Bandeira de Lula para reformar a ONU é
ponto de virada para protagonismo do Sul Global, diz analista
O Brasil vê a cúpula
do G20 no Rio de Janeiro como uma oportunidade histórica para defender a
ascensão do Sul Global e a necessidade de reformar as Nações Unidas e
especialmente o seu Conselho de Segurança. Em diálogo com a Sputnik, o analista
Daniel Prieto destacou o potencial que o Brasil e a África têm a partir dos
seus recursos energéticos.
A reunião dos
chanceleres do G20 na cidade do Rio de Janeiro é vista pelo Brasil como a
oportunidade perfeita para enfatizar um conceito que o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva mantém acordado: a necessidade de fortalecer o Sul Global.
O tema é destaque no
site oficial do evento, que inaugura a presidência pro tempore do Brasil no
bloco de poderes e prepara a cúpula de presidentes marcada para novembro.
"Em um cenário global moldado por mudanças geopolíticas, a presidência
brasileira do G20 representa a ascensão dos países do Sul Global no cenário
mundial", afirma o documento.
O presidente
brasileiro acaba de defender o Sul do planeta em sua recente participação na
Cúpula da União Africana, na Etiópia, onde apelou à melhoria das relações com o
continente africano e afirmou: "Já fomos conhecidos pelo planeta afora
como países pobres, como países do terceiro mundo, como países
subdesenvolvidos, como países em desenvolvimento. Não. Agora nós somos a
economia do Sul Global. Queremos nos dar uma chance para que a gente faça com
que o sul global, que tem parte do que o mundo precisa hoje, possa ocupar o seu
espaço na economia, na política e na cultura mundial."
Em diálogo com a
Sputnik, o cientista político colombiano radicado no Brasil, Daniel Prieto,
explicou que o conceito de Sul Global veio substituir o antigo nome de países
do "terceiro mundo", surgido durante o século XX. E, embora não seja
um conceito novo, "tem vindo a evoluir em termos geopolíticos e a se
estabelecer na dinâmica das relações internacionais".
"O que o conceito
de Sul Global propõe em termos concretos é a reformulação de todas as
instituições de governação global, a começar pelas Nações Unidas e todos os
mecanismos associados a essa organização", afirmou o analista.
Nesse sentido, Prieto
explicou que o formato de governação global herdado da Segunda Guerra Mundial,
tendo as Nações Unidas como principal instituição, mas também com plataformas
como o próprio G20 ou a própria Organização dos Estados Americanos (OEA), se
concentrou quase exclusivamente nas "relações bilaterais com o Norte
Global", basicamente os EUA e o que acabaria por se tornar a União
Europeia (UE).
O plano de Lula visa,
pelo contrário, "caminhar para um sistema multilateral de relações
internacionais e um sistema multipolar", para combater as desigualdades
entre o Norte e o Sul que, observou Prieto, têm historicamente levado a
"injustiças ambientais, sociais, climáticas, de saúde etc." e que
favoreceram a pobreza e a desigualdade econômica nos países do Sul.
Para Prieto, um dos
principais avanços que a cúpula do G20 no Rio pode trazer durante o ano de 2024
é a reestruturação do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU). Na
verdade, o tema esteve no centro da intervenção do chanceler brasileiro, Mauro
Vieira, que abriu a reunião de ministros no Rio. "As instituições
multilaterais não estão adequadamente equipadas para lidar com os desafios
atuais, como demonstrado pela paralisia inaceitável do Conselho de
Segurança" em conflitos como a Ucrânia e Gaza.
Em uma coletiva de
imprensa anterior à cúpula, Vieira tinha sublinhado que o Brasil "sempre
esteve muito aberto à reforma" das Nações Unidas, tanto da sua Assembleia
Geral como do Conselho de Segurança. "A ONU tem que ser mais representativa
e mais atualizada com as necessidades contemporâneas", afirmou o ministro,
segundo a Agência Brasil.
Prieto anunciou que
"um dos pontos mais tensos" do debate sobre a reforma do CSNU tem a
ver com o direito de veto que os membros permanentes do conselho mantêm e a
possível reformulação desse direito que pode implicar a expansão do número de
membros. Para o analista, esse aspecto "é precisamente o que tem limitado
a implementação de mecanismos de construção da paz".
O outro grande aspecto
da cúpula do G20 no Brasil tem a ver com a transição para as energias
renováveis e o cuidado com o ambiente, dois pontos em que os países do Sul Global mantêm um potencial significativo, disse o
especialista. Segundo Prieto, a transição energética foi um dos
pontos-chave da reunião que o G20 realizou
em 2023 na Índia, onde foi
definida a criação de uma
Aliança Global de Biocombustíveis.
"Devemos destacar
o potencial dos recursos energéticos dos países que compõem o Sul Global e Lula
tem defendido a necessidade de encontrar formas de aproveitar esses recursos
energéticos que podem emanar de biomas como a Amazônia ou as grandes florestas
do Congo", destacou.
Com efeito, a
importância da África neste momento é uma das explicações para o aceno do
presidente brasileiro à União Africana (UA), plataforma composta por 55 países
africanos que é membro permanente do G20 desde 2023.
Prieto enfatizou que
por trás da necessidade de uma nova governança global está a importância da
"governança ambiental" que proporciona um novo esquema "para a
gestão partilhada dos recursos energéticos".
Para o cientista
político, se o G20 não conseguir debater a reformulação da governança,
"terá um caminho muito difícil para cumprir os seus objetivos", tanto
no combate à fome e à pobreza no mundo como no desenvolvimento sustentável,
tanto a nível social, como econômica e ambientalmente.
Ø
Chanceleres do G20: Vieira diz que países
concordam com necessidade de reforma da ONU
No primeiro encontro
entre autoridades de Estado na presidência brasileira do G20, ministros das
Relações Exteriores das 20 maiores economias do mundo participaram de reuniões
no Rio de Janeiro. O Brasil voltou a defender as principais agendas: reforma da
governança global, além do combate à fome e mudanças climáticas.
Após dois dias de
intensas agendas, reuniões bilaterais e discussões conjuntas entre os
chanceleres do G20, além de representantes da União Europeia (UE) e União
Africana (UA), o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, fez
um balanço do primeiro encontro do grupo sob a presidência brasileira.
O evento aconteceu na
Marina da Glória, no Rio de Janeiro, entre a quarta (21) e a quinta-feira (22).
"Não interessa ao Brasil viver em um mundo fraturado", disse o
ministro ao abrir a coletiva de imprensa.
Conforme Vieira,
participaram 45 delegações, entre países-membros, países convidados e
organizações internacionais. Ainda ficou acordado um novo encontro de
chanceleres em setembro, em Nova York, após a Assembleia Geral das Nações
Unidas (AGNU), que ainda será aberta a todos os membros da entidade.
"Será a primeira
vez que o G20 se reunirá dentro da sede das Nações Unidas, e aberta para todos
os membros para promover um chamado em favor da reforma da governança
global", disse.
Conforme Vieira, os
ministros ainda expressaram grande preocupação com o conflito na Faixa de Gaza,
que já deixou quase 30 mil palestinos mortos. Os países destacaram o
deslocamento forçado de mais de 1,1 milhão de palestinos em Gaza, além de
defender a solução de dois Estados.
"Nesse contexto
houve diversos pedidos em favor da liberação imediata do acesso para ajuda
humanitária na Palestina, bem como apenas pela cessação das hostilidades.
Muitos se posicionaram contrariamente à anunciada operação de Israel em Rafah
[no sul de Gaza], pedindo que o governo reconsidere e suspenda imediatamente
essa decisão. Destacou-se, ademais, apoio à solução de dois Estados como a
única solução possível para o conflito entre Israel e Palestina", enfatiza
Vieira.
·
Concordância com necessidade de reforma da
ONU
Já com relação à
principal proposta brasileira para o G20, que é encabeçar a necessidade de
reforma da governança global criada após a Segunda Guerra Mundial, o ministro
brasileiro garantiu que houve adesão dos países que participaram do encontro.
"Para o Brasil é
algo urgente e prioritário. Todos concordaram quanto ao fato de que as
principais instituições multilaterais, como a Organização Mundial do Comércio
[OMC], o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional [FMI], entre outros
precisam de reformas para se adaptarem aos desafios do mundo atual",
acrescenta.
Além disso, Mauro
Vieira lembrou que há consenso sobre a "essencialidade" das Nações
Unidas como uma organização para garantir a paz e a segurança mundiais, além de
promover o desenvolvimento sustentável. "Por isso, todos mencionaram a necessidade
de se conferir e, em público, as discussões sobre a reforma da organização, em
especial do Conselho de Segurança, com a inclusão de novos membros permanentes
e não permanentes, sobretudo da América Latina, do Caribe e da África".
Criado em 1946, o
Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU) é alvo de críticas da comunidade
internacional há décadas, diante da falta de reformas. Os membros permanentes
(Estados Unidos, França, Rússia, China e Reino Unido) são os mesmos desde a fundação
do principal órgão da Organização das Nações Unidas (ONU).
"A centralidade
da OMC e a urgência do estabelecimento do sistema de soluções controversas
também foram mencionadas em diversos discursos", explicou.
Por fim, Mauro Vieira
ressaltou a presidência brasileira à frente do grupo e o retorno do país à
centralidade da agenda internacional.
"A presença de
todas e todos aqui é prova não somente da importância do Brasil, mas também do
papel do G20 na concertação internacional."
·
Quais são os países do G20?
Além do Brasil, o G20
é composto por outros 18 países (África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita,
Argentina, Austrália, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França,
Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia e Turquia) e dois
órgãos regionais: a UA e a UE. O grupo representa dois terços da população
mundial, além de 85% da economia e 75% do comércio global.
Durante todo o ano de
2024, o país é responsável por presidir o grupo, cuja cúpula de líderes
acontece em novembro, também no Rio de Janeiro. Por conta disso, o Brasil ainda
pode convidar outros países para participarem das reuniões, como Angola,
Bolívia, Egito, Emirados Árabes Unidos, Espanha, Nigéria, Noruega, Paraguai,
Portugal, Singapura e Uruguai.
Fonte: Sputnik Brasil
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