O que é 'tomar banho de estrelas', nova
tendência de bem-estar
Estou repousando dentro de uma banheira vazia
da era vitoriana, junto aos arbustos das charnecas de Yorkshire, no norte da
Inglaterra.
Sobre a minha cabeça, cada vez mais estrelas
aparecem à medida que o céu se escurece lentamente, passando de azul-claro para
violeta e, finalmente, azul-marinho.
Ao meu lado, na sua própria banheira, Gemma,
minha guia para o banho de estrelas, inicia a meditação.
"Permita-se se deslumbrar com a incrível
visão do céu que você está presenciando", diz ela, suavemente.
"Aprecie nossa estada aqui, neste momento, nesta bela noite. Concentre-se
suavemente no céu... e na sua respiração. Simplesmente seja."
Sinto frio e autoconsciência. Tento fazer
calar a parte de mim que é profundamente cética, pois quero desesperadamente
escapar da ansiedade que se apossou dos meus três últimos anos de vida.
A busca pelo alívio já me fez nadar em
ambientes selvagens, tocar tambor, praticar ioga e, agora, tomar banho de
estrelas – uma prática emergente de bem-estar, oferecida em hotéis e retiros de
várias partes do mundo.
Tomar banho de estrelas não é apenas
identificar constelações. É se perder no céu noturno.
Cada vez mais pesquisas indicam que esta
atividade pode ajudar a acalmar o sistema nervoso, promover a felicidade e
alimentar uma sensação de perspectiva.
Por isso, aqui estou eu, enrolada em
cobertores, para um fim de semana de observação de estrelas no Santuário de
Broughton, uma construção histórica do século 16 ao lado de um conjunto de
chalés, nos limites do Parque Nacional Yorkshire Dales, na Inglaterra. O local
foi reconhecido como Reserva Internacional do Céu Escuro.
Aqui, o poder de cura da natureza recebe
atenção especial.
O terreno de 12 km² abriga um dos maiores
projetos de reflorestamento do Reino Unido. E o banho de estrelas é apenas uma
das muitas atividades criadas para fazer com que os visitantes fiquem mais
próximos do ambiente natural.
A meditação chega ao fim e o silêncio cai
sobre a charneca. Ele só é interrompido pelos pios distantes de uma coruja.
Olho para cima, tentando não pensar no
estresse da semana que passou. O céu continua a escurecer e novas estrelas
surgem como que por magia.
Minha respiração fica mais lenta. De repente,
sinto que algo começa a mudar. Percebo que não estou apenas olhando para o
Universo, mas que faço parte dele.
É impossível não se surpreender com a
vastidão e a beleza do céu noturno lá em cima.
Os benefícios psicológicos da experiência são
bem documentados. Já se comprovou que ela reduz os batimentos cardíacos,
aumenta os níveis de oxitocina e reduz as inflamações.
Estes são alguns dos motivos que fazem com
que observar as estrelas traga tantos benefícios para nossa saúde mental.
"Experimentar admiração regularmente
traz profundos benefícios para nossa saúde mental, pois ela ajuda a nos
sentirmos conectados a algo maior do que nós mesmos", afirma o astrofísico
e professor de ioga e meditação Mark Westmoquette. Ele administra retiros de
observação de estrelas no Reino Unido e no continente europeu.
"Quando olhamos para o céu noturno e
tomamos consciência do nosso lugar no Universo, esta sensação de admiração e
perplexidade pode realmente mudar nossa perspectiva sobre quem e o que
somos", segundo o professor.
Os benefícios da natureza à saúde mental
podem ser bem documentados, mas os pesquisadores começaram a estudar apenas
recentemente os efeitos do ambiente natural noturno.
Em fevereiro de 2024, a publicação Journal of
Environmental Psychology divulgou um novo Índice de Conexão ao Céu Noturno. Ele
demonstrou que o aumento da conexão ao céu noturno apresenta relação positiva
com a felicidade e a saúde mental das pessoas.
O Escritório de Astronomia para o
Desenvolvimento – um projeto conjunto entre a União Astronômica Internacional e
a Fundação Nacional de Pesquisa da África do Sul – está avaliando o potencial
de uso da astronomia como ferramenta para promover a saúde mental de pessoas
vulneráveis. E os resultados são animadores.
Ao final da nossa sessão de banho de
estrelas, Gemma, eu e os outros dois participantes tomamos chocolate quente e
descemos pela encosta da colina. Não conseguimos tirar os olhos do céu, que se
torna cada vez mais deslumbrante, quanto mais olhamos para cima.
Na noite seguinte, depois de um dia inteiro
explorando o terreno, relaxando no spa e nadando em um antigo reservatório de
água congelante da propriedade, participo de uma sessão de observação de
estrelas, como parte do Festival Anual do Céu Escuro.
Depois de uma refeição vegetariana de dois
pratos em volta da fogueira no "templo do fogo" (uma estrutura de
madeira coberta no meio do bosque), um grupo de cerca de 20 pessoas caminha até
a horta do santuário, onde o astrônomo Chris Higgins nos espera com um potente
telescópio.
Higgins nos mostra diversos planetas e
constelações, que observamos em turnos pelo telescópio. Fico boquiaberta ao
contemplar Vênus, que sempre aparece como uma lua crescente, e Júpiter, com
suas faixas claras e escuras e quatro de suas inúmeras luas.
O grupo forma laços rapidamente. Nossa
reserva natural parece desaparecer enquanto admiramos o cosmos.
A noite é congelante, mas ninguém quer
entrar. O céu claro e belo parece uma dádiva e não conseguimos parar de
observar as estrelas.
Depois de algum tempo, deixo de tentar
entender a ciência e fico simplesmente admirando, permitindo que a luz fria das
estrelas me acalme.
Adoro pensar que, enquanto quase tudo no
nosso planeta se alterou desde o início da civilização humana, a beleza do céu
noturno permaneceu intocada. Fico maravilhada com a mesma visão que encantou
meus ancestrais – e esta noção traz uma profunda ligação à Terra.
• Tendência
mundial
Fiquei encantada com a experiência. Volto
para casa e começo a pesquisar outros retiros de banho de estrelas.
No topo da minha lista de desejos, está o
centro de retiro de luxo autossuficiente Bliss & Stars, a duas horas da
aldeia mais próxima, na reserva natural Cederberg, na África do Sul.
Inaugurado em 2019 por Daria e Heine
Rasmussen, ele oferece retiros de três noites de banho de estrelas, com sessões
guiadas de observação do céu noturno, imersão na natureza, meditação
mindfulness (atenção plena), respiração sob as estrelas e caminhadas noturnas.
Daria Rasmussen conta que muitos visitantes
têm experiências profundas quando observam o céu noturno.
"Um hóspede, acometido por anos de
traumas, passou por uma reviravolta enquanto observava os anéis de
Saturno", ela conta.
"Ele contou que sua experiência foi
'surpreendente como exorcismo' e recarregou sua capacidade de sentir
alegria."
"Outra hóspede era uma mãe enlutada, que
encontrou consolo nas aventuras noturnas entre a natureza e na observação de
estrelas a olho nu. 'Senti que o Universo estava em luto junto comigo', disse
ela."
O deserto do Atacama, no Chile, também ocupa
posição de destaque na minha lista. O céu do local é o mais limpo e escuro do
mundo.
O Hotel Elqui Domos foi projetado
especificamente para apreciar este céu noturno impecável. Ele tem quartos em
formato geodésico, com tetos retráteis para permitir que os hóspedes observem o
céu deitados na cama.
Já o Hotel Ranga, na Islândia, mantém um
observatório de primeira linha. Ele oferece a possibilidade de participar de
sessões de observação consciente de estrelas, em banheiras de água quente no
lado externo, alimentadas com aquecimento geotérmico.
Nas Highlands escocesas, a empresa Cairngorm
Excursions promove festas de banho de estrelas, reunindo as pessoas para uma
noite de observação do céu, longe da poluição luminosa.
As festas incluem bebidas quentes, stovies
(um prato tradicional escocês, preparado com carne e batatas), cobertores e
acomodações em troncos. E, como se trata da Escócia, as noites também incluem
amostras de gim, uísque e rum, produzidos por uma destilaria local.
Os aborígenes australianos são considerados
os primeiros astrônomos do mundo. E existem cada vez mais experiências que
permitem aos visitantes aprender sobre a astronomia dos povos antigos da
Austrália.
A Ngurrangga Tours, de propriedade de pessoas
aborígenes, oferece uma viagem de uma noite no Parque Nacional Millstream
Chichester, na Austrália Ocidental. O programa inclui uma noite de acampamento,
para explorar o ambiente selvagem e aprender as histórias dos povos nativos
sobre as estrelas.
No porto de Sydney, a Fantasea Cruising
oferece um cruzeiro dos sonhos do céu aborígene. Um astrônomo aborígene conta
histórias passadas de geração em geração sobre o Sol, a Lua e as estrelas.
Por enquanto, saio para meu jardim em
Bristol, no sudoeste da Inglaterra, e me deito sobre um cobertor nas noites de
céu limpo.
É claro que está longe de ser um céu escuro
como o de Yorkshire e a poluição luminosa obscurece muitas das estrelas. Mas
percebo que ainda consigo ter aquela sensação de paz, que passei a conhecer.
Talvez a quantidade de estrelas que consigo
observar não importe. Como diz Westmoquette, "mesmo se você puder ver
apenas uma estrela, aquela luz terá viajado pelo Universo por centenas e
centenas de anos, até atingir seus olhos naquele exato momento".
"Apesar de todas as dificuldades, você
está vendo aquele raio de luz. Isso tem um significado."
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Fonte: BBC Travel

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