Como era plano de golpe de Estado de
Bolsonaro, segundo a PF
O ex-presidente Jair
Bolsonaro tem um depoimento marcado nesta quinta-feira (22/02) na sede da
Polícia Federal (PF) em Brasília para esclarecer a suposta tentativa de golpe
de Estado revelada numa operaçãorealizada no início de fevereiro. Além de
Bolsonaro, foram chamados para depor ex-ministros, como Augusto Heleno, Braga
Netto e Anderson Torres, militares e ex-assessores. Todos os investigados devem
prestar depoimento no mesmo horário para evitar a combinação de versões.
Batizada de Tempus
Veritatis (hora da verdade), a operação foi deflagrada após o ex-ajudante de
ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, ter fechado um acordo de colaboração premiada
com investigadores da PF. O acordo foi enviado à Procuradoria-Geral da
República (PGR) e já recebeu a homologação do Supremo Tribunal Federal (STF).
Ao longo desta quinta
foram surgindo detalhes sobre os indícios que sustentariam as suspeitas da
Polícia Federal sobre uma tentativa de golpe de Estado. Entre eles estão uma
minuta do golpe, o vídeo de uma reunião para tratar do tema e o monitoramento
de autoridades. Confira o que revelou a investigação da PF:
Reunião para tentar
garantir vitória nas eleições
As investigações da PF
revelaram a realização de uma reunião em 5 de julho de 2022, três meses antes
das eleições, convocada por Bolsonaro, com a alta cúpula de seu governo. Nela,
o presidente discutiu estratégias para tentar garantir sua vitória nas eleições
presidenciais.
No encontro, Bolsonaro
cobrou que seus ministros e assessores usassem os cargos para disseminar
informações falsas sobre supostas fraudes nas eleições. Um vídeo com a gravação
da reunião foi encontrado em um dos computadores do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro,
Mauro Cid.
"Daqui pra frente
quero que todo ministro fale o que eu vou falar aqui, e vou mostrar. Se o
ministro não quiser falar ele vai vir falar para mim porque que ele não quer
falar", disse Bolsonaro, conforme transcrição feita pela PF.
• "Se tiver que virar a mesa, é antes
das eleições"
No mesmo encontro, o
general Augusto Heleno, então ministro-chefe do Gabinete de Segurança
Institucional (GSI), defendeu ser preciso agir antes das eleições presidenciais
daquele ano para garantir a permanência de Bolsonaro no comando do país. E usou
uma referência esportiva – o assistente de vídeo, recurso usado para corrigir
erros de arbitragem no campo de jogo – para afirmar após realizada, a eleição
não poderia ser contestada.
"Não vai ter
revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das
eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que
virar a mesa é antes das eleições", afirmou.
Heleno chegou a propor
que servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) fossem infiltrados
em campanhas eleitorais. Bolsonaro interrompeu a fala do general e orientou que
conversassem sobre o tema posteriormente, em particular.
Bolsonaro também usou
referências do futebol na reunião. "Eu vou entrar em campo usando o meu
exército, meus 23 ministros (...) Nós não podemos esperar chegar 23, olhar para
trás e falar: o que que nós não fizemos para o Brasil chegar à situação de hoje
em dia?", disse o então presidente naquele encontro, de acordo com a PF.
• Cid coordena ataques à Justiça eleitoral
A partir dessa
reunião, a PF aponta que foi realizada uma sequência de eventos para o
planejamento do golpe, a partir de mensagens extraídas de celulares de Mauro
Cid e nas quais o ajudante de ordens assume a tarefa de coordenação na
disseminação de ataques à Justiça Eleitoral.
"A descrição da
reunião de 5 de julho de 2022, nitidamente, revela o arranjo de dinâmica
golpista, no âmbito da alta cúpula do governo, manifestando-se todos os
investigados que dela tomaram parte no sentido de validar e amplificar a
massiva desinformação e as narrativas fraudulentas sobre as eleições e a
Justiça eleitoral", ressalta a PF.
Segundo a PF, a
organização se dividiu em seis núcleos na trama visando atacar o Estado
democrático de direito: o de desinformação e ataques ao sistema eleitoral; o de
incitação ao golpe entre militares; o de atuação jurídica; o de coordenação de
ações de apoio operacional; o de inteligência paralela, e o de oficiais de alta
patente que legitimavam todas as ações. Cid participava de ao menos cinco
desses seis eixos identificados pela PF.
• Minuta do golpe
As investigações
apontaram que o grupo formulou uma minuta, com a participação de Bolsonaro, que
previa uma série de medidas contra o Poder Judiciário, incluindo a prisão de
ministros do STF. Esse grupo também promoveu reuniões para impulsionar a
divulgação de notícias falsas contra o sistema eleitoral brasileiro e monitorou
o ministro do Supremo Alexandre de Moraes, responsável por autorizar a Tempus
Veritatis.
De acordo com a
Polícia Federal, o grupo elaborou uma minuta de decreto para executar um golpe
de Estado. O texto foi entregue ao ex-presidente em 2022 por Filipe Martins,
então assessor da Presidência para Assuntos Internacionais, e pelo advogado
Amauri Feres Saad, apontado como mentor intelectual do documento e também alvo
da operação da PF.
O rascunho de decreto
previa as prisões dos ministros do STF Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes, e
também do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), além da realização de
novas eleições.
Após receber o texto,
Bolsonaro solicitou mudanças e a retirada das prisões de Mendes e Pacheco do
texto. Na nova versão, permaneceram a prisão de Moraes e a convocação de novas
eleições.
Depois de ter
concordado com o novo texto, Bolsonaro convocou uma reunião com os então
comandantes das Forças Armadas – almirante Almir Garnier Santos (Marinha),
general Marco Antonio Freire Gomes (Exército) e brigadeiro Carlos de Almeida
Batista Júnior (Aeronáutica) – para apresentar a minuta e pressioná-los a
aderir ao golpe. O encontro foi realizado no dia 7 de dezembro de 2022, no
Palácio da Alvorada.
Nesta quinta-feira,
aPF encontrou na sede do Partido Liberal (PL), em Brasília, um documento não
assinado que anuncia a decretação de um estado de sítio e da Garantia da Lei e
da Ordem no Brasil. O documento foi encontrado na sala do Bolsonaro. No texto,
redigido em forma de discurso, é mencionada a "necessidade de restauração
da segurança jurídica e de defesa às liberdades em nosso país".
• Monitoramento de Moraes
Os policiais federais
identificaram ainda que o grupo monitorou deslocamentos do ministro do STF
Alexandre de Moraes entre Brasília e São Paulo, em diversas datas de dezembro
de 2022.
O monitoramento foi
descoberto nas mensagens trocadas entre Mauro Cid e o coronel do Exército
Marcelo Câmara, que atuou como assessor especial da Presidência da República e
foi preso preventivamente nesta quinta-feira. Nas mensagens, Mauro Cid se
referia ao ministro do Supremo como "professora".
"A investigação
constatou que os deslocamentos entre Brasília e São Paulo do ministro Alexandre
de Moraes são coincidentes com os da pessoa que estava sendo monitorada e
acompanhada pelo grupo", afirma a PF.
A Polícia Federal
encontrou nos celulares de Mauro Cid e de outros investigados mensagens
mostrando que ao menos seis oficiais-generais das Forças Armadas discutiram com
o ex-presidente a edição de um decreto golpista contra a eleição de Lula.
Os oficiais citados
são: os generais Braga Netto (candidato a vice-presidente de Bolsonaro nas
eleições de 2022), Estevam Theophilo (ex-chefe do Comando de Operações
Terrestres), Freire Gomes (ex-comandante do Exército), Paulo Sérgio Nogueira
(ex-ministro da Defesa), e o almirante Almir Garnier (ex-comandante da
Marinha).
• Ataques de 8 de janeiro
A PF aponta que
integrantes do grupo trocaram mensagens sobre a organização dos atos
antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, que resultaram em ataques e
depredação das sedes dos Três Poderes, em Brasília.
Mauro Cid e o major do
Exército, Rafael Martins de Oliveira, conversaram sobre a ida de uma caravana
do Rio de Janeiro para os atos. Cid pediu ao major que fizesse estimativa de
custo com hotel, alimentação e demais despesas. Oliveira estimou gastos em torno
de R$ 100 mil.
Segundo a PF, o
diálogo traz fortes indícios de que Rafael de Oliveira "atuou diretamente,
direcionando os manifestantes para os alvos de interesse dos investigados, como
STF e Congresso Nacional, além de realizar a coordenação financeira e operacional
para dar suporte aos atos antidemocráticos" sob a orientação de Cid,
responsável pelo arranjo de financiamentos dos atos.
Não podemos viver em impasse de
'Bolsonaro vai ser preso', diz ex-presidente
O ex-presidente Jair
Bolsonaro (PL) voltou a criticar nesta quarta (21) os inquéritos dos quais é
alvo e disse que o ato que convocou para o próximo domingo (25) terá poucos
discursos.
"Não podemos
continuar vivendo aqui naquele impasse. 'Ah, o Bolsonaro vai ser preso amanhã.
Pode ser preso a qualquer momento'. Qual crime eu cometi?", disse ele. O
ex-presidente concedeu entrevista a Esmael Morais, que se apresenta como um blogueiro
de esquerda.
Sobre a manifestação
de domingo, Bolsonaro afirmou na entrevista que será um ato pacífico e pedindo
respeito à Constituição.
Também disse que
poucas pessoas devem falar no evento. "A senhora Michelle [Bolsonaro]
fazendo uma oração. Seria o governador Tarcísio [de Freitas] o próprio pastor
Silas Malafaia e eu. A princípio apenas essas pessoas falarão. Qual o recado
ali? Em defesa do Estado democrático de Direito, da nossa liberdade e um
retrato para o Brasil e imagens para o mundo do que nós, de verde e amarelo,
queremos: Deus, pátria, família e liberdade."
Bolsonaro também disse
que não vai responder a perguntas nesta quinta (22) em depoimento marcado pelo
ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), porque seus
advogados ainda não tiveram acesso aos autos da investigação sobre golpismo.
"Pelo processo
legal, eu tenho que saber do que estou sendo acusado. Eu tenho que ter acesso
ao processo."
Na entrevista, ele se
disse vítima de uma "perseguição sem tamanho" do governo Lula e de
"outros setores".
"Na transição,
ninguém reclamou. Foi feita uma transição pacífica. No penúltimo dia, fui
embora para os Estados Unidos. Resolvi não passar a faixa, é um direito meu.
Não é porque [João] Figueiredo não passou a faixa para [José] Sarney lá atrás.
É um direito meu. Não sou obrigado a fazer isso aí."
Fonte: Deutsche
Welle/FolhaPress
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