Nilo Meza: A Política Externa brasileira no
divã
Presidente Lula abalou
o tabuleiro da diplomacia mundial com sua declaração crítica às ações de Israel
em Gaza, durante a Cúpula da União Africana.
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Quadro essencial
Lula, dando sinais de
liderança global, fez uma comparação dramática e correta, associando a política
do governo israelense na Faixa de Gaza com a campanha de Hitler, anos antes da
Segunda Guerra Mundial, para exterminar o povo judeu. Na Etiópia, ele negou que
exista uma guerra, e sim um há “genocídio”. Uma guerra é “entre soldados” e o
que vemos na Faixa de Gaza é o conflito “entre um exército bem preparado contra
mulheres e crianças”. Isso é genocídio.
Lula não falou sobre o
Holocausto realizado pelo regime de Hitler contra os judeus da Europa durante a
Segunda Guerra Mundial. Ele falou sobre a decisão nazista-alemã de exterminar
os judeus. Mas esta verdade não importa para aqueles que defendem o sionismo
bárbaro. Todos os meios de comunicação possuem os vídeos. A mídia escrita tem
acesso aos depoimentos. Mas, para a direita brasileira liderada por Bolsonaro,
aliada ao sionismo nazista, é melhor fazer as pessoas acreditarem que Lula
disse o que não disse. “Uma verdade repetida mil vezes acaba virando verdade”
diz a máxima, e resta saber se ela é capaz de fazer avançar um processo de
impeachment fomentado pelos bolsonaristas.
Pela primeira vez no
mundo, diante da vergonhosa e reiterada genuflexão do Conselho de Segurança da
ONU frente aos Estados Unidos (terceiro veto seguido a uma resolução de
cessar-fogo), o presidente Lula chama pelo nome o que está acontecendo na Faixa
de Gaza. Netanyahu reagiu como um legítimo nazista, ao declarar Lula persona
non grata. O brasileiro, enquanto isso, avalia a melhor forma de responder a
tal atitude. O mais provável é que ele o faça utilizando as melhores armas da
diplomacia.
A posição de Lula
desencadeou reações múltiplas e diversas. Entre as positivas e visionárias,
podemos citar a iniciativa da Fundação Perseu Abramo, em colaboração com a
Fundação Rosa Luxemburgo, que, de forma colaborativa, decidiu organizar um
“Curso de Formação para Internacionalistas”, que não só contribuirá para a
compreensão da componente teórica e metodológica de Política Externa, mas nos
permitirá ter ferramentas adequadas para enfrentar processos complexos de
dinâmica internacional nos quais o Brasil é um ator significativo.
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A necessidade de rigor
conceitual
Portanto, compreender
a Política Externa com toda a sua carga conceitual é uma obrigação para quem
almeja trilhar esses caminhos, que não são fáceis, mas fascinantes. O Brasil e
sua longa história como referência para a diplomacia regional e global merecem
um curso como o que começou neste sábado (24/02), nas instalações da Fundação
Perseu Abramo.
O conceito de Política
Externa faz parte da Teoria das Relações Internacionais. Isto pode parecer
simples, mas a confusão está logo em seguida, quando percebemos que as
definições conceituais de Política Externa podem se sobrepor indevidamente com
definições conceptuais derivadas da teoria das Relações Internacionais e, muito
mais frequentemente, com o conceito de Políticas Públicas. É hora, então, de
fazer um pequeno escaneamento das semelhanças e diferenças entre ambos, para
que, na hora de tomar decisões, o objetivo e os caminhos de ação em direção a
eles fiquem completamente claros.
As orientações da
Política Externa, geralmente do Estado, constituem elementos substanciais na
concepção de políticas e ações neste domínio e, em coerência com o que foi
dito, na concepção de políticas internas. Embora estes últimos possam variar
com cada período de governo, os outros deverão transcendê-los. Em ambos os
casos, deve-se levar em conta que o mundo atual navega com a proeminência de
dois polos, deixando a multipolaridade como alternativa, pelo menos por
enquanto. Os Estados Unidos e a China, ao que parece, emergem como líderes
polares no meio de uma disputa pela hegemonia mundial. Esse é o cenário.
·
Sionismo e judaísmo,
atores casuais?
No dia 7 de outubro de
2023, o Hamas atacou criminalmente contingentes armados e civis em Israel,
desencadeando a mais violenta retaliação sionista, quase um extermínio contra o
povo palestino na Faixa de Gaza. Desde então, passaram a circular profusamente
nos meios de comunicação globais muitos conceitos que não são dominados pela
maioria esmagadora da população que, compreensivelmente, não os assimilou
plenamente. Dois deles são os mais recorrentes: “judaísmo” e “sionismo”.
O judaísmo é uma
religião que inclui crenças religiosas e origens étnicas, uma raça, um povo.
Daí o “povo de Israel”. O sionismo surge em resposta ao antissemitismo. O termo
refere-se ao Monte Sião, nome bíblico de Jerusalém, e assume uma posição
política ligada ao judaísmo, mas reivindicando para si um Estado judeu na
“terra prometida” onde, precisamente, vive o povo palestino.
Se na época da sua
criação (finais do século XIX) o sionismo não recorreu à violência para atingir
o seu propósito, hoje tornou-se um movimento secular e nacionalista que, sem
deixar de usar o judaísmo, reivindica o território palestino como seu usando
extrema violência, como estamos vendo na Faixa de Gaza.
·
Os conceitos em jogo
Política Externa: é
habitual concebê-la como um conjunto de princípios que orientam a ação e a
interação de uma autoridade política fora das suas fronteiras, incluindo o
setor privado.
A Política Externa é
um tema de pesquisa vinculado à Ciência Política e às Relações Internacionais.
Observa e avalia fenômenos políticos, econômicos, sociais e culturais dentro
dos Estados, e também dentro do sistema internacional. Diz-se, com razão, que
poderá estar no auge das atividades políticas que são notoriamente difíceis de
definir num Estado soberano.
O governo, quando se
trata de Política Externa, atua em nome de uma unidade soberana, e as ações de
negociação têm precedência sobre as puramente legislativas.
Sua visão vem mudando,
de uma que está mais voltada à história para outra mais complexa, que dá mais
atenção às decisões, aos fatos concretos, aos novos atores e processos. Então,
começam a surgir impressões na sua conceituação. Por isso, é necessário defini-la,
diferenciando-a especialmente das Relações Internacionais e das Políticas
Públicas, em comparação com todos os atores envolvidos no ambiente interno e
externo.
Relações
Internacionais: é considerada uma disciplina acadêmica vinculada à Ciência
Política e tem a Política Externa como objeto de estudo.
As Relações
Internacionais são definidas como um conjunto de eventos que envolvem uma ampla
gama de atores, que interagem no sistema internacional. O conceito possui dois
critérios definidores: localização geográfica e atores envolvidos que,
individualmente ou em conjunto, ajudam a diferenciar as Relações Internacionais
da Política Externa. Por exemplo, o critério de “localização geográfica”
aproxima ambos os conceitos, uma vez que se referem a territórios fora das suas
fronteiras.
O critério dos “atores
envolvidos” teria mais poder para diferenciar a Política Externa das Relações
Internacionais, nas quais estão envolvidos atores não estatais, razão pela qual
será útil compreender como estas são incluídas no âmbito da Política Externa.
Pode acontecer de um interveniente não estatal decidir dispensar uma
autorização estatal para “as suas Relações Internacionais”? Nessa lógica,
conceitualmente, as Relações Internacionais acabariam sendo “inclusivas”
enquanto a Política Externa seria mais específica. São questões que certamente
serão abordadas no curso.
Políticas Públicas: as
Políticas Públicas, assim como a Política Externa, são ações oficiais pensando
no cidadão e nos seus problemas. Ambos passam por processos complexos de
aprovação e execução. Geralmente, os atores políticos estão interessados nas Políticas
Públicas, incluindo a Política Externa, pensando em acumular riqueza eleitoral.
Enquanto os grupos de interesse pressionam a aprovação de políticas que
produzam ganhos específicos.
Embora a Política
Externa e as Políticas Públicas possam ter procedimentos semelhantes para sua
aprovação, possuem especificidades que se diferenciam em objetivos e
resultados. As Políticas Públicas internas, essencialmente nacionais, precisam
ser negociadas e legisladas, mesmo considerando pressões externas. A Política
Externa é essencialmente negociação com atores, embora sem desconsiderar
questões internas.
Um bom livro sobre
estes temas é Foreign Policy in the 21st Century, Christopher Hill,
publicado em 2016.
Ø
Lula volta a acusar governo de Israel de
genocídio e endossa criação do Estado palestino
Durante lançamento do
novo edital do Programa Petrobras Cultural no Rio de Janeiro, presidente Luiz
Inácio Lula da Silva (PT), nesta sexta-feira (23), declarou mais uma vez que o
que Israel faz na Faixa de Gaza não é guerra, mas genocídio. Conflito já provocou
a morte de mais de 30 mil pessoas em quatro meses.
Na segunda agenda do
dia no Rio de Janeiro, após participar da inauguração do Terminal Gentileza, na
zona portuária, o presidente Lula esteve no lançamento do novo programa
cultural da Petrobras que vai conceder R$ 250 milhões em financiamentos.
Na ocasião, Lula
voltou a criticar a atuação de Israel frente ao conflito na Faixa de Gaza, que
já deixou mais de 90% da população em situação de fome, além de 100 mil pessoas
mortas, feridas ou desaparecidas.
"Quero dizer pra
vocês que da mesma forma que o quando estava preso não aceitava nenhum acordo
para sair da cadeia, porque eu não trocava a minha dignidade pela minha
liberdade, eu quero dizer pra vocês agora que eu não troco a minha dignidade
pela falsidade. Quero dizer pra vocês que sou favorável à criação do Estado
Palestino, livre e independente, e posso ter o Estado Palestino convivendo com
o Estado Israel", afirmou Lula sob aplausos do público, que contou com
artistas, ministros e autoridades de Estado.
Para Lula, o que o
governo de Israel faz com o povo palestino, que é bombeado diariamente pelo
Exército sob a justificativa de destruir o Hamas, não é uma guerra, mas um
genocídio contra homens, mulheres, trabalhadores e crianças. O presidente disse
ainda que a fala do último fim de semana, após reunião da cúpula da União
Africana na Etiópia, foi mal interpretada.
Na ocasião, Lula
comparou o conflito ao Holocausto do regime de Adolf Hitler na
"Tem que
interpretar a entrevista que eu dei, leia a entrevista em vez de ficar me
julgando pelo que disse. O que está acontecendo em Israel é um genocídio, são
milhares de crianças mortas, milhares desaparecidas, e não está morrendo um
soldado, estão morrendo mulheres e crianças dentro do hospital. Se isso não é
genocídio, eu não sei o que é genocídio, eu quero dizer pra vocês o que
é", defendeu.
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Conselho de Segurança da ONU 'não
representa nada'
Lula também comentou
sobre uma das principais propostas do Brasil para a presidência do G20 neste
ano, que é a reforma da governança global. Mesmo diante da magnitude de uma
guerra como a de Gaza, o presidente criticou a falta de efetividade das ações
da Organização das Nações Unidas (ONU) e do Conselho de Segurança.
"O Conselho de
Segurança da ONU hoje não representa nada, não toma decisão para nada e não faz
mais nada. Teve uma proposta aprovada pelo ministro Mauro Vieira [em outubro do
ano passado] que teve 12 votos favoráveis, duas abstenções e um voto contra dos
Estados Unidos, que depois de votar contra, simplesmente vetou, porque tem o
direito do veto. Ontem foi aprovada outra decisão que teve 13 votos a favor, um
voto contra e uma abstenção, um voto contra dos Estados Unidos, que vetou a
proposta. A lógica da ONU não é agir de forma democrática”, criticou.
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Evento cultural da Petrobras
As declarações do
presidente Lula aconteceram durante o lançamento do edital do programa
Petrobras Cultural, que terá o maior investimento da história.
Criado para financiar
projetos que valorizem a economia criativa e a diversidade, o Programa
Petrobras Cultural teve as inscrições iniciadas nesta sexta-feira (23) e a
expectativa é que sejam encerradas em 8 de abril. Ao todo, serão destinados R$
250 milhões através da Lei Rouanet e da Lei do Audiovisual para projetos e
iniciativas culturais.
Neste ano, o objetivo
da iniciativa é valorizar as regionalidades, com o elemento brasilidade como
norteador.
Ø
Apoio a Lula por condenar Israel é 'firme e
pleno', diz ministra da Bolívia em visita ao Brasil
A ministra da
Secretaria da Presidência da Bolívia, María Nela Prada, afirmou nesta
quinta-feira (22/02) em entrevista ao Brasil de Fato que o apoio do governo
boliviano às declarações de Lula sobre o massacre de Israel na Faixa de Gaza é
"firme e pleno".
A Bolívia foi um dos
países que se solidarizou com Lula após o presidente brasileiro ser declarado
"persona non grata" por Israel. A ação ocorreu após o mandatário
comparar as ações israelenses contra palestinos ao Holocausto cometido pela
Alemanha nazista contra o povo judeu.
"Nosso
presidente, Lucho Arce, se solidarizou justamente após as declarações de Lula e
da investida que [as autoridades israelenses] estavam fazendo ao declará-lo
'persona non grata' em Israel. Os presidentes da Colômbia e da Bolívia foram
criticados por essa solidariedade com Lula que, seguramente, é firme e
plena", afirmou.
Prada está em Foz do
Iguaçu, no Paraná, para participar da Jornada Latino-americana e Caribenha de
Integração entre os povos.
"Estamos em uma
luta que é mundial pelos direitos do povo palestino, pela Palestina livre e
soberana. Claro que a voz que levantamos em espaços como esses é fundamental
para que o povo palestino saiba que não está sozinho", disse.
Em outubro, a Bolívia
rompeu relações com Israel e classificou como um "genocídio" as ações
do país em Gaza que já deixaram mais de 29 mil mortos. Prada era chanceler
interina da Bolívia à época e foi ela quem anunciou o rompimento de relações.
"Nós também
aderimos ao processo da África do Sul na CIJ, em Haia, para se sejam
investigados os crimes que estão sendo cometidos na Faixa de Gaza", disse.
Fonte: Opera Mundi/Sputnik
Brasil/Brasil de Fato
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