sábado, 31 de maio de 2025

A disfunção das instituições brasileiras

Num regime republicano que adota a tripartição de Poderes, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, cada poder tem sua função típica, que exerce contínua e ininterruptamente, e as funções atípicas, as quais exercem de modo esporádico e excepcional. Quando passa a ocorrer de os Poderes passarem a exercer suas competências atípicas de modo contínuo e ininterrupto, quase do mesmo modo pelo qual exercem suas funções típicas, é sintoma de que as instituições democráticas estão disfuncionais, desarrumadas e desorganizadas.

No caso do Poder Executivo, a função típica é executar, administrar. Como exemplo da função atípica de legislar, no caso do Poder Executivo, temos a edição das Medidas Provisórias, e de julgar, temos a possibilidade de o Presidente da República conceder indulto ou graça, de modo a desconstituir a coisa julgada. Já o Poder Legislativo exerce a função administrativa/executiva quando realiza a contratação de servidores ou faz uma licitação, da mesma forma como o Judiciário também pode realizar essas mesmas atividades caracterizando o exercício atípico da função administrativa. O Poder Legislativo também pode excepcionalmente julgar, como quando o Senado Federal julga o Presidente da República no processo de impeachment, assim como o Judiciário pode, excepcionalmente, legislar, como quando um Tribunal institui seu Regimento Interno.

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O problema é que, a partir do golpe que destituiu a Presidente Dilma em 2016, o país ingressou num terremoto e num curto-circuito institucional no qual os Poderes deixaram de exercer suas funções típicas precípuas e passaram a exercer as atípicas de modo permanente, ininterrupto, inconstitucional e ilegal. O Poder Judiciário não exerceu seu mister primordial de ser o guardião da Constituição ao se omitir e não invalidar o processo de impeachment inconstitucional de Dilma, já que não havia ocorrido o cometimento de crime de responsabilidade exigido pela Lei Maior.

Esse fato abastardou o funcionamento das instituições democráticas e, junto com a desmoralização e deslegitimação do sistema político e partidário democrático promovido pela Lava Jato com apoio da mídia hegemônica e golpista, pavimentou o caminho para a ascensão do fascismo exterminador da democracia em 2018. Aí o Legislativo passou a controlar a execução do orçamento devido a que o Presidente entre 2019 e 2022, para não sofrer impeachment, entregou o controle da peça orçamentária ao Centrão no inconstitucional “orçamento secreto”. Já o Judiciário passou a legislar, praticando ativismo judicial, e a interferir indevidamente no processo eleitoral decretando a prisão ilegal e arbitrária do Lula e, por meio da ação do TRF4, exterminando o Estado Democrático de Direito ao proferir um acórdão que autorizava o juiz de piso de Curitiba a exercer a magistratura fora dos parâmetros constitucionais e legais do ordenamento jurídico nacional. Só o desembargador Favreto foi contra essa insanidade.

Na verdade, houve uma ruptura da institucionalidade democrática no impeachment de Dilma e, a partir daí, o país entrou num redemoinho de desestruturação do funcionamento das instituições que ainda demorará para retornar ao normal, isso se nesse meio tempo não houver novos retrocessos.

Vejam o exemplo do IOF. Pelo artigo 153, parágrafo 1º da Constituição, o Poder Executivo tem a permissão constitucional para alterar por Decreto as alíquotas de alguns impostos da competência tributária constitucional da União, os impostos sobre importação, exportação, sobre produtos industrializados e sobre operações financeiras (de crédito, seguros, câmbio), esse último é o IOF. isso porque esses impostos não estão sujeitos nem ao princípio da anterioridade tributária, que consta da Constituição Federal (CF), artigo 150, III, b, nem ao princípio da anterioridade nonagesimal (artigo 150, III, c da CF).

Pelo primeiro princípio, caso queira aumentar tributo, gênero do qual o imposto é uma espécie, o Executivo/Presidente da República tem que enviar para o Congresso Nacional uma Medida Provisória ou um Projeto de Lei os quais têm que ser aprovados e publicados pelo Legislativo Federal até o final do exercício para que o Executivo possa cobrar e arrecadar o imposto aumentado no exercício seguinte. Não é o caso do IOF, em que o Presidente da República pode modificar a alíquota por Decreto sem precisar da anuência do Congresso Nacional, e sem ter que obedecer ao princípio da anterioridade tributária (artigo 150, III, b da CF), conforme preceitua o artigo 150, parágrafo 1º da Carta Política.

Além disso, no caso da majoração da alíquota de incidência do IOF por Decreto, também não há a necessidade de satisfazer o princípio da anterioridade nonagesimal (CF, artigo 150, III, c), pelo qual as pessoas políticas (União, Estados, DF e Municípios) não podem cobrar tributos antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. Portanto, na edição do Decreto de aumento do IOF, não houve desrespeito à CF.

Vários parlamentares, deputados e senadores, propuseram Decretos Legislativos para sustar o Decreto do Presidente contendo a majoração da alíquota do IOF. Esses Decretos Legislativos, sendo aprovados pelo Congresso, são inconstitucionais. Isto porque, pelo artigo 49, V, o Congresso Nacional pode editar Decreto Legislativo para sustar Decreto do Presidente da República que exorbite do poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa. No caso, trata-se do Congresso Nacional desempenhando a função atípica do Legislativo, e função típica do Judiciário, de exercer o controle da legalidade dos atos normativos editados pelo Poder Executivo.

Na situação em tela, o Presidente não está nem exorbitando do poder regulamentar nem dos limites da delegação legislativa. O poder regulamentar está no artigo 84, IV da Constituição Federal que determina que é competência privativa do Presidente da República sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução. O poder regulamentar propriamente dito está contido no final, na parte de “expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução”. Em termos mais simples, o Presidente da República não pode inovar o ordenamento jurídico estabelecendo um direito ou dever que não existia antes editando um Decreto, só a lei, que exige aprovação do Congresso, é que pode. Ora, o Presidente Lula não fez isso ao editar o Decreto de aumento da alíquota do IOF, ele fez algo que a Constituição Federal (CF), no artigo 153, parágrafo 1º permite, qual seja:

“§ 1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I.”  

O IOF é o imposto previsto no artigo 153, V da CF, o qual não precisa obedecer nem ao princípio da anterioridade tributária (CF artigo 150, III, b) nem ao princípio da anterioridade nonagesimal (CF artigo 150, III, c). Portanto, é perfeitamente idôneo o ato do Presidente Lula. Quanto a exorbitar os limites da delegação legislativa, trata-se de algo também inexistente, tendo em vista que não há nenhuma lei delegada em vigor. Aliás, desde os anos 60 a lei delegada quase não é utilizada, já que no Brasil sua instituição foi uma forma de tentar recuperar algum poder para o Presidente na época em que foi instituído o parlamentarismo espúrio para retirar os poderes do Presidente João Goulart após o golpe de agosto de 1961. Além disso, depois da instituição da Medida Provisória pela Constituição de 88, a lei delegada caiu em total desuso.  

Ou seja, o Congresso está exercendo equivocadamente a função atípica de controle da legalidade, que é típica do Judiciário, em mais uma demonstração das trágicas consequências da disfunção institucional em que o Brasil se encontra e demorará a sair. A crise das instituições transformou-se na instituição das crises, como dizia o finado historiador baiano Luiz Alberto Moniz Bandeira.

<><> Senador que discutiu com Marina assinou jabutis que elevam conta de luz e poluição

O senador Marcos Rogério (PL-RO), que em audiência na última terça-feira (27) falou para a ministra Marina Silva (Meio Ambiente) se colocar em seu lugar, assinou uma proposta com uma série de itens que tornam a matriz elétrica brasileira mais poluente e podem sair do papel a depender de análise do Congresso prevista para o mês que vem. O custo é de R$ 545 bilhões na conta de luz dos brasileiros.

O parlamentar foi o responsável no Senado pelo parecer da MP (medida provisória) enviada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) ao Congresso, em 2021, que permitia a privatização da Eletrobras. O texto original dava aval à venda e estabelecia, entre outros pontos, qual seria o modelo de transferência para a iniciativa privada.

No documento de sua autoria, o senador aceitou logo no primeiro artigo uma proposta nascida na Câmara dos Deputados que previa a contratação pelo país de uma série de termelétricas — algo sem relação com o tema da proposta original — o que, na política brasileira, é chamado de jabuti, em referência a um ditado, usado por diferentes políticos ao longo da história, segundo o qual jabuti não sobe em árvore sozinho e, se está ali, teve a ajuda de alguém.

Em grande parte, a compra de energia seria sob o regime inflexível – isto é, de geração obrigatória e constante, inclusive quando não houver necessidade.

Na justificativa de sua versão da MP, o senador afirmou que as medidas pró-térmicas diversificariam a matriz elétrica brasileira diante do que chamou de um parque gerador “excessivamente dependente de hidrelétricas”. Além disso, afirmou — ao contrário do calculado de forma reiterada por especialistas e consultorias do setor — que haveria “economia para os consumidores”.

“A contratação de termelétricas a gás natural e pequenas centrais hidrelétricas, somada à prorrogação dos contratos do Proinfa [subsídio a fontes alternativas], resultará na diminuição da tarifa de energia elétrica”, afirmou o senador no texto.

Ele também disse que a medida poderia levar o gás natural ao interior do país e reduzir desigualdades. “O fluxo do gás natural Brasil adentro, tendo Minas Gerais como o grande hub de gasodutos, permitirá que regiões atualmente de baixo dinamismo econômico possam desfrutar de maior progresso e bem-estar”, escreveu.

O senador foi procurado na quarta-feira (28) por ligação e mensagem de WhatsApp pela reportagem, que também enviou email para o gabinete. A assessoria de imprensa do parlamentar também foi contatada por mensagem e ligação telefônica. Mas não houve retorno até a publicação deste texto.

<><> Jabutis aprovados

A proposta foi aprovada pelo Congresso e depois sancionada por Bolsonaro sem veto a esse trecho. Foram 8.000 MW (megawatts) de expansão compulsória de termelétricas a gás inseridos na lei.

As térmicas são vistas por especialistas como necessárias para o país, mas não no regime inflexível. A adoção de tamanha contratação e sob esse modelo faz as projeções oficiais para o setor elétrico nos próximos anos irem na contramão do esforço contra o aquecimento global. A previsão é que a matriz de geração no país, hoje uma das mais limpas do mundo, fique menos renovável.

Com as contratações previstas, o cenário principal projetado pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética) — estatal vinculada ao Ministério de Minas e Energia — é que o volume de emissões resultantes da geração de eletricidade cresça 84% até 2034, para 26,9 milhões de toneladas de CO2eq (dióxido de carbono equivalente). O chamado grau de renovabilidade da matriz elétrica cairia de 94% para 89%.

Por enquanto, os leilões dessas termelétricas não têm ocorrido. Do total previsto, apenas 754 MW já foram contratados e 7.246 MW aguardam um próximo certame. Isso porque falta interesse da iniciativa privada nos leilões devido à existência de um preço-teto para a contratação.

Agora, para viabilizar as contratações, o Congresso inseriu um jabuti semelhante no projeto de lei das eólicas offshore — aprovado no fim do ano passado. Na prática, a nova iniciativa aumentaria o preço-teto das usinas e viabilizaria a construção de dutos de gás natural até as cidades das termelétricas, com seus custos arcados pelo consumidor de energia.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou o dispositivo no começo deste ano após consenso entre quatro ministérios, entre eles o do Ministério do Meio Ambiente. A pasta comandada por Marina Silva afirmou em posicionamento oficial na época que o projeto “prorroga a contratação de termelétricas a gás natural e carvão até 2050, contradiz os esforços climáticos do país, como o Acordo de Paris, e representa um retrocesso ambiental, econômico e político”.

Agora, o Congresso planeja derrubar a decisão de Lula e destravar o mecanismo. O governo foi avisado de que há votos suficientes para ressuscitar os jabutis e a análise está prevista para o dia 17 de junho.

Diante do temor de que o Congresso retome as medidas por completo, o governo quer negociar com parlamentares a aprovação de uma série desses itens para evitar a derrota no ponto de maior impacto do texto — as termelétricas.

A estratégia é oferecer apoio a outros trechos, como medidas que beneficiam carvão e PCHs (pequenas centrais hidrelétricas) e prorrogam o Proinfra (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica) — que concede benefícios tributários a fontes como eólicas e biomassa.

De acordo com a consultoria PSR, em números atualizados em janeiro de 2025, ao todo os novos jabutis da proposta elevam custo para o consumidor em R$ 20 bilhões de reais por ano até 2050, o equivalente a R$ 545 bilhões até o horizonte em valores corrigidos. O estudo afirma que isso representaria um aumento de 9% no custo de energia, com reflexos diretos na inflação, no poder de compra da população e na competitividade industrial no país.

 

Fonte: Por Carlos Frederico Alverga, no Jonal GGN/ICL Notícias

 

 

João Amazonas: uma vida de luta em prol do Brasil

Há 23 anos, em 27 de maio de 2002, falecia João Amazonas, um dos maiores líderes do movimento comunista brasileiro.

Ativo na militância desde a juventude, ele ajudou a organizar o movimento operário no Pará e integrou a célebre bancada comunista eleita para a Assembleia Nacional Constituinte de 1946, onde se destacou pela defesa dos direitos dos trabalhadores.

Sua vida foi permeada por prisões políticas, exílios e perseguições. Ele foi fundador e líder histórico do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e um dos organizadores da Guerrilha do Araguaia, movimento armado que combateu a ditadura militar.

Após seu retorno do exílio, Amazonas integrou a campanha das Diretas Já e fortaleceu o movimento pela redemocratização. Ele foi também um importante teórico, dedicando-se a analisar o capitalismo e a propor caminhos para o socialismo no Brasil.

<><> Da juventude à militância no PCB

João Amazonas nasceu em Belém, capital do Pará, em 1º de janeiro de 1912. Era um dos oito filhos da marajoara Raymunda Leal e do comerciante português João de Souza Pedroso. A morte precoce do pai, vitimado pela tuberculose, obrigou João Amazonas a trabalhar desde cedo. Ele conciliava o trabalho na Fábrica Palmeira com os estudos na Escola Prática de Comércio.

Amazonas iniciou sua militância política no contexto da Revolução de 1930 — o movimento armado que encerrou o pacto oligárquico da Primeira República e deu origem à Era Vargas. Ele mobilizou os funcionários da Fábrica Palmeira e denunciou a empresa junto ao Ministério Trabalho, acusando-a de não cumprir a carga horária de oito horas, então recentemente estabelecida.

Alguns anos depois, em 1935, Amazonas se filiou ao Partido Comunista do Brasil (antigo PCB) e logo se tornou integrante do comitê estadual da agremiação. Nesse mesmo ano, ele fundou uma célula comunista na empresa em que trabalhava e organizou o sindicato da sua categoria — ato que lhe custou sua primeira prisão política.

Amazonas também assumiu o cargo de dirigente regional da Aliança Nacional Libertadora (ANL), uma frente antifascista vinculada ao PCB, que fazia oposição ao integralismo e ao governo Vargas, composta majoritariamente por militantes comunistas e tenentistas.

Em novembro de 1935, militares ligados à ANL deram início ao Levante Comunista. A revolta mobilizou unidades em Natal, Recife e Rio de Janeiro, mas foi rapidamente debelada pelas forças governamentais. O movimento ensejou a violenta repressão do governo Vargas, levando à prisão de milhares de comunistas.

<><> As prisões políticas e a reorganização do PCB

João Amazonas foi preso em janeiro de 1936. Ele ficaria encarcerado no Presídio São José por mais de um ano, até ser absolvido em junho de 1937. Após sua libertação, Amazonas voltou a atuar no movimento operário. Ele foi membro ativo da União dos Proletários de Belém e ajudou a fundar diversos sindicatos ao longo dos anos 30.

Em 1940, Amazonas foi novamente preso, em meio a uma nova onda de repressão aos comunistas coordenada por Filinto Müller, chefe da polícia política de Getúlio Vargas. Condenado pelo Tribunal de Segurança Nacional, Amazonas foi submetido a uma rotina de torturas e maus tratos, mas logrou obter a transferência para outra unidade prisional após decretar uma greve de fome.

Em 1941, Amazonas fugiu da prisão acompanhado de outros quatro membros do PCB. Refugiou-se em Goiás e depois seguiu viagem até o Rio de Janeiro, onde se juntou à Comissão Nacional de Organização Provisória (CNOP). A comissão fora criada com o objetivo de reorganizar o partido, totalmente desarticulado pela repressão do Estado Novo.

Amazonas participou dos esforços de reconstrução do PCB em Minas Gerais e na Bahia. Em 1943, ele tomou parte da Conferência da Mantiqueira, principal marco da reestruturação do partido.

Na ocasião, Amazonas foi eleito integrante do Comitê Central e da Comissão Executiva e assumiu a Secretaria Sindical e de Massas. Luiz Carlos Prestes, ainda preso pela ditadura de Vargas, foi nomeado Secretário-Geral.

A reorganização do PCB possibilitou que o partido colhesse os frutos da vitória da frente nacional contra o fascismo e do movimento pela redemocratização.

Legalizado em 1945, o partido capitalizou o prestígio internacional do comunismo, impulsionado pelo papel da União Soviética na vitória aliada, atraindo intelectuais, trabalhadores urbanos e setores da classe média — e ganhando capilaridade e influência nos sindicatos e movimentos populares.

<><> A bancada comunista

Convertido em um partido de massas, o PCB obteve um bom desempenho eleitoral nas eleições de 1945, elegendo um senador e 14 deputados. João Amazonas integrou a bancada histórica dos comunistas na Assembleia Nacional Constituinte, elegendo-se deputado federal pelo Rio de Janeiro.

Amazonas dedicou seu mandato às questões trabalhistas, defendendo o direito de greve, a liberdade sindical, a proibição do trabalho infantil e a instituição da Justiça do Trabalho. Também subscreveu os “Quinze Pontos do Programa Mínimo de União Nacional”, elaborado pelo PCB, encampando bandeiras como a extensão do direito ao voto aos analfabetos e militares de baixa patente.

Na condição de dirigente nacional do Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), Amazonas participou do Congresso Sindical e ajudou a fundar a Confederação dos Trabalhadores do Brasil (CTB). O alinhamento do governo brasileiro ao bloco anticomunista da Guerra Fria, entretanto, levaria o partido novamente à ilegalidade.

Já em 1947, o PCB teve seu registro eleitoral cancelado. João Amazonas reagiu escrevendo os textos “Em defesa dos mandatos do povo” e “Contra a cassação dos mandatos e pela defesa nacional” — este último em colaboração com Carlos Marighella e Maurício Grabois.

No ano seguinte, Amazonas teve seu mandato cassado, assim como os demais parlamentares do partido. Ele seguiu atuando clandestinamente, tornando-se um dos principais dirigentes do PCB, ao lado de Luiz Carlos Prestes e Diógenes Arruda.

<><> A cisão e a fundação do PCdoB

Entre 1953 e 1955, Amazonas viveu na União Soviética, onde participou de cursos de formação política. Ele também tomou parte dos debates insuflados pelo XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, durante o qual Nikita Kruschev apresentou seus relatórios com denúncias contra Josef Stalin.

Os debates levaram o PCB a uma crise interna, com a divisão dos correligionários em dois grupos bem definidos — o de Luiz Carlos Prestes, que aceitou a nova orientação soviética, e o de João Amazonas, Maurício Grabois e Pedro Pomar, que rejeitaram a postura de Kruschev como revisionista.

Acusado de ser “stalinista”, Amazonas foi submetido a severas críticas publicadas pelos órgãos de imprensa do PCB, além de ter sido afastado de seu posto na comissão executiva da legenda.

Após o lançamento da Declaração de Março, em que o PCB modificou sua linha partidária para acomodar os princípios de transição pacífica para o socialismo e de manutenção dos processos democráticos, ocorreu a cisão definitiva entre as duas tendências.

Sob a liderança de Amazonas, o grupo dissidente divulgou a Carta dos Cem, acusando a direção do PCB de violar os estatutos partidários.

Em 1962, Amazonas e os dissidentes do PCB (já renomeado como Partido Comunista Brasileiro) convocaram um novo congresso extraordinário, oficializando a cisão e fundando o Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

A nova legenda reafirmava sua adesão aos fundamentos do marxismo-leninismo, defendia o legado de Josef Stalin e reivindicava o modelo do socialismo chinês.

O PcdoB também tinha por princípio a defesa do internacionalismo proletário, a oposição ao imperialismo e a aceitação da estratégia da guerra revolucionária como meio legítimo para a tomada do poder.

Amazonas foi eleito secretário-geral do PCdoB e atuou para consolidar a nova agremiação, lançando o seu órgão de imprensa oficial (“A Classe Operária”) e obtendo o reconhecimento internacional, recebendo o status de “legenda irmã” do Partido Comunista da China (PCCh) e do Partido do Trabalho da Albânia.

<><> O golpe de 1964 e a Guerrilha do Araguaia

Após a deposição de João Goulart no golpe de 1964 e a subsequente instauração da ditadura militar, o PCdoB se tornou um dos alvos dos aparelhos repressivos do regime.

Amazonas buscou articular a resistência à ditadura com a criação de dois eixos de ação, consistindo na criação de frentes antifascistas nas cidades e de núcleos de luta armada no campo. Em maio de 1966, após retornar das comemorações do Dia do Trabalhador em Cuba, o dirigente teve seus direitos políticos cassados por dez anos.

A partir do mês seguinte, Amazonas passou a enviar secretamente militantes do partido para a região do “Bico do Papagaio”, na divisa entre os estados do Pará, Maranhão e Tocantins, onde foi estabelecido um núcleo de treinamento e guerrilha. Era o início do movimento revolucionário da Guerrilha do Araguaia, que atuaria na região ao longo de sete anos.

Em 1967, Amazonas viajou para a China, para observar a implementação da Revolução Cultural. Após voltar para o Brasil, transferiu-se para a região do Araguaia, onde se dedicou à preparação da guerrilha e ajudou no trabalho de formação política junto às comunidades camponesas e ribeirinhas da região.

A partir de 1972, o general Emílio Garrastazu Médici iniciou o cerco à Guerrilha do Araguaia. A prisão dos membros da comissão dirigente da guerrilha em 1973 facilitou o isolamento dos guerrilheiros, enfraquecendo o movimento. O exército coordenou uma série de expedições de enfrentamento contra a organização, levando ao extermínio da maioria dos guerrilheiros e à completa desarticulação do movimento em 1975.

Amazonas estava em São Paulo durante a repressão à guerrilha, mas também foi alvo das operações militares. Em dezembro de 1976, os agentes da repressão tentaram matá-lo durante o Massacre da Lapa — uma violenta incursão contra um aparelho do PcdoB na capital paulista.

O ataque resultou no assassinato de Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e João Batista Franco Drummond e na prisão de vários dirigentes. Os militares acreditavam que Amazonas estaria presente na reunião, mas ele havia deixado o país alguns dias antes.

<><> Retorno do exílio e redemocratização

Perseguido pelos militares, Amazonas se exilou na Albânia. Em 1976, empreendeu sua última viagem à China. O PCdoB romperia oficialmente com o PCCh pouco tempo depois, criticando a mudança da linha política oficializada no país após a morte de Mao Zedong.

Amazonas retornou ao Brasil após a promulgação da Lei da Anistia, em agosto de 1979. Com a extinção do sistema bipartidário, recusou a possibilidade de reunificação do PCdoB com o PCB, acusando a legenda antecessora de revisionismo e de possuir uma “tendência abertamente de direita”.

Ao mesmo tempo, Amazonas teve de lidar com uma séria crise em seu partido, resultante de disputas internas que levaram à destituição das direções regionais de São Paulo e da Bahia e ao afastamento de vários membros do comitê central.

Apesar do ambiente de distensão, Amazonas seguiu como alvo da perseguição do regime. Em 1982, ele foi processado pela Lei de Segurança Nacional, sob a acusação de incitar a luta armada no livro “Guerrilha do Araguaia: Uma Epopeia pela Liberdade”.

Na eleição de 1982, os candidatos do PCdoB concorreram pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), uma vez que a legenda ainda não havia sido legalizada. O PCdoB retornou à legalidade em 1985, participando sob legenda própria no pleito do ano seguinte, em que elegeu seis deputados federais.

Amazonas participou da campanha pelas Diretas Já e apoiou a candidatura de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral. Ele também apoiou o governo de transição de José Sarney, afirmando ser necessário defender o gabinete civil diante da crescente hostilidade dos militares.

Posteriormente, Amazonas rompeu com o governo Sarney, criticando a persistência da crise econômica e denunciando a falta de medidas de apoio à classe trabalhadora. O PCdoB iniciou, então, um movimento de crescente alinhamento com o PT e o PSB. Sob a liderança de Amazonas, o PCdoB participou da Assembleia Nacional Constituinte, que redigiu a Constituição Federal de 1988.

O líder do PCdoB criticou duramente as reformas empreendidas por Mikhail Gorbachev na União Soviética, descrevendo-as como uma “farsa capitalista” e enxergando sua origem no “retrocesso iniciado em 1956 com Kruschev”. Em 1990, ele apoiou a tentativa de golpe do Partido Comunista contra Gorbachev — fato que lhe rendeu muitas críticas de colegas de partido.

<><> Os últimos anos

Em 1989, concluindo o processo de redemocratização, foi organizada a primeira eleição direta para a presidência desde o golpe militar de 1964. No pleito, Amazonas e o PCdoB apoiaram a candidatura de Lula, candidato do PT, integrando a coligação da Frente Brasil Popular, composta também pelo PSB e pelo PV.

Amazonas voltou a apoiar as candidaturas de Lula em 1994 e 1998. Paralelamente, liderou a oposição do PCdoB ao governo de Fernando Henrique Cardoso, orientando voto dos parlamentares contra a extinção dos monopólios estatais e as privatizações.

Os anos 80 e 90 também foram marcados pela intensificação da produção intelectual de Amazonas. Foi nesse período que ele publicou algumas de suas obras mais relevantes, incluindo “Pela Liberdade e Pela Democracia popular”, “Socialismo: Ideal da Classe Operária, Aspiração de Todos os Povos” e “Os desafios do Socialismo no século XXI”.

Debilitado, João Amazonas deixou a presidência do PCdoB em 2001. Ele faleceu em São Paulo no ano seguinte, em 27 de maio de 2002, aos 90 anos de idade. Seu último pedido foi para que suas cinzas fossem lançadas na região do Araguaia, permitindo seu reencontro simbólico com os companheiros que tombaram na guerrilha.

 

Fonte: Por Estevam Sila, em Opera Mundi

 

Mutação genética em esperma doado espalha câncer hereditário em 8 países da Europa

O esperma de um homem portador de uma mutação genética rara ligada ao câncer foi usado para conceber dezenas de crianças em oito países da Europa. Após anos da doação, crianças passaram a desenvolver câncer e os pais buscaram os laboratórios de fertilização, que descobriram o caso.

O homem fez a doação do esperma em 2008 e, entre esse período e 2015, o material foi utilizado por 47 famílias. Dessas tentativas, nasceram 67 crianças, e dez delas já receberam diagnóstico de câncer, incluindo casos de leucemia e linfoma não Hodgkin.

O caso está sendo relatado por especialistas em genética humana, que pedem mais regras para os processos de fertilização. Em uma conferência realizada na semana passada, em Rouen, na França, especialistas alertaram para o risco de disseminação anormal de doenças hereditárias.

•        Entenda o caso

A história veio à tona quando duas famílias entraram em contato com as clínicas de fertilidade onde fizeram os procedimentos, relatando que os filhos haviam sido diagnosticados com um tipo de câncer ligado a uma variante genética rara.

Com o relato, a clínica solicitou a análise genética do doador. Esse tipo de triagem é feito antes da doação, mas, nesse caso, a variante que causou a doença ainda era desconhecida na época.

➡️ Após a nova análise, o Banco Europeu de Esperma, que havia fornecido o material, confirmou que a variante em um gene chamado TP53 estava presente em parte do esperma do doador.

O TP53 fornece instruções para a produção de uma proteína supressora de tumores, impedindo que as células cresçam e se dividam muito rápido ou de forma descontrolada.

As alterações nesse gene causam a síndrome de Li-Fraumeni, uma das predisposições hereditárias mais graves ao câncer e ligada a tumores em crianças e adolescentes.

➡️ A variante foi encontrada em 23 crianças, 10 das quais foram diagnosticadas com câncer, incluindo casos de leucemia e linfoma não Hodgkin.

<><> O que está sendo feito com as crianças

As crianças que foram detectadas com câncer estão passando por tratamento.

Após a descoberta do caso, todos os filhos gerados com o esperma que continha essa mutação estão passando por uma bateria de exames genéticos para o rastreio da doença e sendo acompanhadas por especialistas.

<><> O alerta dos especialistas

O que os especialistas alertam é que é preciso endurecer as regras sobre a “migração” internacional de esperma. Nesse caso, há pelo menos 48 famílias afetadas em oito países diferentes, o que pode causar uma disseminação anormal de doenças hereditárias.

Atualmente, as leis sobre doação de esperma variam entre os países europeus. Bancos de esperma privados geralmente limitam a doação de um mesmo doador a até 75 países no mundo.

➡️ Pela lei francesa, há um limite de dez nascimentos por doador. No entanto, pode haver até 15 nascimentos na Alemanha e na Dinamarca. No Reino Unido, o mesmo doador pode ser usado por 12 e 10 famílias, respectivamente. Em nível europeu ou internacional, isso pode representar um número elevado de nascimentos.

O caso foi relatado na França, onde há crianças concebidas com o gene. Pesquisadores do país alertam que é necessário estabelecer regras mais rígidas e um melhor controle da importação de esperma para garantir um limite de nascimentos.

“Precisamos de regulamentação adequada em nível europeu para tentar evitar que isso aconteça novamente e para implementar medidas que garantam um limite mundial no número de descendentes concebidos do mesmo doador”, disse Edwige Kasper, especialista em predisposição genética ao câncer no Hospital Universitário de Rouen, na França.

•        O que é glioblastoma, câncer que vitimou influenciadora aos 19 anos

A influenciadora Anna Grace Phelan morreu aos 19 anos em decorrência de um câncer cerebral em estágio terminal. O anúncio foi feito no sábado (24) pela família da norte-americana, que deixou uma mensagem na conta dela no TikTok.

Anna Grace foi diagnosticada em setembro do ano passado com glioblastoma, um tumor agressivo e incurável, e mostrava sua rotina de cuidados nas redes sociais.

O glioblastoma é um tipo de câncer que surge com o crescimento de células no cérebro ou na medula espinhal. Esse tipo de tumor pode ocorrer em qualquer idade, apesar de ser mais comum em adultos mais velhos.

Os sintomas do glioblastoma incluem dor de cabeça, principalmente pela manhã, náuseas e vômitos, confusão ou dificuldade para compreensão de informações, perda de memória, mudanças de comportamento, irritabilidade, alterações na visão, dificuldade de fala, fraqueza muscular, problemas de equilíbrio ou coordenação e convulsões.

De acordo com a Mayo Clinic, organização sem fins lucrativos da área de serviços médicos e de pesquisas médico-hospitalares dos Estados Unidos, a causa do glioblastoma ainda não é conhecida, mas entre os fatores de risco estão o envelhecimento, exposição à radiação e síndromes hereditárias.

<><> Novo estudo descobre como proteína afeta crescimento de células de câncer

Um estudo publicado recentemente na revista Oncotarget descobriu como uma proteína chamada p53 pode impactar no crescimento de células cancerígenas e na resistência de tratamentos para o câncer. A descoberta abre novas possibilidades para o desenvolvimento de terapias eficazes contra uma série de tumores, incluindo o colorretal, que representa 10% de todos os tipos de câncer no mundo.

No trabalho, pesquisadores do Sidney Kimmel Comprehensive Cancer Center e da Johns Hopkins University School of Medicine estudaram a proteína p53, conhecida como proteína protetora do código genético humano.

Essa proteína desempenha um papel importante na prevenção do câncer, interrompendo o crescimento celular descontrolado. No entanto, muitos cânceres sofrem mutação ou suprimem a ação da p53, permitindo que tumores se desenvolvam ou resistam ao tratamento.

No estudo, pesquisadores restauraram a função da proteína p53 em células de câncer colorretal, o que levou a um crescimento celular mais lento, aumento do envelhecimento celular (senescência) e maior sensibilidade à radioterapia. Essas descobertas sugerem que o status da proteína p53 influencia a progressão do câncer e a resposta ao tratamento, tornando-a um alvo promissor para novas terapias.

Para Pedro Morgan, radiologista especialista em imagem oncológica na CDPI, a resistência ao tratamento é um dos maiores desafios na luta contra o câncer. A pesquisa sugere que, ao restaurar ou ativar a função da p53 em células tumorais, seria possível não apenas retardar o crescimento do tumor, mas também tornar as células mais vulneráveis aos métodos tradicionais, como a radioterapia.

“Esse estudo oferece uma nova perspectiva no tratamento do câncer, destacando o papel da p53 na regulação do carcinoma e como sua restauração pode melhorar os resultados das terapias, especialmente quando os tumores já adquiriram resistência. E ao associar essa evolução genômica aos exames de imagem, como a ressonância magnética e a tomografia computadorizada, para acompanhamento da resposta terapêutica do tumor colorretal, podemos observar inclusive a resposta das células em nível molecular, permitindo uma personalização terapêutica”, afirma Morgan.

O trabalho também examinou as células hTERT-RPE1, um tipo de célula humana não cancerosa utilizada em pesquisas. Quando o gene TP53 foi rompido nessas células, elas cresceram mais rapidamente e se tornaram mais resistentes à radiação, reforçando a ideia de que a proteína p53 ajuda a prevenir o crescimento cancerígeno.

O estudo identificou ainda dois novos genes regulados pela p53 que podem ser importantes para novos tratamentos. O primeiro, ALDH3A1, ajuda a desintoxicar substâncias nocivas e pode afetar a resistência das células cancerígenas ao estresse oxidativo. A segunda, NECTIN4, é uma proteína encontrada em muitos casos agressivos, incluindo os de bexiga e mama.

“Com resultados como esses, é possível indicar tratamentos e medicamentos mais adaptados às características genéticas e moleculares de cada tumor. Ao entender como diferentes tumores atuam na p53 e em outras células, conseguimos criar abordagens terapêuticas mais eficazes, minimizando os efeitos colaterais e melhorando a qualidade de vida dos pacientes”, afirma Gustavo Guida, geneticista do laboratório Sérgio Franco.

•        O que é estar em remissão do câncer? Entenda estágio e relação com a cura

Recentemente, casos de remissão de câncer de personalidades da mídia como a modelo Vera Viel, 49, e a influenciadora Isabel Veloso, 18, despertaram dúvidas e interesse sobre o que realmente significa o estágio.

O termo, frequentemente associado a uma boa resposta ao tratamento, nem sempre é sinônimo de cura.

"Para se tornar cura, eu preciso ficar cinco anos sem sinal da doença", explicou Veloso nos stories do Instagram. Vera Viel, esposa de Rodrigo Faro, relatou que segue em remissão do câncer após realizar novos exames. "Continuo em remissão do câncer para toda honra e toda glória de Deus".

"Em termos de fácil entendimento, a remissão pode ser parcial ou completa, temporária ou permanente. Isso significa que os sinais e sintomas do câncer estão reduzidos ou ausentes", explica Ramon Andrade de Mello, médico oncologista do Centro Médico Paulista High Clinic Brazil e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cancerologia.

"A remissão parcial tem muita relação com a regressão da doença, ou seja, ela é a diminuição do tamanho de um tumor ou da extensão da doença no corpo, em resposta ao tratamento, o que diminui também os sintomas", complementa o profissional. "Já a remissão completa é o desaparecimento de todos os sinais da doença em resposta ao tratamento. Isso nem sempre significa que o câncer foi curado, mas é uma boa notícia."

O médico explica que a cura realmente significa permanecer em remissão completa por cinco anos ou mais.

“Mesmo assim, algumas células cancerosas podem permanecer no corpo, por isso o acompanhamento médico é importante", esclarece. “O mais importante para pensarmos em cura para o câncer é diagnosticar precocemente a doença. A cura também está atrelada ao tipo de tumor, de forma que alguns são mais agressivos e com maiores chances de metástases que outros. E existem alguns tumores que têm altas taxas de cura, até mesmo quando diagnosticados em fases avançadas", diz o especialista.

É necessário acompanhamento médico regular ainda após o tratamento do câncer, segundo o oncologista. “O objetivo é detectar a possibilidade de recidiva ou novos problemas. Essas consultas médicas regulares acontecem independentemente dos sintomas. O paciente passa por exames físicos e outros que podem incluir análises laboratoriais e de imagem”, conclui Ramon.

 

Fonte: g1/CNN Brasil

 

Como os rentistas sabotam o desenvolvimento nacional

Uma análise das estratégias discursivas que mantêm o Brasil refém dos interesses financeiros.

<><> O mito da escassez como arma política 

O Brasil vive sob o domínio de uma narrativa que se tornou senso comum: o Estado está sempre à beira da falência, os gastos públicos são intrinsecamente perigosos, e qualquer política que beneficie a população através do aumento de gastos governamentais representa um risco fiscal inaceitável. Esta narrativa não é acidental – é uma construção deliberada que serve aos interesses de quem lucra com a manutenção da escassez artificial em economias monetárias e capitalistas, os rentistas. 

Para compreender essa dinâmica, é fundamental reconhecer que vivemos em uma economia onde diferentes grupos têm interesses estruturalmente antagônicos. De um lado, encontram-se aqueles que dependem do desenvolvimento real da economia – trabalhadores, empresários produtivos, setores voltados para o mercado interno. Do outro, aqueles que extraem renda através de operações financeiras, beneficiando-se da volatilidade, da escassez de crédito produtivo e das altas taxas de juros. 

<><> A inversão da lógica econômica 

O discurso dominante inverteu completamente a relação entre Estado e economia. Transformou o ente capaz de criar moeda em refém daqueles que dela dependem. Esta inversão não é produto de ignorância – é resultado de uma sofisticada operação ideológica que obscurece deliberadamente como funciona um sistema monetário soberano. 

Quando economistas do mercado financeiro afirmam que “o Estado precisa se ajustar como uma família”, estão propagando uma analogia que sabe ser falsa. Uma família é usuária de moeda; o Estado soberano é seu emissor. Esta diferença não é técnica – é fundamental para compreender o espaço fiscal real de qualquer nação. 

A insistência nesta analogia revela sua funcionalidade política: manter o debate econômico dentro de parâmetros que legitimam a primazia dos interesses rentistas sobre as necessidades nacionais de desenvolvimento. 

<><> O fracasso histórico da conciliação 

A experiência do governo Dilma oferece lições inequívocas sobre os limites da estratégia conciliatória. A tentativa de conquistar credibilidade através do ajuste fiscal radical não apenas falhou em seu objetivo político – aprofundou drasticamente a crise econômica e criou as condições que viabilizaram o golpe de 2016

Este episódio demonstra que o setor rentista não busca políticas “tecnicamente corretas” – busca políticas que maximizem seus rendimentos, independentemente de seus custos sociais. A manutenção de juros elevados, a austeridade fiscal procíclica e a subvalorização cambial inflacionária não são erros de gestão – são características funcionais de um modelo econômico que subordina o desenvolvimento nacional aos imperativos da acumulação financeira. 

<><> Desmistificando o “Risco Fiscal” 

O terror fiscal baseia-se em uma compreensão deliberadamente equivocada sobre as capacidades de um Estado monetariamente soberano. Países que emitem sua própria moeda enfrentam limites reais – inflação, constrangimentos de recursos produtivos, pressões cambiais – mas não enfrentam limites financeiros no sentido convencional. 

Reconhecer esta realidade não significa defender gastos ilimitados ou irresponsáveis. Significa compreender que as restrições relevantes são aquelas relacionadas à capacidade produtiva da economia, não aos saldos nominais de contas públicas. Um Estado que possui recursos ociosos, desemprego em massa e necessidades sociais urgentes enfrenta, na verdade, um imperativo ético de mobilizar estes recursos – não uma restrição fiscal que o impeça de fazê-lo. 

>>>> Estratégias para quebrar o ciclo de sabotagem 

  1. Desmascarar as narrativas falsas

É fundamental que o governo desenvolva uma comunicação sistemática que eduque a população sobre o funcionamento real da economia. Isto inclui explicar as diferenças entre Estados emissores e usuários de moeda, demonstrar como funciona o sistema bancário, e expor os interesses específicos por trás das demandas por austeridade. 

  1. Implementar políticas antifragilidade

Em vez de buscar aprovação dos mercados financeiros, o governo deve construir sua legitimidade através de resultados concretos para a população. Isto inclui políticas de pleno emprego, investimentos massivos em infraestrutura, fortalecimento dos serviços públicos e redução das desigualdades regionais. 

3. Reformular a gestão da política monetária 

A obsessão com metas de inflação descontextualizadas serve principalmente para manter elevados os rendimentos financeiros. Uma política monetária verdadeiramente soberana deveria considerar o pleno emprego como objetivo primário, utilizando a taxa de juros como instrumento de desenvolvimento, não como mecanismo de transferência de renda para rentistas. 

Somente o Banco Central tem o poder ilimitado de criar reais na economia brasileira. Se utilizado de forma competente, este poder pode inviabilizar quase completamente a viabilidade das estratégias sabotadoras utilizadas hoje pelo setor financeiro para manter refém o governo brasileiro. A oferta infinitamente elástica de swaps cambiais (aplicações remuneradas pela desvalorização cambial mais algum prêmio) tornariam inviavelmente custosa a especulação cambial. Já a estabilidade da taxa referencial de juros de curto prazo (a Selic) tornaria inviavelmente custosa a especulação contra títulos públicos. 

  1. Fortalecer as instituições democráticas

O combate ao poder rentista requer o fortalecimento das instituições que representam os interesses populares. Isto inclui tanto o parlamento quanto os mecanismos de participação social, criando contrapesos efetivos ao poder econômico concentrado. 

<><> A urgência do momento histórico 

O Brasil enfrenta uma janela de oportunidade que pode não se repetir. O fracasso das políticas neoliberais tornou-se evidente mesmo para setores que antes as apoiavam. A população demonstra crescente ceticismo em relação às promessas do mercado financeiro. O cenário internacional oferece espaços para políticas mais soberanas. 

Desperdiçar esta oportunidade em nome de uma conciliação que sabemos ser impossível representa mais do que um erro político – representa uma traição histórica às possibilidades de transformação que o momento oferece. 

<><> Por um projeto nacional soberano 

O desenvolvimentismo do século XXI não pode repetir as ingenuidades do passado. Deve reconhecer que o setor rentista não é um parceiro relutante do desenvolvimento nacional – é seu adversário estrutural. Políticas que beneficiam genuinamente a população brasileira ameaçam diretamente os mecanismos de extração de renda que sustentam este setor. 

A escolha é clara: ou o Brasil constrói uma economia voltada para as necessidades de seu povo, ou continua sendo uma plataforma de valorização para o capital financeiro internacional. Não há meio-termo técnico que resolva esta contradição fundamental. 

O momento exige coragem para enfrentar os interesses que se beneficiam da subserviência nacional. Exige também a inteligência para construir alternativas viáveis que demonstrem, na prática, que outro modelo econômico é possível. 

A história julgará se soubemos aproveitar esta oportunidade ou se permitimos que mais uma geração fosse sacrificada no altar da ortodoxia rentista. 

¨      PIB sobe 1,4% no 1º tri: por que analistas veem desaceleração da economia à frente

economia brasileira cresceu 1,4% no primeiro trimestre de 2025, em relação ao trimestre anterior, informou nesta sexta-feira (30/5) o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatistica (IBGE).

O resultado ficou ligeiramente abaixo do esperado pelos analistas (1,5%), mas bem acima daquele registrado no quarto trimestre de 2024 (0,1% conforme o dado revisado, ante 0,2% divulgado anteriormente).

Em relação ao primeiro trimestre de 2024, o avanço foi de 2,9%, abaixo do trimestre anterior, quando a alta foi de 3,6% na comparação anual.

Uma forte alta de 12,2% da agropecuária garantiu o bom desempenho da economia no começo do ano, graças à safra recorde de grãos, com destaque para a soja e o milho.

Ainda na ponta da oferta, os serviços cresceram 0,3%, e a indústria recuou 0,1% em relação ao trimestre anterior.

No lado da demanda, o maior crescimento foi registrado pelos investimentos, medidos pela Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), com alta de 3,1%.

Esse indicador mede o quanto as empresas aumentaram seus bens de capital, aqueles usados para produzir outros bens.

O aumento foi impulsionado pontualmente pela importação de uma plataforma de petróleo da China.

O consumo das famílias cresceu 1%, sustentado pelo bom desempenho do mercado de trabalho e pelo crescimento da massa de renda, a soma de todos os rendimentos dos trabalhadores do país. Já o consumo do governo oscilou positivamente em 0,1%.

O mercado externo, por sua vez, teve contribuição negativa para o PIB do trimestre, com as importações (5,9%) crescendo mais do que as exportações (2,9%), um sinal da demanda interna aquecida.

Quando o país importa mais do que exporta, significa que estamos comprando mais coisas de fora do que estamos vendendo para outros países, e isso tira pontos do cálculo do crescimento do PIB.

Apesar do bom desempenho da atividade no início do ano, analistas esperam que a economia perca fôlego nos próximos trimestres, em linha com a expectativa de que o PIB deve crescer menos em 2025 do que no ano passado.

<><> O que esperar para o restante do ano?

A expectativa dos economistas é de uma desaceleração gradual do PIB nos próximos trimestres, em parte por causa da própria sazonalidade da economia, explica Rodolfo Margato, economista da XP Investimentos.

"Quase dois terços da safra de soja são contabilizados [no PIB] entre janeiro e março, e a expectativa é de um aumento da safra de soja na casa de 15%", observa.

Ariane Benedito, economista-chefe da fintech PicPay, destaca ainda que a base de comparação forte do primeiro trimestre dificulta um crescimento mais pujante nos trimestres seguintes.

Isso porque quando a economia já está em um patamar elevado de produção ou consumo, qualquer crescimento adicional exige mais esforço.

A economista também avalia que, na segunda metade do ano, deverão ser sentidos com maior força os efeitos dos juros elevados pelo Banco Central.

Os juros altos tornam mais caro a tomada de crédito, reduzindo o consumo das famílias e os investimentos das empresas, o que funciona como um freio para a economia.

Quanto aos riscos para o ano, os economistas avaliam que o principal deles seria um possível recrudescimento da guerra comercial entre Estados Unidos e China que provoque uma desaceleração mais relevante da economia mundial, impactando o preço das commodities, que têm grande peso nas exportações do Brasil.

Mas eles avaliam que esse não é o cenário mais provável, diante dos reiterados recuos do presidente americano Donald Trump, que já suspendeu e reduziu tarifas aplicadas a diversos países, inclusive para a China.

No cenário interno, Luciano Sobral, economista-chefe da Neo Investimentos, avalia que a gripe aviária pode ter impacto para inflação e balança comercial.

Após a identificação de um caso da doença no Rio Grande do Sul, 23 países e a União Europeia restringiram totalmente a importação de carne de aves do Brasil, segundo informações do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) divulgadas na quarta-feira (28/5).

Outros 16 países suspenderam importações apenas para o Rio Grande do Sul e dois limitaram compras ao município de Montenegro (RS), onde foi identificado o foco de influenza aviária.

No entanto, Sobral diz que isso não deverá afetar o PIB, porque uma eventual queda das exportações de aves deve ser compensada por maiores vendas no mercado interno, o que pode baratear a carne de frango, sem que haja impacto relevante no volume de produção.

No entanto, Sobral diz que isso não deve afetar o PIB, porque a produção que deixará de ser exportada provavelmente será absorvida pelo mercado interno.

A maior oferta de frango no Brasil levaria a uma queda do preço doméstico, o que estimularia as vendas, compensando a queda da exportação sem haver um impacto relevante na produção total.

Já o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) pode tornar os empréstimos mais caros para as empresas.

A alíquota passou de 1,88% para um teto de 3,5% ao ano no crédito a pessoa jurídica, e de 0,88% para 1,95% no caso das empresas do Simples.

A medida foi decretado pelo governo Lula há uma semana junto com outras mudanças, mas há uma movimentação no Congresso para derrubá-la.

Sobral avalia, no entanto, que, se passar pelo Congresso, o aumento do IOF não deverá ter um impacto muito relevante para a atividade econômica, porque as condições de crédito já são consideradas bastante restritivas devido ao aumento dos juros nos últimos meses.

Em 14,75% ao ano, a Selic está no patamar mais alto em quase 20 anos.

Este é um cenário que analistas avaliam como de riscos relativamente limitados, porque, embora a guerra comercial, a crise de gripe aviária e a disputa em torno do IOF criem incertezas, seus efeitos sobre a economia não devem ser significativos.

Neste contexto, os economistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que a desaceleração da economia deve acontecer de forma gradual, graças à demanda sustentada pelo mercado de trabalho ainda aquecido e pelos gastos do governo, que tendem a aumentar à medida que se aproximam as eleições de 2026.

Para Margato, da XP, os dados divulgados nesta semana sobre o mercado de trabalho no início do segundo trimestre reforçam essa percepção.

Em abril, o Brasil registrou a criação de 257 mil empregos formais, segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), bem acima da expectativa, que era de 170 mil.

Já a taxa de desemprego ficou em 6,6% no trimestre encerrado em abril, menor do que o esperado e nível mais baixo para o mês da série histórica da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE.

"São exemplos que reforçam nosso cenário de atividade resiliente, de uma demanda ainda aquecida e de um mercado de trabalho robusto", diz Margato.

Sobral e Margato destacam ainda que os estímulos fiscais do governo têm representado um peso importante na sustentação da atividade econômica.

O economista da XP cita como exemplos recentes disso o aumento do salário mínimo acima da inflação; o empréstimo consignado do trabalhador; a liberação de cerca de R$ 12 bilhões em saldos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS); e o pagamento de R$ 90 bilhões em precatórios (dívidas da União já reconhecidas pela Justiça, sem possibilidade de novos recursos).

Sobral lembra ainda que há outros estímulos a caminho, como a ampliação do programa Minha Casa, Minha Vida; o aumento do vale-gás; e a redução da conta de luz para famílias de baixa renda com baixo consumo de energia.

A contrapartida desse crescimento puxado pelo gasto público é uma inflação que se mantém elevada, dizem os economistas, o que deve fazer com que o Banco Central mantenha os juros também em um nível alto por mais tempo.

A inflação alta e o crédito mais caro ajudam a explicar o mau humor dos brasileiros com a economia, mesmo com o desemprego em baixa e o aumento da renda.

 

Fonte: Por Daniel Negreiros Conceição, no Le Monde