Golpe do INSS: Relatórios alertaram para
descontos ilegais
Mais do que não serem recentes, os alertas
sobre os descontos ilegais realizados por associações em benefícios de
aposentados e pensionistas foram feitos pelos organismos de controle do
Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). No Relatório Anual de Gestão 2024
(elaborado pela Ouvidoria) e no Relatório de Apuração (consolidado pela
Auditoria-Geral) haviam advertências de que um esquema suspeito estava
acontecendo na autarquia do Ministério da Previdência.
Prova disso é que em 6 de setembro de 2024, a
Auditoria-Geral do INSS recomendou a revalidação dos cadastros de desconto
associativo dos beneficiários e a imediata exclusão dos descontos não
autorizados pelos titulares dos benefícios. O órgão de controle também chamou a
atenção para o fato de que, antes de firmar ou manter acordos de cooperação, o
INSS deveria avaliar se estava arcando com algum custo operacional — e que, em
caso positivo, deveria buscar o ressarcimento integral por parte da entidade conveniada,
a fim de evitar prejuízo ao erário público.
As recomendações foram baseadas em dados
coletados entre janeiro de 2023 e maio de 2024, que identificaram cobranças
indevidas dos benefícios de aposentados e pensionistas. O relatório, porém, não
estabeleceu prazos para a adoção das medidas. Assim, as recomendações foram
ignoradas.
Isso representa que o assunto circulava entre
o alto escalão do INSS havia pelo menos dois anos. Ainda assim, os descontos
continuaram. No período analisado, o INSS mantinha cerca de 39 milhões de
benefícios ativos — número que atualmente chega a 40,7 milhões. Destes, mais de
7 milhões tinham descontos associativos referentes a maio de 2024, vinculados a
33 entidades, totalizando R$ 3,07 bilhões em repasses.
Enquanto a prática se mantinha, os canais de
atendimento do INSS registraram 1.163.455 milhão de pedidos de exclusão de
mensalidades associativas no período analisado. Em janeiro de 2023, foram
19.624 solicitações. No mesmo mês, em 2024, o número saltou para 109.330 — um
aumento de 457% em um ano.
A auditoria identificou que, entre as
solicitações de adesão e as de retirada do nome do cadastro, registradas entre
janeiro de 2023 e maio de 2024, 90,78% indicavam que o beneficiário não havia
autorizado o desconto associativo.
Pelas regras da Previdência Social, esses
descontos associativos exigem autorização prévia e expressa do titular,
mediante apresentação de documentos. Para isso, as entidades conveniadas devem
solicitar as descontos com base em termo de filiação, autorização e cópia do
documento de identificação do titular. Elas, porém, não têm competência para
solicitar o desbloqueio — uma prerrogativa exclusiva dos beneficiários.
• Seis
anos
Relatórios da Ouvidoria do INSS indicam que
as reclamações sobre o tema são recorrentes há seis anos. Em 2024, o principal
canal de contato com a Ouvidoria foi o Fala.BR, com 195 mil atendimentos. A
carta física (812 registros) superou o WhatsApp (710) e o atendimento
presencial (246), tornando-se o quarto canal mais utilizado — atrás apenas do
e-mail (6.267) e da Central 135 (38.635).
De acordo com os relatórios da Ouvidoria, em
2019 houve 4.010 registros de denúncias sobre irregularidades. Em 2020, esse
número subiu para 14.057 e, nos anos seguintes, manteve-se em média com 14 mil
comunicações por ano. Os relatórios, no entanto, não especificam o tipo de
irregularidade relatada.
Das 33 entidades citadas na auditoria do INSS
e no relatório da PF, apenas 11 foram alvos da Operação Sem Desconto — devido à
existência de provas mais robustas, como falsificação de assinaturas e ausência
de prestação de serviços. A Polícia Federal (PF), contudo, segue investigando
outras associações com indícios similares de fraude.
O governo, agora, enfrenta o desafio de
identificar o número exato de pessoas lesadas, calcular o valor a ser
ressarcido e definir a origem desses recursos. O ex-presidente do INSS,
Alessandro Stefanutto — demitido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em
23 de abril, data da Operação, e depois que a Justiça determinou seu
afastamento do cargo por envolvimento direto no escândalo —, já havia sido
alertado sobre irregularidades, em 2019, envolvendo uma entidade. À época, ele
era procurador-geral da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS, mas
não adotou medidas. Em 2021, já como presidente da autarquia, renovou o
convênio com a mesma associação.
Em recente entrevista, Stefanutto disse que
"o INSS tem um tempo diferente e ele não faz só isso", a respeito das
irregularidades. Afirmou, ainda, que tomou as medidas necessárias para combater
o esquema, como a implantação da biometria, em março de 2024.
Mas, antes, em 2023, o ex-ministro da
Previdência, Carlos Lupi — demitido por Lula na sexta-feira —, tinha sido
advertido sobre as fraudes, em uma reunião do Conselho Nacional da Previdência
Social (CNPS) de 12 de junho de 2023. Quem chamou a atenção foi a conselheira
Tonia Galleti, que fez constar na ata da reunião que havia solicitado a
inclusão da discussão sobre os acordos de cooperação técnica (ACTs) das
entidades que têm desconto de mensalidade junto ao INSS na reunião.
À época, Tonia solicitou que fossem
apresentadas a quantidade de entidades que têm ACTs com o INSS, além da curva
de crescimento dos associados nos 12 meses anteriores. Além disso, propôs uma
regulamentação que trouxesse maior segurança aos trabalhadores, ao INSS e aos
órgãos de controle.
A primeira medida concreta do INSS para
tentar frear os golpes veio apenas depois que a Controladoria-Geral da União
(CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU) registraram não conformidades na
liberação dos descontos. Uma auditoria do próprio instituto verificou que 98,3%
dos mais de 35 mil descontos autorizados de uma só vez não tinham a anuência do
aposentado.
De uma só vez, o INSS desbloqueou descontos
não autorizados nas folhas de pagamento de quase 34,5 mil aposentados. O
desbloqueio "em lote" — feito em favor da Contag (Confederação
Nacional dos Trabalhadores da Agricultura), em outubro de 2023 — foi feito
depois de a entidade fazer várias solicitações e reclamar da demora no
atendimento. Mas somente 213 aposentados desse lote tinham, realmente, assinado
requerimentos autorizando a operação.
Apesar dos indícios de omissão, Lupi não
apenas defendeu Stefanutto, como negou a negligência. "Muito pelo
contrário, agimos para tentar conter as fraudes", disse, em audiência na
Câmara dos Deputados, na terça-feira passada. Na sexta-feira, foi substituído
por Wolney Queiroz, até então secretário-executivo do Ministério da
Previdência.
Também na sexta-feira, a Advocacia-Geral da
União (AGU) reuniu o Grupo Especial de combate às fraudes do INSS, com a
presença do novo presidente dca autarquia, Gilberto Waller, e do presidente da
Dataprev, Rodrigo Assumpção. Serão abertos processos administrativos e de
responsabilização das entidades investigadas, além do ajuizamento de ações de
improbidade administrativa a servidores apontados como envolvidos nas fraudes.
<><> Personagens citados nas
investigações
1. Alessandro
Stefanutto — Ex-presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), e
apontado pela CGU e pela PF como sabedor do esquema fraudulento de descontos
indevidos.
2. André
Paulo Félix Fidélis — Então diretor de Benefícios e Relacionamento com o
Cidadão (Dirben) do INSS, assinou novos ACTs mesmo durante a onda de denúncias.
Transações financeiras relevantes relacionadas a ele foram identificadas, com
empresas intermediárias ligadas às entidades associativas repassando R$
5.186.205,00 a pessoas físicas e jurídicas a ele relacionadas.
3. Geovani
Batista Spiecker — Coordenador-geral de Suporte ao Atendimento, participou do
processo de desbloqueio em lote solicitado pela Contag.
4. Virgílio
Antônio Ribeiro de Oliveira Filho — Procurador-geral do INSS, é mencionado em
relação a movimentações financeiras, com empresas intermediárias relacionadas
às entidades associativas. Teria repassado R$ 3.757.616,59 a pessoas físicas e
jurídicas a ele relacionadas.
5. Antonio
Carlos Camilo Antunes ("Careca do INSS") — Apontado como tendo
procurações para atuar perante o INSS em nome de entidades e acesso a dados
privilegiados, com suspeita de uso dessas informações para filiações indevidas.
Empresas intermediárias relacionadas a ele movimentaram valores significativos.
Ele próprio e entidades e pessoas que lhe eram próximas receberam R$
48.133.789,76. diretamente de entidades associativas e R$ 5.452.899,34 de
empresas intermediárias.
6. Philipe
Roters Coutinho — Agente de PF, está sendo investigado pelo possível uso de uma
viatura oficial para transportar investigados.
7. Silas
Bezerra de Alencar — Sócio da Orleans Viagens e Turismo Ltda. ME, empresa que
recebeu uma quantia significativa da Contag e possui veículos de alto padrão.
8. Danilo
Augusto Maia Leite da Silva — Advogado com inscrição na OAB/RN. Recebeu valores
da Contag e de outras associações envolvidas em descontos indevidos. Teve a
quebra da inviolabilidade do sigilo de seu escritório e instrumentos de
trabalho decretada pela Justiça.
9. Aristides
Veras dos Santos — Presidente da Contag durante o período relevante da
investigação (2019-2024). Assinou acordos de cooperação técnica com o INSS e o
ofício 618/2023/SPS-Contag solicitando o desbloqueio em lote de benefícios
(considerado irregular pela auditoria Interna do INSS).
10. Alberto
Ercílio Broch — Vice-presidente da Contag durante o período relevante da
investigação. Assinou acordos de cooperação técnica com o INSS.
11. Thaísa
Daiane Silva — Secretária-geral da Contag. Assinou o ofício 618/2023/SPS-Contag
solicitando o desbloqueio em lote de benefícios.
12. Edjane
Rodrigues Silva — Secretária de Políticas Sociais da Contag. Assinou o ofício
618/2023/SPS-Contag solicitando o desbloqueio em lote de benefícios.
13. Wilton
Batista Vieira — Sócio-titular da WJ Locacão e Venda de Estruturas para Eventos
Eireli, empresa que recebeu dinheiro da Contag.
14. Wagner
Ferreira Moita — Sócio da Orleans Viagens e Turismo Ltda ME, empresa que
recebeu recursos da Contag.
15. Thiago
Rocha Guimarães — Sócio-titular da Tuttano Culinaria Artesanal Ltda, empresa
que recebeu uma quantia da Contag.
16. Cecília
Rodrigues Mota — Investigada por ter feito 33 viagens em menos de um ano,
inclusive para destinos internacionais — como Dubai, Paris e Lisboa.
• Investigado
em fraude no INSS doou R$ 60 mil a ex-ministro de Bolsonaro
Onyx Lorenzoni, ex-ministro da Previdência e
do Trabalho de Jair Bolsonaro, recebeu R$ 60 mil na campanha ao governo do Rio
Grande do Sul, em 2022, de um dos investigados no caso de fraudes em descontos
do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). O ex-presidente da Amar Brasil
Clube de Benefícios (ABCB), Felipe Macedo Gomes, fez o repasse em 30 de
setembro de 2022 à campanha de Lorenzoni.
Segundo o site Metrópoles, "o acordo de
cooperação técnica da ABCB com o INSS, que permitiu descontos de 2,5% sobre
aposentadorias, foi iniciado em março de 2022, quando Lorenzoni chefiava a
Previdência e Gomes comandava a associação, e assinado em agosto daquele
ano". Naquele período, Onyx já estava em campanha eleitoral.
De acordo com a reportagem do Metrópoles,
a ABCB foi fundada em novembro de 2020,
conforme relatórios da Polícia Federal (PF), e começou a receber recursos do
Ministério da Previdência dois anos depois, após assinar o acordo de cooperação
técnica.
O doador da campanha de Onyx Felipe Macedo
Gomes, ex-presidente da ABCB, tem dois jet skis e um Porsche registrados em seu
nome, de acordo com a PF.
A Controladoria Geral da União (CGU) visitou
o local informado como sede da ABCB em julho de 2024 e descobriu que lá
funcionava outra empresa, a Exponencial Distribuidora de Materiais Elétricos
LTDA, e não a associação que deveria beneficiar os aposentados que tiveram
descontos.
Tanto Onyx quando Felipe Gomes foram
procurados pelo site Metrópoles e ambos não se manifestaram.
<><> Por falta de providências
Lupi deixou a Previdência
Acossado pelas denúncias de que cerca de
quatro dezenas de sindicatos, em conluio com altos funcionários do INSS,
forjaram pequenos descontos mensais nas contas de mais de 2 milhões de
aposentados, somando desvios de R$ 6,3 bilhões, segundo investigação conjunta
da Advocacia Geral da União e da Polícia Federal, não restou ao ministro da
Previdência, Carlos Lupi - depois que o presidente Lula demitiu o presidente do
INSS e escolheu o novo - senão pedir demissão. Embora os desvios viessem
ocorrendo desde 2019 (quatro anos do governo de Jair Bolsonaro), Lupi foi
alertado, em junho de 2023, por conselheira do Conselho Nacional da Previdência
Social (CNPS), mas só tomou providências em abril de 2024. Era tarde. O
desgaste causado pelos desvios do esquemão de fraudes já era grande e erodiu a
imagem do governo Lula após o vazamento do esquema pelo site “Metrópoles”, no
começo de abril passado.
A fraude ainda vai desgastar muito o governo
Lula a um ano do início da campanha eleitoral de 2026 (abril-maio é o prazo
limite para as desincompatibilizações de cargos públicos). É que uma das
promessas de Lula em seu terceiro governo foi diminuir a fila dos requerimentos
de aposentadorias do INSS. A Previdência tem uma folha de 23,6 milhões de
aposentadorias, mas a fila de benefícios pendentes, que estava em 1,5 milhão
quando Lula assumiu, aumentou para 2,4 milhões.
É que a burocracia do INSS é sempre ágil para
distribuir folhas atualizadas dos novos aposentados para as instituições
financeiras e instituições de pagamento assediarem os novos jubilados com
ofertas de crédito consignado. Relato minha experiência. Antes mesmo do aviso
do INSS de que minha aposentadoria tinha sido aprovada, em agosto de 2019,
recebi e-mails e zapps com ofertas de consignado. Teve dias que cheguei a
bloquear mais de 30 mensagens. Em compensação, enquanto necessitados
trabalhadores e trabalhadoras penam nos guichês do INSS (ou junto a advogados
que ficam com duas a três mensalidades para driblar a burocracia), nas
entranhas do instituto a fila dos segurados que foram tungados com pequenos
descontos mensais chegava a cerca de 10% do universo de aposentados. Rastrear
as tungas, os sindicatos beneficiados, os responsáveis pelos desvios e devolver
as pequenas quantias mensais que acumularam R$ 6,3 bilhões será o novo desafio
do governo Lula. As cobranças serão impiedosas.
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Fonte: Correio Braziliense/Fórum/JB

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