Os efeitos
do overturismo no paraíso baiano de Caraíva
Filas em
restaurantes, praias lotadas, trânsito caótico. Falta de água e energia, preços
exorbitantes, lixo em excesso. Estes são apenas alguns dos problemas do
overturismo nos destinos que entraram no radar dos turistas, como Caraíva,
Boipeba, Ilha Grande, Bombinhas e Jericoacoara neste verão.
Alguns
destes desafios passam despercebidos pelos viajantes menos conscientes, que
estão em busca apenas de altas badalações e somente um simples descanso.
A maior
parte dos turistas brasileiros escolhe o verão e as férias escolares para
realizar a tão sonhada viagem.
De acordo
com o levantamento “Tendências de Turismo“, realizado em dezembro de 2023 pelo
Ministério do Turismo, um em cada três brasileiros pretende viajar a lazer
durante a alta temporada, até março de 2024. Mais da metade dos viajantes
(59%) pretende viajar para destinos de sol e praia.
·
Os efeitos do
overturismo
Em
Caraíva, distrito de Porto Seguro, no sul da Bahia, um dos destinos mais
badalados dos últimos tempos, a população de cerca de 2 mil habitantes tem sua
dinâmica completamente alterada com o volume de turistas do início do verão.
Mas a
falta de dados oficiais alinhados sobre o número de visitantes já mostra o
despreparo do local para impor seus limites.
O ano mal
começou e os moradores de Ilha Grande, no Rio de Janeiro, estão mobilizados em
protestos por causa da constante falta de luz na Vila do Abraão, onde fica a
maior parte das pousadas. Enquanto isso, Caraíva também já chegou à saturação
nos serviços básicos, como coleta de lixo e fornecimento de energia.
Segundo
Tatiana Paixão, proprietária da pousada Casa de
Paixão Caraíva e moradora da região,
o overturismo (ou excesso de turistas) prejudica não apenas a vida
local, mas a experiência do turista. Ela conta que a combinação do alto fluxo
turístico com a infraestrutura limitada da vila vem causando picos de energia,
perda de equipamentos e de produtos.
“Nós
temos, por exemplo, muito medo da contaminação do rio Caraíva. A vila toda
trabalha com fossas. Algumas casas e hotéis têm fossas ecológicas, mas a
maioria não. A nossa água (para consumo) é de poço. Se falta energia com o
excesso de usuários, a bomba de água não liga e as casas ficam sem água. A
coleta de lixo aqui também é superdelicada, principalmente pela dificuldade de
acesso”, explica Tatiana.
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Turismo mais
responsável em Caraíva
A
empresária é uma das ativistas locais que, junto com muitos moradores, nativos
e comunidades tradicionais, acredita e luta por um turismo mais responsável
para Caraíva.
“É muito
importante pensarmos em que visitantes queremos receber. Até porque temos um
limite de capacidade. Será que estes turistas que vêm apenas para festas, sem
nenhum interesse pela cultura local?”, questiona Tatiana.
A
hoteleira e sua Casa de Paixão são membros do MUDA! Coletivo Brasileiro pelo
Turismo Responsável, que defende que o turismo precisa ser bom
primeiro para os moradores, para o destino e para quem estava no território
antes do turismo chegar e, em seguida, para os visitantes. Além disso, é
aliada da Futuri (Aliança
pelo Turismo Regenerativo no sul da Bahia).
Recentemente,
através da Associação
dos Nativos de Caraíva e do Conselho Comunitário e Ambiental de
Caraíva, o destino deu seu recado e conseguiu tirar do ar uma campanha de uma
marca de cosméticos com influenciadoras.
“Desvirtuar
a imagem de Caraíva com uma ação ‘vaga’, sem conteúdo, que não gera nada de
legado positivo ou construtivo, utilizando do nome e belezas naturais do
vilarejo sem nenhum propósito só vem a depreciar a imagem local”, diz a nota
de repúdio emitida pelas associações.
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Turismo de sol e praia
mais sustentável
Uma pesquisa
recente da Phocusright identificou que somente entre 13 e 21% dos
turistas mundiais entendem que o overturismo está diretamente relacionado com a
sustentabilidade do destino e da viagem. Ainda falta informação e
conscientização para o setor também aprender a se preparar ou minimizar
possíveis impactos do excesso de turistas.
Mas é
possível reverter esse cenário (e já tem gente mobilizada para isso!). Procurar
por destinos menos conhecidos e viajar fora do período de alta temporada, são
algumas estratégias que viajantes conscientes podem adotar.
Além de
reduzir o volume durante o verão, estamos ajudando a distribuir a renda para o
destino ao longo do ano. Mas, para transformarmos essa realidade, é necessário
um trabalho coletivo entre moradores, empresariado, turistas e poder público.
A educação
ambiental é uma ferramenta que pode transformar olhares e comportamentos. Em
Caraíva, por exemplo, a pousada Casa de Paixão usa suas redes sociais e espaço
físico para conscientizar os turistas durante o ano todo.
Os
hóspedes são convidados, através de placas, informações, produtos ecológicos na
lojinha e até mesmo com a senha do wi-fi, a não beber em long neck e a reduzir
e separar todo o lixo gerado localmente.
A pousada
também oferece água potável para que ninguém precise comprar garrafinhas
plásticas e o café da manhã é feito sob demanda, evitando o desperdício de
alimentos e o lixo excessivo.
A
participação dos moradores no desenvolvimento do turismo é extremamente
importante. Além de se envolver no planejamento, a população pode propor
mudanças, incentivar novas práticas e impor limites.
Em
Caraíva, a Associação dos Nativos já conseguiu estabelecer, junto ao ICMBio e
prefeitura de Porto Seguro, algumas medidas para proteger o meio ambiente e o
modo de vida da comunidade local, definindo um número máximo dois mil
visitantes por dia e de 850 pessoas por evento, além da proibição da venda de
long necks e do uso de caixinhas de som nas ruas ou praias. Infelizmente, nem
tudo está sendo cumprido.
Para somar
forças na ordenação do turismo, o poder público também tem um papel
fundamental. O monitoramento e gerenciamento dos impactos são estratégias que
evitam a degradação ambiental e conflitos sociais.
Estudos de
Capacidade de Carga Turística, que definem um limite máximo de visitantes, ou
mesmo a cobrança de taxas ambientais são ferramentas que podem (e devem)
auxiliar os destinos neste momento.
As
pesquisas de demanda também ajudam a entender o perfil do turista e geram dados
para tomadas de decisão. “Caraíva é realmente um lugar especial, não só de
belezas naturais, mas também de muita cultura e de pessoas acolhedoras. Não é à
toa que tanta gente se apaixona por nossa vila. Mas é um destino frágil.
Precisamos cuidar com todo o carinho, para que as próximas gerações também
possam conhecer este paraíso”, incentiva Tatiana Paixão.
Fonte:
Catraca Livre
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