sexta-feira, 22 de março de 2024

Eis a questão! Militares que souberam do golpe e nada fizeram devem ser presos?

O Supremo Tribunal Federal (STF) vai punir o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros militares que armaram a trama golpista de 8 de janeiro de 2023. Trata-se de um desfecho dado como favas contadas pela caserna. Nos bastidores, porém, integrantes do Alto Comando do Exército mostram preocupação com o julgamento de oficiais que, embora sabendo do plano para impedir a posse do presidente Lula, nada fizeram.

Há no STF uma divergência em relação a esse ponto. Decano da Corte, o ministro Gilmar Mendes, por exemplo, classificou os depoimentos de ex-comandantes militares divulgados até agora como “extremamente graves”. Não foi só: disse que quem participou de reuniões ou teve acesso a informações sobre ruptura institucional será alvo de processo judicial ainda neste semestre.

Na outra ponta, o ministro André Mendonça e outros magistrados têm dado sinais de que são contra a tese segundo a qual todo militar que soube das intenções golpistas de Bolsonaro e cruzou os braços se encaixa no crime de prevaricação e, portanto, deve ser preso.

“Qualquer ação de golpe de Estado necessitaria da intervenção de forças militares”, disse Mendonça, que foi ministro da Justiça e chefe da Advocacia-Geral da União (AGU) no governo Bolsonaro.

Os depoimentos à Polícia Federal que revelaram os labirintos da intentona de 8 de janeiro desgastaram ainda mais a imagem das Forças Armadas, às vésperas dos 60 anos do golpe de 31 de março de 1964. Foi por isso que o comandante do Exército, general Tomás Paiva, saiu a campo para defender a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que proíbe a candidatura de militares da ativa a cargos eletivos.

“O militar que quiser ser político deve mudar de profissão”, afirmou Paiva. “Nós não temos que estar envolvidos com política. Se é de direita ou de esquerda, não interessa”, emendou o presidente do Superior Tribunal Militar (STM), Joseli Parente.

Depois do julgamento do Supremo, o STM vai se debruçar sobre a situação dos oficiais, alguns deles de alta patente, e medidas disciplinares serão tomadas. O general Walter Braga Netto, candidato a vice de Bolsonaro em 2022, é um dos que estão na mira do STM.

Mensagens obtidas pela Polícia Federal mostram que Braga Netto chamou o então comandante do Exército Freire Gomes de “cagão” por ter se recusado a aderir ao golpe. Além disso, incentivou ataques nas redes sociais ao tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, que à época chefiava a Aeronáutica e foi considerado por ele como “traidor da Pátria”. Deu a mesma “orientação” para que houvesse um bombardeio na direção do general Tomás Paiva, visto como “PT desde criancinha”.

Coube a Baptista Junior a revelação de que Freire Gomes disse, numa reunião convocada pelo então ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, em 14 de dezembro de 2022, que seria obrigado a dar voz de prisão a Bolsonaro, caso ele tentasse virar a mesa.

Mas, para aliados de Bolsonaro, como o senador Ciro Nogueira (PP-PI), ex-ministro da Casa Civil, esta versão foi criada para que os dois militares se livrassem do crime de prevaricação.

“Eles foram omissos”, disse Ciro. Em julho de 2021, o senador testemunhou uma aliança dos oficiais com Braga Netto, então ministro da Defesa, para pressionar a Câmara pela aprovação do voto impresso.

Pouco mais de um ano depois, em agosto de 2022, Freire Gomes também participou de uma reunião a portas fechadas, na casa de Baptista Junior, com o comandante da Marinha, Almir Garnier, entre outros convidados. Na ocasião, o general reclamou muito do ministro do STF Alexandre de Moraes, que havia tomado posse a poucos dias como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A conversa começou às 20 horas e terminou bem depois da meia noite. Freire Gomes estava enfurecido com o fato de Moraes ter se reunido com os 27 comandantes das Polícias Militares para discutir a segurança das eleições, sem ao menos consultá-lo. Dizia que, pela Constituição, quem comanda as PMs e as forças auxiliares é o Exército.

O tempo fechou e houve ali quem pregasse que a Procuradoria-Geral da República pedisse a prisão de Moraes.

É certo que muitas revelações ainda estão por vir, mas sobre um fato não há dúvida: desde 2020 Bolsonaro queria decretar uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) no País.

Na pandemia da Covid-19, sua intenção era pôr o Exército nas ruas para abrir as lojas. Seria uma “emergência do bem”, dizia ele, quando falava sobre um possível estado de sítio.

Militares que foram contra, como o então ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva, caíram no fim de março de 2021. Ainda há muito o que se investigar para impedir que o futuro repita o passado. Mas, como se vê, o planejamento do golpe não ocorreu de uma hora para outra.

 

       Ministro do TCU que conhecia detalhes do golpe continua blindado e com salário de R$ 48 mil. Por Jeferson Miola

 

O ministro do TCU João Augusto Nardes, que manteve encontros conspirativos com comandantes militares após a vitória do presidente Lula na eleição de outubro de 2022, conhecia detalhes da articulação golpista.

Em mensagem de áudio enviada a lideranças bolsonaristas do agronegócio em 20 de novembro de 2022, o ministro do TCU dizia ter conhecimento que estava “acontecendo um movimento muito forte nas casernas”.

Na ocasião, Nardes informou com antecedência eventos graves que de fato vieram a acontecer em seguida – seria “questão de horas, dias, no máximo semana ou duas, ou talvez menos que isso, que vai acontecer um desenlace forte na nação”, disse.

“[…] Agora é um confronto decisivo […] Se sente que vai pra um conflito social na nação brasileira”, comentou com os interlocutores golpistas.

Decerto cauteloso em relação à possível quebra do consenso golpista nas cúpulas militares, Nardes ressalvou que só não haveria o tal “confronto decisivo” caso “haja uma capitulação por parte de alguns integrantes importantes e dirigentes”.

As previsões do bem-informado ministro do TCU sobre os atentados à democracia acabaram se confirmando.

No dia da diplomação de Lula e Alckmin no TSE [12/12], terroristas civis e fardados saídos do QG do Exército barbarizaram a capital da República. E, na véspera do Natal de 2022, fracassou o atentado com caminhão-tanque nas imediações do aeroporto de Brasília. O “confronto decisivo” finalmente se concretizou no 8 de janeiro.

Nardes é o que Leonel Brizola chamaria de filhote da ditadura. Teve toda trajetória política na ARENA, o partido de sustentação do regime de terror, e nas siglas que o partido foi adotando ao longo do tempo, até ser hoje o PP do Arthur Lira.

Ele se vincula aos setores do porão da ditadura, daqueles militares que não aceitavam o fim do regime e a transição para a democracia. No áudio aos apoiadores do golpe, ele relembra que nos anos 1980 tentou criar um movimento “para contrapor toda essa transformação que acabou acontecendo no Brasil”, e que conversava a respeito disso com os ditadores Ernesto Geisel e João Figueiredo, “os líderes da época”, nas suas palavras.

Apesar do notório envolvimento com a trama golpista, o ministro Nardes não foi alvo das operações da Polícia Federal no inquérito que investiga os atentados contra a democracia.

E ele tampouco foi submetido a procedimento administrativo no Tribunal de Contas da União, como previsto no artigo 143 da Lei 8112/1990: “A autoridade que tiver ciência de irregularidade no serviço público é obrigada a promover a sua apuração imediata, mediante sindicância ou processo administrativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa”.

Blindado pelos seus pares, Nardes continua atuando normalmente, com salário de R$ 48,5 mil mensais, além do festival de outros ganhos consideráveis, que todo mês engordam seu holerite, como o ressarcimento de assistência médica de R$ 10.512 em janeiro de 2024, diárias de R$ R$ 29.971 em abril de 2023, e os R$ 112.110 de férias indenizadas em dezembro de 2023.

Na Procuradoria-Geral da República, onde há quase um ano, em 23 de março de 2023, foi protocolada a denúncia de número 20230021874/2023 para apurar a omissão do TCU e os eventuais crimes cometidos por Nardes, a situação dele continua tranquila.

A denúncia continua empacada no mesmo lugar desde então. Em consulta feita à PGR em fevereiro, foi informado que o processo não andou. E talvez nunca saia de alguma gaveta do MPF.

Não é razoável que funcionários públicos implicados em crimes graves, como é o caso do ministro do TCU Augusto Nardes, não sejam investigados, processados e, se culpados, presos e demitidos do serviço público. A autoridade que deixa de cumprir seu dever legal e funcional incorre em ilícitos, e se torna cúmplice de desvios e crimes.

 

       Resta saber: em que dia aconteceu a tentativa de golpe: Por  Carlos Newton

 

As grandes discussões políticas hoje se referem ao golpe que não ocorreu, iria haver uma tentativa, mas morreu antes do nascedouro. Para a imprensa que apoia Lula da Silva e é amplamente majoritária, não há a menor dúvida – Bolsonaro tem de ser preso o mais rápido possível e vários ex-ministros e ex-chefes militares precisam acompanhá-lo no cárcere.

Mas as coisas não são tão simples assim. Primeiro, é preciso definir em que dia teria havido a tentativa de golpe. Teria sido dia 12 de dezembro, com o caos em Brasília? Ou foi na véspera de Natal, quando iam explodir o caminhão-tanque? Quem sabe aconteceu em 8 de janeiro, na Praça dos Três Poderes? O vandalismo teria caracterizado a tentativa de golpe?

Tudo isso é muito importante, porque no Direito Criminal do Brasil e do resto do mundo os atos preparatórios não são punidos, porque não chegou a haver o crime. Os atos preparatórios nada representam juridicamente.

Antes de entrar no âmago da questão, é preciso lembrar os detalhes. Na campanha eleitoral de 2020, o candidato Jair Bolsonaro levantou suspeitas sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas, porque a Justiça Eleitoral não tomou nenhuma providência para adotar o sistema misto eletrônico e impresso, confirma lei por ele proposta, aprovada pelo Congresso e que está em vigor, sem jamais ter sido adotada.

O Tribunal Superior Eleitoral respondeu convidando as Forças Armadas e outras entidades a formarem comissões de especialistas para analisar o sistema de votação e apuração.

Aí, começa a preparação do golpe, porque os comandantes militares são consultados pelo Planalto e respondem que, caso fosse constatada possibilidade de fraude, haveria intervenção.

Mas os militares acabaram desistindo do acompanhamento e as outras comissões não encontraram irregularidades. No entanto, o golpe continuou de pé, caso fosse comprovado ter havido fraude.

Logo sai o resultado, Lula da Silva vence e o governo não consegue nenhuma evidência de fraude. Com isso, os militares recuam e dão o assunto por encerrado.

Bolsonaro insiste, convoca os ministros militares sobre a minuta. Eles consultam os respectivos Altos Comandos e na reunião seguinte levam o resultado. A Marinha concorda com o golpe, mas o Exército e a Aeronáutica fazem pé firme, o então comandante Freire Gomes diz a Bolsonaro que ele pode ser preso, se insistir.

Deprimido com a derrota, Bolsonaro sai de cena e Braga Netto toma a frente, junto com o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira. No dia 12 de dezembro, Lula foi diplomado e os “kids pretos” já haviam implantado o terror em Brasília – tentaram ocupar a sede da Polícia Federal, invadiram empresas e postos de gasolina, incendiaram ônibus e veículos, pintaram e bordaram, mas ninguém foi preso.

Na véspera de Natal, dia 24, três aprendizes de terroristas são presos querendo explodir um caminhão-tanque no Aeroporto. Temendo ser acusado e preso, Bolsonaro continua recolhido e no dia 30 viaja para os Estados Unidos.

Dia 8 de janeiro, então, houve a manifestação e o vandalismo na Praça dos Três Poderes, com a prisão de 243 envolvidos. No dia seguinte, no acampamento, mas 1.152 são presos diante do Forte Apache. Mas nada de golpe. Simplesmente, não aconteceu. Então, precisamos buscar a tentativa e identificá-la, para processar legalmente os responsáveis.

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P.S. 1 – Vejam que não são infundadas as dúvidas do editor-chefe da Tribuna da Internet, que desde sempre aponta o general Braga Netto como verdadeiro líder do golpe. Vocês acham mesmo que os generais iriam dar um golpe para manter um capitão no poder? Bem, minha ironia não chega a tanto…

P.S. 2 – Repetindo, antes de abrir processo, as investigações precisam apurar com precisão quem estava à frente do golpe. Todos culpam Bolsonaro, mas é bem possível que a tentativa de golpe tenha ocorrido nas mãos de Braga Netto.

 

Fonte: Agencia Estado/Brasil 247/Tribuna da Internet

 

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