O ano de 2024 começa com um balde de água fria para a integração da
América Latina?
O ano de 2023 trouxe novo fôlego para os defensores
da integração da América Latina, mas termina com eventos pouco animadores: a
eleição do atual presidente da Argentina, o ultraliberal Javier Milei, e as
tensões entre Venezuela e Guiana por Essequibo estão entre os principais
indícios desse futuro instável para a região, segundo analistas.
Especialistas ouvidos pelo podcast Mundioka, da
Sputnik Brasil, concordam que o clima começa tenso em 2024 para o continente
latino-americano como um todo.
"Certamente não será um período em que teremos
um Mercosul mais aprofundado do ponto de vista político e social, como a gente
teve no início deste século. Ou pensar, por exemplo, no resgate da Unasul
[União de Nações Sul-Americanas], que era algo que a gente esperava que fosse
ser mais liderado pelo Brasil ao longo de 2023", comenta a professora do
Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID) da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ) Fernanda Nanci.
Nanci, que também é coordenadora do curso de
relações internacionais do Centro Universitário La Salle do Rio de Janeiro
(Unilasalle) e do Núcleo de Estudos de Atores e Agendas de Política Externa
(NEAAPE), pondera, no entanto, que o pragmatismo do governo de Milei não abrirá
mão do comércio exterior com o Brasil, apesar das "discrepâncias
ideológicas" do ponto de vista político:
"Milei efetivamente não defende o
multilateralismo, a aproximação com a China ou a aproximação com o Brasil no
plano do discurso. Mas o Brasil é parceiro essencial da Argentina na região e o
comércio exterior argentino depende das relações com o Brasil, assim como
depende das relações com a China, que também foi extremamente criticada por
Milei durante seu processo eleitoral", avalia.
O cientista político e pesquisador do Instituto de
Estudos Sociais e Políticos (IESP) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ) Jefferson Nascimento também crê que o governo de Milei será bem
diferente do que ele prometeu quando era candidato, mas opina que a presença de
uma direita ultraliberal pode impactar negativamente outros países da região.
Isso porque, com a expectativa de crescimento do produto interno bruto regional
de menos de 2%, outros governos terão menos margem de manobra para promover
políticas de redistribuição de renda:
"Isso pode impactar na taxa de aprovação dos
governos, nas dificuldades de reeleição e na própria dificuldade de
governabilidade, que é algo que já está dado. Se a gente pegar os países da
América Latina, grande parte deles estão passando por grandes dificuldades de
construir maiorias sólidas no Congresso, de aprovar propostas", analisa
ele.
·
Essequibo e eleições na Venezuela
Principal ponto de tensão na agenda diplomática, a
região de Essequibo tornou-se motivo de dor de cabeça para o Brasil, sobretudo
devido à imensa região de fronteira com a Venezuela e também com a Guiana,
destacaram os especialistas ouvidos pela Sputnik Brasil.
As eleições presidenciais previstas para ocorrer na
Venezuela também estão entre os principais eventos latino-americanos de 2024,
muito por conta da relação com as agendas do multilateralismo e da integração
regional.
Para Nascimento, o protagonismo venezuelano ao
longo do século XXI na América Latina, principalmente nos governos de Hugo
Chávez, foi preponderante para os movimentos de integração, com criações de
instituições como Petro Caribe e Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa
América (Alba) e mecanismos de integração com os países do Cone Sul.
"Então analisar o que vai acontecer na
Venezuela neste ano é fundamental para entender seu impacto na América
Latina", argumenta o acadêmico.
·
Acordo Mercosul-União Europeia: ainda dá para ter esperança?
Para Nanci, o acordo do Mercosul com a União
Europeia (UE) não sai porque da forma como está sendo proposto hoje só atende
aos interesses da Europa.
"É mais uma imposição do que os europeus
querem com as cláusulas do que atendendo às necessidades dos países
sul-americanos. Não é fácil, estamos falando de 20 anos de acordo. A questão é
que esse acordo envolve inúmeros interesses discrepantes da União Europeia e do
Brasil, do Mercosul, principalmente de latifundiários, da área da
agropecuária", reflete ela.
"O Paraguai agora vai assumir a presidência
rotativa e já disse que se depender do Paraguai não haverá movimentos para
fechar o acordo com a União Europeia. Caso esse acordo não seja fechado agora,
o que realmente não vai acontecer", acrescentou Nascimento, que concorda
que o acordo como está parece pouco provável de sair do papel.
·
Bolívia no Mercosul
A entrada da Bolívia no bloco em 2023 ocorre em um
momento de baixo crescimento econômico, além de problemas políticos internos,
segundo os entrevistados.
"Não acredito que fará grande diferença para o
bloco nem em termos econômicos, comerciais, nem em termos políticos. O Mercosul
está muito esvaziado, enfraquecido. Eu não acredito que a entrada da Bolívia,
que é um país que também não está pujante na região neste momento, vai ser o
suficiente para fortalecer a integração na sub-região", declarou Nanci.
Nascimento, que também é membro do Observatório
Político Sul-Americano (OPSA) e do Núcleo de Estudos de Teoria Social e América
Latina (NETSAL) da UERJ, concorda que o contexto não é favorável para grandes
avanços no bloco. Ele cita como exemplo o Uruguai, que vem pressionando para
firmar um tratado bilateral com a China sem o restante do grupo, o que
descaracterizaria o Mercosul, segundo ele.
"O próprio Paraguai também apoia uma
liberalização maior do Mercosul. Acho que o Brasil terá um papel importante, e
o presidente Lula deve fazer esforços para manter o grupo unido e coeso",
opinou o cientista político.
·
Focando no copo meio cheio: pauta ambiental deve ser fortalecida
Apesar do balde de água fria no sentimento
integracionista, alguns avanços em 2023 devem ser potencializados neste novo
ano, segundo os entrevistados, relacionados principalmente ao meio ambiente e
às mudanças climáticas.
"O Brasil fez esse resgate de tentar se
posicionar como liderança que trata do tema do meio ambiente na região […], tem
buscado liderar a integração nesse sentido, na discussão de formas de combater
em conjunto com os outros países o desmatamento ilegal, lidar com os efeitos de
mitigação das mudanças climáticas", disse a professora da UFRJ.
Para Nascimento, os eventos climáticos extremos vêm
se tornando cada vez mais evidentes e frequentes, e essa é uma agenda que
"se impõe de forma bastante avassaladora e vem crescendo de importância de
forma muito rápida".
Ele mencionou a energia eólica, a solar e as
reservas no triângulo do lítio, entre Bolívia, Chile e Argentina, como
perspectivas positivas na transição energética da região. Mas advertiu:
"É preciso também que esse processo de
transição energética inclua ouvir essas comunidades que vão ser mais afetadas,
porque não basta você perguntar apenas lá na frente, na substituição de
combustíveis fósseis, se isso também está afetando aqui no presente essas
comunidades."
O cientista político apontou ainda algumas
contradições por parte do Brasil em relação a essa agenda, como posições dúbias
quanto ao uso de combustíveis fósseis, a possibilidade de explorar petróleo na
Amazônia e o anúncio da participação na OPEP+ (Organização dos Países
Exportadores de Petróleo e aliados), além dos recentes leilões da Agência
Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
"Há algumas contradições que precisam ficar
mais evidentes, porque já o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, vem tendo um
discurso mais firme a favor da eliminação do uso de combustíveis fósseis",
comenta.
Os entrevistados foram unânimes ao argumentar que
2023 foi um ano de retomada, com passos importantes como o ressurgimento da
Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), o resgate do
Mercosul e a entrada da Bolívia no bloco, e que, apesar dos desafios, o Brasil,
sobretudo, terá um papel fundamental na missão de integrar e fortalecer a
região.
"Em 2024, sinceramente, acho que o Brasil
deveria reforçar a sua capacidade de ser uma potência na região. O Lula falou
muito sobre a retomada da integração regional no discurso de posse, em vários
outros discursos que fez quando encontrou com os países, com os representantes
dos países, seja na OTCA [Organização do Tratado de Cooperação Amazônica], seja
na ONU, e por aí vai, de que a integração na região era um elemento central.
Acho que falta uma posição mais firme sobre o que vamos fazer, qual é a nossa proposta
para a integração na América do Sul e na América Latina e Caribe", conclui
Nanci.
Ø Com R$ 6
bilhões, banco brasileiro financia a exportação de 39 aeronaves da Embraer
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
Social (BNDES) está financiando a exportação de 39 aeronaves da Embraer,
totalizando cerca de R$ 6 bilhões e fortalecendo a balança comercial
brasileira.
Essa transação envolve três contratos distintos com
a SkyWest Airlines, a American Airlines e a Azorra Aviation Holdings LLC,
somando mais de R$ 7 bilhões em exportações de bens de alta tecnologia e valor
agregado. A informação foi divulgada pelo banco nesta terça-feira (2), segundo
a Agência Brasil.
Aloizio Mercadante, presidente do BNDES, destaca a
importância desse financiamento para garantir a competitividade internacional
dos exportadores brasileiros, promovendo emprego e renda no país.
"O BNDES, como agência de crédito à exportação
brasileira, tem entre os seus objetivos oferecer condições que garantam
igualdade de competitividade ao exportador brasileiro no mercado internacional,
gerando emprego e renda no Brasil", expõe Mercadante.
O presidente da Embraer, Francisco Gomes Neto,
ressalta a relação sólida e de longo prazo entre a companhia e o BNDES,
destacando que o apoio recebido é crucial para o crescimento e a expansão
global da Embraer, o que contribui para a geração de empregos qualificados e o
aumento das exportações de produtos de alto valor agregado.
"O apoio que recebemos para a exportação de
nossas aeronaves é fundamental para consolidarmos o nosso crescimento e
ampliarmos a nossa presença global." Segundo Gomes Neto, a atuação do
BNDES não beneficia apenas a Embraer, mas "contribui também para a geração
de milhares de empregos de alta qualificação no Brasil e para o aumento da
exportação de produtos de alto valor agregado".
Os contratos incluem a exportação de jatos E-175
para a SkyWest Airlines, financiamento aprovado para a aquisição de jatos E-175
pela American Airlines e a venda de jatos E-195-E2 e E-190-E2 para a Azorra
Aviation Holdings LLC. Em 2023, o BNDES aprovou sete operações de financiamento
à exportação da Embraer, abrangendo 67 aviões comerciais e totalizando até R$
10 bilhões em financiamento, com entregas programadas até 2025.
O BNDES aponta que, além de impulsionar a indústria
nacional de bens tecnológicos, essas exportações contribuem para a manutenção
de empregos qualificados e geram divisas importantes para a economia
brasileira. Consideradas operações estratégicas alinhadas à política brasileira
de apoio à exportação, visam aumentar a competitividade das exportações
nacionais e incentivar a atuação das empresas brasileiras no mercado
internacional.
Fonte: Sputnik Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário