terça-feira, 6 de maio de 2025

Luís Nassif: O dia em que a Folha rompeu a aliança com a ditadura

Nos últimos dias foram divulgados trabalhos relevantes sobre a participação da Folha na ditadura. Dois artigos importantes relataram as primeiras tentativas de Otávio Frias de se livrar do jugo militar e ocupar um espaço de mercado que ele antevira como promissor: a do leitor progressista.

Relato importante foi feito por Rubens Glasberg.

E também por Beatriz Kushnir

Participei – meio que a contragosto – do momento de corte, quando a Folha se livrou dos últimos resquícios da ditadura, e se transformou no jornal mais influente do país pelos anos seguintes, até perder o vigor.

Na época, montou um enorme passaralho, demitiu Antonio Aggio – o policial que comandava a Folha da Tarde – e deu início à era Otávio Frias Filho.

Por partes.

Fui para a Folha em meados de 1984. Sai da Veja em 1979, fui para o Jornal da Tarde. Lá, criei o Jornal do Carro e o Seu Dinheiro. Mesmo com resultados vitoriosos, não consegui emplacar mais projetos. Decidi, então, ir para a Folha.

Lá, lancei a seção Dinheiro Vivo e acelerei a campanha em favor dos mutuários, contra os reajustes do BNH, que acabou alcançando repercussão nacional. O jornal montou seus primeiros comerciais comigo, ensinando as contas do BNH. Depois, uma campanha para que aposentados conseguissem se ressarcir, na Justiça, de um golpe que tinha sido aplicado neles por Francisco Dornelles, Secretário da Receita Federal.

Em função disso, e de algumas reportagens de impacto – como uma sobre as disputas no Comind (Banco do Commércio e Indústria de São Paulo) acabei recebendo um convite incômodo – que me foi transmitido por Carlos Eduardo Lins da Silva, em nome de Otávio Filho.

O velho Otávio decidiu reassumir novamente o comando formal da Folha, colocando o filho como diretor responsável. Mas a condição do filho era a de que eu assumisse a Secretaria de Redação do jornal. Havia dois secretários, um de produção, outro de edição. O de edição era Caio Túlio Costa.

No princípio recusei. Já tinha embalado na Dinheiro Vivo e detestava o clima de redação. Além disso, assumira uma diretoria do Sindicato dos Jornalistas, em uma chapa que reuniu a esquerda independente com o PT. Também eram membros do sindicato Ricardo Kotscho e Joelmir Betting. Otavinho bateu pé, ficou de arrumar repórteres para me ajudar na Dinheiro Vivo, e não tive como recusar.

Quando fomos falar com Frias, ele mencionou a necessidade de eu pedir demissão do sindicato. Consultei os colegas de diretoria do Sindicato, entusiasmados com a possibilidade de ter alguém do grupo na diretoria, contrabalançando a influência que o Partidão tinha em O Globo. Mas dizendo que eu não deveria pedir demissão do sindicato. Como um bom soldado, não pedi.

A Folha ensaiava os primeiros voos contra a ditadura, mas ainda de forma acanhada. A cada 15 dias, o Secretário de Produção fechava o jornal de domingo. No meu primeiro fechamento, impulsivo, diria até imprudente, avancei muito além das chinelas.  Veja tinha soltado uma entrevista de Página Amarela com Golbery do Couto e Silva, assinado por Elio Gaspari.

Desde a eleição de Figueiredo, Gaspari tinha se tornado o principal cabo eleitoral da ditadura junto à imprensa. Na campanha de Figueiredo, vendeu a versão de que Figueiredo era um “intelectual”, grande especialista em matemática.

Depois, toda semana recorria a altas fontes do Planalto para passar recados através da Veja. E foi o editor da capa infame que explorou os encontros clandestinos de um deputado da oposição com a esposa de um senador da oposição. O encontro foi gravado pelo SNI, que era o dono oculto de um motel em Brasília e virou capa da Veja.

Agora, com o governo fazendo água, e crescendo a campanha de Tancredo Neves para a presidência, Golbery tentava lançar Paulo Maluf. Como as declarações em off não tinham mais impacto, Golbery saiu das sombras para uma entrevista em que aparecia de carne e osso.

Decidi por conta própria, no meu primeiro fechamento, rebater a entrevista da Veja. Para ilustrar a matéria encomendei uma charge em que aparecia alguém pequeno, mas projetando uma enorme sombra. Foi uma página de pancadaria na entrevista, em Golbery e no Gaspari

Na segunda-feira, os dois Otávios me chamaram para conversar. Foi uma conversa educada, no qual os dois – com toda razão – disseram que tinham que ser consultados em temas de tamanha gravidade. Fiz minha autocrítica, disse que tinha sido impulsivo e eles estavam cobertos de razão.

Mas, porém, contudo, todavia, o jornal recebera uma enchente de telegramas saudando a matéria. O público que Frias sempre perseguiu – o leitor mais progressista, para fazer contraponto ao público mais conservador do Estadão – saía da toca e saudava o jornal que nascia.

Na conversa, fiz ver aos Frias que a repercussão da matéria mostrava que a Folha já pertencia ao primeiro time da imprensa, nada devendo, em repercussão, ao Estadão e à Veja – até então o veículo de maior peso editorial da imprensa.

Pouco tempo depois, estourou o passaralho. Foi um dos grandes passaralhos da imprensa. Apenas Aloysio Biondi – editor de Economia -e eu ficamos contra o tamanho da dispensa. Nas reuniões com Frias, e do Conselho Editorial, alertava que de nada adiantaria substituir dezenas de jornalistas por outros, melhores, se destruísse a cultura interna do jornal.

A redação sabia de minha posição.

Mas no dia do passaralho, os jornalistas rumaram para a sede do sindicato. Na sala Vladimir Herzog, o homem do DOPS – Antonio Aggio, o representante do DOPS -, também demitido, fez um discurso pedindo minha cabeça, como diretor do Sindicato.

Esses movimentos de torcida organizada são terríveis. Mesmo amigos meus temeram sair em minha defesa. A única voz lembrando que eu tinha sido contra o passaralho foi de Cecília Pires, uma amiga querida que nunca mais revi.

Fiquei mais uma semana naquele tiroteio. Cheguei a perder uns cinco quilos. Já tinha passado outros momentos assim, como na greve da Abril, mas do lado dos grevistas. Do outro lado da linha, era terrível. Entrava na redação, amigos evitavam até me cumprimentar.

Mas jamais me esqueço de uma repórter, Jane Soares, cujo marido Dirceu Soares havia sido demitido. Numa das vezes, atravessou o corredor da redação e me deu um baita abraço de reconhecimento pela minha resistência. Em toda minha vida profissional, jamais recebi solidariedade igual.

Uma semana depois do episódio, fiz o que prometera para mim desde o início. Numa segunda feira fui a uma reunião do Sindicato, pedi demissão. Depois, fui para a Folha e também pedi demissão. E voltei para minha coluna Dinheiro Vivo.

Nos meses seguintes, Otavinho e os novos jornalistas que ele levou, promoveram a revolução da Folha, trazendo um novo modo de vida para o jornal.

•        O Datafolha e a eleição de Tancredo

Quando pedi demissão da Secretaria de Redação da Folha, fui convidado a me tornar uma espécie de diretor de conteúdo do recém criado Datafolha.

Até então, o jornal já fazia pesquisas eleitorais, tocados para Mara Kotscho. Mas Otávio Frias percebera o potencial de uma agência de pesquisas, ainda mais tendo a retaguarda da Folha.

Continuei com a seção Dinheiro Vivo, e despejando ideias para o novo Datafolha para o engenheiro Pedro Pincirolli, o diretor administrativo do jornal.

Indiquei o novo diretor da agência e preparei um memorando com cópia para o Frias com todas as ideias que me brotavam. O Datafolha poderia levantar preços de computadores, fazer pesquisas em supermercados, montar estatísticas sobre esportes e tudo o que a nova maravilha tecnológica – o microcomputador – permitiria fazer. O único investimento necessário seria a Folha adquirir dois microcomputadores Prológica, um para o Datafolha, outra para a seção Dinheiro Vivo.

Pedro me ligou assustado.

•        Nassif, antes de enviar qualquer coisa ao Frias, me consulte. Ele me ligou assustado com as exigências que você fez de compra de microcomputadores.

Era risível. A Folha poderia fazer permutas com algum fabricante, não precisando desembolsar nada. Mas, provavelmente, Frias pensava em computadores grandes. O único que a Folha tinha era um velho mastodonte, que foi presentado por Amador Aguiar quando o Bradesco renovou seu parque de computação.

Mas a pesquisa de maior impacto que fizemos foi quando a Câmara se preparava para votar no próximo presidente, em regime de eleição indireta.

Preparei um questionário para ser preenchido por repórteres políticos, não por pesquisadores comuns. Eles deveriam consultar deputado por deputado e, depois do voto dado, colocar sua avaliação sobre o político:

(. ) Confiável

(. ) Não confiável.

Com os votos, dividi a apuração em grupos.

1.       Resultado nominal.

2.       Tancredo: votos confiáveis em Tancredo, e não confiáveis em Maluf.

3.       Maluf: votos confiáveis em Maluf e não confiáveis em Tancredo.

No cenário menos desfavorável, Tancredo vencia.

Preparei a análise para a edição de domingo. Sabia que haveria alguma resistência, já que Frias tinha boa afinidade com Maluf.

Antes de sair a matéria, Otavinho me telefonou. Perguntou se eu tinha certeza do resultado. Disse-lhe que sim. Então queria que eu assinasse a matéria, para tirar a responsabilidade da Folha.

A matéria saiu como manchete principal do jornal, com ampla repercussão.

Na semana seguinte, o jornal repercutiu por vários dias o furo dado pela Folha.

•        Acionistas da Scania alemã pedem investigação sobre colaboração da empresa com ditadura brasileira

Em moção publicada no site da Traton SE (Grupo Traton), subsidiária da Volkswagen, acionistas da Scania alemã exigem uma investigação sobre a colaboração da empresa com a ditadura militar do Brasil.

A exigência será reforçada no próximo dia 14 de maio, quando acontecerá a reunião de acionistas do grupo.

Sem os devidos esclarecimentos, eles afirmam que não poderão aprovar as ações dos Conselho de Supervisão da Traton SE, relativos ao ano fiscal de 2024.

Os acionistas pertencem à Associação de Acionistas Éticos da Alemanha e alegam que o Conselho de Supervisão da Traton SE não cumpriu sua responsabilidade de reconhecer totalmente as violações de direitos humanos na história da empresa.

O pedido é semelhante ao realizado décadas atrás por acionistas da Volkswagen, que levou à investigação da colaboração da empresa com a ditadura militar brasileira.

Com a ação e as descobertas da Comissão Nacional da Verdade (CNV), o Ministério Público de São Paulo conseguiu processar a Volkswagen do Brasil por sua colaboração com a ditadura, o que resultou em um termo de ajustamento de conduta da empresa.

A Volkswagen pagou uma indenização aos perseguidos políticos e criou um fundo para reparações históricas.

<><> Confira a íntegra da moção:

O Conselho de Supervisão da Traton SE não cumpriu sua responsabilidade de reconhecer totalmente as violações de direitos humanos na história da empresa.

No ano passado, a Associação de Acionistas Éticos da Alemanha pediu à TRATON SE que finalmente assumisse sua responsabilidade histórica e investigasse a colaboração de sua atual subsidiária Scania Brasil com a ditadura militar brasileira.

Para esse fim, a Associação se referiu a várias evidências históricas, apresentadas em sua contribuição verbal durante a AGM HV 2024, durante a qual solicitou à TRATON SE que tomasse providências.

Em sua resposta, o Presidente do Conselho de Supervisão da TRATON SE, Hans Dieter Pötsch, concordou em realizar uma investigação histórica. A Associação de Acionistas Éticos da Alemanha espera que os resultados dessa investigação sejam apresentados na AGM 2025 deste ano.

Em 2020, após anos de persistentes apelos por parte da Associação de Acionistas Éticos da Alemanha, entre outros, a Volkswagen do Brasil concordou em pagar uma combinação de reparação individual e coletiva para as vítimas da colaboração entre a VW do Brasil e a ditadura militar brasileira.

A mesma ação deve ser tomada pela Scania.

As provas apresentadas pela Associação de Acionistas Éticos da Alemanha mostram como os funcionários foram espionados e confirmam a demissão ilegal de funcionários dissidentes, a preparação e a distribuição das chamadas listas “sujas”, com base nas quais os trabalhadores em questão foram demitidos e, como seus nomes apareciam nessas listas, não conseguiram encontrar emprego em outras empresas.

A acusação mais grave diz respeito ao papel histórico do diretor-presidente de longa data da Scania Brasil, João Baptista Leopoldo Figueiredo, que, de acordo com uma reportagem do jornal conservador O GLOBO, esteve pessoalmente envolvido na arrecadação de fundos para o centro de tortura OBAN (mais tarde conhecido pelo nome DOI-CODI) e que supostamente ajudou a organizar essas campanhas de arrecadação de fundos no Clube Paulistano.

Investigações realizadas por historiadores renomados indicam que 66 pessoas foram assassinadas na OBAN/DOI-CODI, 39 das quais morreram em decorrência das terríveis torturas.

A última notícia que se teve de outras 19 pessoas foi que estavam sendo presas e levadas para o DOI-CODI. Desde que foram sequestradas à força, elas continuam desaparecidas.

Há muito tempo a TRATON SE deveria assumir total responsabilidade histórica por esse assunto e não se permitir mais uma vez invocar erroneamente o argumento de um perpetrador individual, como no caso da Volkswagen do Brasil (essa postura também foi criticada pelo Prof. Christopher Kopper).

Em vez disso, é uma questão de reconhecer a participação sistêmica da Scania na repressão e sua colaboração explícita nos crimes contra a humanidade cometidos pela ditadura militar brasileira.

www.kritischeaktionaere.de

Colônia, 29 de abril de 2025.

 

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Fonte: Jornal GGN/Opera Mundi

 

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