2024: desafios nacionais e internacionais
diante do bolsonarismo em um regime degradado
No Brasil, dizem que o
ano começa depois do carnaval. Na política, em parte, isso é muitas vezes
verdade, em grande medida devido ao calendário do Congresso. No entanto, esse
ano, a poucos dias do carnaval, uma grande operação da PF a mando do STF atingiu um círculo de figuras muito próximas a Bolsonaro,
o que inclui generais.
Ainda é cedo para
prever quais serão todas as consequências dessas ações, no entanto ela já
aponta elementos importantes da conjuntura política. Isso, somado ao ano de
eleições municipais, eventos políticos internacionais que podem impactar no
país e a situação econômica colocam perspectivas políticas que devem ser bem
observadas.
Destaca-se na atual
conjuntura um cenário de maior estabilidade. Há pouco mais de um ano ocorriam
as reacionárias ações do dia 8 de janeiro, acompanhadas de fortes tensões entre
setores do regime. Passado o tempo, são evidentes os contornos mais definidos
entre as forças políticas, com maiores vantagens àquelas que compõem a Frente
Ampla, o que inclui seus aliados, ao menos circunstanciais, como o poder
judiciário.
A Frente Ampla busca
maiores fatores de sustentação dessa estabilidade, ainda que questões
estruturais permaneçam sempre como interrogantes potencialmente
desestabilizadoras. Turbulências econômicas internacionais, o mar de
precarização que segue inundando o país e dúvidas sobre o crescimento do PIB
são alguns deles. E isso pode ter efeitos políticos.
O próprio arcabouço
fiscal, arquitetado e articulado pelo PT para agradar grandes setores
burgueses, é um mecanismo de austeridade que se intensifica diante de cenários
econômicos mais restritos. Isso gera preocupação até mesmo em setores ligados
ao PT, como é o caso de André Singer.
Segundo ele, devido à limitação que impõe a investimentos e programas
sociais, o arcabouço fiscal pode diminuir o chamado "feel good
factor" (sentimento de bem-estar), que é a sensação criada de que as
coisas estão melhorando e dão a esperança de que vão melhorar mais. No sentido
oposto, com a sensação de piora aumentando, a expectativa e o temor é que
possam piorar mais e isso, evidentemente, não é bom para quem está governando.
·
Um cenário internacional turbulento
Ao mesmo tempo, o
cenário internacional segue intenso. Viemos de um momento onde o mundo passou a
conviver com conflitos militares de grande relevância, como na Ucrânia e agora
a ofensiva genocida de Israel contra os palestinos. Neste marco, a ofensiva israelense
contra a Palestina recém produziu uma forte reação do sionismo e da grande
imprensa contra as declarações de Lula, que comparou o genocídio dos palestinos
pelo Estado terrorista de Israel com o Holocausto. Isso é parte da ofensiva
internacional desses setores, amparados no imperialismo dos EUA para seguir o
genocídio contra o povo palestino, com quase 13 mil crianças mortas, e os
alertas realizados pela própria ONU de que 500 mil palestinos correm o risco de
morrer de fome devido a devastação operada pelo colonialismo sionista. A
histeria pró-Netanyahu da grande imprensa brasileira é apenas uma amostra da
sua subserviência criminosa ao imperialismo, ao programa de Biden e à mais
cruel das opressões coloniais no século XXI.
É preciso repudiar
frontalmente as declarações e a ofensiva sionista, que querem negar o genocídio
dos palestinos. A extrema direita brasileira se apoia nas declarações do
governo israelense para fazer sua política reacionária, convocando os atos do
dia 25 de fevereiro e também impulsionando um impeachment de Lula em funções de
suas declarações, o que deve ser prontamente rechaçado e combatido.
Vale dizer que essas
declarações de Lula ocorrem depois de meses do início dos massacres. Não houve
ruptura de relações comerciais ou diplomáticas (apesar do chamado do embaixador
brasileiro em Tel Aviv por Lula). O Brasil continua fazendo negócios com a
indústria de armamento sionista. Por isso, é preciso romper imediatamente as
relações diplomáticas com Israel.
A esquerda
institucional brasileira, de partidos como PSOL, que se diz
"socialista" e as centrais sindicais como CUT e CTB têm calado
durante todos esses meses e nada fazem para efetivamente mobilizar
trabalhadores e estudantes contra o genocídio. Deveriam estar mobilizando seus
sindicatos, entidades estudantis, intelectuais, e convocando manifestações nas
ruas para parar o banho de sangue de Israel imediatamente.
Ainda do ponto de
vista internacional, a possibilidade da volta de Trump à presidência dos EUA
seria um evento sísmico nesse sentido. Javier Milei, embora derrotado em sua
primeira tentativa de aprovar um plano de ataques ultra-neoliberais, é o
lembrete de que forças de extrema direita e outsiders continuam existindo no
panorama latino-americano, sobretudo quando há um fracasso de governos tidos
como progressistas, que ao passarem ao largo das expectativas que criaram,
geram novas frustrações e inflexões políticas.
·
A Frente Amplíssima se apoia no regime
degradado do golpe institucional
Para diminuir essas
frestas, que poderiam gerar fraturas maiores, o Poder Judiciário aumenta o
cerco contra aqueles que apostaram na desestabilização política como forma de
barganhar seus interesses. Enquanto assessores de Bolsonaro são detidos e
generais recebem mandados de busca e apreensão, Lula discursou ao lado de
Tarcísio de Freitas prometendo cooperação na execução de obras públicas. Um
evento para demarcar um reconhecimento explícito da legitimidade do governador
de São Paulo, mesmo que possa ser um competidor eleitoral. Tudo isso em meio a
uma ofensiva privatizante e truculenta por parte de Tarcísio, que conseguiu
privatizar a SABESP e mais uma vez promove uma chacina horrenda com sua
polícia, executando até agora 27 pessoas na Baixada Santista.
São sinais de um
regime político degradado que diz qual extrema direita pode ser aceita e qual
deve ser evitada. Por ora, Bolsonaro está inelegível e o cerco judicial busca
minar sua influência política. Permanece a dúvida se alguém conseguiria
recolher seus espólios, como o próprio Tarcísio, ou se a força política de
Bolsonaro seria difícil de ser debilitada em setores mais amplos.
Nesse contexto,
Bolsonaro convocou para o dia 25 de fevereiro seus apoiadores para um ato em
sua defesa na capital paulista. Com a ajuda de Silas Malafaia, já estão
confirmados 91 deputados federais, além das presença do próprio Tarcísio de
Freitas e do prefeito da cidade Ricardo Nunes (MDB). O ato servirá como medição
de forças, o que será analisado detidamente pelas forças do regime para
calcular os próximos passos das medidas contra Bolsonaro.
A presença dos dois
revela que Bolsonaro ainda mantém uma força política importante. Ambos são
cobrados cotidianamente pelos grandes meios de comunicação a interromper seu
apoio explícito ao ex-mandatário, mas não podem fazê-lo sob o risco de perder
parte do eleitorado que ainda apoia Bolsonaro. Talvez seja esse o motivo de uma
medida mais dura ainda não ter sido tomada contra ele, como um pedido de
prisão. Não é preciso ir muito longe na história para saber que medidas assim
podem ter um efeito contraditório ao que se pretendia.
Ao que parece, o
palanque do dia 25 provavelmente configurará uma imagem ilustrativa do cenário
político atual. Ao mesmo tempo que Nunes subirá ao palanque junto com
Bolsonaro, tenta também se apresentar como o candidato de uma Frente Ampla nas
eleições de São Paulo. "A gente tem uma frente ampla, uma verdadeira
frente ampla no processo eleitoral com várias forças políticas e vários
partidos", como ele mesmo afirmou em evento na zona leste.
Sua expectativa é de
reunir 12 partidos em sua coligação, o que inclui alguns da base do governo
Lula. Além do próprio Republicanos de Tarcísio, MDB, PL, PP, União Brasil, PSD,
PSDB, Cidadania, Solidariedade, Podemos, Avante e PRD podem estar nessa aliança.
·
Em São Paulo a esquerda institucional acena
para a elite
Por outro lado, Boulos
quer se apresentar como a “verdadeira” frente ampla, e para isso trouxe como
vice uma apoiadora e integrante da própria prefeitura de Nunes. Marta Suplicy,
que até mesmo flores entregou para Janaína Paschoal no momento do impeachment,
é a grande aposta para que Boulos consiga agradar, ou ao menos evitar a
rejeição de grande parcela do empresariado paulistano.
Não é por acaso que
Boulos vem dando grande ênfase para o tema da segurança pública. É chocante
o vídeo veiculado
por sua campanha no qual ele é elogioso ao comando da Polícia Militar de São
Paulo, dizendo que, diferente da pecha de extremista, ele sempre foi uma figura
de diálogo. A mesma polícia que nesse momento leva à frente uma nova chacina,
aterrorizando a população da Baixada Santista com a Operação Escudo.
Esse retrato mostra o
caleidoscópio da miríade de forças políticas, com a mistura de velhos setores
bolsonaristas junto com aqueles tidos como progressistas. Os dois lados, ainda
que busquem as bênçãos de Lula e Bolsonaro, perseguem aliados que cruzam os
dois campos políticos. Ambos, buscando a chancela da Frente Ampla.
Tudo isso é uma
comprovação de que a conciliação de classes, ao contrário de combater a extrema
direita, contribui para que ela se rearticule e se reorganize. O MDB de Nunes,
que é parte central da base do governo Lula, oferece a Bolsonaro um candidato em
que se apoiar. Por outro lado, o PSOL e o PT se apoiam em figuras como Marta,
apoiadora do impeachment que abriu espaço ao bolsonarismo, articuladora da
reforma trabalhista e que fez parte, até pouco tempo, da própria prefeitura de
Nunes. Tudo isso para mostrar uma chapa viável para a elite paulista.
Enquanto Boulos
reedita a velha política de conciliação de classes tradicional do PT, aplaude
as ações do Judiciário como o grande contentor do bolsonarismo. Foi o
bonapartismo do Judiciário que permitiu que Bolsonaro chegasse ao poder,
prendendo Lula e impedindo até mesmo entrevistas durante as eleições de 2018.
Agora querem cercar as alas do bolsonarismo que apostaram na instabilidade
enquanto buscam legitimar outras, como Tarcísio de Freitas.
Isso só serve para
solidificar um espaço para a extrema direita no regime político brasileiro, que
como mostra a gestão paulista, será nefasta para o interesse das grandes
maiorias populares. Ao mesmo tempo, o governo Lula-Alckmin segue fortalecendo
setores que foram fundamentais para o enraizamento e fortalecimento do
bolsonarismo, como o agronegócio, as grandes igrejas evangélicas e o Poder
Judiciário. Até mesmo as polícias, que seguem atacando o povo negro e pobre, e
recentemente se sentiram fortalecidos para atacar o samba enredo da Vai-Vai,
foram agraciadas pelo governo Lula com a Lei Orgânica das Polícias Militares,
que contribui para o aumento do seu poder e impunidade.
·
Por uma política de independência de
classes que defenda os setores mais explorados da classe trabalhadora
Ao contrário desse
caminho que servirá para fortalecer nossos inimigos de classe, é necessário uma
política de independência de classes que se levante contra a precarização do
trabalho, o arcabouço fiscal e que busque através de suas próprias forças combater
Bolsonaro, seus generais e todos aqueles que foram base de sua sustentação. Que
é o contrário do que parte importante da esquerda vem fazendo, seja com
candidaturas junto a nossos inimigos, como é o caso do PSOL, mas também com
políticas que se adaptam ao autoritarismo judiciário, aplaudindo as ações da
Polícia Federal e do STF.
Diante desta situação
é preciso batalhar por um caminho de independência de classes contra a extrema
direita, que rechace qualquer saída pela via institucional do STF e pelas
instituições deste regime degradado, demonstrando que é a Frente Ampla que fortalece
a extrema direita. Neste contexto, a Argentina mostra o caminho, enfrentando a
extrema direita através da mobilização nas ruas e com uma ação parlamentar
revolucionária independente da frente ampla. Neste processo, cumpriu um papel
fundamental, junto às forças da Frente de Esquerda, a nossa organização irmã, o
PTS. Através de sua bancada de deputados federais, Nicolás Del Caño, Myriam
Bregman, Christian Castillo e Alejandro Vilca, combinada com a mobilização de
rua que questionava os protocolos que buscavam impedir as manifestações, o PTS
foi uma importante força da esquerda no questionamento e derrota do grande
pacote de ataques de Milei.
Por isso, aqui no
Brasil, para enfrentar os golpistas e lutar por nenhuma anistia ao alto mando
civil e militar é preciso organizar a luta na base, exigindo das centrais
sindicais um plano de lutas que incorpore o enfrentamento a toda a obra
econômica do golpe institucional, como as reformas trabalhista e da
previdência, bem como os novos ataques do governo Lula-Alckmin como o arcabouço
fiscal. Um plano de lutas para enfrentar as privatizações de Tarcísio em São
Paulo e em outros estados; para defender os povos indígenas contra o marco
temporal; para enfrentar a terceirização e a precarização do trabalho. Nenhum
enfrentamento aos golpistas poderá se dar de forma separada das medidas que
atacam a vida e as condições de trabalho do povo trabalhador.
Diante da enorme
mazela que significa a terceirização e precarização do trabalho no Brasil, que
atinge majoritariamente os trabalhadores negros e as trabalhadoras mulheres, o
MRT coloca com centralidade esta luta através do Manifesto contra a Terceirização e a Precarização do Trabalho, articulado por juristas e intelectuais como Jorge Souto Maior
e Ricardo Antunes, que já conta com mais de 5 mil assinaturas. Em cada local de
estudo e trabalho estamos levando essa batalha, com iniciativas nos locais onde
fazemos parte das Diretorias sindicais, como no Sindicato dos Metroviários de
São Paulo, Sindicato dos Trabalhadores da USP, Subsede Apeoesp de Santo André,
e outras categorias como petroleiros do Rio de Janeiro, professores de Minas
Gerais, Pernambuco, Rio Grande do Sul, entre outros. Na juventude, nas
calouradas, também levaremos com força essa demanda que atinge a juventude
trabalhadora que está nas universidades sem permanência estudantil.
Ao mesmo tempo,
lançamos um chamado aos setores da esquerda socialista e revolucionária por
candidaturas de independência de classes nas próximas eleições, contra as variantes de frente ampla nas eleições municipais.
Essa é uma iniciativa para fincar uma posição política que seja parte de
impulsionar a luta dos trabalhadores e do povo pobre contra as alternativas
institucionais que querem conduzir os trabalhadores a uma perspectiva de
melhoria gradual enquanto os trabalhadores seguem pagando a conta da crise.
Estamos também
batalhando junto a companheiras independentes do Pão e Rosas por um 8 de março
de luta nas ruas e independente dos governos, que é a única forma de garantir
as demandas das mulheres, que o governo de frente ampla não é capaz de atender,
como o enfrentamento à crescente violência de gênero, o direito ao aborto
legal, seguro e gratuito e a revogação das reformas e da terceirização
irrestrita.
Partindo destes
debates internacionais e também dos desafios nacionais em distintos países, nas
próximas semanas nossa organização internacional, a Fração Trotskista pela
Reconstrução da IV Internacional, se reúne em sua Conferência Internacional
para debater as perspectivas da situação política das tendências mundiais, a luta ideológica e os
desafios em particular na Argentina, onde a situação política começa a colocar
os primeiros embates da luta de classes. Seguindo nossa campanha prioritária em
defesa da Palestina, discutiremos as diretrizes centrais de orientação do
próximo período das nossas organizações internacionais.
Fonte: Esquerda Diário
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