Por que Japão deixou de ser último país com
juros negativos do mundo
Conter a inflação tem sido a
obsessão dos governos de todo o mundo pelo menos nos últimos dois anos. Mas
durante todo esse tempo houve uma exceção: o Japão.
Enquanto os bancos
centrais ao redor do mundo aumentavam suas taxas de juros para conter a alta de
preços e seu impacto no poder de compra e nas condições de vida das pessoas, o
Banco Central do Japão manteve taxas negativas na busca por conseguir o exato
oposto: fazer com que os preços no país subissem.
Por essa razão, o
Japão foi o último país em um mundo atingido pela inflação a manter taxas de
juros negativas; ou seja, abaixo de zero. Até esta semana.
Na terça-feira (19/3),
o Banco Central do Japão anunciou o aumento das taxas oficiais de juros, que
passam de -0,1% para entre 0% e 0,1%. Uma mudança mínima, mas que significa
cruzar a fronteira das taxas positivas.
A exceção japonesa,
que agora chega ao fim, foi resultado de um esforço da autoridade monetária
para estimular a economia, prejudicada há anos por um contexto de baixo crescimento que
se refletia em preços persistentemente em queda, entre outros indicadores.
O consenso entre
economistas estabelece que, em uma economia saudável, os preços não devem cair,
mas sim subir moderadamente.
Os principais bancos
centrais do mundo têm como objetivo que a inflação avance a taxas em torno de
2% ao ano.
Mas evitar que os
preços caíssem foi durante muito tempo um objetivo difícil para os responsáveis
pela economia japonesa.
"O Japão foi um
dos poucos [países] que experimentaram com taxas de juros negativas; outras
[autoridades monetárias] que recorreram a elas, como o Banco da Inglaterra ou o
Banco Central Europeu, as abandonaram há muito tempo", explica Ken Kutnner,
especialista em economia japonesa da Universidade de Massachusetts (EUA), em
conversa com a BBC News Mundo (serviço da BBC em espanhol).
O abandono da política
"ultrafrouxa" do Banco Central do Japão, que tinha nas taxas
negativas um de seus instrumentos mais relevantes, marca um ponto de virada
para a terceira maior economia do mundo, que agora entra em nova fase.
·
Como funcionam os juros negativos
A implementação de
taxas de juros negativas é uma medida heterodoxa e considerada radical, que
implica que, em vez de receber juros pelo dinheiro depositado nos bancos — o
mais comum —, os poupadores têm que pagar juros para manter seus fundos.
O objetivo é
incentivar o movimento do dinheiro, favorecendo o investimento e o consumo em
detrimento da poupança.
Embora a medida na
prática não se aplicasse às economias dos japoneses comuns, afetava os bancos e
outras entidades financeiras, que eram penalizados se não mobilizassem seus
recursos através da oferta de créditos, investimentos e gastos.
·
Por que agora os juros negativos estão
sendo abandonados
A inflação global tem
aumentado persistentemente nos últimos anos.
A alta de preços tem
sido impactada pelas injeções de dinheiro público com as quais os governos de
todo o mundo tentaram ajudar famílias e empresas durante a pandemia de
covid-19.
Outro fator são os
problemas nas cadeias de suprimentos de commodities estratégicas como petróleo
e cereais, agravados desde o início em 2022 pelo início da guerra entre Rússia
e Ucrânia.
Embora os efeitos
tenham sido sentidos mais lenta e suavemente no Japão devido às características
de sua economia, o Banco Central do país vinha indicando há algum tempo que um
aumento nas taxas de juros estava próximo.
Kazuo Ueda, presidente
do Banco do Japão, insistiu na necessidade de alcançar um "ciclo
virtuoso" no qual os aumentos de preços fossem acompanhados por aumentos
nos salários.
Depois de muito tempo
de deflação, os preços no Japão estão subindo há mais de um ano acima da meta
de 2% ao ano, o que incentivou as empresas japonesas a aceitarem aumentos
salariais de cerca de 5% nos acordos coletivos deste ano.
Na mesma linha, as
previsões de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) foram revisadas para
cima e um relatório recente do Fundo Monetário Internacional indicou que a
inflação no Japão agora se deve a um aumento na demanda, algo especialmente
animador quando se trata de consumidores tão tradicionalmente relutantes em
gastar como os japoneses.
Tudo isso levou os
responsáveis pelo Banco Central do Japão à convicção de que "o ciclo
virtuoso" de Ueda "se tornou mais sólido" e eles decidiram
finalmente cruzar o limiar de zero nas taxas de juros.
A decisão e o momento
em que ela é adotada revelam peculiaridades da economia japonesa.
Enquanto em quase todo
o resto do mundo as autoridades monetárias decidiram nos últimos anos pisar no
freio da economia e aumentar constantemente as taxas de juros, no Japão apenas
agora foi decidido pelo menos tirar o pé do acelerador.
Segundo Kuttner,
"o Japão levou muito mais tempo do que outros países industrializados para
encerrar as políticas expansionistas que se seguiram à pandemia, em parte
porque o Banco Central do Japão já tentou endurecer sua política monetária
ultrafrouxa no início dos anos 2000 e em 2006, e em ambas as ocasiões foi um
erro que eles tiveram que corrigir rapidamente".
"Suspeito que
desta vez queriam ter certeza antes de começar a elevar as taxas", diz o
especialista.
·
Por que as taxas negativas foram adotadas
Foi a grande recessão
que percorreu o mundo em 2008 que levou os responsáveis pela política econômica
em todo o mundo a começar a contemplar uma medida incomum e extrema como a
implementação de taxas de juros negativas.
À época, pensou-se que
incentivar o movimento do dinheiro e do investimento favoreceria o crescimento
das economias desenvolvidas, que haviam entrado em uma fase de contração e
estagnação.
Assim, o Banco Central
Europeu, que governa o euro, o Banco da Inglaterra, o da Suécia e alguns outros
fixaram taxas abaixo de zero, algo difícil de imaginar antes da crise.
No Japão, apenas em
2016 as taxas entraram em território negativo, mas as razões para o fraco ou
nulo crescimento de sua economia e a persistente e prejudicial deflação
remontam a antes da crise.
O país perdeu grande
parte do dinamismo que o caracterizou após a Segunda Guerra Mundial, quando
experimentou um drástico desenvolvimento industrial e tecnológico.
A partir da década de
1990, começou a sofrer uma espécie de anemia econômica que os especialistas
atribuíram a diversos fatores.
Com uma população
muito envelhecida e mais preocupada em poupar do que em consumir, as empresas
japonesas se viram obrigadas a competir em uma constante espiral de preços
baixos que minou sua capacidade de gerar lucros e, consequentemente, de
investir.
Essa foi a tendência
até 2013, quando o então primeiro-ministro, Abe Shinzo, lançou um ambicioso
programa para revitalizar a economia e o Banco Central começou a disparar uma
"bazuca de estímulos", dos quais os mais emblemáticos foram a redução
das taxas de juros e a compra de títulos emitidos pelo governo.
·
Quais resultados as taxas negativas
proporcionaram ao Japão
Os economistas fazem
um balanço contraditório das taxas de juros negativas.
Uma revisão dos
artigos acadêmicos publicados sobre o tema não leva a uma conclusão definitiva,
nem mesmo no caso do Japão, onde estiveram em vigor por mais tempo do que em
qualquer outro lugar do mundo.
A maioria dos
especialistas concorda que, por si só, elas não foram suficientes para elevar o
crescimento econômico, que era o objetivo prioritário quando foram
estabelecidas.
Efeitos claros foram
uma desvalorização do iene, a moeda japonesa, o que permitiu ao país baratear
suas exportações e aumentar sua competitividade, e uma redução nos custos de
financiamento do Estado, que pagava menos juros pela dívida que emitia.
Mas, da mesma forma,
um iene mais fraco afetou negativamente o poder de compra das famílias e
empresas japonesas.
·
Qual será o impacto do abandono das taxas
negativas no Japão
Sempre que as taxas
sobem em qualquer economia, há vencedores e perdedores.
No Japão, o governo
terá que enfrentar maiores custos para pagar sua dívida, enquanto aqueles que
estão pagando uma hipoteca verão um aumento nos juros do empréstimo.
Enquanto os bancos
obterão mais lucros a partir dos empréstimos que concedem, as empresas e
famílias terão mais dificuldade para acessá-los.
De qualquer forma, a
maioria dos analistas e a reação moderada dos mercados ao anúncio do aumento
das taxas levam a crer que não terá efeitos drásticos ou exagerados na
economia.
Não devemos esquecer
que, embora as taxas não sejam mais negativas, elas permanecem em zero ou muito
próximas de zero, e o Banco Central do Japão deu sinais de que continuará com
sua política favorável ao crescimento econômico.
Ninguém acredita que o
Banco do Japão embarcará em uma trajetória sustentada de aumento das taxas,
como fez o Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos, para conter os
preços e o superaquecimento da economia americana.
Isso se deve à
preocupação com uma possível recaída da economia japonesa em seus males mais
endêmicos: a deflação e a falta de crescimento.
Como Kuttner observa,
"os anos de deflação parecem ter ficado para trás, mas não podemos
esquecer que foram muitos anos assim", uma conclusão que parece ser
compartilhada pelas autoridades do Banco Central do Japão.
Fonte: BBC News Mundo
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