segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

2024: desafios nacionais e internacionais diante do bolsonarismo em um regime degradado

No Brasil, dizem que o ano começa depois do carnaval. Na política, em parte, isso é muitas vezes verdade, em grande medida devido ao calendário do Congresso. No entanto, esse ano, a poucos dias do carnaval, uma grande operação da PF a mando do STF atingiu um círculo de figuras muito próximas a Bolsonaro, o que inclui generais.

Ainda é cedo para prever quais serão todas as consequências dessas ações, no entanto ela já aponta elementos importantes da conjuntura política. Isso, somado ao ano de eleições municipais, eventos políticos internacionais que podem impactar no país e a situação econômica colocam perspectivas políticas que devem ser bem observadas.

Destaca-se na atual conjuntura um cenário de maior estabilidade. Há pouco mais de um ano ocorriam as reacionárias ações do dia 8 de janeiro, acompanhadas de fortes tensões entre setores do regime. Passado o tempo, são evidentes os contornos mais definidos entre as forças políticas, com maiores vantagens àquelas que compõem a Frente Ampla, o que inclui seus aliados, ao menos circunstanciais, como o poder judiciário.

A Frente Ampla busca maiores fatores de sustentação dessa estabilidade, ainda que questões estruturais permaneçam sempre como interrogantes potencialmente desestabilizadoras. Turbulências econômicas internacionais, o mar de precarização que segue inundando o país e dúvidas sobre o crescimento do PIB são alguns deles. E isso pode ter efeitos políticos.

O próprio arcabouço fiscal, arquitetado e articulado pelo PT para agradar grandes setores burgueses, é um mecanismo de austeridade que se intensifica diante de cenários econômicos mais restritos. Isso gera preocupação até mesmo em setores ligados ao PT, como é o caso de André Singer.

Segundo ele, devido à limitação que impõe a investimentos e programas sociais, o arcabouço fiscal pode diminuir o chamado "feel good factor" (sentimento de bem-estar), que é a sensação criada de que as coisas estão melhorando e dão a esperança de que vão melhorar mais. No sentido oposto, com a sensação de piora aumentando, a expectativa e o temor é que possam piorar mais e isso, evidentemente, não é bom para quem está governando.

·        Um cenário internacional turbulento

Ao mesmo tempo, o cenário internacional segue intenso. Viemos de um momento onde o mundo passou a conviver com conflitos militares de grande relevância, como na Ucrânia e agora a ofensiva genocida de Israel contra os palestinos. Neste marco, a ofensiva israelense contra a Palestina recém produziu uma forte reação do sionismo e da grande imprensa contra as declarações de Lula, que comparou o genocídio dos palestinos pelo Estado terrorista de Israel com o Holocausto. Isso é parte da ofensiva internacional desses setores, amparados no imperialismo dos EUA para seguir o genocídio contra o povo palestino, com quase 13 mil crianças mortas, e os alertas realizados pela própria ONU de que 500 mil palestinos correm o risco de morrer de fome devido a devastação operada pelo colonialismo sionista. A histeria pró-Netanyahu da grande imprensa brasileira é apenas uma amostra da sua subserviência criminosa ao imperialismo, ao programa de Biden e à mais cruel das opressões coloniais no século XXI.

É preciso repudiar frontalmente as declarações e a ofensiva sionista, que querem negar o genocídio dos palestinos. A extrema direita brasileira se apoia nas declarações do governo israelense para fazer sua política reacionária, convocando os atos do dia 25 de fevereiro e também impulsionando um impeachment de Lula em funções de suas declarações, o que deve ser prontamente rechaçado e combatido.

Vale dizer que essas declarações de Lula ocorrem depois de meses do início dos massacres. Não houve ruptura de relações comerciais ou diplomáticas (apesar do chamado do embaixador brasileiro em Tel Aviv por Lula). O Brasil continua fazendo negócios com a indústria de armamento sionista. Por isso, é preciso romper imediatamente as relações diplomáticas com Israel.

A esquerda institucional brasileira, de partidos como PSOL, que se diz "socialista" e as centrais sindicais como CUT e CTB têm calado durante todos esses meses e nada fazem para efetivamente mobilizar trabalhadores e estudantes contra o genocídio. Deveriam estar mobilizando seus sindicatos, entidades estudantis, intelectuais, e convocando manifestações nas ruas para parar o banho de sangue de Israel imediatamente.

Ainda do ponto de vista internacional, a possibilidade da volta de Trump à presidência dos EUA seria um evento sísmico nesse sentido. Javier Milei, embora derrotado em sua primeira tentativa de aprovar um plano de ataques ultra-neoliberais, é o lembrete de que forças de extrema direita e outsiders continuam existindo no panorama latino-americano, sobretudo quando há um fracasso de governos tidos como progressistas, que ao passarem ao largo das expectativas que criaram, geram novas frustrações e inflexões políticas.

·        A Frente Amplíssima se apoia no regime degradado do golpe institucional

Para diminuir essas frestas, que poderiam gerar fraturas maiores, o Poder Judiciário aumenta o cerco contra aqueles que apostaram na desestabilização política como forma de barganhar seus interesses. Enquanto assessores de Bolsonaro são detidos e generais recebem mandados de busca e apreensão, Lula discursou ao lado de Tarcísio de Freitas prometendo cooperação na execução de obras públicas. Um evento para demarcar um reconhecimento explícito da legitimidade do governador de São Paulo, mesmo que possa ser um competidor eleitoral. Tudo isso em meio a uma ofensiva privatizante e truculenta por parte de Tarcísio, que conseguiu privatizar a SABESP e mais uma vez promove uma chacina horrenda com sua polícia, executando até agora 27 pessoas na Baixada Santista.

São sinais de um regime político degradado que diz qual extrema direita pode ser aceita e qual deve ser evitada. Por ora, Bolsonaro está inelegível e o cerco judicial busca minar sua influência política. Permanece a dúvida se alguém conseguiria recolher seus espólios, como o próprio Tarcísio, ou se a força política de Bolsonaro seria difícil de ser debilitada em setores mais amplos.

Nesse contexto, Bolsonaro convocou para o dia 25 de fevereiro seus apoiadores para um ato em sua defesa na capital paulista. Com a ajuda de Silas Malafaia, já estão confirmados 91 deputados federais, além das presença do próprio Tarcísio de Freitas e do prefeito da cidade Ricardo Nunes (MDB). O ato servirá como medição de forças, o que será analisado detidamente pelas forças do regime para calcular os próximos passos das medidas contra Bolsonaro.

A presença dos dois revela que Bolsonaro ainda mantém uma força política importante. Ambos são cobrados cotidianamente pelos grandes meios de comunicação a interromper seu apoio explícito ao ex-mandatário, mas não podem fazê-lo sob o risco de perder parte do eleitorado que ainda apoia Bolsonaro. Talvez seja esse o motivo de uma medida mais dura ainda não ter sido tomada contra ele, como um pedido de prisão. Não é preciso ir muito longe na história para saber que medidas assim podem ter um efeito contraditório ao que se pretendia.

Ao que parece, o palanque do dia 25 provavelmente configurará uma imagem ilustrativa do cenário político atual. Ao mesmo tempo que Nunes subirá ao palanque junto com Bolsonaro, tenta também se apresentar como o candidato de uma Frente Ampla nas eleições de São Paulo. "A gente tem uma frente ampla, uma verdadeira frente ampla no processo eleitoral com várias forças políticas e vários partidos", como ele mesmo afirmou em evento na zona leste.

Sua expectativa é de reunir 12 partidos em sua coligação, o que inclui alguns da base do governo Lula. Além do próprio Republicanos de Tarcísio, MDB, PL, PP, União Brasil, PSD, PSDB, Cidadania, Solidariedade, Podemos, Avante e PRD podem estar nessa aliança.

·        Em São Paulo a esquerda institucional acena para a elite

Por outro lado, Boulos quer se apresentar como a “verdadeira” frente ampla, e para isso trouxe como vice uma apoiadora e integrante da própria prefeitura de Nunes. Marta Suplicy, que até mesmo flores entregou para Janaína Paschoal no momento do impeachment, é a grande aposta para que Boulos consiga agradar, ou ao menos evitar a rejeição de grande parcela do empresariado paulistano.

Não é por acaso que Boulos vem dando grande ênfase para o tema da segurança pública. É chocante o vídeo veiculado por sua campanha no qual ele é elogioso ao comando da Polícia Militar de São Paulo, dizendo que, diferente da pecha de extremista, ele sempre foi uma figura de diálogo. A mesma polícia que nesse momento leva à frente uma nova chacina, aterrorizando a população da Baixada Santista com a Operação Escudo.

Esse retrato mostra o caleidoscópio da miríade de forças políticas, com a mistura de velhos setores bolsonaristas junto com aqueles tidos como progressistas. Os dois lados, ainda que busquem as bênçãos de Lula e Bolsonaro, perseguem aliados que cruzam os dois campos políticos. Ambos, buscando a chancela da Frente Ampla.

Tudo isso é uma comprovação de que a conciliação de classes, ao contrário de combater a extrema direita, contribui para que ela se rearticule e se reorganize. O MDB de Nunes, que é parte central da base do governo Lula, oferece a Bolsonaro um candidato em que se apoiar. Por outro lado, o PSOL e o PT se apoiam em figuras como Marta, apoiadora do impeachment que abriu espaço ao bolsonarismo, articuladora da reforma trabalhista e que fez parte, até pouco tempo, da própria prefeitura de Nunes. Tudo isso para mostrar uma chapa viável para a elite paulista.

Enquanto Boulos reedita a velha política de conciliação de classes tradicional do PT, aplaude as ações do Judiciário como o grande contentor do bolsonarismo. Foi o bonapartismo do Judiciário que permitiu que Bolsonaro chegasse ao poder, prendendo Lula e impedindo até mesmo entrevistas durante as eleições de 2018. Agora querem cercar as alas do bolsonarismo que apostaram na instabilidade enquanto buscam legitimar outras, como Tarcísio de Freitas.

Isso só serve para solidificar um espaço para a extrema direita no regime político brasileiro, que como mostra a gestão paulista, será nefasta para o interesse das grandes maiorias populares. Ao mesmo tempo, o governo Lula-Alckmin segue fortalecendo setores que foram fundamentais para o enraizamento e fortalecimento do bolsonarismo, como o agronegócio, as grandes igrejas evangélicas e o Poder Judiciário. Até mesmo as polícias, que seguem atacando o povo negro e pobre, e recentemente se sentiram fortalecidos para atacar o samba enredo da Vai-Vai, foram agraciadas pelo governo Lula com a Lei Orgânica das Polícias Militares, que contribui para o aumento do seu poder e impunidade.

·        Por uma política de independência de classes que defenda os setores mais explorados da classe trabalhadora

Ao contrário desse caminho que servirá para fortalecer nossos inimigos de classe, é necessário uma política de independência de classes que se levante contra a precarização do trabalho, o arcabouço fiscal e que busque através de suas próprias forças combater Bolsonaro, seus generais e todos aqueles que foram base de sua sustentação. Que é o contrário do que parte importante da esquerda vem fazendo, seja com candidaturas junto a nossos inimigos, como é o caso do PSOL, mas também com políticas que se adaptam ao autoritarismo judiciário, aplaudindo as ações da Polícia Federal e do STF.

Diante desta situação é preciso batalhar por um caminho de independência de classes contra a extrema direita, que rechace qualquer saída pela via institucional do STF e pelas instituições deste regime degradado, demonstrando que é a Frente Ampla que fortalece a extrema direita. Neste contexto, a Argentina mostra o caminho, enfrentando a extrema direita através da mobilização nas ruas e com uma ação parlamentar revolucionária independente da frente ampla. Neste processo, cumpriu um papel fundamental, junto às forças da Frente de Esquerda, a nossa organização irmã, o PTS. Através de sua bancada de deputados federais, Nicolás Del Caño, Myriam Bregman, Christian Castillo e Alejandro Vilca, combinada com a mobilização de rua que questionava os protocolos que buscavam impedir as manifestações, o PTS foi uma importante força da esquerda no questionamento e derrota do grande pacote de ataques de Milei.

Por isso, aqui no Brasil, para enfrentar os golpistas e lutar por nenhuma anistia ao alto mando civil e militar é preciso organizar a luta na base, exigindo das centrais sindicais um plano de lutas que incorpore o enfrentamento a toda a obra econômica do golpe institucional, como as reformas trabalhista e da previdência, bem como os novos ataques do governo Lula-Alckmin como o arcabouço fiscal. Um plano de lutas para enfrentar as privatizações de Tarcísio em São Paulo e em outros estados; para defender os povos indígenas contra o marco temporal; para enfrentar a terceirização e a precarização do trabalho. Nenhum enfrentamento aos golpistas poderá se dar de forma separada das medidas que atacam a vida e as condições de trabalho do povo trabalhador.

Diante da enorme mazela que significa a terceirização e precarização do trabalho no Brasil, que atinge majoritariamente os trabalhadores negros e as trabalhadoras mulheres, o MRT coloca com centralidade esta luta através do Manifesto contra a Terceirização e a Precarização do Trabalho, articulado por juristas e intelectuais como Jorge Souto Maior e Ricardo Antunes, que já conta com mais de 5 mil assinaturas. Em cada local de estudo e trabalho estamos levando essa batalha, com iniciativas nos locais onde fazemos parte das Diretorias sindicais, como no Sindicato dos Metroviários de São Paulo, Sindicato dos Trabalhadores da USP, Subsede Apeoesp de Santo André, e outras categorias como petroleiros do Rio de Janeiro, professores de Minas Gerais, Pernambuco, Rio Grande do Sul, entre outros. Na juventude, nas calouradas, também levaremos com força essa demanda que atinge a juventude trabalhadora que está nas universidades sem permanência estudantil.

Ao mesmo tempo, lançamos um chamado aos setores da esquerda socialista e revolucionária por candidaturas de independência de classes nas próximas eleições, contra as variantes de frente ampla nas eleições municipais. Essa é uma iniciativa para fincar uma posição política que seja parte de impulsionar a luta dos trabalhadores e do povo pobre contra as alternativas institucionais que querem conduzir os trabalhadores a uma perspectiva de melhoria gradual enquanto os trabalhadores seguem pagando a conta da crise.

Estamos também batalhando junto a companheiras independentes do Pão e Rosas por um 8 de março de luta nas ruas e independente dos governos, que é a única forma de garantir as demandas das mulheres, que o governo de frente ampla não é capaz de atender, como o enfrentamento à crescente violência de gênero, o direito ao aborto legal, seguro e gratuito e a revogação das reformas e da terceirização irrestrita.

Partindo destes debates internacionais e também dos desafios nacionais em distintos países, nas próximas semanas nossa organização internacional, a Fração Trotskista pela Reconstrução da IV Internacional, se reúne em sua Conferência Internacional para debater as perspectivas da situação política das tendências mundiais, a luta ideológica e os desafios em particular na Argentina, onde a situação política começa a colocar os primeiros embates da luta de classes. Seguindo nossa campanha prioritária em defesa da Palestina, discutiremos as diretrizes centrais de orientação do próximo período das nossas organizações internacionais.

 

Fonte: Esquerda Diário

 

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