quarta-feira, 2 de abril de 2025

César Fonseca: Se Trump desvaloriza Dólar, complica economia e pode ameaçar reeleição de Lula em 2026

O protecionismo trumpista obriga os Estados Unidos a desvalorizar o dólar para aumentar exportações americanas diante do aumento da inflação decorrente do encarecimento das importações.

Esse alerta do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em contato com o mercado financeiro, tem poder de fogo para afetar a economia brasileira, que, diante da desvalorização do dólar, terá também que desvalorizar o real, sofrendo os mesmos efeitos, ou seja, pressão inflacionária.

Se não desvalorizar o real diante da desvalorização do dólar, o efeito será redução das exportações brasileiras frente ao dólar desvalorizado.

O império americano muda sua estratégia econômica.

Até então, desde a segunda guerra mundial, Washington vinha trabalhando com dólar valorizado para combater a inflação e diminuir juros, para não pressionar demasiadamente a dívida pública americana, que já alcança 37 trilhões de dólares.

Cobria déficit comercial com superavit financeiro, favorecido por senhoriagem global.

O dólar valorizado, no entanto, afeta a industrialização americana, que perde competitividade para China, a grande rival do império.

Como Trump quer fortalecer a indústria e criar empregos de qualidade nos Estados Unidos, a saída é inverter a lógica econômica.

Desvalorizar para exportar e taxar importações para criar empregos, internamente.

OUTRO LADO DA MOEDA

Haverá custo para os Estados Unidos: inflação e juro alto.

Como a alta dos juros impacta a dívida e cria instabilidade financeira internacional, que pode produzir corrida contra o dólar, não estaria descartada renegociação da dívida pública, esticando prazos e diminuindo custo do alongamento do endividamento.

Se os bancos privados americanos resistirem ao nacionalismo imperialista trumpista, o império poderia ou não nacionalizar os bancos?

Na última grande crise financeira do capitalismo americano, em 2008, o Banco Central elevou a oferta monetária, que reduziu juros e esticou a dívida, diminuindo a inflação e impactando o endividamento.

Os bancos que estavam com excesso de títulos do tesouro candidatos à desvalorização trocaram dívida velha por dívida nova.

Dívida pública não se paga, renegocia-se, já dizia Adam Smith.

Nesse sentido, o protecionismo trumpista cria problemas para o Banco Central americano.

Taxar as importações, como está fazendo o governo Trump, produz inflação, pressiona os juros e a dívida.

Ocorre, portanto, o inverso no cenário em que predominava o dólar valorizado, que diminuía inflação e juros.

Se ele tiver que ser desvalorizado, como prevê o ministro Haddad, para aumentar as exportações norte-americanas, o juro sobe no rastro do aumento da inflação, impactando a dívida e, consequentemente, o mercado financeiro global.

O jogo da financeirização entra em crise.

DESAFIO PARA LULA

O governo Lula, portanto, será forçado a desvalorizar o real para enfrentar o dólar desvalorizado, o que significa pressionar a inflação, que, nesse momento, já está acima da meta inflacionária, no contexto do tripé econômico neoliberal.

Para que não tenha que elevar fortemente os juros, acima da taxa básica atual, de 14,25%, será necessário mudar a meta inflacionária.

Atualmente, a política econômica lulista está comprometida com uma inflação anual de 3%, meta irrealista para o histórico da inflação brasileira de 6,5%, 7%, nos últimos 20 anos, segundo o IBGE.

Teria que flexibilizar a meta para não ter que puxar exageradamente os juros, o que levaria a economia a uma brutal recessão.

Recessão não combina com reeleição.

Se diante das taxas de juros atuais, para tentar controlar a inflação na casa dos 3%, a popularidade do presidente está cadente, é de se imaginar que cairá ainda mais aceleradamente se tiver de aumentar sobremaneira a Selic, para alcançar uma meta inflacionária completamente irrealista, verdadeiramente, surreal.

Seria ou não dar adeus à reeleição?

Portanto, a estratégia nacionalista imperialista de Trump vira principal adversária de Lula na sua tentativa de conquistar um quarto mandato.

 

¨      Hiperimperialismo: como as sanções dos EUA matam pobres do mundo inteiro. Por Pilar Troya Fernández

No último período, vimos inúmeros estudos que analisam as diversas formas como o imperialismo atual, liderado pelos Estados Unidos, tem enfrentado sua permanente e crescente crise de hegemonia. Guerras diretas, indiretas, por procuração, híbridas, comerciais, entre outras. Porém, uma delas chama atenção pela sutileza com que sua violência é aplicada, mas chamadas sanções econômicas e as Medidas Coercitivas Unilaterais (MCUs).

E por que essa prática é tão agressiva? Porque este dispositivo de poder não mata diretamente, mas opera por meio do isolamento financeiro, comercial e político de uma nação, causando escassez e sufocamento econômico de um povo. As MCUs impedem que países afetados acessem recursos financeiros e serviços básicos para sustentar a vida, como acesso à água, alimento, saúde, emprego, educação e infraestrutura.

Além disso, essas disposições afetam desproporcionalmente as populações mais vulneráveis, como mulheres, a população LGBTQIA+, crianças, idosos e pessoas com deficiência. Embora as sanções não criem desigualdades de gênero, elas pioram as lacunas e aumentam a tripla carga de trabalho das mulheres (produtiva, reprodutiva e de gestão comunitária), como mostra um recente dossiê lançado pelo Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, Guerra imperialista e resistências feministas no Sul Global​​.

Mas antes de continuarmos analisando as MCUs, vale fazermos um adendo. As MCUs costumam ser chamadas, erroneamente, de sanções. Porém, no cenário internacional, somente medidas aplicadas pelas Nações Unidas, de acordo com a Carta da ONU, podem ser legitimamente chamadas de sanções. Embora as sanções sejam frequentemente aplicadas em violação ao processo descrito na Carta das Nações Unidas, medidas coercitivas unilaterais são, por definição, ilegais, pois não são abrangidas pela Carta.

·        Estados Unidos, o campeão mundial em aplicar sanções

Eadivinha quem é o país que mais se utiliza deste recurso contra outros países? Caso tenha pensado nos Estados Unidos, evidentemente você acertou. Com sua hegemonia política e econômica em declínio, os Estados Unidos buscam manter sua onipresença no mundo por meio da força e da violência, seja pela via militar ou pelo sufocamento econômico. Além de ter o maior número de armas e bases militares (cerca de 900 espalhadas pelo mundo), é o país que mais impõe MCUs: três vezes mais do que qualquer outro país ou organização internacional, totalizando 15.373 medidas até abril de 2024, segundo reportagem do Washington Post. Somente nas últimas duas décadas, as sanções e o MCUs aumentaram em pelo menos 933%.

As MCUs afetam um terço de todos os países, incluindo mais de 60% de todas as nações de baixa renda. Cuba, Coreia do Norte, Irã, Síria e Venezuela são os países com mais MCUs. Essas sanções unilaterais forçam o subdesenvolvimento e o declínio econômico destes países, limitando sua capacidade de comércio exterior, acesso à tecnologia e financiamento internacional.

Um dos efeitos mais visíveis é a escassez induzida na produção e no acesso a alimentos, que causa insegurança alimentar generalizada às populações afetadas. E as mulheres, muitas delas responsáveis pelo cuidado familiar, enfrentam enormes desafios para garantir alimentos a suas famílias, aumentando sua vulnerabilidade e estresse.

·        Cuba, Venezuela, duas grandes vítimas

Ocaso de Cuba é sintomático, já que o bloqueio econômico, comercial e financeiro dos EUA contra a ilha caribenha já dura seis décadas e é moldado pela mais antiga e exaustiva MCU da história moderna. O bloqueio representa uma perda de 421 milhões de dólares por mês e um total acumulado até o momento de 1,5 bilhão de dólares. Sem o bloqueio, a estimativa é de que o PIB cubano pudesse ter crescido 8% em 2023.

Mas como esta política impacta o cotidiano da população? Para termos uma ideia, em 2019 e 2020, a falta de combustível em Cuba dificultou o plantio de 12.399 hectares de arroz, o que resultou na perda de produção de mais de 30 mil toneladas deste cereal essencial. Ao afetar o transporte, a escassez de combustível impediu a produção de 2 milhões de litros de leite e 481 toneladas de carne, o que prejudicou parte da dieta básica da sociedade cubana. A falta de fertilizantes e pesticidas levou a uma queda de 40% no rendimento histórico de diversas culturas e, em comparação com 2019, a produção de arroz, ovos e leite diminuiu 81%, 61% e 49%, respectivamente, como bem demonstra o dossiê publicado pelo Tricontinental.

A Venezuela passou por situações semelhantes. Desde 2014 houve uma queda drástica nas importações de alimentos, que passaram de 10 bilhões de dólares em 2014 para menos de 1 bilhão de dólares em 2019, uma queda de mais de 90%. Segundo a Unicef, as restrições à importação de alimentos na Venezuela levaram a um aumento constante da desnutrição entre 2016 e 2022, com mais de 2,5 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar grave.

Em 2017, por exemplo, o sistema financeiro dos Estados Unidos bloqueou a transferência para a Venezuela de 18 milhões de caixas de alimentos subsidiados do programa Comitês Locais de Abastecimento e Produção (Clap). Nesse mesmo ano, um total de 23 operações financeiras venezuelanas destinadas à compra de alimentos, insumos básicos e medicamentos foram devolvidas por bancos internacionais.

·        Os impactos sobre a saúde e recursos hídricos entre os vulneráveis

Outro exemplo é a Síria. Sob as MCUs, o país árabe enfrentou uma grave crise alimentar. Segundo o Programa Mundial de Alimentos (PMA), 12 milhões de sírios, mais da metade da população, estavam em situação de insegurança alimentar, 51% a mais do que em 2019. Já no Zimbábue, a proporção de pessoas em situação de insegurança alimentar aumentou de 29%, em 1995, para mais de 60%, em 2020.

O desmantelamento da infraestrutura social é outro impacto crítico. As sanções impedem a importação de suprimentos médicos e a manutenção de serviços essenciais, afetando sistemas de transporte, escolas e hospitais. Mais uma vez, as mulheres acabam sendo as mais afetadas, tanto como usuárias desses serviços quanto como cuidadoras de suas famílias.

Este cenário provoca o aumento da taxa de mortalidade materna e infantil e a disseminação de doenças preveníveis. No Zimbábue, a escassez de água tem efeitos críticos. Relatórios indicam que, em 2019, 77,1% das famílias não tinham acesso a fontes de água potável. Isso acelerou epidemias de doenças, como cólera e febre tifoide, com um número estimado de mortes de mais de 3 mil pessoas, e colocou outras 100 mil em risco. A taxa de mortalidade materna do Zimbabué está entre as mais altas do mundo, e a da Venezuela aumentou entre 2014 e 2020, após ter caido por várias décadas.

A Venezuela reduziu em 90% a distribuição de medicamentos de alto custo, realizada pelo Estado, enquanto em Cuba 50% dos chamados medicamentos essenciais não estão disponíveis. Em todos os países afetados pela MCU, a dificuldade de acesso a medicamentos, equipamentos médicos e suprimentos necessários para doenças mais raras ou complexas, que geralmente são importados, tem causado mortes, conforme relatado pelo Irã e pela Síria.

Uma das maiores perversidades das MCUs é sua forma de punição coletiva, um mecanismo de controle e disciplina política, uma maneira violenta de subordinação que sufoca povos inteiros. Esse investimento esconde a criminalização e a discriminação de povos e governos que tentam construir sua própria soberania, resistem ao poder do hiperimperialismo estadunidense e buscam construir uma alternativa ao neoliberalismo. A esperteza desse tipo de interferência é que o poder imperialista acusa os Estados e povos afetados pelas MCU de serem culpados pela violência à qual são submetidos.

 

Fonte: Brasil 247/Jacobin Brasil

 

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