segunda-feira, 4 de março de 2024

Lula faz acenos para se reforçar e barrar o bolsonarismo

Em apenas uma semana, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez pelo menos três movimentações para atrair e ganhar a simpatia de alguns setores refratários a seu governo e resistentes ao petismo. São iniciativas focadas em dois principais objetivos: ganhar força para as eleições municipais e conter uma tentativa de "reabilitação" de Jair Bolsonaro, que levou milhares de apoiadores à Avenida Paulista e preocupou o Palácio do Planalto.

Em poucos dias, Lula sinalizou ao Congresso, aos evangélicos e aos militares. Para agradar ao Legislativo, o governo anunciou sua concordância com a criação de um calendário de pagamento de emendas parlamentares, até o fim de junho.

Coube ao ministro Alexandre Padilha, da Secretaria de Relações Institucionais, fazer essa costura, numa reunião no Planalto que levou à sua sala até mesmo o líder do PL na Câmara, Altineu Côrtes (RJ). Uma concessão com endereço certo, para atrair de vez o Centrão. A medida foi um recuo do governo, que resistia em liberar ainda mais dinheiro aos congressistas e tinha vetado o calendário de distribuição de verbas.

"O governo tem concordância em acelerar essa execução e vai construir um cronograma de execução das emendas ao longo do ano, como a gente sempre faz. Quer estabelecer a prioridade absoluta do empenho e pagamento desses valores da saúde e da assistência social, fruto de emendas individuais ou de bancada, no calendário eleitoral para que permita os repasses até a data-limite da vedação eleitoral, que é 30 de junho", anunciou Padilha. Horas depois, à noite, Lula recebia lideranças do Centrão para uma confraternização no Palácio da Alvorada, com a presença do líder maior do grupo, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Na semana passada, outro agrado do governo foi o aval para a aprovação da emenda constitucional que amplia a imunidade tributária para igrejas e templos, de todas as correntes religiosas. É algo que beneficia especialmente os evangélicos, já que se trata de isenção fiscal para a compra de bens e serviços, que vão de aquisição de material de construção a púlpito de oração, da contratação de pedreiros e engenheiros a compra de pisos e esquadrias.

A proposta foi aprovada, a toque de caixa, em 27 de fevereiro, na comissão especial, em votação simbólica e por unanimidade. A concessão desses benefícios irá gerar uma baixa no caixa do governo de bilhões de reais — estima-se até R$ 20 bilhões por ano.

O texto deve ser aprovado sem qualquer dificuldade. A PEC foi apresentada com a adesão de 346 deputados, bem mais que os 308 votos necessários para aprovação de uma emenda constitucional na Câmara.

Autor da proposta, o deputado e bispo Marcelo Crivella (Republicanos-RJ) naturaliza o apoio dos evangélicos em troca da adesão ao governo e a facilitação na aprovação da matéria. "Política é isso mesmo. Tem que atrair as pessoas. E acho justo. O presidente Lula sabe que a igreja é forte, que mantém o crime longe. O governo (com aprovação da PEC) vai ter uma grande aproximação com as igrejas. A ovelha ouve a voz de seu pastor. E vamos dizer que o governo nos ajudou", disse Crivella ao Correio. Ele aposta na promulgação da emenda durante o feriado da Semana Santa.

•        Caserna

O terceiro movimento de Lula foi em direção a um agrupamento que o governo ainda tenta recompor a relação —os militares. Sua declaração, numa entrevista à RedeTV!, de que o golpe militar de 1964 é coisa do passado e que não irá "remoer" esse assunto, soou como música na caserna. Em plena investigação do 8 de janeiro de 2023, com 16 oficiais sendo alvos de busca e apreensão da Polícia Federal (PF) — e sob risco até de serem presos por uma frustrada tentativa de golpe de Estado —, o presidente da República ergue a "bandeira branca" para o resto da tropa.

Sua manifestação se dá às vésperas da lembrança dos 60 anos do golpe que derrubou João Goulart e no meio dos preparativos de seu governo em evidenciar a data, jogando luz em locais que foram centros de tortura, desaparecimento e morte dos opositores do regime no país. A opção de Lula por não mexer com esse passado indignou e entristeceu uma parte de seus apoiadores, que são os setores ligados aos direitos humanos e grupos, como o Tortura Nunca Mais, e familiares e vítimas das violações do regime.

"Lula foi ofensivo em relação à memória das violências cometidas, não só aos que vivemos diretamente à barbárie em nossos corpos ou de nossos parentes, amigos e companheiros. (São) violências cometidas sobre o conjunto da sociedade. Se impôs pelo golpe de 1964 um projeto político que acentuou a desigualdade", disse a psicóloga Vera Vital Brasil, presa, torturada e exilada.

Com os acenos a esses três segmentos, Lula quer iniciar o ano com algum controle que lhe dê margem para, na campanha eleitoral municipal, fechar chapas e dobradinhas que favoreçam seu projeto político, sejam candidaturas do PT ou não nos grandes centros e capitais. E busca, também, anular, ou minimizar, a mobilização de Bolsonaro, que, além do ato em São Paulo, decidiu percorrer o país.

Encurralado por uma investigação da PF e do Supremo Tribunal Federal (STF), de uma tentativa de golpe de Estado, o ex-presidente busca o apoio das ruas. E Lula percebeu que alguma força seu antecessor ainda tem.

"O ato foi grande. Não é possível negar um fato", avaliou o presidente sobre a manifestação de 25 de fevereiro, na Avenida Paulista.

•        Depois dos giros no exterior, Lula promete mergulho no Brasil

Nem precisava que o ex-governador do Ceará e ex-presidenciável Ciro Gomes provocasse — em entrevista à emissora CNN Brasil, que foi ao ar ontem, cobrou de Luiz Inácio Lula da Silva: "Larga de querer ser popstar estrangeiro e venha trabalhar aqui". Isso porque já estava nos planos do presidente da República a diminuição nas idas ao exterior.

No entendimento do Palácio do Planalto, as tarefas que Lula tinha para fazer fora do Brasil estão concluídas, pelo menos por enquanto. A intenção, desde que assumiu o comando do governo, era a de reinserir o país na comunidade internacional e reconstruir as pontes que foram detonadas durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Além disso, as viagens faziam parte do projeto do presidente de se colocar como um interlocutor para as duas principais guerras em curso — a da invasão da Ucrânia pela Rússia e o confronto na Faixa de Gaza entre as forças de Israel e o grupo terrorista Hamas — como mais destacado líder do Sul Global.

"Viajei demais em 2023. Vocês sabiam que eu ia viajar, porque era preciso recuperar a imagem do Brasil e construir uma imagem positiva do Brasil no mundo. O Brasil voltou a ter importância", afirmou Lula.

Mas, agora, as prioridades são outras. Depois das idas ao Egito e à Etiópia, em fevereiro, e mais recentemente à Guiana e a São Vicente e Granadinas, no Caribe — onde participou da reunião da Comunidade dos Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) —, a agenda de 2024 é rodar pelo Brasil e consolidar a presença do governo, com vistas às eleições municipais de outubro. Este ano será dedicado ao lançamento de obras, de apoiar aliados e de, se possível, aumentar o leque de parceiros políticos.

"Se preparem porque vou percorrer o Brasil. Quero visitar o Brasil, quero visitar as cidades, conversar com prefeitos, com o povo, com os governadores", anunciou, no final do ano passado.

•        Costuras

Em janeiro, a primeira região a ser visitada pelo presidente foi o Nordeste, fundamental para a vitória sobre Jair Bolsonaro na eleição de 2022. Mas isso não quer dizer que não existam apoiadores do ex-presidente e que não tentarão manter a presença política da extrema direita no pleito municipal, em outubro. Exemplos disso são os ex-ministros Marcelo Queiroga, da Saúde, João Roma, da Cidadania, e Gilson Machado, do Turismo, que devem disputar as prefeituras de João Pessoa, Salvador e Recife, respectivamente, empunhando a bandeira do bolsonarismo.

Lula esteve na Bahia, em Pernambuco e no Ceará em janeiro. Em fevereiro, deu atenção a Minas Gerais e São Paulo, maiores colégios eleitorais do país — e governados pelos adversários Romeu Zema e Tarcísio de Freitas —, para a formação de chapas e palanques. No Rio de Janeiro, o presidente tenta alavancar a reeleição do prefeito Eduardo Paes e já acenou que gostaria de ver a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, como vice da chapa. Resta, porém, convencer o PT local a aceitar a indicação.

Em São Paulo, o presidente ungiu a ex-senadora Marta Suplicy como vice na chapa de Guilherme Boulos (PSol) e torce para que o atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), vá para a disputa com o apoio do bolsonarismo. Isso porque facilitará a "nacionalização" da campanha, abrindo a possibilidade de desgastar o governador Tarcísio — que diante da inelegibilidade de Bolsonaro, vem sendo apontado com possível candidato da extrema direita às Presidência em 2026.

·        Governo espera relatório para decidir sobre reajuste de servidores

governo federal espera a divulgação de um documento técnico que sairá em março para dar resposta definitiva aos servidores públicos sobre a concessão ou não de um reajuste salarial em 2024. O documento — chamado de Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias — é produzido em conjunto pelas áreas técnicas dos ministérios da Fazenda e do Planejamento e Orçamento e publicado de forma bimestral.

O relatório, que será divulgado em 22 de março, trará um balanço sobre a arrecadação federal nos meses de janeiro e fevereiro. Como vem sendo dito pela ministra da Gestão, Esther Dweck, se houver alta na arrecadação federal, o novo Marco Fiscal (a regra de controle dos gastos públicos) traz uma brecha que prevê a ampliação das despesas e pode contemplar reajuste ainda em 2024.

Essa novidade foi adiantada por ela, com exclusividade, em entrevista ao Metrópoles, em 25 de janeiro. “Se você estiver cumprindo a meta de resultado primário e tiver um excesso de receita, a gente pode ter uma expansão da despesa em até R$ 15 bilhões este ano. E, aí, isso sim já está pactuado com os ministros que compõem a Junta de Execução Orçamentária, que parte disso, sim, seria para um reajuste dos servidores este ano”, revelou, na ocasião.

A ampliação das despesas só vai ser possível se não houver nenhuma verba bloqueada para alcançar a meta de déficit fiscal zero. Tampouco está definido quanto desses R$ 15 bilhões poderão ser destinados para bancar um eventual reajuste para os servidores.

·        Governo pede tempo a servidores

Na última quarta-feira (28/2), após nova rodada da Mesa Nacional de Negociação Permanente (MNNP), o governo se disse impedido de se posicionar, neste momento, sobre eventual reajuste salarial para este ano aos funcionários do Executivo federal.

De acordo com o secretário de Relações de Trabalho do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), José Feijóo, o governo federal não vai se posicionar sobre eventual reajuste neste ano enquanto não forem consolidados os dados de arrecadação da União.

“São muitas as conquistas para os servidores desde o ano passado para cá. Está muito claro o quanto o governo se esforça para atender as demandas apresentadas pelos servidores”, afirmou José à bancada sindical.

Em resposta, os servidores alegaram que, sem recomposição salarial neste ano, não há acordo. Ou seja, devem intensificar as mobilizações. Algumas categorias, como a dos funcionários do Banco Central (BC) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), têm feito paralisações para pressionar o governo. Um movimento grevista geral não está descartado.

·        Proposta e contraproposta

Para 2024, a equipe de Dweck sugeriu aumento no auxílio-alimentação, de R$ 658 para R$ 1 mil; no valor per capita referente ao auxílio-saúde, de R$ 144 para R$ 215; e no auxílio-creche, de R$ 321 para R$ 484,90.

Isso representa 51,06% de reajuste nos auxílios, já contemplado no Orçamento de 2024. Com exceção do auxílio-saúde, os demais benefícios não abrangem aposentados e pensionistas; por isso, há pressão dos servidores.

O MGI promete mais 9% de correção nos próximos dois anos, a ser paga em duas parcelas de 4,5%: a primeira em maio de 2025; e a segunda em maio de 2026.

Inicialmente, a bancada sindical apresentou uma contraproposta pedindo correções de 22,71% e 34,32%, a depender do tipo de acordo firmado com as categorias. Em seguida, em um esforço de negociação, ajustou para baixo os percentuais demandados, entre 7% e 10%, pontuando que aceita que eles sejam implementados apenas no segundo semestre.

Justificando não ter como atender a demanda agora, o governo negou a contraproposta.

·        Déficit e bloqueio também serão decididos

O relatório bimestral também tem o intuito de acompanhar o cumprimento da meta fiscal estabelecida para o exercício atual, de déficit zero.

É por meio deste relatório ainda que o Poder Executivo estabelece o contingenciamento (isto é, o bloqueio) das despesas do orçamento geral da União quando a receita reestimada não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidas. Assim, o relatório pode trazer valores a serem bloqueados em determinadas áreas.

Se houver bloqueio em alguma pasta, não será possível conceder reajuste ao funcionalismo.

Segundo dados de janeiro já divulgados, a arrecadação federal tem surpreendido positivamente, como resultado de medidas para expansão das receitas tomadas pelo governo, em conjunto com o Congresso Nacional, no ano passado.

 

Fonte: Correio Braziliense/Metrópoles

 

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