terça-feira, 6 de maio de 2025

Paola Jochimsen: Deus, Pátria e Algoritmo -  a nova cruzada dos conservadores em crise

Observar o Brasil à distância tem sido, nos últimos anos, um exercício constante de perplexidade. E, mais do que isso, um teste diário de sanidade diante de absurdos que se normalizaram. Como explicar a ascensão de figuras que emulam o autoritarismo com estética de culto ou de movimentos que prometem regenerar a masculinidade com jargões militares e um discurso moralista que beira a caricatura?

Enquanto o bolsonarismo se enraíza no culto a um líder tosco e autoritário, que promete ordem ao mesmo tempo em que flerta com o caos, os “legendários” surgem como uma tentativa de refundar a masculinidade dentro de uma embalagem de “alta performance”, disciplina e tradição. Mas, no fundo, são apenas faces da mesma moeda: uma tentativa desesperada de fugir de um mundo em transformação acelerada, onde as certezas de outrora já não se sustentam.

Play Video

O bolsonarismo, embora enfraquecido eleitoralmente, sobrevive como espectro ideológico de uma elite ressentida e de uma parte da população fragilizada emocionalmente, em busca de amparo, ou melhor, de salvação. Seu parentesco simbólico com a nova onda dos “legendários” brasileiros, esses grupos de jovens conservadores que seguem cartilhas estéticas e comportamentais rígidas, não é coincidência. Ambos os movimentos bebem da mesma fonte: o medo do mundo real. Ambos os grupos têm ares de seita. Reúnem homens (quase sempre brancos, ou desejantes dessa branquitude simbólica) que sentem que o mundo “moderno demais” os traiu. Sentem-se deslocados num presente que exige empatia, escuta, inclusão, autocrítica. Rejeitam a fluidez contemporânea, buscando uma rigidez imaginária, como se isso os tornasse novamente donos de alguma coisa.

O curioso nos legendários é que ao invés de simplesmente se comprometerem com a tarefa honesta de serem bons maridos, pais ou simplesmente seres humanos decentes, optam por gastar pequenas fortunas em cursos de autoaperfeiçoamento, workshops de masculinidade e retiros de “virilidade estratégica”. Parece uma encenação de valores que poderiam ser simplesmente praticados sem publicidade e sem camiseta personalizada.

<><> As musas do conservadorismo performático

Do outro lado da moeda conservadora, também há um papel específico reservado às mulheres. O fenômeno das “tradwives” (esposas tradicionais) floresce nas redes sociais como resposta direta à fluidez dos papéis de gênero contemporâneos. São mulheres que abandonam o mercado de trabalho para viver exclusivamente em função do marido e dos filhos, promovendo esse estilo de vida com filtros vintage e legendas bíblicas. A escolha individual é, muitas vezes, apresentada como missão divina ou resistência moral a um mundo “degenerado”. Mas, assim como os legendários performam uma masculinidade idealizada, essas mulheres encenam uma feminilidade arcaica, que confunde submissão com virtude e se ancora numa nostalgia construída de um passado que raramente foi bom para as mulheres.

Esse moralismo performático revela muito. Não basta ser bom.  É preciso ser visto sendo bom. E, preferencialmente, dentro de uma moldura masculina, forte, hierárquica. O lema de transformar homens, famílias e comunidades soa familiar demais. “Deus, Pátria e Família” não é apenas um slogan conservador. É um eco direto de regimes autoritários do século XX. Foi o tripé ideológico do fascismo italiano sob Benito Mussolini, serviu de base ao franquismo na Espanha e ao salazarismo em Portugal. Também inspirou o integralismo brasileiro de Plínio Salgado nos anos 1930, uma tentativa explícita de importar o modelo fascista para o Brasil, com camisas verdes, saudação romana e culto a um chefe supremo. Décadas depois, a ditadura militar brasileira (1964–1985) retomaria essa mesma retórica, associando valores “tradicionais” à repressão e à censura. Quando hoje se fala em “salvar a família” ou “resgatar a ordem”, sob o pretexto de moralidade, é preciso reconhecer a origem desses projetos históricos tão autoritários quanto excludentes e violentos.

E o que une legendários e bolsonaristas, para além da estética e do conservadorismo, é um anseio profundo por pertencimento. São pessoas que se sentem expulsas de um mundo que não entendem mais. As senhoras e senhores idosos que ficaram em frente aos quartéis, tentam resgatar um passado que nunca foi tão glorioso assim. Os mais jovens, se recusam a aceitar o presente e se refugiam em fantasias de honra e disciplina, como se estivessem numa simulação da Roma imperial. No final todos buscam algo a que se agarrar: uma tábua de salvação existencial. Só que já vimos esse filme e nessa tábua não cabe todo mundo.

<><> Um movimento de estética (bastante) duvidosa

O uniforme dos legendários é outro capítulo à parte. A estética é visualmente duvidosa. Não fica claro se a inspiração vem dos funcionários das plataformas da Petrobras, detentos de alguma penitenciária estado-unidense, apoiadores do Partido Novo ou apenas jovens fantasiados de desbravadores da masculinidade. Seja lá qual for, o modelo de obediência coletiva, unida a frases prontas sobre resgate moral, os aproxima perigosamente do fanatismo.

Há também, é claro, o elemento econômico. Enquanto os legendários “gourmetizam” a moralidade em pacotes de cursos caros, o bolsonarismo cooptou multidões pobres com a promessa de um pertencimento simbólico. Ninguém seria mais “do povo” do que o ex-capitão. Era o delírio coletivo transformado em simplicidade: a arma, o nome de Deus, o aplauso fácil. Para ambos os públicos, é a promessa de importância que conta, ainda que ilusória e inalcançável.

Nem Jesus escapa desse enredo. Cooptado e ressignificado, ele é apresentado por esses grupos como um símbolo de ordem e autoridade, esvaziado de sua radicalidade. Mas o Jesus histórico caminhava ao lado de prostitutas, pobres e leprosos; pregava o amor, o perdão e a humildade. Muito provavelmente, seria o primeiro a ser marginalizado por esses mesmos que hoje clamam por seu nome. Não vestiria o uniforme. Não discursaria com a virilidade esperada. E não seria aceito como “modelo de homem” por grupos que valorizam força acima de compaixão, obediência acima de escuta, hierarquia acima de igualdade. Ainda assim, lhe deram a honra de ser o legionário número 1, uma ironia tão involuntária quanto reveladora.

<><> Um futuro nada promissor

Estamos diante de algumas gerações (ou melhor, de diversas faixas etárias) de conservadores em crise, que não conseguem mais se encaixar. E, por isso, inventam mundos paralelos: bolhas onde a realidade é filtrada, onde tudo que os confronta a volte a realidade é descartado como “ideologia” ou “degeneração”. É um retorno simbólico ao útero do autoritarismo, onde não se pensa, apenas se obedece. Mas a verdade é que o mundo que eles idealizam não existe mais. E talvez nunca tenha existido da forma como imaginam.

A tentativa de retomá-lo à força, via estética militarizada, discursos agressivos e negação das diferenças, está fadada ao fracasso. Porque a história não anda para trás, mesmo que alguns insistam em tentar. E, no entanto, para os mais atentos surgem ainda mais perguntas: o que mais eles ainda podem inventar? Até onde vai essa ânsia de controlar o incontrolável, de restaurar o que já se perdeu, de reencenar o passado como se fosse futuro? É preciso estar atento e crítico, pois em se tratando de Brasil sempre pode aparecer algo pior.

¨      Bolsonaro será engolido pela máquina de vingança politica que criou. Por Orlando Calheiros

O bolsonarismo definha a olhos vistos enquanto o ex-presidente Jair Bolsonaro se recupera de uma cirurgia, e seu filho, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, do PL de São Paulo, um dos principais articuladores políticos do bolsonarismo, se refugia no exterior. 

O senador Flávio Bolsonaro, do PL do Rio de Janeiro, por sua vez, se vê cada vez mais reduzido ao papel de um político comum, um crítico tímido do sistema judiciário brasileiro. Já o vereador carioca Carlos Bolsonaro, também do PL, assiste passivamente a outros políticos conservadores de seu partido, como o deputado mineiro Nikolas Ferreira, ganharem proeminência no ambiente que até outrora dominava de maneira exclusiva. 

Sinal dos tempos. A atuação do que restou do clã Bolsonaro se mostra reiteradamente incapaz de emplacar a ideia de que a defesa de Jair seria, de longe, a pauta urgente e unificadora das direitas brasileiras. A mãe de todas as lutas conservadoras.

O próprio Jair Bolsonaro se mostrou incapaz de incitar uma mobilização verdadeiramente popular pela anistia política dos golpistas de oito de janeiro, inclusive ele. 

Nos bastidores da direita brasileira, os atos realizados no Rio e em São Paulo se tornaram um elefante branco sobre o qual não se fala. Ao menos não publicamente. 

Tudo que Bolsonaro conseguiu foi se transformar em meme, até mesmo entre alguns de seus antigos eleitores, e desagradar alguns de seus antigos setores aliados, como os militares. Sinal dos tempos, reitero. 

Bolsonaro já não é mais o mesmo homem que prometeu aos seus uma verdadeira revolução, que prometeu expurgar a “velha política” dos quadros do poder. Agora, desesperado, se vê obrigado a apelar para a piedade de seus apoiadores, apelando por perdão.

O homem que esbravejava e dizia que metralharia seus inimigos agora divulga imagens de sua caminhada pelos corredores de um hospital numa emulação patética da via-crúcis.  O mito se tornou um homem. Pior, se tornou um homem fraco. 

E isso é imperdoável nos termos do movimento que ele próprio ajudou a consolidar: a política da vingança! 

Como escrevi em outras ocasiões, em 2018, o bolsonarismo emergiu na política nacional como um movimento político que atuava em duas frentes principais. Na primeira, identificava para os brasileiros os supostos responsáveis pelo seu sofrimento. “Se lhe falta dinheiro, se você está endividado, os verdadeiros responsáveis por isso são os corruptos da esquerda, todos eles, dos políticos aos militantes comuns”.  

Na segunda, prometia vingar os brasileiros, expurgando-os da política, não apenas por meio das vias institucionais, julgando-os e prendendo-os, mas também por meio das vias simbólicas, transformando o país, sua própria cultura, num ambiente avesso a tudo aquilo que viam como manifestações da esquerda. Daí vem a razão de tantos ataques a pessoas transgênero, do estrangulamento orçamentário das universidades, da censura a manifestações culturais como o Carnaval etc. 

Para que pudesse prosperar, especialmente diante de outras direitas que lutavam pela hegemonia do campo, esse movimento necessitava de um líder, uma figura que fosse, ao mesmo tempo, forte e fraco. Forte no sentido de sua própria personalidade: um personagem capaz de falar coisas que seriam impensáveis para os políticos mais tradicionais, coisas violentas e desconcertantes.

Por outro lado, o líder desse movimento precisaria ser fraco, politicamente falando: um sujeito sem lastro na política – ainda que tivesse ocupado cargos políticos por décadas –, sem grandes feitos, sem grandes histórias, um desconhecido. 

Era necessário alguém sobre quem poderiam construir inúmeras mensagens, com quem os eleitores poderiam se identificar sob diversos ângulos. Como já escrevi em outras oportunidades, havia um Bolsonaro sob medida para qualquer um. 

O capitão sem passado! O seu próprio capitão!

Esse é, justamente, o aspecto central do bolsonarismo, o seu centro vacilante na forma de um líder paradoxalmente forte-fraco. E isso não sou eu que estou dizendo, era algo defendido abertamente por um de seus antigos idealizadores, o falecido Olavo de Carvalho. 

E é justamente esse centro que definha. ão, leitor, leitora, não me refiro (apenas) à saúde do ex-presidente, mas ao fato de que a gravidade da realidade, enfim, tem se feito presente. Ao longo dos últimos anos, Bolsonaro tem se mostrado reiteradamente incapaz de ser esse líder que o movimento que carrega o seu nome necessita para sobreviver, pelo menos enquanto maior movimento da direita nacional. 

Bolsonaro, agora, não apenas tem um passado muito concreto – e um passado onde foi incapaz de realizar a vingança que prometeu – como, desde que perdeu as eleições, boa parte de suas aparições públicas atuais tem se limitado à própria defesa. 

Longe, muito longe do líder político da resistência conservadora que seus correligionários, especialmente seus filhos e Valdemar da Costa Neto, o presidente do PL, prometiam para o Brasil. De fato, já faz tempo, anos, que Bolsonaro não fomenta mais a imaginação de seu antigo eleitorado. E as coisas só pioram, especialmente nesse momento em que o ex-presidente clama continuamente por piedade.

O antigo “salvador”, assustado, implora por salvação. O seu próprio medo lhe tornou real aos olhos de seu eleitorado. E isso era tudo que ele não poderia ser: real. Isso fará com que seja engolido pela própria máquina de guerra (e vingança) política e social que ajudou a construir –uma máquina que em breve, muito em breve, deve estar nas mãos de outros sujeitos. 

¨      Jorge Alberto Benitz: A TV Globo e o Bolsonarismo

 Zapeando, peguei uma parte do programa que tratava justamente do quanto a TV Globo sofreu nas mãos da ditadura e “me tapei de nojo” e fui para outras bandas mais aderentes ao real. Fiquei sabendo mais sobre o que ocorreu no programa do Pedro Bial através da leitura do artigo de Thiago Stivaletti, publicado na FSP em 26/04/25, intitulado “Regina Duarte, Pedro Bial e o Mito do Brasil Cordial”, que recomendo.     
Como a Globo “não bate prego sem estopa” este episódio da Regina Duarte no programa do Pedro Bial, que, como disse antes,  tive o privilégio de me negar a ver, associado a autoimagem enaltecedora vendida pela própria no programa de 60 anos de sua criação, onde aparece como uma impávida defensora da democracia e vítima da censura, botando para baixo dos panos seu papel crucial como principal defensora e porta voz da ditadura, vem confirmar a ideia defendida pelo jornalista Fernando Barros e Silva no artigo “O Verniz do Vale-Tudo”, publicado na revista Piauí, número 223,  de abril de 2025.

No artigo acima mencionado ele aponta, através do questionamento do espaço dado, no jornal O Globo, ao abominável Eduardo Pazuello, como um sinal claro de que a emissora, através de seus vários canais de comunicação, defende politicamente o que ele chama de um bolsonarismo sem Bolsonaro. Associado a esta denúncia, lembro de outro detalhe sutil demonstrativo desta abordagem legitimadora da extrema direita, feita pela TV Globo, que é o tratamento mais fofo, recentemente adotado por ela nos diversos programas e fóruns de debate político, para tratar a extrema direita. Onde se lia extrema direita, lê- se agora direita.

Sob o manto do pluralismo, se dá espaço e assim legitima a extrema direita para que defendam suas ideias antidemocráticas e golpistas. Uma espécie de Vale-tudo quando se trata de minar o caminho de Lula para a reeleição. A começar por esquecer os danos graves do Pazuello como Ministro da Saúde e como diz o articulista no final do referido artigo “Sendo assim, o governador de São Paulo não precisa tirar o boné do MAGA (Make America Great Again) em saudação a Donald Trump, não precisa descer do carro de som de Bolsonaro, não precisa parar com a matança dos pobres na baixada santista. No lusco fusco conveniente em que mergulhamos, os patrões da mídia já decidiram que Tarcísio de Freitas serve como democrata. As instituições estão funcionando, o STF está cuidando de Bolsonaro. Como nos ensinou aquele sábio – No caso, uma frase do Pazuello retirada do artigo dele, digo eu – “cada um tem um papel na democracia”.

Ao mesmo tempo em que suaviza, pega leve, nas críticas a Tarcísio de Freitas, aumenta de intensidade as críticas ao governo Lula. Vide a sanha, expressada em manchete e em tudo que é espaço jornalístico global (Jornal, TV) em colar na imagem de Lula o escândalo dos descontos indevidos, com direito até de envolver o irmão dele na maracutaia, mesmo que contra este último não exista nenhuma evidência objetiva para tal.

 

AJUDE-NOS A CONTINUAR

PRECISAMOS DE SUA COLABORAÇÃO

PIX 75981805156 (Francklin R. de Sá)

SUA CONTRIBUIÇÃO É IMPORTANTE PARA QUE POSSAMOS CONTINUAR.

DESDE JÁ AGRADECEMOS

 

Fonte: Brasil 247/The Intercept/Jornal GGN

 

Nenhum comentário: