Negócio entre amigos: Tarcísio vende fazenda
de pesquisa a Paulo Skaf pela metade do valor de mercado
O governo de Tarcísio de Freitas, do
Republicanos, vendeu parte de uma fazenda do estado de São Paulo usada para
pesquisa científica ao agronegócio pela metade do valor de mercado – em um
negócio cercado de acusações de descumprimento de leis e regras de
transparência. E a gestão Tarcísio já deixou claro: outras terras da ciência
vão ser vendidas.
Quem comprou o imóvel foi uma empresa do
agronegócio chamada SFA Agro Empreendimentos e Participações, que tem como um
dos sócios Paulo Skaf, empresário e político que se tornou colega de Tarcísio
no Republicanos em 2022. Empresário influente, Skaf presidiu a Federação das
Indústrias do Estado de São Paulo, a Fiesp, entre 2004 e 2021 e articula sua
volta ao cargo em 2026.
O processo de venda de parte da fazenda
experimental, localizada em Pindamonhangaba, começou em 2017 e só foi concluído
em julho de 2024. O negócio saiu apenas após uma batalha judicial e, diante da
pouca publicidade e de indícios de ilegalidade, mobilizou políticos e entidades
de pesquisa em busca de informações sobre a operação.
No fim das contas, o governo Tarcísio vendeu
a terra por R$ 17,1 milhões. Mas, de acordo com dados da Associação dos
Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo, a APqC, o valor médio de
mercado do hectare em Pindamonhangaba oscila entre R$ 100 mil e R$ 130 mil, o
que faria a área vendida valer entre R$ 35 milhões e R$ 45,5 milhões – ou seja,
o estado de SP recebeu bem menos do que poderia.
A APqC também questiona o fato de não serem
públicos o documento de vistoria e o laudo que avaliou o preço do terreno, além
de pontuar que o governo Tarcísio descumpriu a Constituição Estadual e a lei
9475/96 ao não realizar audiência pública com a comunidade científica. Apesar
das alegações, o Tribunal de Justiça de São Paulo, TJ-SP, validou a venda.
O terreno em questão tem 350 hectares – cerca
de 300 campos de futebol – e fazia parte da Unidade Regional de Pesquisa e
Desenvolvimento de Pindamonhangaba, imóvel de propriedade da Fazenda do Estado
de São Paulo e atrelado à Secretaria de Agricultura e Abastecimento, a SAA,
desde 1938.
Ele é parte de uma fazenda que soma um total
de 1.150 hectares e fica em uma zona de proteção ambiental. O espaço é usado
para pesquisas de bovinocultura de leite e de corte, aquacultura com
piscicultura, melhoramento genético de arroz e estudos sobre agroecologia,
plantas alimentícias e medicinais.
A unidade mantém convênio com a Cooperativa
de Laticínios do Médio Vale do Paraíba, a Comevap, que agrega mais de 600
pequenos produtores e atende 20 municípios.
Após lei aprovada em dezembro de 2016 que
autorizou a alienação de diversos imóveis do estado, a porção de terra da
fazenda foi colocada à venda no ano seguinte, mas não houve interessados. O
governador de São Paulo naquele ano era Geraldo Alckmin, então do PSDB.
Na época, a APqC, que monitora 39 áreas de
experimentação ligadas à SAA, ajuizou uma ação civil pública e impetrou um
mandado de segurança opondo-se à licitação para venda de parte da área. A
alegação era que, além de servir a pesquisas e ser de interesse público, o
local abriga as nascentes de água da propriedade. A medida judicial foi
rejeitada e encerrada em 2022, afastando compradores por alguns anos.
Mas, em abril de 2024, a associação recebeu a
informação de que o terreno fora vendido à empresa SFA Agro, de Paulo Skaf, seu
filho Gabriel Junqueira Pamplona Skaf e mais dois empresários da região: o
pecuarista Carlos Eduardo Pedrosa Auricchio e o cirurgião vascular e pecuarista
Rubens Freire Gonçalves.
Além deles, completam a sociedade da SFA
Agro, que foi registrada em cartório no dia 11 de agosto de 2022, quatro
empresas de incorporação e urbanização relacionadas aos proprietários. As
principais atividades da companhia são criação de gado, conservação de
florestas e compra e venda de imóveis.
• Passeio
a cavalo dos novos donos alertou funcionários
Egresso do ramo têxtil, Paulo Skaf tem
propriedades e negócios em Pindamonhangaba. Mas sua atuação vai muito além
disso. Skaf é um empresário que atua em vários segmentos, como imóveis,
construção, urbanização, seguros e agro. Mais do que um homem de negócios, ele
ganhou projeção pelo envolvimento com a política.
De 2004 a 2021, Skaf presidiu a Fiesp — e
também esteve no comando de instituições como Sesi, Senai, Sebrae e Centro das
Indústrias do Estado, o Ciesp. Nestes 17 anos, o empresário concorreu três
vezes a governador de São Paulo: em 2010, pelo PSB, e em 2014 e 2018, pelo MDB
— perdeu nas três tentativas. Na última campanha que disputou, Skaf declarou um
patrimônio de R$ 23,8 milhões.
Além das disputas eleitorais, o empresário
ficou conhecido pela campanha “Não vou pagar o pato”, da Fiesp, contra o
aumento de impostos e contra a volta da CPMF. Uma das ações da iniciativa foi a
colocação de um pato amarelo gigante em frente à sede da federação, na Avenida
Paulista. Nos meses seguintes, o pato amarelo acabou sendo muito explorado
durante a batalha política que resultou no impeachment da presidente Dilma
Rousseff, do PT, em 2016.
Gabriel Skaf, seu filho, é sócio de Skaf em
diversas empresas. Dono da AB Areias, uma das maiores mineradoras de agregados
para a construção civil do estado, como areia e brita, Carlos Auricchio atuou
como conselheiro e vice-presidente da Fiesp entre 2011 e 2021, substituindo
Skaf em sessões da federação. Proprietário de imóveis e negócios na região,
Rubens Freire Gonçalves é dono da Fazenda Bela Vista, situada no km 94 da
Rodovia Presidente Dutra e vizinha de cerca da área adquirida.
Para surpresa dos funcionários do centro de
pesquisa, o grupo de quatro empresários foi visto na propriedade, montado a
cavalo. Uma foto desta visita teria sido tirada em abril de 2024, segundo
pedido feito em dezembro passado pela deputada estadual Beth Sahão, do PT de
São Paulo, para que a Procuradoria-Geral de Justiça do Estado investigue a
venda – a imagem consta na solicitação feita pela parlamentar.
“Não entraram pela porta principal e foram
direto para o local Brasília [a área vendida]. Entraram com caminhão, cavalos,
e foram ver as divisas. Os seguranças e campeiros foram acionados, pois
pensamos se tratar de roubo de gado”, relatou à reportagem um trabalhador da
fazenda, que não quis se identificar por medo de represálias.
O Intercept Brasil tentou contatar a SFA Agro
e outras empresas de Skaf, por e-mail e telefone, para perguntar sobre as
circunstâncias e o valor do negócio envolvendo a fazenda em Pindamonhangaba.
Não houve retorno até a publicação desta reportagem.
Em nota enviada após a reportagem ter sido
publicada, a assessoria de Paulo Skaf confirmou que a compra da fazenda foi
efetivada em 2024 a partir de “oferta por meio público, de acordo com as regras
definidas pelo Fundo de Investimentos Imobiliários do Estado de São Paulo”.
O texto cita que “a oferta da SFA [Agro] foi
certamente a mais alta, com pagamento à vista” e, “por isso, foi a vencedora”.
A assessoria de Skaf ainda pontuou que “a fazenda é utilizada para fins
lucrativos” e que cabe ao fundo imobiliário do estado de São Paulo explicar
sobre as “questões ligadas ao regramento do vendedor”.
Ao buscar informações sobre a venda de parte
da fazenda, um ponto que chamou atenção da APqC foi que o documento de
realização de vistoria e o laudo imobiliário do imóvel – que mede o valor atual
do bem – não são públicos.
A associação ainda pontua que não houve uma
audiência pública com a comunidade científica, necessária para a alienação de
áreas de pesquisas, conforme estipula a Constituição Estadual e a lei 9475/96.
Também destaca que uma audiência realizada
durante a primeira tentativa de venda, em 2017, não deveria ter sido validada.
Entre os argumentos para isso, estão a marcação da reunião apenas um dia antes
da realização e a falta de quórum suficiente. A APqC também questionou as reais
motivações do estado para a venda da área.
• Venda
abaixo do valor de mercado
A fazenda em Pindamonhangaba faz parte da
Agência Paulista de Tecnologia de Agronegócios, a APTA, cujas unidades
regionais compreendem a maior rede irradiadora de pesquisa, ciência e
tecnologia agrícola de São Paulo. Situada na Zona de Proteção Ambiental e
Desenvolvimento Estratégico, a área vendida estava sendo usada para pesquisas
de gado de corte, reprodução animal e rizicultura.
Localizado no km 97 da Rodovia Presidente
Dutra, o imóvel foi cercado e agora é ocupado para criação de gado pela SFA
Agro. Uma balança recém-adquirida ficou retida após a compra do imóvel, segundo
a APqC. “Há um procedimento para a desocupação do espaço. Os empresários
compraram a área, não os bens que foram adquiridos por meio de projetos de
pesquisa”, explica Helena Dutra Lutgens, presidente da associação.
Em 2017, o terreno da fazenda que acabou
vendido foi avaliado em R$ 10,5 milhões pelo governo de São Paulo. Corrigido
pelo IGP-M, o valor seria de cerca de R$ 18,5 milhões em julho de 2024, mês em
que o negócio foi firmado com a SFA Agro. Entretanto, a matrícula de compra e
venda, ao qual o Intercept teve acesso, confirma que a empresa do agro pagou R$
17,1 milhões pelos 350 hectares de área.
A título de comparação, a Unidade de Pesquisa
em Agricultura Ecológica, em São Roque, com pouco mais de 43 hectares, teve
neste ano seu valor médio estimado pela Fundação Instituto de Terras do Estado
de São Paulo, Itesp, em R$ 107,4 milhões.
“São Roque está sendo avaliada como área
urbana, mas Pindamonhangaba, mesmo como área rural, foi subavaliada”, explica o
pesquisador Joaquim Adelino Filho, que foi presidente da APqC em 2017. “Na
época, a avaliação foi muito superficial, com base em valor venal. Os critérios
de avaliação atuais são mais detalhados”, pontua.
• Pedidos
em série diante da falta de transparência
A falta de clareza sobre os detalhes da venda
da fazenda em Pindamonhangaba mobilizou a Câmara Municipal de Vereadores, que
enviou, logo após a visita dos empresários à fazenda, um pedido de informações
ao governo Tarcísio. Foram solicitadas cópias do processo administrativo, da
legislação vigente e da documentação das empresas envolvidas, incluindo
intermediários. O pedido foi feito há um ano, mas a Câmara não teve resposta.
Em agosto de 2024, o deputado estadual Carlos
Giannazi, do PSOL de São Paulo, enviou requerimento similar à SAA do governo
Tarcísio. Quatro meses depois, em dezembro, foi a vez da deputada estadual Beth
Sahão, do PT de SP, pedir uma investigação à Procuradoria-Geral de Justiça do
Estado – a parlamentar disse que não teve retorno da PGJ.
Em resposta ao requerimento de Giannazi, a
SAA declarou que “foi adotada uma política pelo Governo do Estado de São Paulo
para alienação de imóveis que estão sendo subutilizados, para otimização dos
recursos públicos, em prol da sociedade”. Também pontuou que o governo está “em
fase de levantamento e estudos, para averiguar quais imóveis estão sendo
subutilizados para uma possível alienação”.
O texto ainda destacou que, antes da
alienação, ainda seria necessário
“análise do Conselho do Patrimônio Imobiliário, audiência com a
Comunidade Científica, conforme prevê a lei, e autorização do Governador do
Estado”.
O Fundo de Investimento Imobiliário do Estado
de São Paulo, o FIISP, passou a ser adotado para a venda de imóveis a partir da
gestão de João Doria, em 2019. Na época, o governo firmou um contrato com a
corretora Singulare para administrar o fundo por cinco anos — mas este acordo
foi prorrogado, em 2024, por tempo indeterminado.
Conforme o regulamento do fundo, disponível
no site da corretora Singulare, a publicidade das transações deve ser feita na
página do administrador na internet, em local de destaque, além de ser mantida
disponível para os cotistas.
Entretanto, o Intercept constatou que alguns
links da página da Singulare não funcionam perfeitamente, como os de informes
mensais, demonstrações financeiras e atas de assembleias. No dia 23 de abril,
por exemplo, tentamos acessar o informe mensal sobre o FIISP, mas o link não
funcionou.
De acordo com os poucos dados disponíveis na
página do FIISP, o terreno da fazenda de Pindamonhangaba recebeu quatro
propostas de compra entre 13 e 27 de março de 2024 – os valores, entretanto,
não são públicos. Uma das propostas foi da Comevap, interessada em adquirir o
terreno para poder ampliar seu espaço de pesquisa e plantio, informou Aristeu
Trannin, diretor da cooperativa.
Consultada pelo Intercept sobre a venda, a
Singulare apenas afirmou que “o imóvel do fundo foi alienado de acordo com as
normas jurídicas e regulatórias vigentes e de acordo com o edital que constitui
o fundo proprietário”.
Apesar de solicitarmos mais de uma vez o
laudo de avaliação do imóvel e as propostas de compra recebidas, a corretora
não compartilhou os documentos com a reportagem. “Se eles seguiram as normas,
deveriam disponibilizar”, afirma a advogada Helena Goldman, assessora jurídica
da APqC.
“Fundo pode ser legal, mas é imoral. Não há
transparência. Leis são criadas para salvaguardar interesses escusos e garantir
a entrega de patrimônio público”, critica Helena Dutra Lutgens, presidente da
associação.
• Batalha
judicial adiou, mas não evitou a venda
A advogada Helena Goldman, da APqC, pontua
que, na negociação para a venda da área em Pindamonhangaba em 2024, não foi
necessário um edital de licitação pública, como na primeira tentativa de venda,
em 2017, porque o terreno foi integrado ao FIISP. “De forma simples, a maior
diferença entre os dois sistemas é a transparência e publicidade”, explica.
“Inicialmente, a gente nem sabia que o imóvel
havia sido integralizado pelo fundo. Soubemos apenas quando o Skaf foi conhecer
a área que adquiriu”, afirma Goldman. “Mas continua sendo uma área de pesquisa
e de interesse público. Faltou uma audiência adequada. Centros de pesquisa
estão protegidos primeiramente pelo artigo 272 da Constituição Estadual, que
determina que esses locais não podem ser alienados e transferidos sem audiência
com a comunidade científica e aprovação do Poder Legislativo”, aponta ela.
Goldman também considera que o laudo de
avaliação imobiliária deveria ter sido atualizado antes da venda. “O
regulamento diz que, para integralizar o imóvel no fundo, é necessária a
avaliação dos ativos imobiliários, indicando a metodologia utilizada, a localização,
a vocação de uso, o estado de conservação das benfeitorias, as informações
sobre eventual ocupação de terceiros ou pendências de regularização
imobiliária”.
A venda da fazenda em Pindamonhangaba foi
efetivada pelo fundo imobiliário após o Tribunal de Justiça de São Paulo,
TJ-SP, reverter o resultado da ação movida pela APqC na tentativa de evitar a
alienação da área. Após recurso, o TJ-SP não acatou os outros argumentos
apresentados pela associação. A decisão foi tomada mesmo o Ministério Público
sendo a favor da alegação da APqC.
A sentença definiu que “o estado não pode
obrigar os membros da comunidade científica a comparecerem à audiência”.
Goldman, da APqC, questiona o argumento e afirma que isso poderia ser feito
porque os membros eram os próprios servidores públicos vinculados à SAA.
• Mais
vendas de áreas de pesquisa e preservação à vista
O caso de desmembramento e venda de parte da
fazenda em Pindamonhangaba acende um alerta para o setor científico e de meio
ambiente.
Disposto a vender terrenos, fazendas e
prédios do estado de São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas encomendou
estudos de mapeamento de mais de 80 áreas usadas por institutos de pesquisa
estaduais e setores de extensão. Os imóveis em estudo ficam em São Roque,
Tietê, Campinas, Jundiaí, Piracicaba, Cananéia, Pindamonhangaba, entre outros
municípios.
A aferição está sendo feita pela Fundação
Instituto de Terras do Estado de São Paulo, Itesp. O primeiro estudo concluído
foi o de São Roque, na Unidade de Pesquisa e Desenvolvimento em Agricultura
Ecológica, que possui 82% de Mata Atlântica secundária preservada. Esses
estudos são os primeiros passos para o desmembramento e alienação dos imóveis,
assegura a APqC.
Vice-presidente da associação, Dora
Colariccio disse ter ficado impressionada com a extensão da lista e comentou
que muitas áreas foram doadas ao estado por serem reservas ecológicas que
precisam ser preservadas pelo governo. “Todas têm remanescentes de cerrado, de
mata nativa. Diante do pouco que resta no estado desses biomas, seria
importante preservá-las em vista das mudanças climáticas”, opina.
Uma lista de 25 imóveis rurais em avaliação
foi enviada pelo governo Tarcísio como resposta a um pedido feito pela deputada
Beth Sahão, do PT, que solicitou informações sobre áreas no interior do estado,
especialmente sobre o desmembramento da Fazenda Santa Elisa, o maior e mais
antigo centro de pesquisa de café no país, vinculada ao Instituto Agronômico de
Campinas, IAC.
Em visita ao interior de São Paulo, em
outubro de 2024, Tarcísio havia confirmado o fatiamento da histórica fazenda de
Campinas e afirmado que apenas áreas subutilizadas serão vendidas. “Não dá para
ficar se apegando à área, patrimônio. Isso é uma lógica meio patrimonialista”,
disse ao G1. “Vamos manter a área importante para a pesquisa e o resto, vamos
vender”, completou.
Entretanto, devido à pressão de pesquisadores
e representantes do agronegócio, o secretário estadual de Agricultura,
Guilherme Piai, suspendeu, no início de abril deste ano, a venda das parcelas
da Fazenda Santa Elisa, em Campinas, e do Centro Avançado de Pesquisa e
Desenvolvimento de Engenharia e Automação, em Jundiaí.
A unidade de Jundiaí está localizada em uma
área tombada e altamente valorizada. “Tem uma lei municipal que tombou e ainda
não está no nosso radar, mas pode ser que seja vendida, sim”, reiterou Piai,
que, antes de assumir a Agricultura, em outubro de 2023, foi diretor do Itesp.
A expectativa do governo Tarcísio é, até o
fim de 2025, vender propriedades em que já houve desmembramento das áreas
avaliadas como ociosas. Um projeto de lei deve ser encaminhado à Assembleia
Legislativa para destinar 20% da receita com a venda das áreas para as
pesquisas agrícolas e à valorização de carreiras do segmento. “Essa foi também
a promessa em 2016 com a alienação de outras áreas, porém, nunca se
concretizou”, aponta Helena Goldman, da APqC.
A alienação desses imóveis está autorizada
pela lei estadual 16.338, de 2016. Desde então, da lista inicial de sete
imóveis, tiveram a venda efetivada apenas Itapeva (em 2020, por licitação) e
Pindamonhangaba. “Foi uma luta, mas, com apoio de deputados da situação,
conseguimos retirar quatro áreas da alienação: metade de Piracicaba, Brotas,
Gália e Ribeirão Preto”, diz Joaquim Adelino, ex-presidente da APqC.
O processo de vendas pouco avançou nos anos
seguintes e só foi retomado após Tarcísio assumir o governo, em 2023. Salvas de
alienação em 2016, Piracicaba, Brotas, Gália e Ribeirão Preto voltaram a correr
risco e agora estão na lista de vendas do governador.
Mas há resistência. Após o governo Tarcísio
publicar no Diário Oficial de São Paulo uma convocação para audiência pública
com a comunidade científica para 14 de abril deste ano para tratar da alienação
de 35 imóveis — entre eles, parcelas da fazenda em Campinas e da unidade de
Pindamonhangaba, que teve parte vendida para o grupo de Skaf –, a Justiça
cancelou a reunião.
A decisão foi tomada durante análise de
pedido feito pela APqC. O TJ-SP ainda determinou que o governo Tarcísio
encaminhe 10 dias antes de uma eventual nova audiência com a comunidade
científica informações “essenciais” sobre a situação de cada área a ser
alienada, incluindo estudo econômico que justifique a proposta de venda e um
plano de ação sobre as pesquisas realizadas nestes locais.
Após a suspensão da audiência, a APqC teve
acesso ao programa de alienação de imóveis do governo Tarcísio. O plano é
vender 27 imóveis, a maioria de unidades
de pesquisa agrícola, totalizando mais de 1.300 hectares de áreas rurais em 23
municípios. Estão incluídas partes da Fazenda Santa Elisa, em Campinas, a área
total das unidades de São Roque, Tietê, Gália e Palmital, e todos os imóveis do
Instituto de Pesca em Peruíbe, Dois Córregos, Iguape, Cananéia e Registro.
Além da liquidação de campos experimentais de
pesquisa, o governo estadual facilitou a legalização da grilagem de terras
públicas em regiões como o Pontal de Paranapanema – historicamente, um local de
disputa pela reforma agrária. Fazendas em terras devolutas são vendidas sem
concorrência pública, com descontos que chegam a 90% para os atuais ocupantes
irregulares, latifundiários, que garantem assim o título definitivo de áreas
públicas.
Viabilizado em 2022 pelo governo Rodrigo
Garcia, do PSDB, o sistema – que contou com a coordenação de Guilherme Piai
enquanto esteve à frente do Itesp – foi implementado com força total por
Tarcísio, que já deixou claro que essa é a primeira leva de terras a serem
entregues ao agronegócio, com mais de uma centena de áreas na fila para
legalização.
Questionamos o governo Tarcísio sobre a venda
da fazenda em Pindamonhangaba e o uso do fundo imobiliário para fechar negócios
envolvendo áreas públicas. A assessoria de imprensa do governador informou que
o setor responsável pelo assunto é a Secretaria de Agricultura e Abastecimento,
a SAA.
Procurada pelo Intercept, a SAA não respondeu
as perguntas sobre a fazenda e o fundo antes da publicação da reportagem. Mas,
em nota enviada no dia 6 de maio, a Secretaria de Comunicação do governo
Tarcísio informou que a venda da propriedade em Pindamonhangaba começou em
2017, “após a realização de consulta pública e as devidas avaliações técnicas”,
e “atingiu todos os trâmites legais”.
Segundo a pasta, a inclusão da fazenda na
lista de imóveis a serem vendidos “foi acompanhada e validada pelo Tribunal de
Justiça”. A secretaria ainda destacou que “o espaço estava ocioso” e foi
repassado ao fundo de investimento imobiliário em 2019.
Sobre a venda, a Secretaria de Comunicação
pontuou que o valor de R$ 17,1 milhões pago pela SFA Agro “foi quase R$ 5
milhões maior que o estimado em laudo oficial de avaliação pelo fundo gestor”,
que seguiu normas adotadas pela ABNT e pelo Instituto Brasileiro de Avaliações
e Perícias de Engenharia, o Ibape. Por isso, conforme a pasta, não houve
subvalorização do imóvel. “A empresa vencedora fez a proposta mais vantajosa
economicamente entre os concorrentes, com oferta 34% acima do estimado”,
afirmou.
Em nota encaminhada ao Intercept antes de a
reportagem ser publicada, a SAA havia apenas dado detalhes a respeito do plano
de venda de áreas públicas de pesquisa. No texto, a Secretaria de Agricultura e
Abastecimento informou que vai realizar uma reunião com a comunidade científica
para debater a alienação de parte das áreas vinculadas à pasta, pois a
audiência “é obrigatória e prevista na Constituição do Estado de São Paulo”.
Segundo a SAA, “as áreas eventualmente
alienadas não comprometerão as atividades de pesquisa, garantindo a
continuidade integral da produção científica em São Paulo”. Por fim, a
secretaria pontuou que essas áreas “representam aproximadamente 6% das propriedades
da pasta” e garantiu que “parte do valor obrigatoriamente será revertido para
novos projetos de pesquisa”, apesar de não informar quanto.
Fonte: Por Sérgio Barbo, em The Intercept

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