A
disfunção das instituições brasileiras
Num
regime republicano que adota a tripartição de Poderes, o Executivo, o
Legislativo e o Judiciário, cada poder tem sua função típica, que exerce
contínua e ininterruptamente, e as funções atípicas, as quais exercem de modo
esporádico e excepcional. Quando passa a ocorrer de os Poderes passarem a
exercer suas competências atípicas de modo contínuo e ininterrupto, quase do
mesmo modo pelo qual exercem suas funções típicas, é sintoma de que as
instituições democráticas estão disfuncionais, desarrumadas e desorganizadas.
No caso
do Poder Executivo, a função típica é executar, administrar. Como exemplo da
função atípica de legislar, no caso do Poder Executivo, temos a edição das
Medidas Provisórias, e de julgar, temos a possibilidade de o Presidente da
República conceder indulto ou graça, de modo a desconstituir a coisa julgada.
Já o Poder Legislativo exerce a função administrativa/executiva quando realiza
a contratação de servidores ou faz uma licitação, da mesma forma como o
Judiciário também pode realizar essas mesmas atividades caracterizando o
exercício atípico da função administrativa. O Poder Legislativo também pode
excepcionalmente julgar, como quando o Senado Federal julga o Presidente da
República no processo de impeachment, assim como o Judiciário pode, excepcionalmente,
legislar, como quando um Tribunal institui seu Regimento Interno.
O
problema é que, a partir do golpe que destituiu a Presidente Dilma em 2016, o
país ingressou num terremoto e num curto-circuito institucional no qual os
Poderes deixaram de exercer suas funções típicas precípuas e passaram a exercer
as atípicas de modo permanente, ininterrupto, inconstitucional e ilegal. O
Poder Judiciário não exerceu seu mister primordial de ser o guardião da
Constituição ao se omitir e não invalidar o processo de impeachment
inconstitucional de Dilma, já que não havia ocorrido o cometimento de crime de
responsabilidade exigido pela Lei Maior.
Esse
fato abastardou o funcionamento das instituições democráticas e, junto com a
desmoralização e deslegitimação do sistema político e partidário democrático
promovido pela Lava Jato com apoio da mídia hegemônica e golpista, pavimentou o
caminho para a ascensão do fascismo exterminador da democracia em 2018. Aí o
Legislativo passou a controlar a execução do orçamento devido a que o
Presidente entre 2019 e 2022, para não sofrer impeachment, entregou o controle
da peça orçamentária ao Centrão no inconstitucional “orçamento secreto”. Já o
Judiciário passou a legislar, praticando ativismo judicial, e a interferir
indevidamente no processo eleitoral decretando a prisão ilegal e arbitrária do
Lula e, por meio da ação do TRF4, exterminando o Estado Democrático de Direito
ao proferir um acórdão que autorizava o juiz de piso de Curitiba a exercer a
magistratura fora dos parâmetros constitucionais e legais do ordenamento
jurídico nacional. Só o desembargador Favreto foi contra essa insanidade.
Na
verdade, houve uma ruptura da institucionalidade democrática no impeachment de
Dilma e, a partir daí, o país entrou num redemoinho de desestruturação do
funcionamento das instituições que ainda demorará para retornar ao normal, isso
se nesse meio tempo não houver novos retrocessos.
Vejam o
exemplo do IOF. Pelo artigo 153, parágrafo 1º da Constituição, o Poder
Executivo tem a permissão constitucional para alterar por Decreto as alíquotas
de alguns impostos da competência tributária constitucional da União, os
impostos sobre importação, exportação, sobre produtos industrializados e sobre
operações financeiras (de crédito, seguros, câmbio), esse último é o IOF. isso
porque esses impostos não estão sujeitos nem ao princípio da anterioridade
tributária, que consta da Constituição Federal (CF), artigo 150, III, b, nem ao
princípio da anterioridade nonagesimal (artigo 150, III, c da CF).
Pelo
primeiro princípio, caso queira aumentar tributo, gênero do qual o imposto é
uma espécie, o Executivo/Presidente da República tem que enviar para o
Congresso Nacional uma Medida Provisória ou um Projeto de Lei os quais têm que
ser aprovados e publicados pelo Legislativo Federal até o final do exercício
para que o Executivo possa cobrar e arrecadar o imposto aumentado no exercício
seguinte. Não é o caso do IOF, em que o Presidente da República pode modificar
a alíquota por Decreto sem precisar da anuência do Congresso Nacional, e sem
ter que obedecer ao princípio da anterioridade tributária (artigo 150, III, b
da CF), conforme preceitua o artigo 150, parágrafo 1º da Carta Política.
Além
disso, no caso da majoração da alíquota de incidência do IOF por Decreto,
também não há a necessidade de satisfazer o princípio da anterioridade
nonagesimal (CF, artigo 150, III, c), pelo qual as pessoas políticas (União,
Estados, DF e Municípios) não podem cobrar tributos antes de decorridos noventa
dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.
Portanto, na edição do Decreto de aumento do IOF, não houve desrespeito à CF.
Vários
parlamentares, deputados e senadores, propuseram Decretos Legislativos para
sustar o Decreto do Presidente contendo a majoração da alíquota do IOF. Esses
Decretos Legislativos, sendo aprovados pelo Congresso, são inconstitucionais.
Isto porque, pelo artigo 49, V, o Congresso Nacional pode editar Decreto
Legislativo para sustar Decreto do Presidente da República que exorbite do
poder regulamentar ou dos limites da delegação legislativa. No caso, trata-se
do Congresso Nacional desempenhando a função atípica do Legislativo, e função
típica do Judiciário, de exercer o controle da legalidade dos atos normativos
editados pelo Poder Executivo.
Na
situação em tela, o Presidente não está nem exorbitando do poder regulamentar
nem dos limites da delegação legislativa. O poder regulamentar está no artigo
84, IV da Constituição Federal que determina que é competência privativa do
Presidente da República sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como
expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução. O poder regulamentar
propriamente dito está contido no final, na parte de “expedir decretos e
regulamentos para sua fiel execução”. Em termos mais simples, o Presidente da
República não pode inovar o ordenamento jurídico estabelecendo um direito ou
dever que não existia antes editando um Decreto, só a lei, que exige aprovação
do Congresso, é que pode. Ora, o Presidente Lula não fez isso ao editar o
Decreto de aumento da alíquota do IOF, ele fez algo que a Constituição Federal
(CF), no artigo 153, parágrafo 1º permite, qual seja:
“§ 1º A
vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148,
I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica
aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à
fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156,
I.”
O IOF é
o imposto previsto no artigo 153, V da CF, o qual não precisa obedecer nem ao
princípio da anterioridade tributária (CF artigo 150, III, b) nem ao princípio
da anterioridade nonagesimal (CF artigo 150, III, c). Portanto, é perfeitamente
idôneo o ato do Presidente Lula. Quanto a exorbitar os limites da delegação
legislativa, trata-se de algo também inexistente, tendo em vista que não há
nenhuma lei delegada em vigor. Aliás, desde os anos 60 a lei delegada quase não
é utilizada, já que no Brasil sua instituição foi uma forma de tentar recuperar
algum poder para o Presidente na época em que foi instituído o parlamentarismo
espúrio para retirar os poderes do Presidente João Goulart após o golpe de
agosto de 1961. Além disso, depois da instituição da Medida Provisória pela
Constituição de 88, a lei delegada caiu em total desuso.
Ou
seja, o Congresso está exercendo equivocadamente a função atípica de controle
da legalidade, que é típica do Judiciário, em mais uma demonstração das
trágicas consequências da disfunção institucional em que o Brasil se encontra e
demorará a sair. A crise das instituições transformou-se na instituição das
crises, como dizia o finado historiador baiano Luiz Alberto Moniz Bandeira.
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Senador que discutiu com Marina assinou jabutis que elevam conta de luz e
poluição
O
senador Marcos Rogério (PL-RO), que em
audiência na última terça-feira (27) falou para a ministra Marina Silva (Meio Ambiente) se colocar em seu
lugar, assinou uma proposta com uma série de itens que tornam a matriz elétrica
brasileira mais poluente e podem sair do papel a depender de análise do
Congresso prevista para o mês que vem. O custo é de R$ 545 bilhões na conta de
luz dos brasileiros.
O
parlamentar foi o responsável no Senado pelo parecer da
MP (medida provisória) enviada pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) ao
Congresso, em 2021, que permitia a privatização da Eletrobras. O texto original
dava aval à venda e estabelecia, entre outros pontos, qual seria o modelo de
transferência para a iniciativa privada.
No
documento de sua autoria, o senador aceitou logo no primeiro artigo uma
proposta nascida na Câmara dos Deputados que previa a contratação pelo país de
uma série de termelétricas — algo sem relação com o tema da proposta original —
o que, na política brasileira, é chamado de jabuti, em referência a um ditado,
usado por diferentes políticos ao longo da história, segundo o qual jabuti não
sobe em árvore sozinho e, se está ali, teve a ajuda de alguém.
Em
grande parte, a compra de energia seria sob o regime inflexível – isto é, de
geração obrigatória e constante, inclusive quando não houver necessidade.
Na
justificativa de sua versão da MP, o senador afirmou que as medidas
pró-térmicas diversificariam a matriz elétrica brasileira diante do que chamou
de um parque gerador “excessivamente dependente de hidrelétricas”. Além disso,
afirmou — ao contrário do calculado de forma reiterada por especialistas e
consultorias do setor — que haveria “economia para os consumidores”.
“A
contratação de termelétricas a gás natural e pequenas centrais hidrelétricas,
somada à prorrogação dos contratos do Proinfa [subsídio a fontes alternativas],
resultará na diminuição da tarifa de energia elétrica”, afirmou o senador no
texto.
Ele
também disse que a medida poderia levar o gás natural ao interior do país e
reduzir desigualdades. “O fluxo do gás natural Brasil adentro, tendo Minas
Gerais como o grande hub de gasodutos, permitirá que regiões atualmente de
baixo dinamismo econômico possam desfrutar de maior progresso e bem-estar”,
escreveu.
O
senador foi procurado na quarta-feira (28) por ligação e mensagem de WhatsApp
pela reportagem, que também enviou email para o gabinete. A assessoria de
imprensa do parlamentar também foi contatada por mensagem e ligação telefônica.
Mas não houve retorno até a publicação deste texto.
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Jabutis aprovados
A
proposta foi aprovada pelo Congresso e depois sancionada por Bolsonaro sem veto
a esse trecho. Foram 8.000 MW (megawatts) de expansão compulsória de
termelétricas a gás inseridos na lei.
As
térmicas são vistas por especialistas como necessárias para o país, mas não no
regime inflexível. A adoção de tamanha contratação e sob esse modelo faz as
projeções oficiais para o setor elétrico nos próximos anos irem na contramão do
esforço contra o aquecimento global. A previsão é que a matriz de geração no
país, hoje uma das mais limpas do mundo, fique menos renovável.
Com as
contratações previstas, o cenário principal projetado pela EPE (Empresa de
Pesquisa Energética) — estatal vinculada ao Ministério de Minas e Energia — é
que o volume de emissões resultantes da geração de eletricidade cresça 84% até
2034, para 26,9 milhões de toneladas de CO2eq (dióxido de carbono equivalente).
O chamado grau de renovabilidade da matriz elétrica cairia de 94% para 89%.
Por
enquanto, os leilões dessas termelétricas não têm ocorrido. Do total previsto,
apenas 754 MW já foram contratados e 7.246 MW aguardam um próximo certame. Isso
porque falta interesse da iniciativa privada nos leilões devido à existência de
um preço-teto para a contratação.
Agora,
para viabilizar as contratações, o Congresso inseriu um jabuti semelhante no
projeto de lei das eólicas offshore — aprovado no fim do ano passado. Na
prática, a nova iniciativa aumentaria o preço-teto das usinas e viabilizaria a
construção de dutos de gás natural até as cidades das termelétricas, com seus
custos arcados pelo consumidor de energia.
O
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou o dispositivo no começo deste
ano após consenso entre quatro ministérios, entre eles o do Ministério do Meio
Ambiente. A pasta comandada por Marina Silva afirmou em posicionamento oficial
na época que o projeto “prorroga a contratação de termelétricas a gás natural e
carvão até 2050, contradiz os esforços climáticos do país, como o Acordo de
Paris, e representa um retrocesso ambiental, econômico e político”.
Agora,
o Congresso planeja derrubar a decisão de Lula e destravar o mecanismo. O
governo foi avisado de que há votos suficientes para ressuscitar os jabutis e a
análise está prevista para o dia 17 de junho.
Diante
do temor de que o Congresso retome as medidas por completo, o governo quer
negociar com parlamentares a aprovação de uma série desses itens para evitar a
derrota no ponto de maior impacto do texto — as termelétricas.
A
estratégia é oferecer apoio a outros trechos, como medidas que beneficiam
carvão e PCHs (pequenas centrais hidrelétricas) e prorrogam o Proinfra
(Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica) — que
concede benefícios tributários a fontes como eólicas e biomassa.
De
acordo com a consultoria PSR, em números atualizados em janeiro de 2025, ao
todo os novos jabutis da proposta elevam custo para o consumidor em R$ 20
bilhões de reais por ano até 2050, o equivalente a R$ 545 bilhões até o
horizonte em valores corrigidos. O estudo afirma que isso representaria um
aumento de 9% no custo de energia, com reflexos diretos na inflação, no poder
de compra da população e na competitividade industrial no país.
Fonte:
Por Carlos Frederico Alverga, no Jonal GGN/ICL Notícias



