Alemanha: entenda a 'tempestade perfeita'
que derruba a maior economia da Europa
A situação da economia
na Alemanha é “dramática”. Com esse tom de preocupação, o ministro da Economia
do país, o ecologista Robert Habeck, descreveu recentemente para líderes
empresariais a "tempestade perfeita" que atinge a maior economia da União
Europeia. A crise é provocada por vários fatores que se acumulam e afetam
sobretudo a indústria, que representa quase 20% do PIB alemão. O país não
consegue recuperar os níveis de produção anteriores à pandemia.
Berlim reduziu a sua
estimativa de crescimento do PIB para 0,2% em 2024, contra 1,3% previstos
anteriormente. O primeiro sinal de alerta de que algo não ia bem surgiu no ano
passado, quando o crescimento do país recuou para 0,3%. No final do ano, o governo alemão ainda esperava uma inversão
dessa tendência, mas a esperanças foi frustrada pelas novas projeções
anunciadas na quarta-feira (21).
A Alemanha registrará
um crescimento anêmico nos próximos anos, de 0,5% em média, caso não sejam
adotadas medidas drásticas para corrigir a situação, segundo analistas. Essa
conjuntura ameaça o governo liderado pelo chanceler social-democrata Olaf
Scholz, à frente de uma coalizão que inclui políticos ecologistas e
liberais.
O país nunca recuperou
o nível de crescimento anterior à Covid. Se a atividade da economia alemã for
comparada à de outras grandes potências nos últimos anos, rapidamente se
percebe que ela foi bastante inferior.
Nos últimos cinco
anos, o crescimento estagnou e atingiu 0,7%, de acordo com dados acumulados,
enquanto o conjunto de países do bloco europeu conseguiu crescer 4% desde 2019,
segundo o órgão de estatísticas do Estado alemão.
Apesar desse quadro,
a Alemanha superou o Japão em 2023 e passou a
ser a terceira maior economia do mundo.
·
Perda de velocidade
Essa deterioração está
parcialmente associada à explosão dos custos de energia na indústria, desde o
início da guerra na Ucrânia e o fim das importações de gás russo, há dois anos.
O setor industrial, que proporciona cerca de um quarto da criação de riquezas
no país, encontra-se hoje em forte declínio: à excessão da construção civil, a
produção de manufaturados caiu 2% em 2023.
A química e a
siderurgia têm sido muito afetadas, com uma produção que permanece quase 20%
inferior à alcançada em 2021, o que indica provável perda de empregos em
setores tradicionais do “made in Germany”.
Grupos como BASF,
Bayer e Covestro publicaram na segunda-feira uma carta aberta assinada por 60
grupos industriais, para pedir medidas de apoio aos líderes da União Europeia.
O setor registrou no ano passado uma queda de 8% na produção e 12% no faturamento.
"Sem uma política
industrial específica, a Europa corre o risco de ficar dependente de certos
produtos básicos. A Europa não pode permitir isso", afirmaram os
signatários.
As dificuldades de
financiamento, devido às taxas de juros elevadas, adiam os investimentos. A
queda do consumo doméstico decorrente do aumento da inflação contribui para
essa conjuntura morosa. O desemprego segue baixo, mas a falta de confiança no
futuro é alta. O único sinal de esperança é que o volume de exportações, outro
pilar da economia alemã, voltou a subir ligeiramente.
A indústria
automobilística, outro segmento-chave, enfrenta a desaceleração da venda de
veículos elétricos após o fim dos subsídios públicos para a compra.
Além disso, a
transição ecológica é difícil para vários setores, que consideram não receber
tantos subsídios quanto seus concorrentes, em particular os americanos.
"Um minuto para
meia-noite"
Há consenso entre
especialistas de que a Alemanha precisa de novos investimentos para relançar a
sua economia. Mas o "freio da dívida", consagrado na Constituição,
limita o déficit público anual a 0,35% do PIB.
"Falta um minuto
para meia-noite. O que está em jogo é nada menos do que a sobrevivência do
'Mittelstand' alemão", alertaram, em uma carta aberta, 18 organizações que
representam as pequenas e médias empresas, coluna vertebral da economia alemã.
Entretanto, os
partidos da coalizão de governo estão divididos sobre a melhor resposta.
O líder dos liberais e
ministro das Finanças, Christian Lindner, defende cortes de impostos e a
redução da "burocracia". "Se não fizermos nada, nosso país vai
entrar em colapso e a Alemanha será mais pobre", afirmou.
Já o titular da pasta
da Economia e Clima, o ecologista Robert Habeck, propõe a flexibilização das
regras orçamentárias para investir nos setores do futuro. Mas acabar com o
"freio da dívida", um símbolo da austeridade orçamentária alemã, é
uma linha vermelha para os liberais.
As tensões internas
colocam em perigo o futuro da coalizão: os três partidos estão em queda nas
pesquisas antes das eleições regionais deste ano.
O secretário-geral dos
liberais, Bijan Djir-Sarai, já mencionou a possibilidade de retirar o partido
da coalizão. "A mudança econômica é necessária (...) e o ponto decisivo é
saber se esta coalizão conseguirá iniciar a mudança nas próximas semanas e
meses", disse.
·
Bispos alemães pedem que fiéis não votem na
ultradireita
Bispos da Alemanha
fizeram nesta quinta-feira (22/02) um apelo aos fiéis católicos do país para
que se oponham ao crescente nacionalismo de extrema direita, argumentando que essa corrente política é incompatível com as
crenças fundamentais do cristianismo.
"O nacionalismo
étnico é incompatível com a concepção cristã de Deus e do homem", apontou
uma declaração conjunta apresentada pelo bispo Georg Bätzing, o chefe da
Conferência dos Bispos Alemães (DBK), durante um encontro na cidade de
Augsburg.
O apelo foi
considerado incomum por parte da imprensa alemã, já que nas últimas décadas
bispos alemães vinham adotando a prática de não manifestar posicionamentos
sobre partidos do país.
No entanto, o apelo
também ocorre em meio à ascensão nas pesquisas do partido de ultradireita
Alternativa para a Alemanha (AfD), que tem aparecido em segundo lugar nas
pesquisas nacionais, com mais de 19% das intenções de voto.
Fundada em 2013,
inicialmente como uma sigla eurocética de tendência mais liberal, a AfD
rapidamente passou a pender para a ultradireita, especialmente após a crise dos refugiados de 2015-2016. Com
posições radicalmente anti-imigração, membros que se destacam na imprensa por
falas incendiárias ou racistas, a legenda é rotineiramente acusada de abrigar
neonazistas e é vigiada de perto por serviços de inteligência da Alemanha como
uma ameaça potencial à ordem constitucional do país.
O partido também tem
conexões com a extrema-direita mundial. Em 2021, uma de suas deputadas, Beatrix
von Storch, foi recebida pelo então presidente brasileiro Jair Bolsonaro.
<<< Extrema
direita não pode ser 'um local de atividade política para os cristãos'
Em seu apelo, os
bispos alemães abordaram diretamente a conduta da AfD, hoje o segundo maior
partido de oposição no Bundestag (a câmara baixa do Parlamento alemão), com 78
dos 735 deputados da Casa. "Depois de vários surtos de radicalização, o
partido Alternativa para a Alemanha (AfD) está agora dominado por uma atitude
nacionalista".
Segundo os bispos,
dessa forma, "os partidos extremistas de direita e aqueles que proliferam
nas margens dessa ideologia não podem, portanto, ser um local de atividade
política para os cristãos e também não podem ser elegíveis".
A declaração também
aponta que "a participação em políticas de extrema direita – e
particularmente qualquer forma de racismo ou antissemitismo – é incompatível
com emprego ou serviço voluntário na Igreja Católica". A Igreja Católica
alemã, especialmente por causa do seu braço beneficente, a organização Caritas,
é um dos maiores empregadores da Alemanha depois do Estado, por meio da
administração de uma ampla rede de hospitais, escolas e casas de repouso.
Ainda no mesmo
documento, os bispos também se dirigiram a toda a Alemanha: "Apelamos aos
nossos concidadãos, inclusive àqueles que não compartilham da nossa fé, para
que rejeitem e repudiem a política da extrema direita. Qualquer pessoa que
queira viver em uma sociedade livre e democrática não pode abrigar essas
ideias".
O bispo Bätzing também
afirmou que era imperativo que a Igreja Católica assumisse uma posição clara,
já que pesquisas vêm mostrando a AfD na liderança das pesquisas de intenção de
voto para os três pleitos estaduais que devem ocorrer no leste da Alemanha
neste ano: na Turíngia, na Saxônia e em Brandemburgo.
Os levantamentos vêm
provocando o temor de que a legenda possa finalmente eleger seu primeiro
governador, no estado da Turíngia, um reduto da AfD na Alemanha.
A Igreja Evangélica na
Alemanha (EKD) também se posicionou contra a AfD no início de dezembro e
declarou que a conduta do partido "não era de forma alguma compatível com
os princípios da fé cristã”.
Em janeiro, milhares
de alemães foram às ruas para protestar contra a ultradireita após a revelação
pela imprensa de uma reunião realizada em Potsdam com a participação de
neonazistas e membros da AfD, na qual foi apresentado um plano para a
deportação em massa de milhões de imigrantes e "cidadãos não
assimilados".
Ø
Comissão Europeia cede a agricultores e
apresenta flexibilização de exigências ambientais
A Comissão Europeia
propôs, nesta quinta-feira (22/02), flexibilizar várias exigências ambientais
para os agricultores e reduzir o número de fiscalizações, em uma tentativa de
acalmar os protestos no setor agrícola que ocorrem em diversos países há quase
dois meses.
Em nota, a comissão
anunciou que enviou um documento à delegação da Bélgica, que ocupa a
presidência rotativa do bloco, "descrevendo as primeiras medidas possíveis
para ajudar a reduzir a carga administrativa dos agricultores".
O comissário europeu
da Agricultura, Janusz Wojciechowski, afirmou na rede X que "a mensagem
dos agricultores é clara: eles querem trabalhar nos seus campos, e não presos
atrás de procedimentos". Por isso, acrescentou, "a Comissão [Europeia]
identificou ações no nível da UE que poderiam ajudar a aliviar a carga
administrativa sobre os agricultores, já nos próximos meses e anos".
·
Quais são as medidas?
As propostas lançadas
nesta quinta-feira serão discutidas pelos ministros da Agricultura da UE na
segunda-feira (26/02). A comissão planeja alterar a forma como os controles
funcionam, para reduzir em 50% o número de inspeções que os agricultores
recebem.
Os agricultores de
toda a Europa exigem o fim das restrições à produção agrícola, com medidas para
reduzir a burocracia na agricultura, no contexto da Política Agrícola Comum
(PAC).
A ideia é
“racionalizar e melhorar a avaliação do monitoramento de superfície” graças à
“análise automatizada de imagens” do programa europeu de satélites Copernicus,
para “reduzir as inspeções nas explorações agrícolas” e “ajudar os agricultores
a evitar erros”.
Outra proposta visa
isentar as pequenas explorações agrícolas com menos de 10 hectares dos
controles ligados ao cumprimento das condições ambientais. A Comissão Europeia
propõe, ainda, alterar as obrigações de manutenção de áreas dedicadas a
pastagens permanentes, a fim de moderar a perda de rendimento que isso implica
para antigos criadores convertidos para outras culturas.
Outras obrigações
ambientais impostas pelo novo PAC, aplicadas desde o início de 2023, poderão
ser revistas. A expansão das práticas autorizadas no âmbito da obrigação de
cobertura do solo “será examinada”.
Seria concedida uma
tolerância em caso de "força maior e circunstâncias excepcionais", a
exemplo de episódios climáticos extremos como secas e inundações, que impeçam
um agricultor de cumprir os requisitos da PAC. Ele não sofreria mais penalidades,
como hoje.
“A comissão continua
totalmente determinada a fornecer soluções para aliviar a pressão (...) e
ajudar os nossos agricultores a garantir a segurança alimentar”, salientou a
presidente do Executivo europeu, Ursula von der Leyen.
·
Importações da Ucrânia
Outra das queixas dos
agricultores é o impacto das importações de produtos agrícolas da Ucrânia.
Neste sentido, a UE também fez concessões.
Na quarta-feira
(21/02), os países da UE validaram a renovação da isenção tarifária, a partir
de junho, sobre as importações procedentes da Ucrânia, mas o plano inclui
mecanismos de salvaguardas para limitar o impacto da entrada destes produtos,
em especial cereais, dentro do bloco europeu. O mecanismo inclui "medidas
rápidas de correção" caso sejam verificadas perturbações no mercado da UE
ou nos mercados nacionais dos países do bloco.
Além disso, contempla
um "freio de emergência" para estabilizar e limitar as importações de
três produtos – aves, ovos e açúcar – aos níveis registrados em 2022 e 2023.
Fonte: AFP/RFI
Nenhum comentário:
Postar um comentário