Brasil tem
cultura estratégica para sobreviver à transição geopolítica? Especialistas
debatem
Grandes
potências como Rússia, EUA e China apostam nas suas culturas estratégicas para
se guiar durante períodos de turbulência internacional. Mas o que países que
não possuem tradição estratégica podem fazer para sobreviver à transição
geopolítica? Especialistas russos respondem.
A cultura
estratégica de grandes potências, como Rússia, EUA e China, determina em grande
parte como esses países reagem a eventos internacionais de relevância, como a
eclosão de conflitos militares ou rupturas na ordem mundial.
No atual
contexto geopolítico, potências são demandadas a tomar decisões rápidas, com
consequências imprevisíveis.
Nesta
semana, por exemplo, estrategistas em Washington foram levados a desenhar uma
resposta ao ataque em sua base militar na fronteira entre a Jordânia e a Síria,
que vitimou pelo menos três norte-americanos. E isso poucas semanas após
elaborar uma operação militar no mar Vermelho para conter o grupo iemenita
houthi.
Formulada
sobretudo por militares, diplomatas e até membros dos serviços de inteligência,
a cultura estratégica é passada de geração em geração por instituições
consolidadas, como as Forças Armadas ou o Ministério das Relações Exteriores.
"Potências
militares normalmente têm culturas estratégicas sólidas, que são ditadas
sobretudo pela experiência histórica do país e sua posição geográfica",
disse o pesquisador sênior do Instituto Nacional de Pesquisa em Economia
Mundial e Relações E. M. Primakov, Aleksei Krivopalov, durante evento dedicado
ao tema realizado em Moscou.
Ter uma
cultura estratégica consolidada auxilia os países a tomarem decisões em
momentos críticos. Além disso, conhecer a cultura estratégica de um adversário
pode ajudar a prever a sua resposta a desafios internacionais.
"No
caso dos EUA, a sua cultura estratégica é determinada pelo fato de o país ser
uma verdadeira ilha continental, que não está sujeita a ameaças externas
terrestres", explicou Krivopalov. "É uma potência naval desde sua
origem, […] com forte sentido messiânico, acostumada a controlar os seus
adversários à distância."
A sensação
de ausência de vulnerabilidades é uma constante na cultura estratégica dos EUA,
disseram os especialistas. Durante sua história, os EUA tampouco experimentaram
momentos nos quais ficaram para trás em áreas importantes, como o
desenvolvimento científico e tecnológico.
"É
uma elite que não sabe o que é estar atrasada ou ficar pra trás",
diagnosticou Krivopalov. "Já a Rússia, em função da sua experiência
traumática nos anos 90, por exemplo, conhece esse sentimento."
Estas
características da cultura estratégica dos EUA explicam, por exemplo, porque o
país reagiu de forma tão histriônica a acontecimentos como o surgimento de
mísseis soviéticos na ilha de Cuba, em meados do século XX.
"Sentir
essa vulnerabilidade fez com que eles reagissem de maneira muito mais ácida do
que outros países os fariam em situação similar", considerou o
especialista russo.
Outros
eventos de choque para a cultura estratégica dos EUA foram os ataques de Pearl
Harbour e os ataques às Torres Gêmeas em Nova York em 11 de setembro de 2001,
elencou o americanista Poxor Tebin, pesquisador do Centro de Estudos Integrados
Internacionais e Europeus da Escola Superior de Economia de Moscou.
Para os
especialistas, no entanto, nem todos os países possuem cultura estratégica
consolidada. Enquanto alguns não desenvolveram instituições consolidadas o
suficiente, outros simplesmente não possuem ameaças externas que demandem
pensamento estratégico.
"Uma
grande potência é aquele país que na arena internacional anuncia demandas e
ambições que estão além da esfera de sua segurança direta", disse
Krivopalov à Sputnik Brasil. "Os países que se portam dessa forma são
poucos e entre eles há forte concorrência."
O atual
período de transição geopolítica, rumo à formação de um mundo multipolar, pode
fornecer uma oportunidade para que potências regionais, como Brasil e África do
Sul, consolidem uma cultura estratégica sólida.
"Períodos
turbulentos podem justamente oferecer uma oportunidade para que o líder de um
país, ou a sua elite, fortaleçam as suas Forças Armadas e demais
instituições", disse Krivopalov à Sputnik Brasil. "Agora, se essas
instituições serão capazes de formar uma tradição e uma cultura, teremos que
esperar pra ver, afinal nem sempre esse é o caso."
De fato, a
cultura estratégica é um ativo que um país pode desenvolver ao longo de sua
história, da mesma forma que a pode perder, caso não mantenha suas instituições
funcionando a contento.
"Um
país como o Irã, que não tinha cultura estratégica, hoje tem. Por outro lado, o
Japão, que era um país com forte cultura estratégica, hoje em dia a
perdeu", disse Krivopalov. "Também podemos questionar se a Alemanha e
a França [pós-Segunda Guerra Mundial] ainda possuem uma cultura
estratégica."
Para ele,
um país só terá cultura estratégica se possuir independência para "decidir
o que quer fazer, sem a autorização de um hegemon". Neste sentido,
"um país como a Turquia atualmente tem muito mais abertura para
desenvolver uma cultura estratégica do que a França e a Alemanha".
Neste
contexto, países do Sul Global poderão ampliar a cooperação com potências
militares tradicionais como a Rússia para formular seu arcabouço estratégico.
"A
Rússia tem muito potencial para essa cooperação, graças justamente a nossa
cultura estratégica", disse o pesquisador do centro de segurança
internacional do Instituto Nacional de Pesquisa em Economia Mundial e Relações
E. M. Primakov, Dmitry Stefanovich, à Sputnik Brasil.
Moscou tem
experiência secular de contatos com o Sul Global e participou ativamente da
luta anticolonial durante o período soviético, lembra o especialista. Segundo
ele, a comunidade estratégica russa está pronta para expandir a cooperação.
"Pelo
que podemos ver pelos discursos de autoridades e da elite, os países do Sul
Global também são a favor de mais interação", disse Stefanovich. "E
isso não é só pelo potencial que a Rússia tem, mas também porque muitas ações
que o Ocidente está adotando em seu conflito com a Rússia estão tendo
repercussões abrangentes para o Sul Global."
A mais
recente concepção de política externa da Rússia, documento estratégico por
excelência, determina que Moscou amplie sua presença no Sul Global e cita o
Brasil como um dos países prioritários. A concepção foi reformulada e aprovada
pelo presidente do país, Vladimir Putin, em março de 2023.
Nesta
quarta-feira (31), o Instituto Rússia na Política Global realizou o debate
"Cultura Estratégica: destino, guia ou álibi?", mediado pelo membro
do Conselho de Política Externa e de Defesa da Rússia, Fyodor Lukianov, em
Moscou.
Ø
G20: Brasil quer ver programas como Bolsa
Família no combate à fome mundial
Em
entrevista coletiva nesta quinta-feira (1), Wellington Dias, ministro do
Desenvolvimento Social, comentou os planos da Força Tarefa de combate à fome do
G20, um dos principais eixos da presidência brasileira do evento. Segundo Dias,
a ideia principal é o compartilhamento de iniciativas de sucesso na erradicação
da insegurança alimentar.
Agendado
para os dias 18 e 19 de novembro deste ano, o encontro do G20 reunirá as 20
maiores economias do mundo para debater diversos temas, que vão desde comércio,
corrupção, economia à transição energética, educação e combate à fome e à
pobreza.
Na
presidência do Brasil, esta será a primeira vez que o grupo discutirá o combate
à fome e à pobreza. "Um chamado a todos países do mundo para trabalhar
essa temática desafiadora", caracterizou Dias.
A proposta
da liderança brasileira é o estabelecimento de uma Aliança Global, na qual os
países possam compartilhar iniciativas e experiências bem-sucedidas nessa área.
De acordo com o ministro, tentativas passadas de realizar apenas a
transferência de recursos de países a outras nações e organizações se mostraram
infrutíferas devido a dificuldades de se aferir erros e acertos.
Nesse
contexto, apontou Dias, o Brasil quer "alcançar uma troca de experiências
exitosas, cientificamente comprovadas de grande resultado". Para isso, o
país compartilhará sua experiência com programas sociais, como o Bolsa Família,
o Minha Casa, Minha Vida, a Tarifa Social e o Programa Nacional de Alimentação
Escolar (PNAE).
Em suas
estimativas mais otimistas, através dessas medidas, o Brasil conseguiu alçar
mais de 12 milhões de pessoas da condição de insegurança alimentar somente no
último ano. Os dados, levantados pelo governo, serão divulgados oficialmente em
abril.
Dias
ressaltou ainda o sucesso da condicionalidade do Bolsa Família, em que para
receber a renda extra a gestora do lar precisa se comprometer com a educação e
a saúde da família, mantendo a caderneta de vacinação em dia e matriculando e
garantindo a presença dos filhos na escola.
"[Segundo]
uma pesquisa do Banco Mundial dos 20 anos do Bolsa Família, 64% da geração que
alcançou a idade do ensino técnico superior superaram a pobreza de uma forma
muito segura. Isso mostra que a transferência de renda é um caminho a ser
considerado nessa trilha."
·
Fome: um problema estrutural
Em sua
fala, o ministro Dias destacou o caráter estrutural da insegurança alimentar. O
problema não é necessariamente uma falta de alimentos, mas pode ter outras
origens. "No Brasil, foi desestruturada a produção, transporte,
armazenagem, industrialização e acesso" aos alimentos, afirmou.
Dentro do
Plano Safra, linha de crédito para a agricultura do Banco do Brasil, o governo
passou a introduzir novos mecanismos, como o planejamento do que o Brasil passa
a produzir para a exportação. O governo federal também recriou a Conab,
Companhia Nacional de Abastecimento, "integrando armazenagem do setor
privado e público como segurança estratégica alimentar".
"Quando
o preço do alimento começa a subir, vendemos [na região] mais barato. Estamos
fazendo isso no Nordeste e no Norte por conta de seca, e no Sul pelas
enchentes", destacou Dias. "Quando o preço do alimento cai muito, é
ruim para o produtor, porque ele tem prejuízo. O Brasil vai lá e faz a compra
por um preço justo e traz para armazenagem", explicou.
O ministro
do Desenvolvimento Social destacou ainda o papel dos organismos estatais no
estímulo à agricultura familiar. Hospital, escolas e Forças Armadas, apontou
Dias, "compram da agricultura familiar e ajudam a estimular a produção de
alimentos saudáveis".
Fonte:
Sputnik Brasil
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