sexta-feira, 22 de março de 2024

Os prós e contras da isenção tributária a igrejas

Governo chega a acordo com evangélicos sobre a PEC das igrejas. Defensores afirmam que proposta aumenta recursos para trabalhos sociais. Já críticos veem abertura para atividades ilegais.O consenso entre Ministério da Fazenda e legisladores em torno da emenda constitucional que deve ampliar a isenção tributária de igrejas e templos de todas as religiões, prevista para ser votada em dois turnos no plenário da Câmara na próxima semana, é visto como um aceno do governo a bancadas religiosas no Congresso. Para especialistas ouvidos pela DW, pode ainda ser considerado uma demonstração de força desses grupos no parlamento brasileiro.

Nesta terça-feira (19/03), líderes do governo se reuniram com evangélicos para fechar o texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 5/23, que ficou conhecida com PEC das igrejas. A proposta aumenta o número de itens que podem ser adquiridos por entidades religiosas sem pagamento de impostos, e foi justificado pelosserviços prestados por estas instituições.

Na prática, a PEC proíbe a cobrança de tributos sobre bens ou serviços necessários à formação do patrimônio, à geração de renda e à prestação de serviços de todas as religiões. Como resultado, materiais de construção utilizados em imóveis das entidades e equipamentos de som poderão ser isentos de tributos, por exemplo. A estimativa é de que a medida represente uma renúncia fiscal de até R$ 1 bilhão por ano.

O deputado Fernando Máximo, relator do projeto, afirmou que o aumento dos recursos disponíveis pelas igrejas com o não-pagamento de impostos vai possibilitar uma maior prestação de serviços à comunidade. “Igrejas estão tirando pessoas do crime, tirando pessoas das drogas, do álcool, da depressão e do suicídio, estão trazendo paz para o nosso país”, ressaltou.

Críticos do projeto, porém, argumentam que as renúncias podem impulsionar ainda mais o uso de igrejas como fachadas para o exercício de outras atividades.

A advogada especializada em Direito Tributário Maria Carolina Gontijo aponta que as isenções para igrejas são antigas, vindo de constituições anteriores no Brasil. “O argumento é o de que as entidades sobrevivem apenas de doações, e que as verbas recolhidas são usadas apenas para manutenção, sem que haja nenhuma atividade comercial”, afirma.

“Os apoiadores da medida afirmam que se trata de uma questão missionária, e que o valor da renúncia é irrisório”, afirma Marco Antônio Teixeira, cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV). Por outro lado, ele aponta que parlamentares contra a medida questionam o projeto afirmando que se trata de mais um privilégio para as igrejas.

governo se juntou à bancada religiosa, deixando os opositores do projeto isolados. Na avaliação de Teixeira, houve um “aceno aos evangélicos” por parte governista, lembrando que este grupo nos últimos anos esteve em grande parte apoiando o ex-presidente Jair Bolsonaro. “O governo sabe que precisa deste grupo para aprovar seus projetos”, afirma.

“São bancadas de interesses além dos partidários, e que costumam ter influência em qualquer governo”, avalia. No caso do grupo religioso, Teixeira destaca que há apoio além dos parlamentares evangélicos, com representantes de interesses católicos também apoiando as votações em casos de convergências de interesses.

Em 2023, estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelou um grande crescimento dos estabelecimentos religiosos no Brasil neste século, especialmente evangélicos. Em 1998, o número total no país era de 48.927, enquanto este valor chegou a 124.529 instituições em 2021. Entre os estabelecimentos existentes em 2021, 52% eram evangélicos pentecostais ou neopentecostais, seguidos por 19% evangélicos tradicionais e 11% de católicos.

·        Desvios de finalidade

Com a medida, vieram também as críticas de que as renúncias pudessem ser utilizadas com outras finalidades. “Quanto mais isenções existem, é mais difícil controlar o que realmente é receita para atividade religiosa ou não”, avalia Gontijo. A medida abre espaço para o uso das igrejas para importações e também a contratação de serviços, sem que necessariamente haja uma fiscalização efetiva para que as atividades fins das entidades estejam sendo exercidas.

Na interpretação da tributarista, com a aprovação do projeto, pode ainda haver abertura para que haja uma formação de patrimônio com isenção do pagamento de impostos sem que necessariamente haja a aplicação para a finalidade social para a qual a entidade foi criada.

Um tema que preocupa autoridades é o uso das entidades religiosas para a lavagem de dinheiro. “É muito difícil conter a lavagem de dinheiro se não há controle da origem das receitas. As ampliações recentes abrem as igrejas para mais atividades, o que pode incluir ações ilegais”, destaca Gontijo. A advogada lembra a possibilidade de doações que podem ter origem em dinheiro ilícito, mas o que não é fácil de fiscalizar uma vez que se torna receita das instituições.

Em 2023, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) deflagrou a Operação Mamon, que identificou uma rede de lavagem de capitais ilícitos oriundos de várias modalidades criminosas com a utilização de empresas fantasmas, dentre elas uma rádio e uma igreja evangélica. Conforme as investigações, a rede movimentou mais de R$ 6 bilhões.

Também no ano passado, o Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) apontou que um integrante do alto escalão do Primeiro Comando da Capital (PCC) abriu sete igrejas visando lavagem de dinheiro.

“Não é nenhuma jabuticaba”

Gontijo lembra que as isenções existem em todo o mundo, e que os regimes na América Latina são bem semelhantes ao brasileiro. “O que se aplica aqui não é nenhuma jabuticaba”, afirma.

A avaliação vale tanto para as renúncias fiscais quanto para os desvios de finalidade. Em 2020, uma investigação jornalística transnacional nas Américas chamada Paraísos de dinheiro e fé encontrou irregularidades em nove países, sendo que todos isentam entidades religiosas de impostos.

Em alguns casos na região, há apoios além da isenção tributária. Argentina e Peru são dois exemplos de transferências diretas à Igreja Católica. No primeiro caso, uma lei aprovada em 1983 determinou que o governo apoiasse o clero diocesano.

Como resultado, bispos recebiam do Estado o equivalente a 80% da remuneração de um juiz nacional de primeira instância – os bispos auxiliares e o secretário-geral do Episcopado, 70%. A medida esteve em vigor até o começo de 2024. O caso peruano é semelhante, ainda que em menor número de clérigos, o que foi alvo de críticas nos últimos anos devido a uma possível discriminação de outras crenças.

Em uma rara exceção, em 2022, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, chegou a incluir um artigo que pretendia que as igrejas pagassem um imposto de renda de 20% quando realizassem atividades que não estivessem relacionadas com o seu culto. Porém, a medida foi excluída durante a tramitação de seu projeto de reforma tributária.

 

Ø  PEC das Igrejas: após acordo, Padilha pede apoio de evangélicos a pautas do governo

 

O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, pediu nesta quarta-feira, 20, que a Frente Parlamentar Evangélica apoie a agenda do governo Lula no Congresso. O articulador político do Palácio do Planalto se reuniu com integrantes da bancada religiosa um dia após anunciar um acordo para a votação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que amplia a imunidade tributária das igrejas.

Padilha disse a líderes da bancada evangélica que o Executivo quer apoio na pauta econômica e nos projetos sociais e de transição energética, mas não em temas de costumes. A reunião ocorreu na sala da liderança do PSD na Câmara, um dos partidos que fazem parte da base aliada. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem enfrentado um aumento de rejeição entre a população evangélica, que é muito mais identificada com a oposição, principalmente na figura do ex-presidente Jair Bolsonaro.

“Foi a continuidade de um diálogo que já começamos desde o ano passado. Mais de uma vez eu me reuni com a Frente Evangélica. É uma frente importante porque reúne parlamentares de vários partidos, tem uma extensão grande dentro da Câmara e do Senado”, disse Padilha, ao sair da reunião.

“Foi para deixar claro que a pauta do presidente Lula, cara ao governo, tem um eixo muito importante que é o equilíbrio econômico, para consolidarmos o esforço de recuperação da saúde das contas públicas. Esse esforço tem tido impacto muito positivo na recuperação econômica do País”, emendou, em um momento no qual o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tenta aprovar novas medidas de aumento de arrecadação para tentar cumprir a meta de zerar o déficit fiscal este ano.

O presidente da bancada evangélica, deputado Eli Borges (PL-TO), disse que o ministro foi à Câmara apresentar a visão do governo sobre o País e que a bancada também defendeu suas bandeiras.

“Não estamos, em nenhum momento, dispostos a abrir mão destas pautas. Por exemplo, lutamos contra o aborto e defendemos a vida; lutamos contra a descriminalização de drogas; lutamos a favor liberdade; lutamos muito contra a doutrinação ideológica nas escolas”, disse Borges, a jornalistas.

“Aqui não tem pauta de costumes”, declarou Padilha, em aceno aos evangélicos. O presidente da Frente Parlamentar, contudo, reclamou de decretos e portarias do governo que causaram polêmica. Uma delas, publicada e depois revogada pelo Ministério da Saúde, tratava de orientações sobre o aborto legal.

Também participaram da reunião o coordenador da bancada evangélica no Senado, Carlos Viana (PL-MG), e o ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, que é evangélico. Além disso, estiveram presentes o líder do PSD na Câmara, Antonio Brito (BA), e a deputada Benedita da Silva (PT-RJ), também evangélica.

Padilha disse que os parlamentares apresentaram dúvidas, mas não discordâncias com relação ao texto de acordo sobre a PEC das Igrejas. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e líderes partidários da Casa decidiram votar a proposta na semana que vem no plenário. Para ser aprovada, precisa do apoio de três quintos da Câmara, ou seja, 308 deputados, em cada um de dois turnos de votação.

O relator da matéria, o deputado Dr. Fernando Máximo (União Brasil-RO), e o autor do texto, o deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), acertaram nesta terça-feira, 19, com o Ministério da Fazenda um “meio-termo” para a PEC.

Segundo o relator, foram feitas duas principais mudanças para atender às demandas da equipe econômica. Uma delas foi a retirada da possibilidade de os templos religiosos terem benefícios tributários na aquisição de bens ou serviços necessários à geração de renda.

A outra foi a determinação de que apenas as empresas contempladas na PEC possam pedir “cashback” de imposto, impedindo que outras companhias usem CNPJ das beneficiadas para conseguir vantagens na recompensa de impostos pagos.

“Eles pediram para trocar (esse trecho) para dar mais segurança para a Receita (…). Empresa que está vendendo material de construção para orfanato, que o orfanato consiga pegar ‘cashback’ quando for reformar, mas que outras empresas, de má-fé, não possam se utilizar disso utilizando CNPJ (da empresa beneficiada). O orfanato que vai ter de pedir para a Receita o ‘cashback’ do imposto”, explicou Máximo, ao sair da Fazenda.

A PEC, já aprovada em comissão especial na Câmara, permite que a isenção dos templos religiosos, hoje garantida nas tributações diretas, passe a valer também para as tributações indiretas, como na compra de cimento para obras nas igrejas. Neste caso, seriam abrangidos o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN).

O relator voltou a dizer que o impacto fiscal da proposta nas contas da União, por meio da redução no IPI, seria atualmente de algo em torno de R$ 1 bilhão.

Máximo alega que esse impacto será zerado devido à aprovação da reforma tributária. Isso porque, segundo ele, o IPI será extinto e o imposto seletivo que será criado – para sobretaxar produtos que fazem mal à saúde, como cigarros e bebidas alcoólicas – não atingirá igrejas. “O impacto é tão pequeno e o benefício é tão grande que a receita aprovou, o governo aprovou”, disse o deputado.

No Senado, o tema também já está sendo discutido. Hoje, o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), recebeu os ministros do governo Fernando Haddad (Fazenda) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais), além de líderes no Congresso, para tratar do tema. Depois do encontro, Padilha anunciou um acordo para a proposta avançar.

 

Fonte: Revista Planeta/IstoÉ

 

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