sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Ricardo  Lodi: Genocídio em Gaza - Lula teve a coragem de dizer o que precisava ser dito

Demorei um pouco para me manifestar sobre a declaração de Lula a respeito do conflito de Gaza pois achei que a racionalidade estava escassa nesse debate. Por isso, preferi deixar a poeira baixar para consegui resumir o que penso a respeito.

Desde logo, já adianto que acho que Lula teve uma coragem gigantesca em enfrentar um tema que muitos líderes mundiais estão evitando comentar.

Em segundo lugar, é preciso que líderes mundiais com a respeitabilidade de Lula enfrentem esse tema a fim de tentar fazer cessar essa carnificina contra a população civil palestina. O grande pecado aqui é a omissão.

Não me parece que possa ser esquecido desse debate os atos terroristas praticados pelo Hamas e nem a posição radical de muitos que defendem a causa palestina contra a existência do Estado de Israel. Nem cabe nesse espaço discutir as razões das intermináveis questões que envolvem os conflitos árabes-israelenses.

Porém, a despeito disso, é forçoso reconhecer que o governo de extrema direita de Netanyahu se aproveita da posição extremista do Hamas para atacar a população civil de Gaza. E essa postura não pode ser admitida pela comunidade internacional, que, após a Segunda Guerra Mundial, viabilizou a instituição do Estado de Israel.  A atuação de um Estado membro da comunidade internacional nunca pode ser comparada a atuação de grupos paramilitares.

A extrema direita israelense, em postura que tem sido aproveitada pela oposição brasileira ao governo Lula, tem repudiado com violência a declaração do presidente sobre o argumento de que não se pode comparar Gaza com o Holocausto, seja quantitativamente, seja qualitativamente. 

No entanto, ao analisar a declaração de Lula fica claro que não se pretendeu tal comparação. 

O que Lula disse foi que as violações aos direitos dos civis que acontecem em Gaza só existiram quanto Hitler resolveu matar os judeus. Entendo que a declaração possa causar desconforto entre os que não admitem que o tema do Holocausto seja trazido a qualquer debate. Mas não se pode extrair dali a conclusão de que haja uma equiparação dos dois fenômenos.

O que Lula deixou claro é a incoerência de usar o sofrimento do povo judeu no Holocausto, tragédia de perversidade inigualável na história da humanidade, para legitimar ações de um governo de extrema direita que podem ser comparadas sim às ações que a extrema direita, inclusive Hitler contra os judeus, fez uso historicamente.

É de um confortável simplismo considerar antissemita qualquer declaração contrária ao governo de extrema direita em Israel.

Interessante perceber que, excetuando-se a extrema direita israelense e a oposição brasileira, que esperam obter dividendos políticos do episódio, a declaração de Lula foi recebida na comunidade internacional como um importante e corajoso "basta" às ações ilegais do governo de Israel contra a população civil de Gaza. Com o passar dos dias se percebe que Lula saiu internacionalmente fortalecido do episódio.

Por aqui é patético o pedido de impeachment de Lula assinado por mais de uma centena de deputados brasileiros em razão da declaração. Se não fosse juridicamente absurdo seria o primeiro impeachment por um clamor pela paz. Mas é jogo para arquibancada. Ainda é cedo pra analisar as consequências eleitorais da declaração, mas tenho certeza de que em futuro próximo poucos líderes discordarão da declaração do presidente brasileiro.

 

Ø  Não só Lula. 50 pesquisadores do Holocausto criticam Israel por 'incitamento ao extermínio'

 

Enquanto nossa mídia continua vocalizando as ofensas do Chanceler de Israel Israel Katz ao presidente Lula e o tratamento humilhante dado ao nosso embaixador naquele país, é bom lembrar que a fala de Lula comparando ações do governo de Israel às de Hitler foi usada antes, no início do ano, por 50 pesquisadores do Holocausto.

Eles escreveram uma carta ao presidente do Yad Vashem [memorial oficial de Israel para lembrar as vítimas judaicas do Holocausto] , Dani Dayan, para expressar um "apelo moral inequívoco condenando o discurso público que apela ao extermínio e à prática de crimes de guerra e crimes contra a humanidade em Gaza".

O jornal israelense Haaretz publicou a matéria com destaque, usando inclusive a palavra "genocídio", que não foi dita por Lula:

"O 'incitamento ao extermínio' ouvido nas palavras de autoridades e personalidades israelenses 'pode atingir o estágio do genocídio', dizem os investigadores. Eles estão convocando o Yad Vashem para aprender com as lições do Holocausto".

São pesquisadores do Holocausto fazendo advertência ao governo de Israel por práticas semelhantes aos do Holocausto. Antes de Lula.

Na carta, os investigadores citam políticos eleitos, personalidades dos meios de comunicação social e pessoas nas redes sociais de Israel que fizeram declarações neste espírito, semelhantes às citadas na acusação contra Israel que foi submetida ao Tribunal Internacional de Justiça em Haia pela África do Sul.

 "Nós, os abaixo assinados, sabemos pela história judaica e humana, especialmente pelo estudo do Holocausto e da sua memória, que o incitamento ao extermínio e à prática de crimes graves, usando uma linguagem que cria a desumanização e a incriminação de todos os membros de um grupo rival dentro de um conflito, são em muitos casos um primeiro passo para cometer crimes que podem atingir o estágio de genocídio", escreveram os pesquisadores.

 A carta é assinada por pesquisadores da Universidade Hebraica, da Universidade de Tel Aviv, da Universidade de Haifa e da Universidade Ben Gurion.

Portanto, como disse o assessor para assuntos internacionais da presidência da República, Celso Amorim, comentando a frase do Chanceler de Israel de que Lula deveria se desculpar por suas palavras ( “O que está acontecendo na Faixa Gaza não existe em nenhum outro momento histórico, aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus”):

— "Não há hipótese de pedido de desculpas. Quem tem que pedir desculpas é Israel, e não é ao Brasil, mas à humanidade".

 

Ø  Nas redes sociais, Lula reverte repercussão negativa sobre Israel

 

Um estudo feito pela empresa de dados Arquimedes mostra uma reversão na repercussão da declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a guerra entre Israel e Hamas.

O levantamento feito pela empresa mostra que, no domingo (18), no dia em que o brasileiro comparou o conflito com o Holocausto, as menções negativas representavam 57% do total.

Na segunda-feira (19), no entanto, após o governo petista iniciar movimento de defesa do presidente, as menções positivas passaram a representar 61%.

No domingo, Lula comparou a invasão de Gaza por Israel para revidar o ataque do Hamas ao genocídio dos judeus por Hitler, o que gerou forte reação do governo israelense, que o declarou pessoal não grata.

Nesta terça-feira (20), uma conta oficial da diplomacia israelense ironizou o Brasil nas redes sociais e acusou o presidente brasileiro de negar o Holocausto.

Fontes do Palácio do Itamaraty lembram que Lula não negou o Holocausto e dizem que, por enquanto, não vão responder à provocação.

As atenções da chancelaria estão voltadas para uma manifestação brasileira hoje na Corte Internacional de Justiça em Haia, onde o país planeja reiterar que Israel comete genocídio de palestinos — uma definição controversa.

 

Ø  Israel insiste em embate; fontes do governo brasileiro falam em exploração do sofrimento de vítimas

 

O chanceler isralense, Israel Katz, voltou a publicar nas redes sociais uma provocação ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), nesta quarta-feira (21).

Fontes do governo afirmam que, por enquanto, não pretendem responder e dizem que o foco atual é a preparação do país para o G20 (grupo das 20 maiores economias do mundo).

Nos bastidores, no entanto, dizem que postagem é um “show” com uso do sofrimento das vítimas.

Em um vídeo publicado na plataforma X (antigo Twitter) nesta quarta-feira (21), Katz aparece ao lado de uma brasileira que participou do festival de música durante o ataque do Hamas, em outubro de 2023.

O chanceler de Israel diz que “após a comparação entre a nossa guerra justa com o Hamas e os atos desumanos de Hitler e os nazistas”, Lula deveria ouvir a mensagem da brasileira.

Em um trecho do vídeo, Rafaela Triestman afirma se sentir esquecida pelo governo do brasileiro.

“O Brasil, o governo brasileiro, em nenhum momento entrou em contato comigo, com Rafael Zimmerman, com Jade Cocher, com Ranani Glazer, com a família de Ranani Glazer, que foi brutalmente assassinado no dia 7 de outubro, com a família da Karen, que foi brutalmente assassinada no ataque do dia 7 de outubro, com a família da Bruna, foi brutalmente assassinada no dia 7 de outubro e, realmente o governo não foi mobilizado e simplesmente nós sentimos que esqueceram da gente.”

Diplomatas ouvidos pela CNN falam em “covardia” e dizem que o vídeo é “repugnante”.

Uma fonte no Planalto lembra que o Brasil condenou os ataques do Hamas, pediu a libertação dos reféns e ofereceu retorno a todos os brasileiros e israelenses que quisessem deixar o país.

Para diplomatas, a publicação é mais uma manipulação do governo isralense.

“Falta de respeito com a brasileira com a tragédia que ela viveu, ela passou por uma experiência traumática e o que se espera que ela fale? Ela vai dizer a experiência dela, o lado dela”, comentou uma fonte sob a garantia do sigilo.

Parte do corpo diplomático também acredita que essa é uma tática do governo de Israel para manipular o sentimento das pessoas.

Aliados de Lula afirmam ainda que o presidente brasileiro sempre tentou atuar para auxiliar em uma saída pacífica para o conflito. Destacam que a pedido do presidente de Israel, Isacc Herzog, Lula conversou no início da guerra com países mediadores para falar sobre a situação dos reféns israelenses.

Na ocasião, Lula fez contatos com o Qatar, Egito, Autoridade Palestina e Irã. Na época, Lula chegou a conversar três vezes com o presidente israelense. Duas por telefone e uma pessoalmente, a pedido do próprio presidente de Israel, em Dubai (Emirados Árabes Unidos).

Após as falas de Lula, porém, o presidente israelense condenou o discurso de Lula publicamente.

 

Fonte: Fórum/CNN Brasil

 

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