Os prós e contras da isenção tributária a
igrejas
Governo chega a acordo
com evangélicos sobre a PEC das igrejas. Defensores afirmam que proposta
aumenta recursos para trabalhos sociais. Já críticos veem abertura para
atividades ilegais.O consenso entre Ministério da Fazenda e legisladores em
torno da emenda constitucional que deve ampliar a isenção tributária de igrejas
e templos de todas as religiões, prevista para ser votada em dois turnos no
plenário da Câmara na próxima semana, é visto como um aceno do governo a
bancadas religiosas no Congresso. Para especialistas ouvidos pela DW, pode
ainda ser considerado uma demonstração de força desses grupos no parlamento
brasileiro.
Nesta terça-feira
(19/03), líderes do governo se reuniram com evangélicos para fechar o texto da
Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 5/23, que ficou conhecida com PEC das
igrejas. A proposta aumenta o número de itens que podem ser adquiridos por entidades
religiosas sem pagamento de impostos, e foi justificado pelosserviços prestados
por estas instituições.
Na prática, a PEC
proíbe a cobrança de tributos sobre bens ou serviços necessários à formação do
patrimônio, à geração de renda e à prestação de serviços de todas as religiões.
Como resultado, materiais de construção utilizados em imóveis das entidades e
equipamentos de som poderão ser isentos de tributos, por exemplo. A estimativa
é de que a medida represente uma renúncia fiscal de até R$ 1 bilhão por ano.
O deputado Fernando
Máximo, relator do projeto, afirmou que o aumento dos recursos disponíveis
pelas igrejas com o não-pagamento de impostos vai possibilitar uma maior
prestação de serviços à comunidade. “Igrejas estão tirando pessoas do crime,
tirando pessoas das drogas, do álcool, da depressão e do suicídio, estão
trazendo paz para o nosso país”, ressaltou.
Críticos do projeto,
porém, argumentam que as renúncias podem impulsionar ainda mais o uso de
igrejas como fachadas para o exercício de outras atividades.
A advogada
especializada em Direito Tributário Maria Carolina Gontijo aponta que as
isenções para igrejas são antigas, vindo de constituições anteriores no Brasil.
“O argumento é o de que as entidades sobrevivem apenas de doações, e que as
verbas recolhidas são usadas apenas para manutenção, sem que haja nenhuma
atividade comercial”, afirma.
“Os apoiadores da
medida afirmam que se trata de uma questão missionária, e que o valor da
renúncia é irrisório”, afirma Marco Antônio Teixeira, cientista político e
professor da Fundação Getulio Vargas (FGV). Por outro lado, ele aponta que
parlamentares contra a medida questionam o projeto afirmando que se trata de
mais um privilégio para as igrejas.
governo se juntou à
bancada religiosa, deixando os opositores do projeto isolados. Na avaliação de
Teixeira, houve um “aceno aos evangélicos” por parte governista, lembrando que
este grupo nos últimos anos esteve em grande parte apoiando o ex-presidente Jair
Bolsonaro. “O governo sabe que precisa deste grupo para aprovar seus projetos”,
afirma.
“São bancadas de
interesses além dos partidários, e que costumam ter influência em qualquer
governo”, avalia. No caso do grupo religioso, Teixeira destaca que há apoio
além dos parlamentares evangélicos, com representantes de interesses católicos
também apoiando as votações em casos de convergências de interesses.
Em 2023, estudo do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelou um grande crescimento
dos estabelecimentos religiosos no Brasil neste século, especialmente
evangélicos. Em 1998, o número total no país era de 48.927, enquanto este valor
chegou a 124.529 instituições em 2021. Entre os estabelecimentos existentes em
2021, 52% eram evangélicos pentecostais ou neopentecostais, seguidos por 19%
evangélicos tradicionais e 11% de católicos.
·
Desvios de finalidade
Com a medida, vieram
também as críticas de que as renúncias pudessem ser utilizadas com outras
finalidades. “Quanto mais isenções existem, é mais difícil controlar o que
realmente é receita para atividade religiosa ou não”, avalia Gontijo. A medida
abre espaço para o uso das igrejas para importações e também a contratação de
serviços, sem que necessariamente haja uma fiscalização efetiva para que as
atividades fins das entidades estejam sendo exercidas.
Na interpretação da
tributarista, com a aprovação do projeto, pode ainda haver abertura para que
haja uma formação de patrimônio com isenção do pagamento de impostos sem que
necessariamente haja a aplicação para a finalidade social para a qual a
entidade foi criada.
Um tema que preocupa
autoridades é o uso das entidades religiosas para a lavagem de dinheiro. “É
muito difícil conter a lavagem de dinheiro se não há controle da origem das
receitas. As ampliações recentes abrem as igrejas para mais atividades, o que
pode incluir ações ilegais”, destaca Gontijo. A advogada lembra a possibilidade
de doações que podem ter origem em dinheiro ilícito, mas o que não é fácil de
fiscalizar uma vez que se torna receita das instituições.
Em 2023, o Ministério
Público de Minas Gerais (MPMG) deflagrou a Operação Mamon, que identificou uma
rede de lavagem de capitais ilícitos oriundos de várias modalidades criminosas
com a utilização de empresas fantasmas, dentre elas uma rádio e uma igreja
evangélica. Conforme as investigações, a rede movimentou mais de R$ 6 bilhões.
Também no ano passado,
o Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) apontou que um integrante do
alto escalão do Primeiro Comando da Capital (PCC) abriu sete igrejas visando
lavagem de dinheiro.
“Não é nenhuma
jabuticaba”
Gontijo lembra que as
isenções existem em todo o mundo, e que os regimes na América Latina são bem
semelhantes ao brasileiro. “O que se aplica aqui não é nenhuma jabuticaba”,
afirma.
A avaliação vale tanto
para as renúncias fiscais quanto para os desvios de finalidade. Em 2020, uma
investigação jornalística transnacional nas Américas chamada Paraísos de
dinheiro e fé encontrou irregularidades em nove países, sendo que todos isentam
entidades religiosas de impostos.
Em alguns casos na
região, há apoios além da isenção tributária. Argentina e Peru são dois
exemplos de transferências diretas à Igreja Católica. No primeiro caso, uma lei
aprovada em 1983 determinou que o governo apoiasse o clero diocesano.
Como resultado, bispos
recebiam do Estado o equivalente a 80% da remuneração de um juiz nacional de
primeira instância – os bispos auxiliares e o secretário-geral do Episcopado,
70%. A medida esteve em vigor até o começo de 2024. O caso peruano é semelhante,
ainda que em menor número de clérigos, o que foi alvo de críticas nos últimos
anos devido a uma possível discriminação de outras crenças.
Em uma rara exceção,
em 2022, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, chegou a incluir um artigo
que pretendia que as igrejas pagassem um imposto de renda de 20% quando
realizassem atividades que não estivessem relacionadas com o seu culto. Porém,
a medida foi excluída durante a tramitação de seu projeto de reforma
tributária.
Ø
PEC das Igrejas: após acordo, Padilha pede
apoio de evangélicos a pautas do governo
O ministro das
Relações Institucionais, Alexandre Padilha, pediu nesta quarta-feira, 20, que a
Frente Parlamentar Evangélica apoie a agenda do governo Lula no Congresso. O
articulador político do Palácio do Planalto se reuniu com integrantes da
bancada religiosa um dia após anunciar um acordo para a votação de uma Proposta
de Emenda à Constituição (PEC) que amplia a imunidade tributária das igrejas.
Padilha disse a
líderes da bancada evangélica que o Executivo quer apoio na pauta econômica e
nos projetos sociais e de transição energética, mas não em temas de costumes. A
reunião ocorreu na sala da liderança do PSD na Câmara, um dos partidos que
fazem parte da base aliada. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem
enfrentado um aumento de rejeição entre a população evangélica, que é muito
mais identificada com a oposição, principalmente na figura do ex-presidente
Jair Bolsonaro.
“Foi a continuidade de
um diálogo que já começamos desde o ano passado. Mais de uma vez eu me reuni
com a Frente Evangélica. É uma frente importante porque reúne parlamentares de
vários partidos, tem uma extensão grande dentro da Câmara e do Senado”, disse
Padilha, ao sair da reunião.
“Foi para deixar claro
que a pauta do presidente Lula, cara ao governo, tem um eixo muito importante
que é o equilíbrio econômico, para consolidarmos o esforço de recuperação da
saúde das contas públicas. Esse esforço tem tido impacto muito positivo na recuperação
econômica do País”, emendou, em um momento no qual o ministro da Fazenda,
Fernando Haddad, tenta aprovar novas medidas de aumento de arrecadação para
tentar cumprir a meta de zerar o déficit fiscal este ano.
O presidente da
bancada evangélica, deputado Eli Borges (PL-TO), disse que o ministro foi à
Câmara apresentar a visão do governo sobre o País e que a bancada também
defendeu suas bandeiras.
“Não estamos, em
nenhum momento, dispostos a abrir mão destas pautas. Por exemplo, lutamos
contra o aborto e defendemos a vida; lutamos contra a descriminalização de
drogas; lutamos a favor liberdade; lutamos muito contra a doutrinação
ideológica nas escolas”, disse Borges, a jornalistas.
“Aqui não tem pauta de
costumes”, declarou Padilha, em aceno aos evangélicos. O presidente da Frente
Parlamentar, contudo, reclamou de decretos e portarias do governo que causaram
polêmica. Uma delas, publicada e depois revogada pelo Ministério da Saúde,
tratava de orientações sobre o aborto legal.
Também participaram da
reunião o coordenador da bancada evangélica no Senado, Carlos Viana (PL-MG), e
o ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, que é evangélico. Além
disso, estiveram presentes o líder do PSD na Câmara, Antonio Brito (BA), e a
deputada Benedita da Silva (PT-RJ), também evangélica.
Padilha disse que os
parlamentares apresentaram dúvidas, mas não discordâncias com relação ao texto
de acordo sobre a PEC das Igrejas. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL),
e líderes partidários da Casa decidiram votar a proposta na semana que vem no
plenário. Para ser aprovada, precisa do apoio de três quintos da Câmara, ou
seja, 308 deputados, em cada um de dois turnos de votação.
O relator da matéria,
o deputado Dr. Fernando Máximo (União Brasil-RO), e o autor do texto, o
deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), acertaram nesta terça-feira, 19,
com o Ministério da Fazenda um “meio-termo” para a PEC.
Segundo o relator,
foram feitas duas principais mudanças para atender às demandas da equipe
econômica. Uma delas foi a retirada da possibilidade de os templos religiosos
terem benefícios tributários na aquisição de bens ou serviços necessários à
geração de renda.
A outra foi a
determinação de que apenas as empresas contempladas na PEC possam pedir
“cashback” de imposto, impedindo que outras companhias usem CNPJ das
beneficiadas para conseguir vantagens na recompensa de impostos pagos.
“Eles pediram para
trocar (esse trecho) para dar mais segurança para a Receita (…). Empresa que
está vendendo material de construção para orfanato, que o orfanato consiga
pegar ‘cashback’ quando for reformar, mas que outras empresas, de má-fé, não
possam se utilizar disso utilizando CNPJ (da empresa beneficiada). O orfanato
que vai ter de pedir para a Receita o ‘cashback’ do imposto”, explicou Máximo,
ao sair da Fazenda.
A PEC, já aprovada em
comissão especial na Câmara, permite que a isenção dos templos religiosos, hoje
garantida nas tributações diretas, passe a valer também para as tributações
indiretas, como na compra de cimento para obras nas igrejas. Neste caso, seriam
abrangidos o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Serviços de
Qualquer Natureza (ISSQN).
O relator voltou a
dizer que o impacto fiscal da proposta nas contas da União, por meio da redução
no IPI, seria atualmente de algo em torno de R$ 1 bilhão.
Máximo alega que esse
impacto será zerado devido à aprovação da reforma tributária. Isso porque,
segundo ele, o IPI será extinto e o imposto seletivo que será criado – para
sobretaxar produtos que fazem mal à saúde, como cigarros e bebidas alcoólicas –
não atingirá igrejas. “O impacto é tão pequeno e o benefício é tão grande que a
receita aprovou, o governo aprovou”, disse o deputado.
No Senado, o tema
também já está sendo discutido. Hoje, o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco
(PSD-MG), recebeu os ministros do governo Fernando Haddad (Fazenda) e Alexandre
Padilha (Relações Institucionais), além de líderes no Congresso, para tratar do
tema. Depois do encontro, Padilha anunciou um acordo para a proposta avançar.
Fonte: Revista
Planeta/IstoÉ
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