PAUTA VERDE: A necessária municipalização
do licenciamento ambiental
O licenciamento
ambiental é tido como o principal instrumento da Política Nacional do Meio
Ambiente de caráter preventivo e em matéria controle ambiental. É por seu
intermédio que se confere uma maior proteção ao meio ambiente, minimizando os
impactos negativos causados pelas atividades industriais ou agrícolas, por
exemplo.
De acordo com a Lei
6.938/1981, o intuito desse instrumento é promover o desenvolvimento econômico
e social aliado à proteção do meio ambiente.
A Constituição Federal
de 1988, no caput do artigo 225, dispõe que todos “têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado”, sendo dever do poder público, com vistas a
assegurá-lo, “exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente
causadora de significativa degradação do meio ambiente”.
Nessa linha, a Lei
Complementar 140/2011 disciplinou a competência administrativa ambiental e
repartiu as competências entre os entes da Federação: União (artigo 7º),
estados (artigo 8º), municípios (artigo 9º) e Distrito Federal (artigo 10).
Os municípios podem
exercer plenamente a sua competência no licenciamento ambiental, cabendo a eles
a criação, estruturação e organização de seus respectivos órgãos e legislação
ambientais locais para dar conta do controle ambiental local.
Se o empreendimento,
obra ou atividade for de impacto predominantemente local, o licenciamento
ambiental poderá, em regra, ser realizado pelo próprio município, cuja
competência administrativa foi reconhecida pelo artigo 23 da Lei Fundamental.
Com isso, ganhou força
o movimento em prol da municipalização do licenciamento ambiental, havendo
legislação adequada, equipe técnica multidisciplinar e ouvido o conselho local,
ficando claro que esse processo acarreta benefícios para o planejamento e gestão
das urbes.
• Descentralização do licenciamento
ambiental
O Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), em sua publicação Perfil dos Municípios
Brasileiros, de 2015, oferece um capítulo sobre gestão ambiental, especialmente
focado nos municípios que internalizaram o licenciamento ambiental como ferramenta
de sustentabilidade. A publicação traz um gráfico que apresenta a porcentagem
dos municípios que realizam o licenciamento ambiental agrupados em classes de
população.
Verifica-se um robusto
processo de municipalização do licenciamento ambiental por grandes municípios,
com mais de 500 mil habitantes (na escala de 90,2%), apresentando-se uma curva
descendente para os municípios menores, totalizando entre os entes locais
pátrios a percentagem de 30,4%.
Isso retrata uma forte
tendência de descentralização do licenciamento ambiental pelos entes que
possuem vontade política e capacidade institucional para investir nesse
instrumento de comando e controle, que é estratégico para a gestão ambiental
das cidades.
• Licenciamento nos municípios paulistas e
gaúchos
No estado de São
Paulo, por exemplo, o licenciamento ambiental pelos órgãos municipais é
disciplinado pela Deliberação Consema Normativa 01/2024, que fixa tipologia
para o exercício da competência local no âmbito do licenciamento ambiental,
estipulando um escalonamento de competências de acordo a capacidade e estrutura
dos municípios. Atualmente, têm-se dos 645 municípios paulistas, apenas 70, ou
seja, em torno de 10% do total optaram por municipalizar o licenciamento
ambiental.
No Rio Grande do Sul,
um programa de descentralização da gestão ambiental foi implementado no início
dos anos 2000 e transformado em programa de governo. Isso tornou o estado
referência nacional na municipalização do licenciamento ambiental.
Em 2009, por exemplo,
conforme dados da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura,
existiam 300 municípios realizando o licenciamento ambiental no Brasil, dos
quais 228 eram localizados no Rio Grande do Sul.
Esses dados
demonstravam claramente que o programa implantado no estado apresentava
resultados convincentes, considerando o universo de municípios responsáveis
pelo licenciamento ambiental em todo o território nacional. Para os defensores
da municipalização da gestão ambiental, é claro que tais números indicavam o
caminho a ser seguido pelo restante do país.
Atualmente, após um
processo evolutivo e de consolidação do licenciamento municipal, o estado
sistematizou as atividades passíveis de impacto local na Resolução 372/2018 do
Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema).
Essa norma regulamenta
e fortifica a autonomia dos municípios para licenciar empreendimentos, obras e
atividades de impacto local. De acordo com a Secretaria Estadual de Meio
Ambiente, dos 497 municípios do estado, 480 já fazem o licenciamento local, o que
perfaz o excelente índice de 96,5%.
O estado, por meio da
Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luís Roessler (Fepam), órgão
estadual de meio ambiente no RS, também firma convênios de delegação de
competências das atividades definidas como de impacto supralocal,
possibilitando que os municípios conveniados atuem no licenciamento dessas
atividades, nos termos do artigo5º, caput, da LC 140/11.
• Difusão da prática e suas vantagens
Face aos dados e
praxis apontados, parece-nos salutar que esta prática seja espraiada pela
nação, especialmente para outras cidades que têm o processo de licenciamento
ambiental amadurecido (Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Curitiba,
Recife, Fortaleza, Porto Alegre, Campinas, João Pessoa etc. etc.).
A partir da
experiência local de gestão ambiental, traz-se algumas tendências, como aliar a
gestão técnica à dialógica e participativa, oportunidade em que os conselhos
ambientais possuem papel estratégico, com destaque aos municipais, que retratam
uma importante forma de inclusão na formação de políticas públicas locais, com
o norte da participação cidadã.
Ademais, o
licenciamento é uma das fontes primárias de informações sobre o território,
permitindo-se ao gestor local o cruzamento de estudos e dados para analisar as
sinergias de diversos empreendimentos e seus impactos no meio ambiente, a
aplicação de políticas públicas nas compensações geradas pelos empreendimentos,
dentre muitas outras possibilidades, são potentes instrumentos para gestão
pública.
O licenciamento
ambiental municipalizado também permite o controle efetivo dos impactos de
empreendimentos e atividades potencialmente poluidores, para além do
licenciamento urbanístico, quando promove diretamente o licenciamento ambiental
(em sede de impacto local) e oferece subsídios qualitativos a outros órgãos
ambientais estadual e federal (em sede de impacto regional e nacional), dentre
eles as condições de infraestrutura já existentes do local e as em
planejamento.
Como exemplo, o plano
macroviário projetado para a cidade, bem assim as políticas e restrições de
caráter ambiental constantes da legislação citadina, trazendo, por conseguinte,
maior segurança ao processo de licenciamento ambiental do empreendimento ou atividade.
Também salienta-se as
parcerias e movimentos de sinergia institucional entre as cidades, por meio de
consórcios públicos de municípios, a exemplo: o Consórcio Intermunicipal do
Médio Vale do Itajaí (Santa Catarina), Consórcio Intermunicipal de Desenvolvimento
Ambiental Sustentável do Norte de Minas (Minas Gerais) e Consórcio do Vale do
Paraíba (São Paulo).
Constituídos
especialmente para o licenciamento ambiental, leva-se em conta as experiências
de união de municípios conurbados, inseridos de regiões ou aglomerações
urbanas, bem como as bacias hidrográficas, com o objetivo de prestar serviços
de controle ambiental e desenvolver ações conjuntas que visem o interesse
coletivo, o que garante maior cooperação, maior descentralização, bem como
ganhos de escala, melhoria da capacidade técnica, gerencial e financeira
regional.
Ademais, os municípios
estão muito mais próximos das demandas de interesse local da sociedade, podendo
dar uma resposta mais célere nos processos de licenciamento e uma fiscalização
imediata nas ações de fiscalização ambiental. Para além da competência constitucional,
a condição geográfica do nosso país e os reduzidos recursos destinados para a
área ambiental nos entes federados mais do que justifica a atuação municipal.
Para isso, é
imprescindível a capacitação dos órgãos municipais: União e os estados devem
promover o repasse de recursos técnicos, administrativos e financeiros para os
municípios, inclusive com um estímulo maior para a formação de consórcios
municipais, com vistas a melhorar a dotá-los de infraestrutura suficiente para
possibilitar um licenciamento mais qualificado e garantir um determinado grau
de uniformidade na atuação municipal.
Benefício geral
Por fim, inseridos na
agenda de cidades cada vez mais sustentáveis, o direcionamento do instrumento
não somente como forma de controle ambiental, mas também de planejamento e
potencializador de cumprimentos de acordos globais, a exemplo da Agenda 2030 da
Organização das Nações Unidas (ONU), em que 193 Estados membros da ONU
comprometeram-se a alcançar algumas premissas do Desenvolvimento Sustentável
até 2030.
Com órgãos ambientais
municipais qualificados e atuantes, a certeza de defesa e proteção
constitucional ao meio ambiente ecologicamente equilibrado nas atividades de
impacto local restará atendida, em benefício de toda a sociedade.
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NOTA: artigo escrito
pelos advogados Alexandre Burmann, Andrea Struchel, Paulo de Bessa Antunes e
Rosa Ramos
STF manda União apresentar plano contra
queimadas na Amazônia
O Plenário do Supremo
Tribunal Federal decidiu nesta quarta-feira (20/3) que a União deve apresentar,
dentro de no máximo 90 dias, um plano de combate a incêndios florestais e
queimadas não autorizadas.
O colegiado julgou
parcialmente procedentes três ações apresentadas por partidos políticos. Os
casos integram um conjunto de processos sobre política ambiental que foi
apelidado de “pauta verde”.
O relator do caso,
ministro André Mendonça, foi acompanhado em quase todos os pontos de seu voto,
ficando vencido, no entanto, quanto à necessidade de regulamentação, pelo
Executivo, de um fundo para destinar verbas à proteção do meio ambiente e à
mitigação das mudanças climáticas.
Nesse ponto, venceu,
por maioria apertada, de 6 votos a 5, o ministro Flávio Dino, que considerou
que o Supremo não poderia determinar a regulamentação. Ele foi acompanhado
pelos ministros Cristiano Zanin, Edson Fachin, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar
Mendes.
Quanto à declaração de
estado de coisa inconstitucional em matéria ambiental, ficaram vencidos Fachin,
Cármen e Fux.
• Os votos
Mendonça votou para
que o Executivo apresente em até 90 dias um plano de controle e combate a
incêndios no Pantanal e na Amazônia. E também para que a União elabore
relatórios semestrais sobre ações e resultados das medidas adotadas na execução
do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal
(PPCDam).
<<< Ele
propôs a adoção das seguintes medidas:
• Apresentação, em 90 dias, de plano para
prevenção e combate a incêndios no Pantanal e na Amazônia, que deve envolver
monitoramento, estatísticas e metas;
• Apresentação, pelo governo federal, de
um plano de recuperação da capacidade operacional do sistema Prevfogo, que
envolve o combate a incêndios florestais e queimadas não autorizadas;
• Divulgação de dados de execução
orçamentária para o combate a incêndios;
• Divulgação, pelos estados, de processos
internos sobre licenciamentos ou negativa de licenciamentos de supressão
vegetal;
• Que o plano trata também de propostas
para processar informações prestadas ao Cadastro Ambiental Rural (CAR). O STF
optou por não impor metas e prazos quanto a esse ponto, por dificuldades
políticas e técnicas envolvendo o CAR;
• Apresentação, perante o CNJ, de
relatórios semestrais sobre ações e resultados das medidas adotadas;
• Monitoramento, pelo Observatório do Meio
Ambiente do Poder Judiciário, ligado ao CNJ, sobre processos com grande impacto
no desmatamento;
• Regulamentação pela União, em até 180
dias, do Fundo Social, previsto no artigo 47 da Lei 12.351/2010, que tem como
fonte de custeio recursos do pré-sal, para que as verbas sejam destinadas à
proteção do meio ambiente e à mitigação de mudanças climáticas.
Flávio Dino divergiu
só quanto ao Fundo Social. Segundo ele, o fundo não trata só de temas
ambientais, mas também de educação, saúde e saneamento, entre vários outros
assuntos, de modo que obrigar o governo a utilizar valores em uma área violaria
a discricionariedade quanto à distribuição do dinheiro.
“Podemos prever que o
fundo integre o plano (a ser apresentado pela União), mas sem fixar prazos,
metas, nada desse tipo, porque não temos acervo informacional e dados técnicos
para avançar além do que podemos avançar”, disse Dino.
Como venceu nesse
ponto, Dino ficará responsável pela relatoria dos três casos a partir de agora.
• Ações
Na ADPF 743, o partido
Rede Sustentabilidade solicitou a apresentação, pelo governo federal, de um
plano de prevenção e combate a incêndios no Pantanal e na Amazônia.
Na ADPF 746, o PT
alegou que houve omissão na proteção, fiscalização e sustentabilidade do meio
ambiente. O partido questionou em especial a baixa execução orçamentária do
Ministério do Meio Ambiente em 2019, quando o Poder Executivo era chefiado por
Jair Bolsonaro (PL).
A última ação, a ADPF
857, foi movida por Psol, PSB, PT e Rede Sustentabilidade contra a União e os
estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Ela pediu que sejam estabelecidas
medidas concretas para impedir a repetição dos incêndios que ocorreram em 2020.
A solicitação também foi feita durante o governo de Bolsonaro.
Fonte: Conjur
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