, recentemente adotado por ela nos diversos
programas e fóruns de debate político, para tratar a extrema direita. Onde se
lia extrema direita, lê- se agora direita.
Sob o manto do pluralismo, se dá espaço e
assim legitima a extrema direita para que defendam suas ideias antidemocráticas
e golpistas. Uma espécie de Vale-tudo quando se trata de minar o caminho de
Lula para a reeleição. A começar por esquecer os danos graves do Pazuello como
Ministro da Saúde e como diz o articulista no final do referido artigo “Sendo
assim, o governador de São Paulo não precisa tirar o boné do MAGA (Make America
Great Again) em saudação a Donald Trump, não precisa descer do carro de som de
Bolsonaro, não precisa parar com a matança dos pobres na baixada santista. No
lusco fusco conveniente em que mergulhamos, os patrões da mídia já decidiram
que Tarcísio de Freitas serve como democrata. As instituições estão
funcionando, o STF está cuidando de Bolsonaro. Como nos ensinou aquele sábio –
No caso, uma frase do Pazuello retirada do artigo dele, digo eu – “cada um tem
um papel na democracia”.
Ao mesmo tempo em que suaviza, pega leve, nas
críticas a Tarcísio de Freitas, aumenta de intensidade as críticas ao governo
Lula. Vide a sanha, expressada em manchete e em tudo que é espaço jornalístico
global (Jornal, TV) em colar na imagem de Lula o escândalo dos descontos
indevidos, com direito até de envolver o irmão dele na maracutaia, mesmo
que contra este último não exista nenhuma evidência objetiva para
tal.
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Fonte: Brasil 247/The Intercept/Jornal GGN

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