Luiz Carlos Azedo: Novo coronelismo mostra
abuso de poder econômico e impunidade
Um presidente da
República não pode ser investigado nem processado pelo Supremo Tribunal Federal no
exercício do mandato. Somente o Congresso pode fazê-lo, por um processo de
impeachment, seja por causa da compra irregular de um Fiat Elba, seja uma
"pedalada fiscal", como aconteceu com os ex-presidentes Fernando
Collor de Mello e Dilma Rousseff, respectivamente. É um processo político, cujo
desfecho depende da consistência de sua base parlamentar. Ministros do STF
também têm prerrogativas excepcionais, mas podem ter seus mandatos cassados
pelo Senado.
Senadores e deputados
não têm essa prerrogativa. Podem ser investigados e processados, como qualquer
cidadão, mas apenas pelo Supremo. Agora, porém, a oposição e o baixo clero da
Câmara se articularam para votar uma mudança constitucional que lhes garanta
impunidade no exercício do mandato, obstruindo investigações da Polícia Federal
(PF), que só ocorrem a mando do STF, por terem foro privilegiado. Além disso,
querem acabar com esse mesmo foro para serem processados em primeira instância
e, ainda, proibir decisões monocráticas sobre a constitucionalidade de suas
deliberações e restringir o mandato dos ministros do Supremo.
Antes de outras
considerações, é importante destacar que, aqui, não se trata de jogar a criança
fora com a água da bacia. O Congresso é a representação política do conjunto da
sociedade, reflete seu nível cultural e de consciência social, um perfil que, historicamente,
está associado à qualidade da formação educacional dos eleitores, à forma como
a sociedade se estrutura e ao regime político. O conservadorismo, o
negacionismo, a transgressão e outros comportamentos que se fazem representar
no Congresso somente serão superados quando houver uma ruptura da modernização
do país com o atraso, o que nunca ocorreu.
Esse mesmo Congresso é
o pilar da democracia e protagonista das reformas necessárias à modernização do
Estado brasileiro, embora, ao mesmo tempo, conviva com a exclusão e as
iniquidades sociais. Não pode ser objeto de um olhar maniqueísta. Tanto que não
embarcou na tentativa de golpe de 8 de janeiro — manteve-se fiel à Constituição
e respeitou o resultado das urnas, embora a maioria de suas lideranças tenha
apoiado o ex-presidente Jair Bolsonaro.
·
Partidocracia
Desde o tsunami
eleitoral de 2018, o Congresso, liderado pela Câmara dos Deputados, opera um
movimento de blindagem eleitoral que se caracteriza pelo abuso do poder
econômico nas eleições, por meio de vultosas verbas do Orçamento da União e do
controle sobre os fundos partidário e eleitoral. O continuado esforço da cúpula
das legendas para controlar verticalmente os partidos, por meio de comissões
provisórias, e assegurar a reprodução dos seus mandatos, com o financiamento
público, restringe as possibilidades de renovação política, porque cria uma
"disparidade de armas" nas campanhas eleitorais. Um claro abuso de
poder econômico, inclusive dentro das próprias legendas.
Os mandatos se
perpetuam ou se renovam no próprio âmbito familiar, por razões etárias ou
legais. Esse fenômeno não é novo, mas recrudesceu com a emergência das redes
sociais e a eleição de "influenciadores" com votações espetaculares,
que rompeu as blindagens. Certas frentes parlamentares — evangélicos,
agronegócio, bancada da bala, por exemplo, que se apoiam em estruturas
poderosas economicamente — transpassam os partidos e, em alguns casos, têm mais
influência do que as bancadas nas decisões da Câmara.
O jurista italiano
Norberto Bobbio descreve a partidocracia como o domínio dos partidos sobre toda
a esfera da vida política: "Em vez de subordinarem os interesses
partidários e pessoais aos interesses gerais, grandes e pequenos partidos
disputaram para ver quem consegue desfrutar, com maior astúcia, de todas as
oportunidades para ampliar a própria esfera de poder. Em vez de assumirem as
responsabilidades de seus comportamentos mais clamorosos e criticáveis,
empregam toda a habilidade dialética para demonstrar que a responsabilidade é
do adversário, a tal ponto que o país vai se arruinando e ninguém é
responsável" (As ideologias e o poder em crise, Editora UnB, DF,
1999).
As principais
ferramentas da partidocracia são o financiamento público das legendas e das
campanhas, e a atribuição de cargos em vastos setores da sociedade e da
economia, segundo critérios predominantemente políticos. Essa formulação nasceu
na crise política italiana dos anos 1980, que levaria de roldão seus principais
partidos - Democracia Cristã, Partido Comunista e Partido Socialista —, mas se
aplica perfeitamente ao que estamos vendo no Brasil. Em algum momento, a
sociedade reagirá como em junho de 2013.
Entretanto, temos uma
agravante: a simbiose com o coronelismo recidivo, alavancado pelo poder do
agronegócio. Clássico da ciência política brasileira, Coronelismo,
enxada e voto, o município e o sistema representativo no Brasil (Companhia
das Letras), de Victor Nunes Leal, publicado em 1948, descreveu o fenômeno como
um sistema que articulava os poderes central e local, a partir dos interesses
da elite rural.
Inaugurado pelo
governo Campos Sales (1898-1902), com sua política dos governadores, na base do
"é dando que se recebe", era uma cadeia de favores que se estendia do
presidente da República aos fazendeiros e trabalhadores rurais, por meio do chamado
voto de cabresto, imposto pela força dos coronéis da antiga Guarda Nacional. O
título era adquirido por representantes da elite rural e que lhe dava o direito
de formar suas próprias milícias. Não estamos nesse estágio, mas chegamos perto
no governo Bolsonaro.
Ø
Zema diz temer 'parcialidade' da Justiça em
relação a Bolsonaro
O governador de Minas
Gerais, Romeu Zema (Novo-MG), em entrevista ao Estadão, em
Porto Alegre (RS), enfatizou que "teme a parcialidade" do judiciário
brasileiro diante da apuração da Polícia Federal em relação a tentativa de
golpe de Estado supostamente orquestrada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)
e seus aliados. O inquérito está nas mãos do ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF), Alexandre de Moraes.
“Eu sempre falo que
quem não deve, não teme. Eu só temo que possa haver alguma parcialidade. Aí é
que está a questão. A Justiça no Brasil, no meu entender, tem demonstrado que,
muitas vezes, tem julgado de acordo com interesses políticos e não de acordo com
a lei. E isso me parece que ficou bastante acentuado nesses últimos 14 meses”,
afirmou Zema.
Os 14 meses destacados
pelo governador coincide com a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva
(PT) e os atos golpistas do 8 de Janeiro.
Na entrevista, Zema
criticou o governo de Lula que, para ele, gasta mais do que arrecada, e
defendeu a gestão de Bolsonaro, citando o acordo para a expansão do metrô de
Belo Horizonte, queda na criminalidade e medidas que proporcionam, na visão do
governador, o atual crescimento econômico do Brasil e ainda lembrou que
Bolsonaro "teve dificuldades" por causa da pandemia.
Sobre a sua
participação no ato da Avenida Paulista, convocado por Bolsonaro para que
pudesse se defender, Zema declarou que "tinha diversos outros compromissos
em São Paulo e julguei que seria altamente positivo estar junto com o
presidente que levou grandes melhorias para Minas Gerais”.
Romeu Zema também
criticou o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT). Em Belo
Horizonte, na última na quinta-feira (29/02), o ministro elogiou a atuação
do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), na renegociação da dívida de
Minas Gerais, mas criticou Zema sem citá-lo nominalmente. “Tem muita gente que
fala, mas não resolve, não apresenta soluções”, declarou Padilha. Pacheco tem
se aproximado de Lula e é cotado para se candidatar a governador em 2026 com o
apoio do presidente e do PT.
O governador relembrou
a gestão de Fernando Pimentel (PT), seu antecessor, para rebater o ministro. O
governo do petista foi marcado por atrasos salariais e nos repasses
constitucionais da arrecadação com impostos para os municípios. "Eu acho
que ele (Padilha) não deve ir a Minas já há 10 anos ou mais”, alfinetou Zema.
Ø
Governadores do Sul e Sudeste se unem
contra crime organizado e pedem leis mais duras
Estados do Sul e do
Sudeste firmaram um Pacto Regional de Segurança Pública neste sábado, 2, para
enfrentar o crime organizado. Um gabinete integrado de inteligência será criado
para compartilhar informações e os policiais farão cursos de forma conjunta
para aumentar a integração entre as forças de segurança e padronizar
procedimentos e técnicas.
O pacto propõe ainda
uma série de mudanças para endurecer a legislação brasileira no enfrentamento
ao crime organizado, além de compras compartilhadas de equipamentos, como já
havia sido anunciado. A iniciativa foi apresentada no encerramento da 10ª edição
do Consórcio de Integração Sul e Sudeste (Cosud) neste sábado.
Os projetos de lei
serão entregues aos presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Os
governadores planejam realizar reuniões em Brasília com as respectivas bancadas
para pedir apoio às propostas. O Cosud é formado por São Paulo, Rio de Janeiro,
Minas Gerais, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina.
O governador de São
Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), disse que o foco das medidas é
aumentar o "custo do crime". "Que a gente possa revisar, por
exemplo, a liberdade provisória nas audiências de custódia, sempre olhando o
membro da organização criminosa, focado em quem produziu o crime violento.
Vamos sempre olhar para aquele que é reincidente. Isso vai trazer paz para o
nosso cidadão", disse ele.
Uma das propostas é
ampliar as justificativas possíveis para a realização de abordagens policiais.
Segundo Eduardo Leite (PSDB-RS), a lei atual possibilita que mesmo prisões em
flagrantes sejam revertidas caso a abordagem não seja baseada em uma razão objetiva
ou dados de inteligência.
"O que estamos
pleiteando é que se coloque o respaldo na legislação à abordagem policial que
encontre sustentação de forma justificada, mas por questão de comportamento, de
local e de outros temas", disse o governador gaúcho, acrescentando que continuariam
proibidas abordagens com base em preconceitos de raça, culto e orientação
sexual.
"Mas a percepção
do agente policial do comportamento de alguém em determinado local e
circunstância, que tenha elementos subjetivos, precisa sim ser entendida como
motivador que fundamenta a abordagem policial", acrescentou Leite.
Os governadores também
propõem que o crime de homicídio, quando praticado a mando de uma facção
criminosa, passe a ser considerado homicídio qualificado, que tem regras mais
rígidas para progressão de regime. No homicídio simples, o preso pode progredir
para o semiaberto a partir do cumprimento de um sexto da pena. Com a mudança
proposta, o critério seria de dois terços da pena.
"Alguém portando
um fuzil, alguém de tráfico ou milícia não pode ser considerado um criminoso
comum", disse Cláudio Castro (PL-RJ). Segundo o governador fluminense, 61%
da população carcerária do Rio de Janeiro integra facções criminosas. "Hoje
não há um temor pela lei. Vale a pena estar na fila do crime. Se você em dois
anos está na rua, depois de tomar uma condenação de oito anos, como aconteceu
recentemente no Rio de Janeiro, o crime passa a compensar".
Outra mudança
defendida é inserir o conceito de "habitualidade criminosa" para
permitir a decretação de prisão preventiva, em vez de liberdade provisória,
durante as audiências de custódia nos casos em que houver provas de que a
prática de crimes é recorrente, mesmo que não haja condenação transitada em
julgado.
Por fim, os
governadores demonstraram apoio ao fim das saídas temporárias, projeto aprovado
pelo Senado em fevereiro e que retornou à Câmara dos Deputados. Eles também
querem a regulamentação do acesso às informações sobre monitoramento
eletrônico.
O gabinete integrado
de inteligência será formado por servidores vinculados às forças de segurança
pública que tenham capacitação na área. O objetivo é compartilhar conhecimento
envolvendo o crime organizado. O órgão será itinerante e ficará seis meses em
cada Estado do Cosud.
A reunião de Porto
Alegre também chegou a um consenso sobre o estatuto que regerá o consórcio. No
próximo encontro, no Espírito Santo, será elaborado o contrato de rateio que
estabelecerá quanto cada Estado gastará para manter a estrutura do Cosud.
·
Governadores amenizam tom sobre
renegociação da dívida com o governo federal
Os governadores também
atenuaram o tom na coletiva à imprensa em relação às queixas que foram feitas
em uma reunião fechada na sexta-feira, 1º, sobre a atuação do Ministério da
Fazenda na negociação para alterar o indexador das dívidas dos Estados com a União.
Leite, por exemplo,
afirmou que a tônica do debate não foi de reclamação sobre o ministério de
Fernando Haddad (PT), que, segundo ele, tem demonstrado "compreensão e
sensibilidade". O governador disse ainda que o diálogo tem sido
"consistente e constante". "Algum tipo de discussão sobre uma
dificuldade pontual de evolução não significa que a tônica da reunião tenha
sido uma reclamação sobre o governo federal", afirmou o gaúcho.
Como mostrou
o Estadão, os governadores debateram a possibilidade de acionar o Supremo
Tribunal Federal (STF), mobilizar as bancadas federais para aprovar as mudanças
pleiteadas no Congresso Nacional e até mesmo suspender coletivamente o
pagamento da dívida como forma de pressionar o governo federal.
A principal crítica é
que as discussões se arrastam e as mudanças não são implementadas. Leite citou
que o tema é importante mesmo para Estados como São Paulo, que conseguem arcar
as parcelas da dívida. Ele relatou que em uma conversa com Tarcísio, o governador
paulista lhe disse que paga R$ 21 bilhões de dívida por ano, o que corresponde
à construção de uma linha do metrô paulista.
O argumento dos
governadores é que o regime atual, em que as dívidas são corrigidas de acordo
com o IPCA mais taxa de 4% ao ano - limitada à taxa Selic, atualmente em 11,25%
-, estrangula os orçamentos estaduais e impede o investimento em infraestrutura
e na melhoria dos serviços públicos. A proposta é que o indexador passe a ser
uma taxa de juros fixa de 3% sem a atualização monetária.
A expectativa dos
governadores é que a mudança seja efetivada ainda em 2024. Castro classificou o
tema como "urgente" pois significaria a sobrevivência dos Estados com
a situação financeira mais delicada, como o Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio
Grande do Sul, e a capacidade de investimento público dos demais.
"O que foi
levantado pelos técnicos ontem é que nós já avançamos demais nas propostas. E
que nós chegamos na fase de que, ou temos medidas efetivas, ou mês a mês
continuamos sangrando com as parcelas", disse o mandatário fluminense.
Ele disse que a
discussão de sexta-feira, 1º, era se os Estados continuariam agindo somente
junto ao governo federal ou se, como estratégia, iriam para outras
"arenas", como o Congresso Nacional e o STF. "Não tem nada de
reclamação aqui sobre o Ministério da Fazenda. O que tem é uma questão de
estratégia para que possamos ter o nosso pleito atendido. Ninguém entra no jogo
para perder", afirmou Cláudio Castro.
Fonte: Correio
Braziliense
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