terça-feira, 6 de maio de 2025

Golpe do INSS: Relatórios alertaram para descontos ilegais

Mais do que não serem recentes, os alertas sobre os descontos ilegais realizados por associações em benefícios de aposentados e pensionistas foram feitos pelos organismos de controle do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). No Relatório Anual de Gestão 2024 (elaborado pela Ouvidoria) e no Relatório de Apuração (consolidado pela Auditoria-Geral) haviam advertências de que um esquema suspeito estava acontecendo na autarquia do Ministério da Previdência.

Prova disso é que em 6 de setembro de 2024, a Auditoria-Geral do INSS recomendou a revalidação dos cadastros de desconto associativo dos beneficiários e a imediata exclusão dos descontos não autorizados pelos titulares dos benefícios. O órgão de controle também chamou a atenção para o fato de que, antes de firmar ou manter acordos de cooperação, o INSS deveria avaliar se estava arcando com algum custo operacional — e que, em caso positivo, deveria buscar o ressarcimento integral por parte da entidade conveniada, a fim de evitar prejuízo ao erário público.

As recomendações foram baseadas em dados coletados entre janeiro de 2023 e maio de 2024, que identificaram cobranças indevidas dos benefícios de aposentados e pensionistas. O relatório, porém, não estabeleceu prazos para a adoção das medidas. Assim, as recomendações foram ignoradas.

Isso representa que o assunto circulava entre o alto escalão do INSS havia pelo menos dois anos. Ainda assim, os descontos continuaram. No período analisado, o INSS mantinha cerca de 39 milhões de benefícios ativos — número que atualmente chega a 40,7 milhões. Destes, mais de 7 milhões tinham descontos associativos referentes a maio de 2024, vinculados a 33 entidades, totalizando R$ 3,07 bilhões em repasses.

Enquanto a prática se mantinha, os canais de atendimento do INSS registraram 1.163.455 milhão de pedidos de exclusão de mensalidades associativas no período analisado. Em janeiro de 2023, foram 19.624 solicitações. No mesmo mês, em 2024, o número saltou para 109.330 — um aumento de 457% em um ano.

A auditoria identificou que, entre as solicitações de adesão e as de retirada do nome do cadastro, registradas entre janeiro de 2023 e maio de 2024, 90,78% indicavam que o beneficiário não havia autorizado o desconto associativo.

Pelas regras da Previdência Social, esses descontos associativos exigem autorização prévia e expressa do titular, mediante apresentação de documentos. Para isso, as entidades conveniadas devem solicitar as descontos com base em termo de filiação, autorização e cópia do documento de identificação do titular. Elas, porém, não têm competência para solicitar o desbloqueio — uma prerrogativa exclusiva dos beneficiários.

•        Seis anos

Relatórios da Ouvidoria do INSS indicam que as reclamações sobre o tema são recorrentes há seis anos. Em 2024, o principal canal de contato com a Ouvidoria foi o Fala.BR, com 195 mil atendimentos. A carta física (812 registros) superou o WhatsApp (710) e o atendimento presencial (246), tornando-se o quarto canal mais utilizado — atrás apenas do e-mail (6.267) e da Central 135 (38.635).

De acordo com os relatórios da Ouvidoria, em 2019 houve 4.010 registros de denúncias sobre irregularidades. Em 2020, esse número subiu para 14.057 e, nos anos seguintes, manteve-se em média com 14 mil comunicações por ano. Os relatórios, no entanto, não especificam o tipo de irregularidade relatada.

Das 33 entidades citadas na auditoria do INSS e no relatório da PF, apenas 11 foram alvos da Operação Sem Desconto — devido à existência de provas mais robustas, como falsificação de assinaturas e ausência de prestação de serviços. A Polícia Federal (PF), contudo, segue investigando outras associações com indícios similares de fraude.

O governo, agora, enfrenta o desafio de identificar o número exato de pessoas lesadas, calcular o valor a ser ressarcido e definir a origem desses recursos. O ex-presidente do INSS, Alessandro Stefanutto — demitido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 23 de abril, data da Operação, e depois que a Justiça determinou seu afastamento do cargo por envolvimento direto no escândalo —, já havia sido alertado sobre irregularidades, em 2019, envolvendo uma entidade. À época, ele era procurador-geral da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS, mas não adotou medidas. Em 2021, já como presidente da autarquia, renovou o convênio com a mesma associação.

Em recente entrevista, Stefanutto disse que "o INSS tem um tempo diferente e ele não faz só isso", a respeito das irregularidades. Afirmou, ainda, que tomou as medidas necessárias para combater o esquema, como a implantação da biometria, em março de 2024.

Mas, antes, em 2023, o ex-ministro da Previdência, Carlos Lupi — demitido por Lula na sexta-feira —, tinha sido advertido sobre as fraudes, em uma reunião do Conselho Nacional da Previdência Social (CNPS) de 12 de junho de 2023. Quem chamou a atenção foi a conselheira Tonia Galleti, que fez constar na ata da reunião que havia solicitado a inclusão da discussão sobre os acordos de cooperação técnica (ACTs) das entidades que têm desconto de mensalidade junto ao INSS na reunião.

À época, Tonia solicitou que fossem apresentadas a quantidade de entidades que têm ACTs com o INSS, além da curva de crescimento dos associados nos 12 meses anteriores. Além disso, propôs uma regulamentação que trouxesse maior segurança aos trabalhadores, ao INSS e aos órgãos de controle.

A primeira medida concreta do INSS para tentar frear os golpes veio apenas depois que a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU) registraram não conformidades na liberação dos descontos. Uma auditoria do próprio instituto verificou que 98,3% dos mais de 35 mil descontos autorizados de uma só vez não tinham a anuência do aposentado.

De uma só vez, o INSS desbloqueou descontos não autorizados nas folhas de pagamento de quase 34,5 mil aposentados. O desbloqueio "em lote" — feito em favor da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura), em outubro de 2023 — foi feito depois de a entidade fazer várias solicitações e reclamar da demora no atendimento. Mas somente 213 aposentados desse lote tinham, realmente, assinado requerimentos autorizando a operação.

Apesar dos indícios de omissão, Lupi não apenas defendeu Stefanutto, como negou a negligência. "Muito pelo contrário, agimos para tentar conter as fraudes", disse, em audiência na Câmara dos Deputados, na terça-feira passada. Na sexta-feira, foi substituído por Wolney Queiroz, até então secretário-executivo do Ministério da Previdência.

Também na sexta-feira, a Advocacia-Geral da União (AGU) reuniu o Grupo Especial de combate às fraudes do INSS, com a presença do novo presidente dca autarquia, Gilberto Waller, e do presidente da Dataprev, Rodrigo Assumpção. Serão abertos processos administrativos e de responsabilização das entidades investigadas, além do ajuizamento de ações de improbidade administrativa a servidores apontados como envolvidos nas fraudes.

<><> Personagens citados nas investigações

1.       Alessandro Stefanutto — Ex-presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), e apontado pela CGU e pela PF como sabedor do esquema fraudulento de descontos indevidos.

2.       André Paulo Félix Fidélis — Então diretor de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão (Dirben) do INSS, assinou novos ACTs mesmo durante a onda de denúncias. Transações financeiras relevantes relacionadas a ele foram identificadas, com empresas intermediárias ligadas às entidades associativas repassando R$ 5.186.205,00 a pessoas físicas e jurídicas a ele relacionadas.

3.       Geovani Batista Spiecker — Coordenador-geral de Suporte ao Atendimento, participou do processo de desbloqueio em lote solicitado pela Contag.

4.       Virgílio Antônio Ribeiro de Oliveira Filho — Procurador-geral do INSS, é mencionado em relação a movimentações financeiras, com empresas intermediárias relacionadas às entidades associativas. Teria repassado R$ 3.757.616,59 a pessoas físicas e jurídicas a ele relacionadas.

5.       Antonio Carlos Camilo Antunes ("Careca do INSS") — Apontado como tendo procurações para atuar perante o INSS em nome de entidades e acesso a dados privilegiados, com suspeita de uso dessas informações para filiações indevidas. Empresas intermediárias relacionadas a ele movimentaram valores significativos. Ele próprio e entidades e pessoas que lhe eram próximas receberam R$ 48.133.789,76. diretamente de entidades associativas e R$ 5.452.899,34 de empresas intermediárias.

6.       Philipe Roters Coutinho — Agente de PF, está sendo investigado pelo possível uso de uma viatura oficial para transportar investigados.

7.       Silas Bezerra de Alencar — Sócio da Orleans Viagens e Turismo Ltda. ME, empresa que recebeu uma quantia significativa da Contag e possui veículos de alto padrão.

8.       Danilo Augusto Maia Leite da Silva — Advogado com inscrição na OAB/RN. Recebeu valores da Contag e de outras associações envolvidas em descontos indevidos. Teve a quebra da inviolabilidade do sigilo de seu escritório e instrumentos de trabalho decretada pela Justiça.

9.       Aristides Veras dos Santos — Presidente da Contag durante o período relevante da investigação (2019-2024). Assinou acordos de cooperação técnica com o INSS e o ofício 618/2023/SPS-Contag solicitando o desbloqueio em lote de benefícios (considerado irregular pela auditoria Interna do INSS).

10.     Alberto Ercílio Broch — Vice-presidente da Contag durante o período relevante da investigação. Assinou acordos de cooperação técnica com o INSS.

11.     Thaísa Daiane Silva — Secretária-geral da Contag. Assinou o ofício 618/2023/SPS-Contag solicitando o desbloqueio em lote de benefícios.

12.     Edjane Rodrigues Silva — Secretária de Políticas Sociais da Contag. Assinou o ofício 618/2023/SPS-Contag solicitando o desbloqueio em lote de benefícios.

13.     Wilton Batista Vieira — Sócio-titular da WJ Locacão e Venda de Estruturas para Eventos Eireli, empresa que recebeu dinheiro da Contag.

14.     Wagner Ferreira Moita — Sócio da Orleans Viagens e Turismo Ltda ME, empresa que recebeu recursos da Contag.

15.     Thiago Rocha Guimarães — Sócio-titular da Tuttano Culinaria Artesanal Ltda, empresa que recebeu uma quantia da Contag.

16.     Cecília Rodrigues Mota — Investigada por ter feito 33 viagens em menos de um ano, inclusive para destinos internacionais — como Dubai, Paris e Lisboa.

•        Investigado em fraude no INSS doou R$ 60 mil a ex-ministro de Bolsonaro

Onyx Lorenzoni, ex-ministro da Previdência e do Trabalho de Jair Bolsonaro, recebeu R$ 60 mil na campanha ao governo do Rio Grande do Sul, em 2022, de um dos investigados no caso de fraudes em descontos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O ex-presidente da Amar Brasil Clube de Benefícios (ABCB), Felipe Macedo Gomes, fez o repasse em 30 de setembro de 2022 à campanha de Lorenzoni.

Segundo o site Metrópoles, "o acordo de cooperação técnica da ABCB com o INSS, que permitiu descontos de 2,5% sobre aposentadorias, foi iniciado em março de 2022, quando Lorenzoni chefiava a Previdência e Gomes comandava a associação, e assinado em agosto daquele ano". Naquele período, Onyx já estava em campanha eleitoral.

De acordo com a reportagem do Metrópoles, a  ABCB foi fundada em novembro de 2020, conforme relatórios da Polícia Federal (PF), e começou a receber recursos do Ministério da Previdência dois anos depois, após assinar o acordo de cooperação técnica.

O doador da campanha de Onyx Felipe Macedo Gomes, ex-presidente da ABCB, tem dois jet skis e um Porsche registrados em seu nome, de acordo com a PF.

A Controladoria Geral da União (CGU) visitou o local informado como sede da ABCB em julho de 2024 e descobriu que lá funcionava outra empresa, a Exponencial Distribuidora de Materiais Elétricos LTDA, e não a associação que deveria beneficiar os aposentados que tiveram descontos.

Tanto Onyx quando Felipe Gomes foram procurados pelo site Metrópoles e ambos não se manifestaram.

<><> Por falta de providências Lupi deixou a Previdência

Acossado pelas denúncias de que cerca de quatro dezenas de sindicatos, em conluio com altos funcionários do INSS, forjaram pequenos descontos mensais nas contas de mais de 2 milhões de aposentados, somando desvios de R$ 6,3 bilhões, segundo investigação conjunta da Advocacia Geral da União e da Polícia Federal, não restou ao ministro da Previdência, Carlos Lupi - depois que o presidente Lula demitiu o presidente do INSS e escolheu o novo - senão pedir demissão. Embora os desvios viessem ocorrendo desde 2019 (quatro anos do governo de Jair Bolsonaro), Lupi foi alertado, em junho de 2023, por conselheira do Conselho Nacional da Previdência Social (CNPS), mas só tomou providências em abril de 2024. Era tarde. O desgaste causado pelos desvios do esquemão de fraudes já era grande e erodiu a imagem do governo Lula após o vazamento do esquema pelo site “Metrópoles”, no começo de abril passado.

A fraude ainda vai desgastar muito o governo Lula a um ano do início da campanha eleitoral de 2026 (abril-maio é o prazo limite para as desincompatibilizações de cargos públicos). É que uma das promessas de Lula em seu terceiro governo foi diminuir a fila dos requerimentos de aposentadorias do INSS. A Previdência tem uma folha de 23,6 milhões de aposentadorias, mas a fila de benefícios pendentes, que estava em 1,5 milhão quando Lula assumiu, aumentou para 2,4 milhões.

É que a burocracia do INSS é sempre ágil para distribuir folhas atualizadas dos novos aposentados para as instituições financeiras e instituições de pagamento assediarem os novos jubilados com ofertas de crédito consignado. Relato minha experiência. Antes mesmo do aviso do INSS de que minha aposentadoria tinha sido aprovada, em agosto de 2019, recebi e-mails e zapps com ofertas de consignado. Teve dias que cheguei a bloquear mais de 30 mensagens. Em compensação, enquanto necessitados trabalhadores e trabalhadoras penam nos guichês do INSS (ou junto a advogados que ficam com duas a três mensalidades para driblar a burocracia), nas entranhas do instituto a fila dos segurados que foram tungados com pequenos descontos mensais chegava a cerca de 10% do universo de aposentados. Rastrear as tungas, os sindicatos beneficiados, os responsáveis pelos desvios e devolver as pequenas quantias mensais que acumularam R$ 6,3 bilhões será o novo desafio do governo Lula. As cobranças serão impiedosas.

 

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