sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

Brasil tem cultura estratégica para sobreviver à transição geopolítica? Especialistas debatem

Grandes potências como Rússia, EUA e China apostam nas suas culturas estratégicas para se guiar durante períodos de turbulência internacional. Mas o que países que não possuem tradição estratégica podem fazer para sobreviver à transição geopolítica? Especialistas russos respondem.

A cultura estratégica de grandes potências, como Rússia, EUA e China, determina em grande parte como esses países reagem a eventos internacionais de relevância, como a eclosão de conflitos militares ou rupturas na ordem mundial.

No atual contexto geopolítico, potências são demandadas a tomar decisões rápidas, com consequências imprevisíveis.

Nesta semana, por exemplo, estrategistas em Washington foram levados a desenhar uma resposta ao ataque em sua base militar na fronteira entre a Jordânia e a Síria, que vitimou pelo menos três norte-americanos. E isso poucas semanas após elaborar uma operação militar no mar Vermelho para conter o grupo iemenita houthi.

Formulada sobretudo por militares, diplomatas e até membros dos serviços de inteligência, a cultura estratégica é passada de geração em geração por instituições consolidadas, como as Forças Armadas ou o Ministério das Relações Exteriores.

"Potências militares normalmente têm culturas estratégicas sólidas, que são ditadas sobretudo pela experiência histórica do país e sua posição geográfica", disse o pesquisador sênior do Instituto Nacional de Pesquisa em Economia Mundial e Relações E. M. Primakov, Aleksei Krivopalov, durante evento dedicado ao tema realizado em Moscou.

Ter uma cultura estratégica consolidada auxilia os países a tomarem decisões em momentos críticos. Além disso, conhecer a cultura estratégica de um adversário pode ajudar a prever a sua resposta a desafios internacionais.

"No caso dos EUA, a sua cultura estratégica é determinada pelo fato de o país ser uma verdadeira ilha continental, que não está sujeita a ameaças externas terrestres", explicou Krivopalov. "É uma potência naval desde sua origem, […] com forte sentido messiânico, acostumada a controlar os seus adversários à distância."

A sensação de ausência de vulnerabilidades é uma constante na cultura estratégica dos EUA, disseram os especialistas. Durante sua história, os EUA tampouco experimentaram momentos nos quais ficaram para trás em áreas importantes, como o desenvolvimento científico e tecnológico.

"É uma elite que não sabe o que é estar atrasada ou ficar pra trás", diagnosticou Krivopalov. "Já a Rússia, em função da sua experiência traumática nos anos 90, por exemplo, conhece esse sentimento."

Estas características da cultura estratégica dos EUA explicam, por exemplo, porque o país reagiu de forma tão histriônica a acontecimentos como o surgimento de mísseis soviéticos na ilha de Cuba, em meados do século XX.

"Sentir essa vulnerabilidade fez com que eles reagissem de maneira muito mais ácida do que outros países os fariam em situação similar", considerou o especialista russo.

Outros eventos de choque para a cultura estratégica dos EUA foram os ataques de Pearl Harbour e os ataques às Torres Gêmeas em Nova York em 11 de setembro de 2001, elencou o americanista Poxor Tebin, pesquisador do Centro de Estudos Integrados Internacionais e Europeus da Escola Superior de Economia de Moscou.

Para os especialistas, no entanto, nem todos os países possuem cultura estratégica consolidada. Enquanto alguns não desenvolveram instituições consolidadas o suficiente, outros simplesmente não possuem ameaças externas que demandem pensamento estratégico.

"Uma grande potência é aquele país que na arena internacional anuncia demandas e ambições que estão além da esfera de sua segurança direta", disse Krivopalov à Sputnik Brasil. "Os países que se portam dessa forma são poucos e entre eles há forte concorrência."

O atual período de transição geopolítica, rumo à formação de um mundo multipolar, pode fornecer uma oportunidade para que potências regionais, como Brasil e África do Sul, consolidem uma cultura estratégica sólida.

"Períodos turbulentos podem justamente oferecer uma oportunidade para que o líder de um país, ou a sua elite, fortaleçam as suas Forças Armadas e demais instituições", disse Krivopalov à Sputnik Brasil. "Agora, se essas instituições serão capazes de formar uma tradição e uma cultura, teremos que esperar pra ver, afinal nem sempre esse é o caso."

De fato, a cultura estratégica é um ativo que um país pode desenvolver ao longo de sua história, da mesma forma que a pode perder, caso não mantenha suas instituições funcionando a contento.

"Um país como o Irã, que não tinha cultura estratégica, hoje tem. Por outro lado, o Japão, que era um país com forte cultura estratégica, hoje em dia a perdeu", disse Krivopalov. "Também podemos questionar se a Alemanha e a França [pós-Segunda Guerra Mundial] ainda possuem uma cultura estratégica."

Para ele, um país só terá cultura estratégica se possuir independência para "decidir o que quer fazer, sem a autorização de um hegemon". Neste sentido, "um país como a Turquia atualmente tem muito mais abertura para desenvolver uma cultura estratégica do que a França e a Alemanha".

Neste contexto, países do Sul Global poderão ampliar a cooperação com potências militares tradicionais como a Rússia para formular seu arcabouço estratégico.

"A Rússia tem muito potencial para essa cooperação, graças justamente a nossa cultura estratégica", disse o pesquisador do centro de segurança internacional do Instituto Nacional de Pesquisa em Economia Mundial e Relações E. M. Primakov, Dmitry Stefanovich, à Sputnik Brasil.

Moscou tem experiência secular de contatos com o Sul Global e participou ativamente da luta anticolonial durante o período soviético, lembra o especialista. Segundo ele, a comunidade estratégica russa está pronta para expandir a cooperação.

"Pelo que podemos ver pelos discursos de autoridades e da elite, os países do Sul Global também são a favor de mais interação", disse Stefanovich. "E isso não é só pelo potencial que a Rússia tem, mas também porque muitas ações que o Ocidente está adotando em seu conflito com a Rússia estão tendo repercussões abrangentes para o Sul Global."

A mais recente concepção de política externa da Rússia, documento estratégico por excelência, determina que Moscou amplie sua presença no Sul Global e cita o Brasil como um dos países prioritários. A concepção foi reformulada e aprovada pelo presidente do país, Vladimir Putin, em março de 2023.

Nesta quarta-feira (31), o Instituto Rússia na Política Global realizou o debate "Cultura Estratégica: destino, guia ou álibi?", mediado pelo membro do Conselho de Política Externa e de Defesa da Rússia, Fyodor Lukianov, em Moscou.

 

Ø  G20: Brasil quer ver programas como Bolsa Família no combate à fome mundial

 

Em entrevista coletiva nesta quinta-feira (1), Wellington Dias, ministro do Desenvolvimento Social, comentou os planos da Força Tarefa de combate à fome do G20, um dos principais eixos da presidência brasileira do evento. Segundo Dias, a ideia principal é o compartilhamento de iniciativas de sucesso na erradicação da insegurança alimentar.

Agendado para os dias 18 e 19 de novembro deste ano, o encontro do G20 reunirá as 20 maiores economias do mundo para debater diversos temas, que vão desde comércio, corrupção, economia à transição energética, educação e combate à fome e à pobreza.

Na presidência do Brasil, esta será a primeira vez que o grupo discutirá o combate à fome e à pobreza. "Um chamado a todos países do mundo para trabalhar essa temática desafiadora", caracterizou Dias.

A proposta da liderança brasileira é o estabelecimento de uma Aliança Global, na qual os países possam compartilhar iniciativas e experiências bem-sucedidas nessa área. De acordo com o ministro, tentativas passadas de realizar apenas a transferência de recursos de países a outras nações e organizações se mostraram infrutíferas devido a dificuldades de se aferir erros e acertos.

Nesse contexto, apontou Dias, o Brasil quer "alcançar uma troca de experiências exitosas, cientificamente comprovadas de grande resultado". Para isso, o país compartilhará sua experiência com programas sociais, como o Bolsa Família, o Minha Casa, Minha Vida, a Tarifa Social e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).

Em suas estimativas mais otimistas, através dessas medidas, o Brasil conseguiu alçar mais de 12 milhões de pessoas da condição de insegurança alimentar somente no último ano. Os dados, levantados pelo governo, serão divulgados oficialmente em abril.

Dias ressaltou ainda o sucesso da condicionalidade do Bolsa Família, em que para receber a renda extra a gestora do lar precisa se comprometer com a educação e a saúde da família, mantendo a caderneta de vacinação em dia e matriculando e garantindo a presença dos filhos na escola.

"[Segundo] uma pesquisa do Banco Mundial dos 20 anos do Bolsa Família, 64% da geração que alcançou a idade do ensino técnico superior superaram a pobreza de uma forma muito segura. Isso mostra que a transferência de renda é um caminho a ser considerado nessa trilha."

·        Fome: um problema estrutural

Em sua fala, o ministro Dias destacou o caráter estrutural da insegurança alimentar. O problema não é necessariamente uma falta de alimentos, mas pode ter outras origens. "No Brasil, foi desestruturada a produção, transporte, armazenagem, industrialização e acesso" aos alimentos, afirmou.

Dentro do Plano Safra, linha de crédito para a agricultura do Banco do Brasil, o governo passou a introduzir novos mecanismos, como o planejamento do que o Brasil passa a produzir para a exportação. O governo federal também recriou a Conab, Companhia Nacional de Abastecimento, "integrando armazenagem do setor privado e público como segurança estratégica alimentar".

"Quando o preço do alimento começa a subir, vendemos [na região] mais barato. Estamos fazendo isso no Nordeste e no Norte por conta de seca, e no Sul pelas enchentes", destacou Dias. "Quando o preço do alimento cai muito, é ruim para o produtor, porque ele tem prejuízo. O Brasil vai lá e faz a compra por um preço justo e traz para armazenagem", explicou.

O ministro do Desenvolvimento Social destacou ainda o papel dos organismos estatais no estímulo à agricultura familiar. Hospital, escolas e Forças Armadas, apontou Dias, "compram da agricultura familiar e ajudam a estimular a produção de alimentos saudáveis".

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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