O país onde os sequestros viraram uma
indústria lucrativa
Os sequestros em massa
voltaram a abalar a Nigéria.
Por duas vezes em uma
semana, gangues de homens armados em motocicletas sequestraram centenas de
pessoas, vindo de florestas de dois lugares diferentes no norte do país.
No começo do mês,
surgiu a notícia de que no Estado de Borno (nordeste do país) supostos
militantes islâmicos capturaram mulheres e crianças que haviam saído de um
acampamento de pessoas deslocadas para procurar lenha. A notícia levou dias
para vir a público porque as torres de telefonia móvel da região haviam sido
destruídas.
No dia seguinte, mais
de 280 crianças, com idades de oito a 15 anos, e alguns de seus professores
foram levados por homens armados de uma escola a centenas de quilômetros de
distância, no Estado de Kaduna, no noroeste da Nigéria, para uma floresta
próxima.
Segundo relatos
locais, este ataque foi conduzido por militantes do grupo Ansaru, ligado à
al-Qaeda. O sequestro é o maior ocorrido em uma escola desde 2021.
Nos últimos meses,
houve uma trégua neste tipo de ocorrência que assolava a Nigéria desde o famoso
sequestro de cerca de 300 meninas de uma escola em Chibok, no nordeste do país,
em abril de 2014. O caso chegou às manchetes internacionais.
Mas, agora, as
notícias se repetem, às vésperas do décimo aniversário da tragédia.
Qual o motivo desse
ressurgimento dos sequestros, que ameaça a vida dos nigerianos mais
vulneráveis?
É difícil identificar
um padrão entre dois incidentes aparentemente não conectados, verificados em
momentos tão próximos. Mas é um lembrete de que a ameaça dos sequestros não
desapareceu.
O fato de que eles
aconteceram poucos dias antes do Ramadã, o mês sagrado dos muçulmanos, pode ser
significativo.
Pessoas que foram
sequestradas e libertadas no passado contaram que foram forçadas a cozinhar e a
prestar outros serviços domésticos nos acampamentos em meio à floresta.
Mas, de forma geral, o
sequestro por resgate na Nigéria é um negócio de baixo risco e alta
lucratividade. Os sequestrados costumam ser liberados após a entrega do
dinheiro e os perpetradores raramente são presos, mesmo depois que o pagamento
de resgate para libertar uma pessoa passou a ser ilegal no país.
Ao todo, mais de 4,7
mil pessoas foram sequestradas desde a posse do presidente Bola Tinubu, no
último mês de maio, segundo a empresa de consultoria de risco SBM Intelligence.
O sequestro passou a
ser uma atividade lucrativa para pessoas que precisam desesperadamente de
dinheiro. Além dos sequestros por pagamento, já houve gangues que exigiram
alimentos, motocicletas e até gasolina, em troca da libertação de reféns.
"A fraca economia
da Nigéria cria as condições para o surgimento dos sequestros", declarou à
BBC William Linder, funcionário aposentado da CIA americana e chefe da 14
North, uma empresa de consultoria de riscos especializada na África.
"No ano passado,
o governo não conseguiu resolver o problema da política cambial", explica
ele. "Os preços dos alimentos dispararam, especialmente nos últimos seis
meses. A percepção de corrupção continua."
O diretor do programa
africano do think tank (centro de pesquisa e debates) britânico Chatham House,
Alex Vines, concorda. Ele afirma que os recentes ataques podem estar
relacionados ao mau desempenho da economia nigeriana e à incapacidade das
forças de impedir a atividade das gangues de sequestro.
E o aumento dos preços
dos alimentos se agravou ainda mais porque os agricultores não cultivaram seus
campos, com medo de ataques ou sequestros.
"Em grande parte
dessas terras, gangues armadas suplantaram o governo e os chefes tradicionais
como as verdadeiras autoridades", afirma Vines.
As gangues extorquem
dinheiro das pessoas com frequência. Mas a impossibilidade de cultivar a terra
faz com que haja menos dinheiro disponível, o que pode explicar por que as
gangues se voltam para o sequestro.
Da mesma forma, a
redução de tamanho do lago Chade e a expansão do deserto do Saara para o sul
causaram escassez de água e o desaparecimento de terra arável para produção.
"Estas pressões
só aumentam o sofrimento de muitas pessoas, especialmente no norte",
explica Linder. "Isso faz com que as pessoas procurem fontes de renda
alternativas. Infelizmente, o sequestro por dinheiro é uma delas."
As fronteiras da
Nigéria são inseguras e permeáveis, o que favorece o trabalho das gangues. E a
violência islâmica aumenta a insegurança na região como um todo.
As vastas reservas
florestais nas regiões de fronteira foram transformadas em bases operacionais
para os criminosos.
"A Nigéria
precisa trabalhar com seus vizinhos", afirma o analista de conflitos
Bulama Bukarti, do Instituto Tony Blair de Mudanças Globais. "Sem
cooperação transnacional, especialmente com o Níger, Camarões e Chade,
incluindo a parte noroeste da fronteira da Nigéria, esses incidentes irão
continuar a se repetir."
Mas apenas isso não
ajudaria a Nigéria a vencer as gangues, segundo Bukarti. As autoridades também
precisam estar dispostas a trazer os perpetradores à justiça.
"Nunca vimos um
líder de gangue ser preso e processado", prossegue ele. "É lucrativo.
Mais pessoas irão se associar e a impunidade irá aumentar."
Fonte: Por Yusuf
Akinpelu, de Lagos (Nigéria) para a BBC News
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