Quase 16 pessoas morreram de tuberculose
por dia no Brasil em 2022
A tuberculose matou
quase 16 pessoas por dia no Brasil em 2022 – foram registradas 5.824 mortes no
período, número ainda preliminar, mas uma quantidade recorde em mais de 20 anos
de monitoramento, segundo dados do Ministério da Saúde. Dez anos antes, por
exemplo, o país computou 4.421 mortes pela doença. O número de novos casos
também continua crescendo: foram 81.539 registros em 2022, 3% a mais do que os
78.462 casos diagnosticados em 2019, antes da pandemia de Covid-19. Os dados de
2023 ainda não foram divulgados pela pasta.
Esse cenário coloca o
Brasil muito distante de alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável,
da Organização Mundial da Saúde (OMS), que são reduzir em 75% a mortalidade
pela doença até 2025 e eliminá-la globalmente até 2030. O compromisso brasileiro
é diminuir até 2030 a incidência de tuberculose para menos de dez
casos por 100 mil habitantes –
atualmente o país tem a incidência de 38 casos por 100 mil.
24 de março é o Dia
Mundial da Tuberculose e o tema da campanha deste ano é “Sim, nós podemos
acabar com a Tuberculose!”. A dificuldade em atingir as metas da OMS e reduzir
o número de casos e de mortes não é exclusiva do Brasil. Apesar dos esforços
dos governos, da vacina BCG (que protege contra as formas graves da doença) e
dos tratamentos oferecidos, a tuberculose ainda é uma das principais causas de
morte por agentes infecciosos do mundo, segundo o relatório mais recente da
OMS, divulgado no final do ano passado.
De acordo com o
documento, estima-se que 7,5 milhões de pessoas foram diagnosticadas com
tuberculose no mundo em 2022 – o maior número desde que a doença começou a ser
monitorada, em 1995. Essa quantidade supera os 7,1 milhões de casos estimados
de 2019. Ainda segundo a OMS, a Covid-19 impactou fortemente o registro de
novos casos. Durante a pandemia, muitos deles deixaram de ser diagnosticados e
tratados e, por isso, pode haver o acúmulo de diagnósticos e de mortes nos
próximos anos.
·
O que é a tuberculose?
A tuberculose é uma
doença infectocontagiosa e transmissível causada pela bactéria Micobacterium
tuberculosis, também conhecida como bacilo de Koch. A forma mais comum de
apresentação é a tuberculose pulmonar, já que a doença afeta prioritariamente
os pulmões. Apesar disso, o bacilo da tuberculose pode acometer outros órgãos e
sistemas, entre eles o sistema nervoso central, os gânglios linfáticos, o
pericárdio, os ossos e a laringe, entre outros – essas formas são menos
frequentes e são chamadas de tuberculose extrapulmonar. Ambientes fechados e
mal ventilados e aglomerações favorecem a transmissão.
“A tuberculose
pulmonar, além da laríngea, é a principal responsável pela manutenção da doença
pela transmissão pessoa a pessoa por gotículas e aerossóis provenientes das
vias respiratórias do indivíduo doente. As formas extrapulmonares, não havendo
acometimento pulmonar, não transmite de pessoa para pessoa”, explica a
infectologista Emy Akiyama Gouveia, do Hospital Israelita Albert Einstein.
·
Principais sintomas
A suspeita da doença
(da tuberculose pulmonar, a mais comum) normalmente acontece quando o paciente
se queixa de tosse crônica por três semanas ou mais, associada a febre (geralmente no final do dia), emagrecimento
e sudorese noturna. O diagnóstico é feito com o exame de pesquisa do bacilo da
tuberculose em três amostras de escarro, coletadas em três dias, e um raio X de
tórax para avaliar o grau de acometimento dos pulmões.
“Atualmente, em locais
onde há a disponibilidade, também é possível realizar um exame molecular de
pesquisa de DNA do bacilo nas amostras respiratórias, com ótima sensibilidade e
cujo resultado fica pronto em até uma hora e meia. Além da rapidez, o teste
também consegue avaliar se o bacilo é resistente a um dos antibióticos
importantes do arsenal terapêutico, no caso a rifampicina”, explica a médica do
Einstein.
Caso o paciente não
consiga coletar o escarro, outra possibilidade é fazer um exame de broncoscopia
com lavado broncoalveolar. Se os resultados vierem positivos, é iniciado o
tratamento com a combinação de vários antibióticos, que são distribuídos gratuitamente
pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
De acordo com a OMS,
se a tuberculose não for tratada, a letalidade é alta – podendo chegar a 50%
dos casos. Por outro lado, cerca de 85% dos casos tratados adequadamente
evoluem para a cura. A principal dificuldade, no entanto, é a adesão correta ao
tratamento, que envolve o uso contínuo de antibióticos por pelo menos seis
meses, podendo ser prorrogado por mais um período, se for o caso de infecção
resistente ao medicamento-padrão. O esquema básico consiste em duas fases de
tratamento: a intensiva, que dura quatro meses, com comprimidos associados com
quatro antibióticos, e a de manutenção, que dura mais dois meses, com dois
antibióticos associados.
“Talvez o longo tempo
de tratamento seja uma das razões para o indivíduo abandonar os cuidados. Outro
ponto é que, com pouco tempo de uso das medicações, a pessoa já melhora
clinicamente, resultando na falsa sensação de cura. Mas a pessoa ainda não está
curada e, sem o tratamento, a doença vai reaparecer após alguns meses”, explica
a infectologista, que alerta que esse é um risco para a resistência ao
tratamento. “Indivíduos que abandonam e reiniciam tratamentos ao longo do tempo
podem evoluir com a temida tuberculose resistente, com a necessidade de
adaptação do esquema antibiótico e, eventualmente, aumentando o tempo de
tratamento.”
Em setembro de 2023, o
SUS incorporou uma nova medicação importante para o arsenal de tratamento da
tuberculose multirresistente, a pretomanida, que é administrada via oral e pode
encurtar o tempo de tratamento dessa condição, além de reduzir o número de
visitas de acompanhamento.
Segundo a
infectologista ouvida pela Agência Einstein, ainda há uma demora no diagnóstico
da tuberculose porque ela costuma ser erroneamente tratada como pneumonia.
“Nesses casos, o antibiótico até possui uma ação no combate ao bacilo, mas,
logo terminado o tratamento, os sinais e sintomas voltam. Como a suspeita é de
pneumonia, muda-se o antibiótico, num ciclo sem fim. É preciso compreender que
a tuberculose está presente em todas as camadas da população, em todas as
idades, e a conscientização da população e dos profissionais de saúde é
primordial para que o diagnóstico seja realizado no momento apropriado, assim
como o tratamento”, alerta a médica, que ressalta que um indivíduo com
tuberculose pulmonar ou laríngea sem tratamento acaba contaminando ao final de
um ano, em média, de dez a 15 pessoas.
·
Comprometimento da
renda
Apesar de o
diagnóstico e o tratamento serem fornecidos pelo SUS de forma gratuita, um
estudo realizado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) apontou que
quase metade das famílias de pacientes gasta cerca de 20% da renda anual com os
“custos extras” do tratamento, incluindo os gastos diretos (consultas e exames
extras), os não médicos diretos (transporte, alimentação, acomodação e compra
de suplementos alimentares, entre outros) e os custos indiretos (privação de
renda por causa da perda do emprego, por exemplo). Segundo o levantamento, os
gastos extras anuais somaram, em média, R$ 8.118,74, quase sete vezes o valor
do salário-mínimo na época (2021).
“Esse estudo traz à
tona pontos importantíssimos, pois os pacientes, principalmente os de baixa
renda, enfrentam dificuldades relacionadas ao dia a dia do tratamento, como o
deslocamento para as unidades de saúde, os impactos do desemprego ou mesmo dos
dias perdidos no trabalho durante o período do isolamento (14 dias após o
início das medicações)”, comenta a infectologista. Segundo ela, esses pacientes
também podem enfrentar problemas de debilidade clínica da própria doença ou o
manejo dos efeitos colaterais eventuais das medicações.
O estudo mostra ainda
que, se o paciente tiver coinfecção pelo HIV e for trabalhador autônomo,
praticamente triplicará o risco de a família apresentar gastos definidos como
catastróficos. “A coinfecção pelo HIV traz um ponto de maior criticidade,
talvez pelas interações medicamentosas com a terapia antirretroviral e a
necessidade de um monitoramento nos centros especializados de tratamento em
aids, unidades que nem sempre estão próximas à residência dos pacientes, ou
muitas vezes disponíveis somente em outros municípios. O trabalhador autônomo
tem outro ponto: ele não possui licença médica remunerada, e dias de consulta
significam dias não trabalhados”, diz a infectologista.
·
O que diz o Ministério
da Saúde
Apesar do retrocesso
com aumento de casos e de mortes, o Ministério da Saúde informou em nota que “o
Brasil está entre os 13 países que conseguiram recuperar a detecção de pessoas
com tuberculose após a pandemia de Covid-19, o que é fundamental para agilizar
o tratamento dos pacientes”.
O governo também
atribui à pandemia o aumento nos óbitos. “Os serviços de saúde foram impactados
pela emergência de saúde pública, possivelmente reduzindo sua capacidade em
diagnosticar precocemente os casos ocorridos em 2020, resultando em condições
clínicas mais graves da tuberculose e piores prognósticos no tratamento”,
avalia.
O Ministério da Saúde
informou ainda que, “de forma inédita, 14 ministérios se reuniram para elaborar
estratégias de eliminação da tuberculose e outras dez doenças e cinco infecções
de transmissão vertical que acometem de forma mais intensa as populações em
situação de vulnerabilidade social por meio do Comitê Interministerial para
Eliminação da Tuberculose e Outras Doenças Determinadas Socialmente (CIEDDS),
que foi instalado em abril de 2023. Coordenado pelo Ministério da Saúde, o
grupo tem previsão de funcionar até janeiro de 2030”.
O governo acrescentou
também que outra ação essencial para evitar casos graves de tuberculose é
recuperar as altas coberturas da vacina BCG, que possui a indicação de uma dose
para recém-nascidos. Até 2018, esse índice se mantinha acima de 95%, a meta estabelecida
pelo ministério. Entretanto, a partir de 2019, a cobertura não ultrapassou os
88% (no ano passado ficou em 76,24%) e os dados referentes a 2024 apontam uma
cobertura vacinal de somente 65,59%.
“O estigma e a
discriminação são as grandes barreiras para o controle e o combate da
tuberculose. Além disso, a falta de uma vacina efetiva para a prevenção da
forma pulmonar da tuberculose dificulta a redução de casos e a eliminação da
doença, assim como a não-existência e a falta de desenvolvimento de
medicamentos para o tratamento de curta duração”, finalizou a nota.
Ø
Combate à tuberculose é um desafio para o
Brasil, diz epidemiologista
O Brasil tem uma média
de 5 mil mortes por tuberculose todos os anos e
o combate à doença é um desafio para o País.
Esta é a avaliação de
Ethel Maciel, que é a secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do
Ministério da Saúde, e agora assume a presidência de grupo de trabalho focado
na tuberculose da OMS.
São 12 países que
integram este grupo, que buscará soluções para a erradicação da doença no mundo.
À CNN Rádio,
Ethel Maciel disse que recebeu o convite para o novo posto com alegria: “É
fruto de muito trabalho e mostra a qualidade do que o Brasil vem fazendo.”
Ela lembra, porém, que
o País está entre as 30 nações que mais concentram casos de tuberculose no
mundo.
“A doença atinge de
forma desproporcional as populações mais vulneráveis socialmente, que não tem
acesso à moradia e alimentação, por exemplo”, explicou.
De acordo com a
epidemiologista, os anos de pandemia de Covid-19 causaram um
retrocesso no combate à doença.
“Estamos com os mesmos
indicadores de mortalidade de 10 anos atrás, as pessoas têm chegado com quadros
mais graves”, disse.
Dentro do Ministério da Saúde, um comitê interministerial atua desde o começo do ano para a
eliminação da tuberculose e outras doenças de fator social.
“É prioridade a
eliminação delas, temos planos até 2023, com uma série de ações, como pesquisa,
melhorias no serviço e educação da população”, completou.
Ethel reforçou que
pessoas que apresentam tosse há mais de duas semanas devem procurar serviços de
saúde, já que pode ser tuberculose.
“O tratamento é todo
gratuito pelo SUS”, completou.
Ela ainda disse que
este tratamento demora 6 meses para eliminar a bactéria do organismo, e isto o
torna desafiador, pelo acompanhamento do paciente durante todo esse tempo.
Fonte: CNN Brasil
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