A estreita relação do novo papa Leão 14 com a
América do Sul
O novo papa Leão 14 passou grande parte da
sua vida na América do Sul, mais especificamente no Peru.
A presidente peruana, Dina Boluarte, saudou
como "momento histórico para o Peru e para o mundo" a eleição do novo
papa.
Embora o papa Leão 14 tenha nascido nos
Estados Unidos, ele obteve a cidadania peruana após trabalhar no país por
muitos anos.
A presidente Boluarte afirmou que o novo papa
é um "cidadão peruano por opção e de coração. Ele escolheu ser um de nós,
viver entre nós e levar em seu coração a fé e a cultura desta nação".
O novo pontífice é o agostiniano Robert
Prevost. Desde 1985, ele desenvolve trabalhos pastorais em diferentes regiões
do Peru, especialmente no norte do país.
Em 2014, depois de muitos anos de idas e
vindas entre sua cidade-natal nos EUA, Chicago, e as terras peruanas, o papa
Francisco (1936-2025) o nomeou bispo da diocese de Chiclayo, no departamento de
Lambayeque (norte do Peru).
Na quinta-feira da sua eleição (8/5), sua
primeira mensagem deixou clara a importância que ele dedica à sua experiência
peruana.
"Uma saudação a todos aqueles,
particularmente à minha querida Diocese de Chiclayo, no Peru, onde um povo fiel
acompanhou seu bispo, compartilhou sua fé e deu tanto para seguir sendo a
Igreja fiel de Jesus Cristo", declarou o papa em espanhol, dirigindo-se à
multidão reunida na Praça de São Pedro, no Vaticano.
<><> De Chicago até Trujillo
O novo papa nasceu no dia 14 de setembro de
1955 em Chicago, no Estado americano de Illinois. Ele é filho de Louis Marius
Prevost, de ascendência francesa e italiana, e da espanhola Mildred Martínez.
Formado em matemática pela Universidade de
Villanova, na Pensilvânia (Estados Unidos), Prevost fez seus votos em agosto de
1981 e foi ordenado sacerdote no ano seguinte.
Depois de completar sua formação em Teologia,
em Chicago, e em Direito Canônico, em Roma, segundo o jornal peruano El
Comercio, Leão 14 chegou a Trujillo, no departamento peruano de La Libertad, em
1986.
Seu objetivo era dirigir o projeto de
formação comum para aspirantes agostinianos dos vicariatos de Chulucanas,
Iquitos e Apurímac.
Este foi seu primeiro contato com o país que
marcaria sua vida. Em Trujillo, ele ocupou vários cargos eclesiásticos, até
regressar a Chicago para assumir um cargo de prior provincial.
Mas, em 2014, o papa Francisco o nomeou bispo
de Chiclayo. Ele, então, declarou que, em sinal de compromisso com o país,
solicitaria a nacionalidade peruana.
Em 2015, já como cidadão peruano, Prevost foi
consagrado bispo de Chiclayo.
<><> 'Percebíamos que ele amava o
país'
O reverendo Fidel Purisaca Vigil, diretor de
comunicação da diocese na época do novo papa, declarou à agência de notícias AP
que, como bispo, ele sempre tomava o café da manhã e rezava ao lado dos outros
sacerdotes.
"Não importava quantos fossem os
problemas, ele sempre mantinha o bom humor e a alegria", contou Purisaca à
AP, por e-mail.
Como bispo de Chiclayo, Leão 14 também
conheceu Huancayo, no centro do Peru.
"Ele foi bastante próximo de nós",
contou o arcebispo da cidade, Luis Alberto Huamán, à rede peruana RPP. Ele
também destacou a "transparência" do novo papa.
"Pelo seu modo de ser como bispo,
percebíamos que ele amava o país", acrescentou o monsenhor Huamán.
Durante sua estada em Chiclayo, Prevost
priorizou a proximidade com os fiéis e procurou trazer a instituição para perto
deles.
Em 2018, ele foi eleito vice-presidente da
Conferência Episcopal peruana. E, em 2023, o papa Francisco o chamou para Roma,
para assumir o cargo de prefeito do Dicastério para os Bispos e presidente da
Comissão Pontifícia para a América Latina.
Esta nomeação pôs fim à sua presença no Peru,
mas não aos seus laços com um país que, como deixou claro na sua primeira
mensagem como papa, ele segue levando no coração até hoje.
• Leão
14: o que pode estar por trás do nome do novo papa
O que significa o nome do papa? Você já parou
para pensar por que Karol Wojtyla era o papa João Paulo 2º; Jorge Bergoglio, o
papa Francisco; e, agora, Robert Prevost, papa Leão 14?
O nome do papa carrega um simbolismo enorme
dentro da Igreja.
Assim que um cardeal vence a eleição no
conclave no Vaticano, a sua primeira grande tarefa é escolher o seu nome papal.
Pouco depois, um cardeal aparece no balcão da
Basílica de São Pedro e anuncia ao mundo o nome do novo papa, como aconteceu
nesta quinta-feira (8/5).
A escolha do nome cabe inteiramente ao
próprio eleito — e já dá sinais do que ele pretende fazer durante o seu período
de comando da Igreja Católica.
Ou seja, o próprio nome do papa já é um
recado ao mundo.
<><> Papa Leão
Mas o novo papa ainda não especificou os
motivos por trás de sua escolha.
Leão 13, nome escolhido pelo cardeal italiano
Gioacchino Pecci, é considerado o fundador da doutrina social católica nos
tempos modernos.
A encíclica Rerum Novarum, aprovada durante o
papado dele e considerada marco inicial da doutrina social da Igreja, defendeu
princípios morais como a dignidade, a inviolabilidade da pessoa humana e
condições para uma guerra justa.
O documento também aborda a questão operária
e os direitos dos trabalhadores.
Duas marcas de Leão 13 eram sua maneira
gentil de se expressar e o desejo de reconciliar a Igreja Católica com a
cultura secular do final do século 19 - um momento de grandes transformações
sociais e econômicas por causa da Revolução Industrial.
O nome Leão também foi adotado por vários
outros papas ao longo dos séculos.
O primeiro foi o papa Leão 1º, também
conhecido como São Leão Magno, que ocupou o pontificado entre 440 e 461 d.C.
Ele foi o 45º papa da história e tornou-se
conhecido por seu compromisso com a paz.
Segundo a lenda, a aparição miraculosa dos
santos Pedro e Paulo durante o encontro entre o Papa Leão 1º e Átila, o rei dos
Hunos, em 452 d.C., fez com que este desistisse de invadir a Itália.
A cena foi então retratada por Rafael em um
afresco.
Entre os últimos papas que escolheram um nome
para seguir o legado de um antecessor, Bento 16 chegou a explicar: ele queria
conectar seu papado com o de Bento 15 — um papa que trabalhou para evitar a
Primeira Guerra Mundial e depois tentou ajudar os atingidos pelo conflito.
Sua mensagem ao mundo ao escolher esse nome
era a de uma Igreja que trabalharia pela harmonia dos povos.
<><> Quais são os nomes mais
comuns?
A história da Igreja mostra que um nome é
disparado o mais usado: João.
Esse nome é associado a duas figuras muito
importantes da Igreja Católica: João, o Apóstolo, a quem se atribui a autoria
de dois livros da Bíblia, e João Batista, o profeta e pregador que batizou
Jesus Cristo, segundo a tradição católica.
Mas, apesar de ser o nome mais escolhido,
João passou mais de cinco séculos "esquecido" pelos papas. Isso até
1958, quando ele foi adotado pelo cardeal Angelo Roncalli, que se tornou o papa
João 23.
No papado dele, a Igreja Católica passou por
várias reformas modernizadoras, como o fim da obrigatoriedade do latim nas
missas e um maior reconhecimento e diálogo com outras religiões.
Vaticanistas dizem que esses nomes papais
trazem recados ideológicos importantes. Se o novo papa escolhesse o nome João,
poderia estar associada a uma continuidade do papado progressista de João 23.
Já a escolha do nome Pio poderia ser
interpretada como um retorno ao conservadorismo, por causa do legado de Pio 12,
que liderou o Vaticano durante a Segunda Guerra Mundial.
Até hoje existe controvérsia sobre a relação
dele com o fascismo e o nazismo nos anos da guerra.
A palavra Pio em si significa
"devoto" ou também "piedoso" ou "caridoso". O
primeiro papa com esse nome surgiu no segundo século da Igreja.
E diversos papas de nome Pio atravessaram
períodos importantes de agitação política. Pio 6º condenou a Revolução Francesa
no século 18 e fez oposição a Napoleão.
Pio 11 firmou com Mussolini o tratado que
estabeleceu o Vaticano como um país independente e fez oposição à ascensão ao
nazismo.
<><> Papa Mercúrio?
É bom lembrar que o conceito de nome papal
não existe desde o começo da Igreja Católica.
Nos primeiros anos da Igreja, o nome do papa
era o seu nome de batismo.
Mas acredita-se que isso mudou em 533 com a
escolha de um homem chamado Mercúrio como Papa.
Preocupado com o fato de seu nome ser o mesmo
de um deus considerado pagão pelos católicos, ele trocou seu nome para João 2º.
Começou aí a tradição de se adotar um nome
papal simbólico — que geralmente homenageia um papa anterior, um santo ou até
mesmo as duas coisas.
Por mais de mil anos, os eleitos no conclave
sempre escolheram nomes que já tinham sido usados antes.
Mas nos últimos 50 anos, dois novos nomes
foram introduzidos. Em 1978, o cardeal italiano Albino Luciani tornou-se o
primeiro papa a adotar dois nomes: João Paulo.
A ideia dele era homenagear seus dois
antecessores imediatos: João 23 e Paulo 6º.
Mas João Paulo foi papa por apenas um mês. O
sucessor dele, Karol Wojtila, resolveu manter seu legado e escolheu o nome de
João Paulo 2º.
E em 2013, o cardeal Jorge Bergoglio optou
pelo nome Francisco – uma decisão que ele disse que foi inspirada por um colega
brasileiro, o cardeal Dom Claudio Hummes.
Após Bergoglio ter sido escolhido como papa,
o brasileiro lhe pediu que não se esquecesse dos pobres.
Com a escolha do nome Francisco, o argentino
disse que seu desejo era sinalizar que a Igreja se voltaria para os pobres e
desassistidos, assim como fazia São Francisco de Assis.
• Quem
são os agostinianos, ordem à qual pertence o novo papa
O novo papa escolhido nesta quinta-feira
(8/5), papa Leão 14, é o primeiro papa agostiniano a comandar a Igreja
Católica.
Como fica claro pelo nome, a ordem segue a
linha de pensamento de Santo Agostinho. Seus membros são denominados frades
agostinianos ou agostinhos.
No século XI, essa ordem religiosa foi a
primeira da Igreja Católica Romana a combinar a posição clerical com uma vida
comunitária plena. A ênfase moderna tem sido na missão, na educação e no
trabalho hospitalar.
A vida em comunidade é central para os
agostinianos, assim como a partilha e a fraternidade. Essa linha de pensamento
também valoriza o estudo e pensamento crítico, que, assim como Santo Agostinho,
acredita que fé e razão caminham juntas.
Assim, é comum que os agostinianos atuem em
universidades e escolas, além de causas sociais.
Trilhando esse caminho, Robert Prevost, o
novo papa, tinha 30 anos quando se mudou para o Peru como parte de uma missão
agostiniana, que engloba a evangelização, a promoção humana, a educação e o
seguimento de Jesus Cristo, vivenciando o carisma agostiniano.
A Ordem de Santo Agostinho é uma das ordens
medicantes da Igreja Católica, organizações que existem até hoje. Entre as mais
famosas estão também os franciscanos e os dominicanos.
As ordens medicantes surgiram na Idade Média
em contraponto às ordens monásticas. Partiam da ideia de que não fazia mais
sentido o religioso enclausurado, em um mosteiro distante no alto de uma
montanha. Nesse sentido, a Igreja não deveria se esconder dos problemas do
mundo, mas sim ir de encontro a eles.
<><> Quem foi Santo Agostinho?
Filho de mãe católica — depois tornada Santa
Mônica — e de pai pagão, Patrício, que só se converteria ao cristianismo no
leito de morte, Aurélio Agostinho de Hipona (354-430) nasceu em Tagaste, onde
hoje fica a cidade de Souk Ahras, na Argélia.
Sua vida foi cheia de prazeres mundanos até
se converter ao cristianismo e se tornar um grande filósofo e teólogo.
Na infância, foi educado em latim e, aos 11
anos, acabou levado a uma escola a cerca de 30 quilômetros de sua cidade Natal,
onde aprendeu literatura e costumes próprios da civilização romana. Ali teve
acesso a obras clássicas da filosofia, tendo contato com autores como Marco
Tulio Cícero (106 a.C. - 43 a.C), depois creditado pelo próprio Agostinho como
o responsável por despertar nele o interesse pela temática.
Aos 17 anos, Agostinho foi embora para
Cartago, onde hoje fica a Tunísia, para estudar retórica. Criado dentro dos
princípios cristãos, por conta da educação materna, foi ali que ele acabou
assumindo posturas contraditórias à fé.
Abraçou o maniqueísmo como doutrina e, na
companhia de outros jovens, passou a viver no espírito hedonista. Seu grupo se
vangloriava de colecionar experiências sexuais, enumerando aventuras tanto com
mulheres quanto com homens.
Agostinho envolveu-se com uma jovem local,
mas, ao contrário do que era esperado pela sociedade, decidiu não se casar com
ela. Viveram como amantes e tiveram um filho, Adeodato — sobre o qual pouco se
sabe além do fato de que ele teria morrido ainda jovem.
Sua adesão à fé só ocorreu por volta dos 30
anos. Conforme seu próprio relato, ele ficou impressionado quanto tomou contato
com a história da vida de Santo Antão do Deserto (251-356), um ermitão que
acabaria conhecido como "pai de todos os monges". E, nesse transe,
teria ouvido uma voz infantil dizendo "toma, lê". Agostinho
interpretou como uma ordem: ele deveria pegar a Bíblia e ler o primeiro trecho
que encontrasse.
Caiu justamente num trecho da carta de São
Paulo aos Romanos, no qual o apóstolo falava sobre como as sagradas escrituras
teriam o poder de transformar o comportamento dos seres humanos.
"Comportemo-nos com decência, como quem
age à luz do dia, não em orgias e bebedeiras, não em imoralidades sexuais e
depravações, não em desavenças e inveja. Ao contrário, revistam-se do Senhor
Jesus Cristo e não fiquem premeditando como satisfazer os desejos da
carne", conclama a passagem.
Ele entendeu o recado como algo para si. Na
Páscoa de 387, foi batizado pelo bispo de Mediolano, Aurélio Ambrósio
(340-397). No ano seguinte, na companhia da mãe e do filho, decidiu voltar para
a África.
Mônica, contudo, morreu antes ainda de
embarcar. Adeodato morreria pouco tempo depois do retorno. Desgostoso diante
das desgraças familiares, Agostinho decidiu vender todo o patrimônio e doar o
dinheiro aos pobres.
Manteve apenas sua casa, convertida em um
mosteiro.
Em 391, foi ordenado sacerdote, em Hipona, na
mesma província da Numídia. Então, o convertido Agostinho permitiu-se utilizar
de toda a sua erudição a favor do cristianismo. Logo se tornaria um grande
pregador e um grande estudioso teórico das bases da religião.
Poucos anos depois, ainda no fim do século 4,
acabaria nomeado bispo de Hipona. Até o fim da vida, ele se dedicou às
pregações, aos estudos e aos escritos, sempre mantendo um estilo frugal e
ascético. De acordo com relatos de um bispo que foi seu contemporâneo,
Possídio, ele havia se tornado um comem que comia pouco, trabalhava muito, não
gostava de conversas sobre a vida dos outros e era um hábil administrador
financeiro das obras de sua comunidade.
Agostinho foi um dos pioneiros a defender que
o ser humano era a junção perfeita de duas substâncias, o corpo e a alma, um
entendimento que acabou influenciando muito da filosofia que seria construída a
partir de então.
Também ergueu bases para a eclesiologia,
propondo que a Igreja era uma única entidade legítima, mas que ela precisava
ser entendida sob duas realidades. A parte visível seria formada pela
instituição hierarquizada e pelos sacramentos; mas a parte invisível seria
constituída pelas almas dos praticantes.
Aos 75 anos, adoeceu. Morreu em 28 de agosto
de 430. Em um tempo em que a Igreja não havia definido os critérios objetivos
para a canonização de alguém, acabou se tornando santo por aclamação popular.
Em 1298, o papa Bonifácio 8 (1235-1303) deu a
ele o título póstumo de Doutor da Igreja.
<><> Lutero, também agostiniano
Um dos mais importantes representantes dos
agostinianos foi Martinho Lutero (1483-1546).
Como sacerdote, Lutero parecia incomodado com
o monopólio da fé que a Igreja Católica detinha, sobretudo porque notou haver
uma mercantilização das indulgências, o perdão pleno dos pecados que, naquele
momento histórico, vinha sendo negociado por religiosos em troca de pagamentos
em dinheiro.
O monge agostiniano germânico acabou, meio
que sem querer, promovendo o que ficou conhecido como Reforma Protestante, um
movimento que abriu as portas da religião, quebrando o monopólio da Igreja
Católica e permitindo que passassem a existir, no mundo ocidental, diversas
outras igrejas cristãs.
Na época, Lutero já era um religioso
renomado, com respeitável carreira acadêmica.
Em 31 de outubro de 1517, o agostiniano
afixou 95 teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg. Basicamente, ele
questionava esse comércio de graças e o poder absoluto da Igreja na fé popular
— e afirmava que a Bíblia era o texto primordial que deveria ser considerado,
acima de qualquer autoridade papal.
A partir daí, o religioso passou a ser alvo
de um longo processo até que, em 1520, o Vaticano determinou sua excomunhão.
Sua expulsão da Igreja acabou suscitando
outras denominações cristãs, abrindo as portas da religião, quebrando o
monopólio da Igreja Católica e permitindo que passassem a existir, no mundo
ocidental, diversas outras igrejas cristãs.
Fonte: BBC News Brasil

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