2 anos da guerra na Ucrânia: 5
questões-chave para entender o conflito
A guerra na Ucrânia completa
dois anos em 24 de fevereiro, e não há razão para acreditar que o conflito vai
terminar em breve.
Nem a Ucrânia, nem a Rússia,
tampouco os principais aliados de ambos os lados, veem qualquer chance de um
acordo de paz no momento.
Kiev está convencida
de que suas fronteiras internacionalmente reconhecidas devem ser restabelecidas
e que vai expulsar as tropas russas. Já o posicionamento de Moscou segue sendo
de que a Ucrânia não é um país propriamente dito, e as forças russas vão continuar
a avançar até que seus objetivos sejam alcançados.
A seguir, vamos
analisar o que está acontecendo agora, e o rumo que o conflito pode tomar no
futuro.
·
Quem está ganhando?
Os violentos combates
continuam durante o inverno, custando muitas vidas a ambos os lados.
A linha de frente de
combate se estende por 1.000 km — e sua forma mudou pouco desde o outono de
2022.
Poucos meses após a
invasão em grande escala, há dois anos, a Ucrânia fez as forças russas recuarem
no norte e em torno da capital, Kiev. Retomou ainda grandes partes do
território no leste e no sul no fim daquele ano.
Mas, agora, as forças
russas estão entrincheiradas com fortificações resistentes, e os ucranianos
dizem que sua munição está acabando.
Muitos veem um cenário
de impasse militar – incluindo o ex-comandante-em-chefe ucraniano, Valerii
Zaluzhnyi, destituído recentemente do cargo, e vários blogueiros militares
russos pró-Kremlin.
Em meados de
fevereiro, as tropas ucranianas se retiraram da cidade de Avdiivka, há muito
tempo disputada, no leste.
As forças russas
consideraram isso como uma grande vitória – como Avdiivka está estrategicamente
posicionada, abriria caminho potencialmente para invasões mais profundas.
Kiev disse que a
retirada visava preservar a vida dos seus soldados, e não escondeu que suas
forças estavam em menor número e com menos armas.
Foi a maior conquista
da Rússia desde que tomou Bakhmut em maio do ano passado. Mas Avdiivka fica a
apenas 20 km a noroeste de Donetsk, cidade ucraniana ocupada pela Rússia desde
2014.
Um avanço tão pequeno
está longe da ambição inicial da Rússia em fevereiro de 2022, compartilhada por
blogueiros militares e reiterada pela propaganda estatal, de tomar a capital
Kiev “em três dias”
Atualmente, cerca de
18% do território ucraniano permanece sob ocupação russa, incluindo a península
da Crimeia, anexada em março de 2014, e grande parte das regiões de Donetsk e
Luhansk, no leste, que a Rússia tomou pouco depois.
·
O apoio à Ucrânia está
diminuindo?
Nos últimos dois anos,
os aliados da Ucrânia enviaram uma grande quantidade de ajuda militar,
financeira e humanitária ao país – sendo quase US$ 92 bilhões provenientes de
instituições da União Europeia e US$ 73 bilhões dos EUA até janeiro de 2024, de
acordo com o Instituto Kiel para a Economia Mundial.
Os tanques, as defesas
aéreas e a artilharia de longo alcance fornecidos pelo Ocidente ajudaram
substancialmente a Ucrânia.
Mas o fluxo de
contribuições diminuiu nos últimos meses, em meio ao debate sobre por quanto
tempo os aliados vão poder apoiar de forma realista a Ucrânia.
Nos EUA, um novo
pacote de ajuda de US$ 60 bilhões está parado no Congresso devido a disputas
políticas internas.
E existe ainda o
receio entre os aliados da Ucrânia de que o apoio dos EUA vai diminuir se
Donald Trump voltar à Casa Branca após as eleições presidenciais de novembro.
Na União Europeia, um
pacote de ajuda de US$ 54 bilhões foi aprovado em fevereiro, após muita
discussão e negociação, especialmente com a Hungria, cujo primeiro-ministro,
Victor Orban, é um aliado de Putin que se opõe abertamente ao apoio à Ucrânia.
Além disso, a União
Europeia está em vias de entregar apenas cerca de metade das munições de
artilharia que pretendia fornecer a Kiev até o final de março de 2024.
Os países que apoiam a
Rússia incluem seu vizinho Belarus, cujo território e espaço aéreo foi usado
para acessar a Ucrânia.
O Irã vem fornecendo
drones Shahed à Rússia, dizem os EUA e a União Europeia, embora o Irã apenas
admita ter fornecido um pequeno número de drones à Rússia antes da guerra.
Os veículos aéreos não
tripulados (Vant), mais conhecidos como drones, se revelaram eficazes para
atingir alvos na Ucrânia – em uma guerra em que há uma demanda por drones de
ambos os lados devido à sua capacidade de escapar das defesas aéreas.
As sanções não
funcionaram tão bem quanto os países ocidentais esperavam, e a Rússia ainda
consegue vender seu petróleo e obter peças e componentes para sua indústria
militar.
Não acredita-se que a
China esteja fornecendo armas a nenhum dos lados. De uma maneira geral, o país
asiático adotou uma linha diplomática cuidadosa no que se refere a esta guerra:
não condenou a invasão russa, mas tampouco apoiou Moscou militarmente — embora
tenha continuado a comprar petróleo russo, assim como a Índia.
Tanto a Rússia quanto
a Ucrânia também se empenharam bastante em cortejar países em desenvolvimento,
incluindo uma série de visitas diplomáticas à África e à América Latina.
·
Os objetivos da Rússia
mudaram?
Acredita-se amplamente
que o presidente russo, Vladimir Putin, ainda quer toda a Ucrânia.
Em entrevista recente
ao apresentador de talk show americano Tucker Carlson, Putin – que não foi
contestado – expôs mais uma vez sua visão distorcida da história e do conflito.
Ele argumenta há muito
tempo, sem fornecer evidências sólidas, que os civis na Ucrânia – especialmente
na região de Donbas, no leste – necessitam de proteção russa.
Antes da guerra, ele
escreveu um longo artigo que negava a existência da Ucrânia como um Estado
soberano, dizendo que russos e ucranianos eram “um só povo”.
Em dezembro de 2023,
ele declarou que seus objetivos para o que a Rússia chama de “operação militar
especial” permaneciam inalterados, incluindo a “desnazificação” – que se baseia
em alegações infundadas sobre a influência da extrema direita.
Ele também diz que
quer a “desmilitarização” e uma Ucrânia “neutra”, e continua a protestar contra
a expansão da influência da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan)
para o leste.
Como um Estado
independente, a Ucrânia nunca pertenceu a nenhuma aliança militar. Seus
objetivos políticos incluíam a adesão à União Europeia, e o país estava em
negociações para estreitar os laços com a Otan – ambas as perspectivas parecem
agora mais próximas do que no início da guerra.
Estes objetivos
procuravam fortalecer o Estado da Ucrânia e protegê-la de ser arrastada para
qualquer projeto geopolítico que visa restaurar a União Soviética de alguma
forma.
·
Como a guerra poderia
terminar?
Dado que nenhum dos
lados parece propenso a se render, e que Putin parece determinado a permanecer
no poder, as previsões dos analistas tendem a crer em uma guerra prolongada.
O centro de pesquisa
de segurança global Globsec combinou as opiniões de dezenas de especialistas
para avaliar a probabilidade de diferentes desfechos.
O cenário mais
provável é de uma guerra de atrito, também conhecida como guerra de exaustão,
que se estenderia para além de 2025, com fortes baixas de ambos os lados, e a
Ucrânia continuando a depender do fornecimento de armas de aliados.
O segundo cenário mais
provável inclui potenciais escaladas de conflitos em outras partes do mundo,
como no Oriente Médio, na China-Taiwan e nos Balcãs – com a Rússia tentando
exacerbar as tensões.
Dois outros cenários
em potencial, ambos considerados igualmente prováveis, seriam a Ucrânia
realizar algum avanço militar, mas nenhum acordo ser alcançado para acabar com
a guerra – ou a ajuda dos aliados da Ucrânia diminuir, e eles pressionarem o
país a chegar a uma solução negociada.
Permanece a incerteza,
no entanto, tanto sobre o potencial impacto das eleições presidenciais dos EUA,
assim como sobre a forma como outras guerras, especialmente o conflito
Israel-Hamas, vão afetar as prioridades e alianças dos apoiadores da Ucrânia e
da Rússia.
·
O conflito poderia se
alastrar ainda mais?
Em meados de
fevereiro, o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, advertiu que manter a
Ucrânia num “déficit artificial” de armas ajudaria a Rússia.
Ele disse numa
conferência de segurança internacional, em Munique, que Putin tornaria os
próximos anos “catastróficos” para muitos outros países se o mundo ocidental
não o enfrentasse.
O centro de pesquisa
Royal United Services Institute (Rusi) afirma que a Rússia conseguiu fazer a
transição da sua economia e indústria de defesa para ampliar a produção
militar, e está se preparando para uma guerra longa. Diz ainda que a Europa não
está acompanhando o ritmo — preocupação levantada também pelo ministro das
Relações Exteriores da Polônia.
Países europeus —
incluindo alertas feitos pelo ministro das Relações Exteriores da Alemanha e
pelo serviço de inteligência da Estônia — manifestaram recentemente receio de
que a Rússia possa atacar um país da Otan na próxima década.
Isso levou a Otan e a
União Europeia a acelerar seu planejamento para o futuro, tanto em termos de
capacidade militar como de preparação das sociedades para viver num mundo bem
diferente.
Ø
O ataque russo com míssil que criou
vilarejo de órfãos na Ucrânia
O adolescente Dima
perdeu a mãe, o pai e dois avós em um ataque com mísseis ao vilarejo de Hroza,
no nordeste da Ucrânia.
“Não consigo
compreender completamente”, disse o jovem de 16 anos à BBC. “Agora sou
responsável pela nossa casa”, diz ele. “O que mais tenho pena é da minha irmã
mais nova. Antes disso acontecer, ela não gostava quando eu a abraçava. Agora
ela quer me abraçar o tempo todo", acrescenta.
Em 5 de outubro de
2023, um míssil atingiu um café em Hroza, matando 59 pessoas. Pelo menos um
integrante de cada família do vilarejo estava ali para o funeral de um homem
chamado Andriy Kozyr, que havia se alistado no Exército ucraniano como
voluntário.
Um quinto da população
do vilarejo foi morta, e muitas das pessoas que morreram eram pais. Assim,
Hroza ficou conhecida como um vilarejo cheio de órfãos.
O ataque foi o
incidente mais fatal para civis ucranianos desde o início da invasão em grande escala da Rússia, há dois
anos.
A Rússia nunca
comentou diretamente o ataque, mas suas forças afirmaram ter realizado ataques
contra alvos militares na região, segundo a mídia estatal russa.
A Ucrânia disse que
não havia alvos militares ali e um relatório da Organização das Nações Unidas
(ONU) endossou: “Não havia indicação de tropas militares ou de quaisquer outros
alvos militares legítimos”.
Dima levava uma vida
normal de adolescente antes da guerra. Morava com os pais, saia com os amigos,
estava frequentemente no telefone e às vezes brigava com as irmãs.
Agora, em um cemitério
nos arredores de seu vilarejo, Dima observa as coroas de flores em cores vivas
cobrirem os túmulos recém cavados de seus pais e avós paternos. Eles ainda não
têm lápides, mas têm cruzes de madeira com fotos suas sorrindo.
Há poucos visitantes
aqui. O vilarejo de Dima fica na região de Kharkiv, na Ucrânia, muito próximo
da fronteira com a Rússia, e a cerca de 30 km dali o combate é intenso no
entorno de Kupyansk. Flores nas cores nacionais ucranianas, azul e amarelo,
destacam-se e a quietude só é interrompida pelas explosões ao longe.
Devastados e de luto,
Dima e suas irmãs pediram ajuda aos avós maternos.
"Muitas pessoas
foram mortas pelo ataque. O vilarejo ficou subitamente vazio", explica Valeriy, avô de Dima, de 62 anos. "A dor nunca será esquecida. Tivemos quatro caixões em casa. Minha mente entende o que
aconteceu, mas meu coração ainda não consegue acreditar."
Ele me mostra a última
foto tirada da filha Olga e do marido, Anatoliy. “Eles se amavam muito”, lembra
Valeriy. “Era um bom lar”.
Valeriy conta que
Anatoliy uma vez brincou que se ele morresse antes de Olga, ela seguiria em
frente rapidamente e se casaria de novo. “Mas Olga disse: 'Não, querido
Anatoly, morreremos no mesmo dia.' Foi como se ela tivesse visto o futuro”, diz
Valeriy, enquanto enxuga as lágrimas.
Valeriy descreve as
consequências do ataque de outubro como “um filme de terror acelerado”. Ele
correu para encontrar a filha, mas não conseguiu chegar a tempo. Uma mulher que
estava com Olga quando ela morreu disse: “Suas últimas palavras foram: ‘Quero continuar
vivendo’”.
Valeriy e sua esposa
Lubov adotaram Dima, a irmã mais velha Daryna, de 17 anos, e a irmã mais nova
Nastya, de 10 anos. "Meus netos tiveram que ficar comigo aqui. Eu não
podia permitir que a família se separasse," diz, acrescentando que temia
que as crianças pudessem acabar em orfanatos.
Embora Valeriy admita
que cuidar dos netos nem sempre seja fácil, ele diz que eles estão presentes um
para o outro neste momento difícil. "Dima é prestativo no jardim, cuidando
dos porcos da família. Daryna aprendeu a cozinhar e Nastya é muito atenciosa e
gentil."
Catorze crianças do
vilarejo perderam pelo menos um dos pais no ataque, incluindo oito que perderam
ambos. Em todos os casos, os avós ou outros familiares decidiram cuidar das
crianças para que não fossem enviadas para orfanatos.
A maioria das pessoas
ainda está aterrorizada pelo que aconteceu. “Nunca esquecerei os funerais,
quando essas crianças estavam ali, em silêncio e solitárias, de mãos dadas”,
conta Diana Nosova, que mora na área. "Partiu meu coração."
Após o ataque, alguns
órfãos decidiram mudar-se para uma área mais segura, incluindo Vlad, de 14
anos. Ele foi morar no oeste da Ucrânia com a tia depois que a mãe, o avô, o
tio e o primo de oito anos morreram.
“Estou com muitas
saudades de você”, ele diz à avó Valentyna em uma videochamada. “Eu também”,
ela responde.
Valentyna decidiu
permanecer, apesar de ter perdido a maior parte da família no ataque, incluindo
o marido, a filha, o filho e o neto.
Caminho com a senhora
de 57 anos pelo vilarejo onde ela viveu toda uma vida. As coisas são diferentes
agora.
“Este lugar é muito
assustador”, ela me diz enquanto passamos por um prédio destruído por um
míssil. "É difícil. Quando você sabe que seus filhos estavam caídos aqui
no chão. A morte deles está aqui."
"Quanto mais o
tempo passa, pior me sinto. Não tenho ninguém. Quase ninguém sobreviveu."
Valentyna diz que
encontra conforto em seus animais de estimação, dois cachorros e um gato
chamado Stephan, e diz que sua prioridade agora é Vlad.
Ela quer que ele tenha
uma boa educação. Eles se falam por videochamada com frequência, e ela pagou
para ele frequentar aulas extras de informática. Mas o mais importante é que
Vlad esteja seguro. E ela diz que está feliz por ele não estar mais na região
de Kharkiv.
Kharkiv teve pouco
descanso da violência desde o início da guerra em fevereiro de 2022. A região,
incluindo Hroza, foi capturada pelas forças russas no início da invasão. Após
uma grande contra-ofensiva em setembro de 2022, foi reconquistada pela Ucrânia.
Mas o enfrentamento continua, e a região é frequentemente alvo de ataques de
drones, bombas e mísseis russos.
O serviço de segurança
da Ucrânia suspeita que dois ex-cidadãos ucranianos, que desertaram para o lado
russo, informaram aos militares sobre o velório planejado em Hroza.
A BBC não conseguiu
verificar a informação, mas sabe-se que ucranianos já foram condenados por
fornecer informações à Rússia em outros casos, em que viviam em territórios
próximos da linha da frente anteriormente ocupados pela Rússia.
De volta à casa de
Dima, sua irmã mais velha colocou fotos dos familiares na parede. Enquanto
tentam reconstruir suas vidas, o avô Valeriy permanece positivo: “Está tudo
bem”, diz ele.
Isto pode ser apenas
um desejo, já que o fim da guerra não parece próximo e a Rússia está reunindo
mais tropas na cidade vizinha de Kupyansk.
Mas apesar de tudo o
que aconteceu aqui, Valeriy insiste em ser otimista: “Se vejo que meus netos
estão bem, que sorriem, fico aliviado”, diz ele. "Enquanto você estiver
vivo, você deve ter esperança."
Fonte: BBC Word
Service
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