sábado, 30 de março de 2024

Valerio Arcary: Sessenta anos depois

“Se para o Brasil tivéssemos feito um estudo sério da realidade teríamos chegado à conclusão de que a principal tarefa revolucionária em toda a América Latina era muito mais modesta que preparar a guerra de guerrilhas: havia que impedir que triunfara o putch reacionário gorila que se estava preparando (…). A situação latino-americana, como a do país irmão (Brasil), com sua história, economia, relações sociais, política e caráter do governo indicavam que era inevitável um golpe de estado reacionário. A grande tarefa era, então, mobilizar o movimento de massas brasileiro para freá-lo ou esmagá-lo, sem depositar a mais mínima confiança no governo de (Jango) Goulart ou Brizola. A mais trágica derrota do movimento de massas latino americano nos últimos vinte anos foi a do Brasil. Essa derrota vai refletir em todo nosso continente” - (Nahuel Moreno, Dos métodos frente a la revolución latinoamericana).

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O argumento central deste artigo é que, se em 1964 triunfou uma contra-revolução, foi porque a classe dominante brasileira se preocupou, seriamente, com o perigo de uma revolução. No Brasil de 1964 existia em curso uma dinâmica de luta de classes que se aproximava de uma situação revolucionária: divisão da classe dominante, divisão das camadas médias e uma onda radicalizada de mobilizações operárias e populares, na cidade e nos interiores. Mas, apesar das condições objetivas em amadurecimento, a quartelada foi preventiva. Jango não tinha qualquer vocação para Fidel Castro. Não havia risco algum de ruptura institucional por iniciativa do governo.

Uma revolução democrática nacional para libertar a nação da dependência norte-americana, para entender os direitos civis a todos, incluindo a maioria afrodescendentes; uma revolução agrária pela divisão da terra; uma revolução operária pelo direito a melhores salários e condições de vida. Esta tensão social latente resultava da insatisfação histórica de demandas e expectativas sempre postergadas. A dinâmica histórico-social desta simultaneidade de revoluções desafiava a defesa de um programa anticapitalista. Mas não havia quem tivesse a lucidez e determinação de defendê-lo.

Ninguém poderia antecipar, todavia, naquelas circunstâncias, que seria tão duradoura a ditadura. Abriu o caminho para uma regressão econômico-social que devemos caracterizar como uma recolonização. Foi uma derrota histórica.

A efeméride dos sessenta anos vale a pena recordar interpretações do golpe que insistem em requentar duas teses esdrúxulas. A primeira é aquela que afirma que nenhuma das forças políticas em confronto em 1964 tinham compromisso com a democracia. A segunda é aquela que defende que o governo Jango caminhava para um autogolpe prévio às eleições previstas em 1965. Nenhuma delas é verdadeira. Na verdade, são teses, intelectualmente, desonestas.

A esquerda brasileira era hegemonizada pelo PCB. Se havia uma força política comprometida com a legalidade constitucional em 1964, esse partido era o PCB, o que é irônico, porque o PCB não era legal. Vivia desde 1948 na semilegalidade, ou seja, em uma semiclandestinidade. Não se desconhecia quem eram alguns de seus membros. Mas o PCB pagava o preço de lutar no contexto da guerra fria, e era um dos partidos mais disciplinados, depois do giro político conduzido por Kruschev. O PCB estava completamente comprometido com uma estratégia reformista e, por isso, foi quase destruído. Pode-se ter uma percepção muito crítica do que foi a política do partido de Prestes em 1964. Mas acusar o PCB de preparar uma ruptura revolucionária é falso e injusto.

A teoria do autogolpe de Jango é outra fabulação conspirativa sem fundamento. Mas é verdade que a situação política no Brasil de 1964 era de desgoverno. Uma revolução era, por suposto, necessária, para que as reivindicações populares pudessem ser satisfeitas. Mas as massas trabalhadoras não tinham qualquer ponto de apoio organizado, lúcido e determinado para poderem se defender da contrarrevolução, passando à iniciativa, ou respondendo em autodefesa.

O Brasil em 1964 era um país na periferia do sistema internacional, ou seja, era, economicamente, uma semicolônia norte-americana relativamente especial, em processo ainda incompleto de industrialização, no contexto da etapa histórica da coexistência pacífica ou guerra fria (1948/1989), e a contrarrevolução acentuou a sua dependência econômica, agravou sua subordinação política, e estreitou sua sujeição militar. Cinco anos depois da derrota de Batista em Havana, três anos depois de Cuba ter se transformado na primeira República socialista do hemisfério ocidental, a imposição da ditadura militar bloqueou a evolução da situação latino-americana por duas décadas.

Nos vinte anos seguintes a economia brasileira cresceu em ritmo acelerado, transformando-se no maior PIB do hemisfério sul, mas a desigualdade social não só não diminuiu, como aumentou. Este crescimento dinâmico foi fermentado pelo endividamento externo e pelo deslocamento aceleradíssimo de milhões de brasileiros do mundo rural para as cidades. O país ficou menos pobre, mas mais injusto. A herança da ditadura foi cruel.

Afirmar que a revolução brasileira tinha, já em 1964, uma dinâmica anticapitalista era, naquele contexto, uma conclusão teórica corajosa. Em outras palavras, ou a classe trabalhadora era capaz de liderar, pelo impacto social de sua mobilização, um bloco social da maioria de explorados e oprimidos das cidades e do campo, que reuniria, também, a pequena propriedade empobrecida agrária, dividindo a classe média e os setores assalariados urbanos de alta escolaridade, ou não seria possível derrotar a burguesia.

Mas a chave do destino do Brasil estava no jovem proletariado formado depois de 1930. Hoje o reconhecimento da classe trabalhadora como o sujeito social da revolução brasileira é inescapável, incontornável, incontestável. O peso social do trabalho assalariado agigantou-se em tais proporções, em um país em que mais de 85% da população vive em cidades, que qualquer projeto de transformação social que diminua o papel da classe trabalhadora não merece ser, seriamente, considerado. O programa da revolução brasileira do século XXI será socialista.

O que nos remete à dialética entre tarefas e sujeitos sociais que resume o núcleo duro da teoria da revolução permanente, seja qual for a sua versão, desde Marx e Trotsky até hoje, e permanece a melhor elaboração para compreender o processo de transformações das sociedades contemporâneas.

O bonapartismo militar no Brasil tentou se legitimar como um regime que defendia a nação contra o perigo do comunismo. Invocou o cristianismo, agitou o patriotismo, exaltou o desenvolvimentismo. No auge da violência, a partir de 1969, o bonapartismo militar degenerou em um regime semifascista.

Mas dez anos depois de apoderar-se do poder foi surpreendido em 1974 pela derrota da Arena, mesmo em eleições ultra controladas. A ditadura brasileira não teve a sua batalha de Sedan, como a Argentina nas Malvinas em 1982. Mas isso não impediu que a luta pela sua derrubada tenha sido uma batalha política duríssima. O nosso “bismarckismo senil”, analogia sugerida por Moreno, estava próximo do seu fim. Quarenta anos atrás, entre janeiro e abril de 1984, quando das “Diretas Já”, mais de cinco milhões foram as ruas para derrubar João Figueiredo, em um país que tinha então quarenta milhões na população economicamente ativa. Nunca, nem antes nem depois, tantos trabalhadores se mobilizaram para derrubar um governo.

O processo das Diretas Já foi grande o bastante para consolidar nas ruas a conquista das liberdades democráticas e derrotar o regime, mas não para derrubá-lo. Foi uma mobilização que venceu a ditadura, porém, paradoxalmente, não culminou com a queda do governo Figueiredo. Tancredo Neves, o mesmo líder burguês que, trinta anos antes, tinha pressionado Getúlio Vargas em 1954 a demitir a cúpula das Forças Armadas que exigia a sua renúncia, ofereceu aos militares o paraquedas que amorteceu a crise, e permitiu que o fim da ditadura não fosse na forma de queda. Mais pacífico, menos indolor, impossível. Mais negociado, menos conflitivo, de novo, impossível.

Como em 1889, quando da proclamação da República; como em 1930, quando da derrota da República Oligárquica; como em 1945, quando da saída de Getúlio; como em 1954, quando do suicídio de Vargas. Também em 1984, prevaleceu o padrão político preferido pela classe dominante brasileira: uma solução negociada para uma transição controlada.

A pactuação de um consenso entre a direção do PMDB e as forças políticas que sustentavam a ditadura – PDS e, sobretudo, Forças Armadas – resultou em um compromisso político com uma solução institucional de conciliação. Mas este entendimento não teria sido possível sem a mobilização de massas que subverteu o país e impôs uma nova relação de forças.

Ironia da dialética da história, não fosse o papel do proletariado na luta contra a ditadura, Lula nunca teria sido eleito presidente da República quase vinte anos depois. Cinquenta anos depois do golpe contrarrevolucionário de 1964 foram publicados diversos livros que buscam ajuizar, a partir de diferentes enfoques, o significado da quartelada de março. Mas a conclusão fundamental nem sempre está sublinhada como deveria. A vitória do golpe, além da queda de João Goulart e da derrota do movimento dos trabalhadores e seus aliados, teve o sentido de uma regressão histórica para o Brasil como nação, uma recolonização.

Toda tentativa de diminuir o impacto reacionário da insurreição militar que levou Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo à presidência, com poderes ultraconcentrados, em terrível sequência de arbítrio, violência e repressão, se resume a uma falsificação histórica.

Durante vinte anos a ditadura militar impôs o terror de Estado para preservar a estabilidade política. A ditadura silenciou uma geração. Perseguiu dezenas de milhares, prendeu milhares, matou centenas. Foi um triunfo contrarrevolucionário que inverteu a relação de forças político-social em escala continental, revertendo a situação promissora aberta pela revolução cubana em 1959. A queda de Jango foi uma tragédia política em toda a linha, com gravíssimas consequências sociais e, até, culturais.

O mito histórico de que a ditadura teria sido o sujeito político da modernização conservadora, ou da industrialização do Brasil, nunca foi senão uma peça de publicidade do próprio regime. A industrialização atrasadíssima do Brasil se iniciou depois de 1930, em função dos perigos e oportunidades abertos pela crise de 1929, quando a demanda externa pelas exportações brasileiras desabou, e o país entrou em défault da dívida externa por treze anos. O acordo de Vargas com os EUA e a participação das Forças Armadas na Segunda Guerra Mundial, enquanto a Argentina mantinha a neutralidade, selaram uma aliança estratégica que foi reforçada durante a guerra fria. A industrialização já vinha, portanto, de uma tendência histórica muito anterior.

Quando se procura capturar a essência do processo histórico conduzido pela ditadura como uma recolonização não se está construindo uma metáfora literária. O lugar de cada Estado no mundo pode ser compreendido considerando, pelo menos, duas variáveis: sua inserção econômica no mercado mundial e seu papel político no sistema internacional de Estados. Estas duas variáveis, no entanto, nem sempre coincidem.

A mobilidade econômica do papel dos países no mundo foi sempre maior, ou mais intensa, do que a mobilidade política. As transformações na morfologia do mercado mundial – o espaço onde se disputa o papel de cada nação na divisão internacional do trabalho – continuam sendo mais aceleradas que as modificações no sistema de Estados. Em condições de relativa estabilidade, ou seja, enquanto o impacto da crise econômica não se desdobra em situações de revolução ou guerra, a política permanece mais lenta que a economia.

Em outra palavras, o sistema internacional de Estados foi, historicamente, mais resiliente à mudança que o mercado mundial. O posicionamento econômico de cada Estado pode melhorar, relativamente a outros, e ou em comparação ao que tinha antes, sem que, necessariamente, aconteça um fortalecimento político. A força de inércia da política, que determina as posições de poder, é mais poderosa, nos prazos mais curtos, que a pressão dinâmica da força econômica. Mas em prazos mais longos, a economia abre o caminho.

O lugar de cada país no sistema internacional de Estados na etapa histórica do pós-guerra, entre 1945/1989, dependeu de, pelo menos, cinco variáveis estratégicas:

(a) sua inserção histórica na etapa anterior, ou seja, a posição que ocupou em um sistema extremamente hierarquizado e rígido: afinal nos últimos cento e cinquenta anos somente um país, o Japão, foi incorporado ao centro imperialista, e todos os países coloniais e semicoloniais que ascenderam, como a Argélia ou Irã, China e Vietnam, e até a frágil Cuba, o fizeram depois de revoluções que permitiram conquistar maior independência;

(b) a dimensão de sua economia, ou seja, os estoques de capital acumulado, os recursos naturais – como o território, as reservas de terras, os recursos minerais, a autossuficiência energética, alimentar, etc. – e humanos – entre estes, sua força demográfica e o estágio cultural da nação – assim como a dinâmica, maior ou menor, de desenvolvimento da indústria, ou seja, sua posição na divisão internacional do trabalho e no mercado mundial;

(c) a estabilidade política e social, maior ou menor, dentro de cada país, ou seja, a capacidade de cada classe dominante de defender, internamente, o seu regime de dominação preservando a ordem;

(d) as dimensões e a capacidade de cada Estado em manter o controle de suas áreas de influência, ou seja, sua força militar de dissuasão, que depende não só do domínio da técnica militar ou da qualidade das suas Forças Armadas, mas do maior ou menor grau de coesão social da sociedade, portanto, da capacidade do Estado de convencer a maioria do povo da necessidade da guerra;

(e) as alianças de longa duração dos Estados uns com os outros, que se concretizam em Tratados e Acordos que assinam, e a relação de forças que resultam dos blocos formais e informais de que fazem parte, ou seja, sua rede de coalizão.

Se consideradas estas variáveis, o Brasil, durante a ditadura militar, regrediu. Fomos uma das pátrias do capitalismo mais dependente, selvagem, bárbaro. O Brasil gerado pela ditadura perdeu imensas oportunidades históricas para um crescimento com desenvolvimento menos desigual, menos destrutivo, menos desequilibrado. Gerou uma sociedade amordaçada, culturalmente, pelo medo; amputada, educacionalmente, pela desqualificação do ensino público e favorecimento do privado; fragmentada, socialmente, pela superexploração do proletariado pelos salários de miséria; transfigurada pela explosão de violência e delinquência.

O que a ditadura fez foi condenar o país a manter, por mais meio século, a condição de semicolônia comercial norte-americana. Criou a maior dívida externa do mundo, tanto em números absolutos, como no peso da dívida em proporção do PIB. Para piorar, aceitou que a dívida externa fosse feita na forma de títulos pós-fixados, e com a arbitragem em Nova York, de acordo com a legislação norte-americana. Fez do Brasil o paraíso da usura internacional.

O calcanhar de aquiles da dependência externa cobrou o seu custo com a eleição de Reagan. Após o choque brutal da taxa básica de juros, em 1979, com Paul Volker, o Brasil estava estrangulado: tinha se tornado impossível garantir a rolagem dos juros da dívida com os dólares gerados pelas exportações. O dólar interrompeu o processo de desvalorização que vinha de 1971. Figueiredo e Delfim Neto fizeram a mega desvalorização que esteve na raiz da superinflação que castigou o país por quinze anos.

Uma semicolônia especial, é verdade, porque muito privilegiada. Não por acaso foi, durante décadas, o principal destino para os investimentos externos norte-americanos, depois da Europa, e manteve essa posição, mais recentemente, mas agora atrás da China. Tão privilegiada que passou a cumprir nos últimos trinta anos, pelo menos, um papel de submetrópole no mercado mundial, com a aprovação da Tríade, pela pressão dos EUA. Uma submetrópole, também, muito especial, porque, apesar de seu estatuto privilegiado, permaneceu, politicamente, como semicolônia na periferia do sistema internacional de Estados.

Os monopólios norte-americanos, europeus e japoneses usaram a escala do mercado brasileiro de consumo de bens duráveis para estabelecer fábricas que passaram a atender, também, à demanda de países vizinhos, mas com custos muito menores do que teriam, se fossem produzidos em outro continente. A relocalização industrial não começou com a instalação de plantas industriais na China nos anos oitenta. Começou trinta anos antes no Brasil.

Tampouco deve nos escapar a forte presença de grandes corporações brasileiras e dos investimentos do capital do Brasil nos países vizinhos. Essa desenvoltura tem suas raízes históricas com a ditadura, que favoreceu a concentração de capital em todos os principais setores produtivos: o surgimentos das gigantescas empresas na educação privada, saúde privada, previdência privada, na comunicação (radio e TVs), na alimentação, papel e celulose, armas, na construção civil, nos bancos, etc. Favoreceu, também, monopólios em algumas estatais: Petrobras, Eletrobras, Telebras, Siderbras, e outras.

Ainda assim, mesmo considerando o lugar de submetrópole no mercado mundial, o Brasil permaneceu uma semicolônia em função de sua inserção dependente, uma insaciável importadora de capital, no sistema internacional de Estados. Um gigante econômico, com a sexta maior economia do mundo, mas um anão político, satélite dos interesses norte-americanos. Tão importante quanto, o Brasil se mantém, sessenta anos depois de 1964, quarenta anos depois das Diretas em 1984, e vinte e dois anos depois da eleição de Lula em 2002, um dos dez países mais desiguais do mundo, sendo todos os outros nove Estados da África subsaariana, nações em estágio de desenvolvimento histórico muito inferior.

Ao mesmo tempo que a economia crescia e a sociedade se urbanizava, paradoxalmente a nação regredia, avançava a recolonização. No final dos anos sessenta, quando os primeiros sinais de esgotamento da expansão mundial do pós-guerra se manifestaram, precipitou-se uma situação de abundância de excedentes financeiros. A decisão de Richard Nixon de romper, parcialmente, com os acordos de Bretton Woods, em agosto de 1971, suspendendo a conversão por valor fixo do dólar em ouro, tornou disponível uma avalanche de dólares. A ditadura endividou o país em escala nunca vista, penhorando o Estado por, pelo menos, duas gerações.

A ditadura militar deixou o Brasil condenado a produzir para exportar e gerar divisas que garantissem a rolagem dos juros da dívida externa. Esta transformação regressiva produziu uma queda constante do salário médio, e da participação dos salários sobre o PIB, congelou a mobilidade social relativa e absoluta, e asfixiou o mercado interno. Não poderia ter sido feita “a frio”.

Foi necessário impor uma derrota histórica ao jovem proletariado que vinha descobrindo suas forças desde os anos cinquenta, testando sua capacidade de mobilização em lutas mais unificadas, forjando alianças com os trabalhadores rurais, deslocando para o seu campo a simpatia de setores das novas classes médias urbanas, e produzindo confusão e divisão na classe dominante.

Um confronto com os setores organizados dos trabalhadores foi procurado e construído, intencionalmente, por uma fração pró-yankee da burguesia, desde o suicídio de Getúlio Vargas em 1954, como o golpe que ocorreu na Argentina contra Perón em 1955, para neutralizar ao mínimo as possibilidades de resistência. Uma derrota tão séria não poderia deixar de estabelecer uma nova relação de forças entre as classes em escala continental, deixando Havana, dramaticamente, isolada. O golpe no Brasil foi o carrasco da revolução em Cuba, onde o início de uma corajosa transição ao socialismo permaneceu bloqueada.

 Fonte: A Terra é Redonda

 

60 anos do golpe: “Para nós, sobreviventes, não é passado”, diz ex-ministra presa e torturada

golpe de 1964, berço da ditadura civil-militar brasileira que censurou, perseguiu, torturou, prendeu e assassinou defensores da democracia até 1985, está prestes a completar 60 anos. Anualmente, em 1º de abril, entidades da sociedade civil realizam atos e atividades para rememorar os anos de chumbo com o objetivo de homenagear as vítimas e fazer um exercício de memória. 

Apesar da necessidade de se relembrar o golpe de Estado e, assim, evitar que erros do passado sejam repetidos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou em entrevista recente que não quer “remoer o passado”. A declaração veio em resposta a uma pergunta sobre como lidaria com possíveis celebrações dos 60 anos do golpe por parte de integrantes das Forças Armadas - a exemplo do Clube Militar, que já marcou, para o dia 31 de março, um almoço de comemoração. 

"Os generais que estão hoje no poder eram crianças naquele tempo. Alguns acho que não tinham nem nascido ainda (...) O que eu não posso é não saber tocar a história para frente, ficar remoendo sempre, ou seja, é uma parte da história do Brasil que a gente ainda não tem todas as informações, porque tem gente desaparecida ainda, porque tem gente que pode se apurar. Mas eu, sinceramente, eu não vou ficar remoendo e eu vou tentar tocar esse país para frente", prosseguiu o mandatário. 

Para além de dizer que não quer “remoer o passado”, o presidente teria orientado seus ministérios a não realizarem eventos oficiais alusivos aos 60 anos do golpe civil-militar. A ideia seria “apaziguar” a relação com os militares e não tocar em “feridas” que poderiam tensionar a tentativa de reaproximação. 

A postura de Lula com relação ao tema vem gerando críticas por parte de entidades de direitos humanos, políticos de esquerda e sobreviventes do regime civil-militar, a exemplo de Eleonora Menicucci, ex-ministra de Políticas para Mulheres do governo Dilma Rousseff e que, durante a ditadura, foi perseguida, presa e torturada pelos militares. 

Doutora em ciência política e professora titular sênior da Unifesp, Menicucci era - e segue sendo - militante de esquerda nos anos 70 quando foi presa e ficou na mesma cela que Dilma, no Presídio Tiradentes, em São Paulo (SP). 

Em entrevista à Fórum, a ex-ministra sustentou que é preciso rememorar o passado para que as novas gerações entendam o que realmente aconteceu na ditadura civil-militar brasileira. 

"Como ex-presa política e torturada, e tendo pautado minha vida pela consolidação da democracia, acredito que devemos lembrar o passado para não esquecê-lo e, principalmente, para que não se repita nunca mais. 60 anos de 1964 64 só merece ser lembrado para que não seja ocultado, apagado e esquecido", pontua Eleonora Menicucci. 

Segundo a ex-ministra, a ditadura civil-militar "não é passado, principalmente, para nós, como eu, sobreviventes". 

"Lembrar e sobretudo falar significa contar um período de nossa história onde vida humanas foram sacrificadas, assassinadas, torturas, presas e exilada com sangue na defesa de uma jovem democracia. Falar é necessário não só para que não se repita, mas para que as novas gerações possam conhecer a verdadeira história de luta de uma geração de 1968". 

"Ditadura e tortura nunca mais. Lutemos pelo aperfeiçoamento da radicalidade da democracia sem concessões. Nossos governantes sabem disso. A democracia é uma jovem e velha mulher", finaliza. 

·        Adriano Diogo: não rememorar golpe é "contradição" de Lula

O ex-deputado estadual Adriano Diogo, que participou da resistência armada à ditadura militar, foi preso, torturado e, depois, ajudou a fundar o PT, disse em entrevista à Fórum que a Lula em evitar eventos alusivos ao aniversário do golpe de 1964 não é exatamente nova. 

O ex-parlamentar, que já presidiu a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, relembra que, em 2010, Lula foi contrário a mudar a Lei da Anistia - isto é, defendeu, de certa maneira, o entendimento de que os crimes cometidos na ditadura eram conexos e recíprocos: “Tanto os crimes cometidos pela resistência ao regime militar, como daqueles que participaram na repressão e na defesa do regime militar”. 

O petista chama atenção para o fato de que não sabe que “tipo de pressão” o presidente estaria sofrendo para tomar tal atitude. Adriano Diogo relembra, contudo, que Lula teve papel fundamental para o fim da ditadura civil-militar e que foi graças à sua eleição em 2022 que o Brasil não sofreu um novo golpe de Estado. Neste sentido, o ex-deputado avalia que o presidente cai em contradição.

“Eu, que sou do PT, que vim da resistência, atribuo a Lula a enorme tarefa que ele teve de derrotar a ditadura. E foi exatamente em 1979, que através das greves, da fundação do PT, que a ditadura foi derrotada definitivamente, embora ela tivesse acabado em 1985. E, agora, nós só estamos aqui nessa situação porque o Lula e o povo brasileiro derrotaram o Bolsonaro, pois, senão, nós estaríamos numa outra ditadura. Então, é uma enorme contradição. Às vezes, eu tendo a achar que, entre escolher o passado ou o presente, ele escolheu enfrentar o presente, que é a tentativa do golpe do Bolsonaro”, assevera. 

Adriano Diogo, no entanto, afirma esperar que Lula reconsidere sua posição e compareça aos atos democráticos que serão realizados pela sociedade civil em 31 de março, como a Caminhada do Silêncio, que acontece todos os anos em diferentes capitais do país.

 

Ø  Há 60 anos o golpe militar impôs um regime facínora no Brasil. Por José Reinaldo Carvalho

 

 A ferida que a ditadura militar, instaurada por um golpe de Estado há 60 anos, abriu no organismo nacional, malgrado o tempo transcorrido, ainda não cicatrizou. A ditadura militar provocou danos duradouros e indeléveis na vida nacional, que não se apagam com discursos, decretos nem perorações negacionistas.

A ditadura militar foi um regime criminoso, facínora, comandado por facínoras, um regime que atentou gravemente contra a democracia, os direitos do povo e a soberania nacional. Um regime cujos métodos principais para o exercício do poder foram a violência, a mistificação e o engodo. O período de 21 anos em que durou aquele regime foi marcado por graves violações aos direitos humanos e às liberdades democráticas. 

Os crimes cometidos durante a ditadura militar não foram atos isolados, mas uma política de Estado sob o estrito comando de oficiais graduados das Forças Armadas. 

Diversos relatórios e investigações ao longo dos anos comprovaram a extensão dos abusos cometidos durante o regime militar. O relatório final da Comissão Nacional da Verdade, por exemplo, apresentado em 2014, trouxe à tona uma série de violações de direitos humanos, incluindo execuções, torturas, ocultações de cadáveres e perseguições políticas.

Entre os episódios mais marcantes desse período está o caso emblemático da Guerrilha do Araguaia, onde mais de uma centena de guerrilheiros foram assassinados pelas forças militares. Muitos corpos nunca foram encontrados, e suas famílias seguem em uma busca incessante por justiça e por informações sobre o paradeiro de seus entes queridos.

Em todas as suas etapas o regime militar foi uma guerra contra o povo, com o recurso frequente ao terror de Estado, porque é disso que se trata quando se tortura e assassina presos políticos. Enfatizo: em todas as etapas, incluindo a "distensão" do general Geisel - verdugo de patriotas, democratas, jovens guerrilheiros e dirigentes de organizações revolucionárias - e a "abertura" do último general-presidente, o atrabiliário João Figueirêdo. 

Na execução da guerra contra o povo e a nação foram invocados falsos pretextos para esconder os inconfessáveis objetivos de submeter o Brasil aos desígnios imperialistas dos Estados Unidos e a aspiração dos generais a se perpetuarem no poder. Para dar o golpe, desfraldaram falsas bandeiras - lutar contra a corrupção, sanear a economia, impedir a "subversão", a "república sindicalista", a "ameaça comunista". Disseram que o golpe era apenas um movimento "redentor" e prometeram a democracia, mas logo ficaram evidentes os propósitos continuístas. Foi com falsos pretextos também que promoveram uma razia entre as forças democráticas, patrióticas, revolucionárias, nos movimentos sindicais e estudantis, entre intelectuais e os militares genuinamente legalistas, democratas e defensores da soberania do país. Ao declarar guerra ao povo, a ditadura militar adotou uma política de extermínio da oposição democrática-popular e da esquerda. Em determinado momento, a partir de finais de 1968, os generais implantaram um regime de terror. Aquele regime atentou contra o estado de direito, tolheu as mais elementares liberdades democráticas, desencadeou o terrorismo cultural, impôs a censura à imprensa, às artes, à atividade científica e acadêmica, violou a independência e harmonia entre os Poderes, manietando o Judiciário e o Legislativo, perseguiu, prendeu e torturou dezenas de milhares de brasileiros, indiciou em inquéritos policial-militares mais de dez mil pessoas. Assassinou 434 combatentes pela democracia. 

Sucederam-se os atos arbitrários até que a ditadura se fascistizou por completo e o Brasil viveu mais de uma década sob o terror de Estado. 

A responsabilidade política não pode ser diluída. Os crimes propriamente ditos foram cometidos pelas forças armadas reacionárias que agiram como instrumento das classes dominantes e do imperialismo estadunidense. Portanto, não é justo analisar o caráter do golpe como uma mera ação das forças conservadoras, como se em 1º de abril de 1964 tivesse sido instaurado no país um regime "civil-militar" e não uma ditadura militar fascista. 

Desde os tempos coloniais, passando pelo Império, a velha República, o Estado Novo e outros de cariz liberal ou conservador, o Brasil sempre foi governado, até o advento da ditadura de 1964, por forças conservadoras, ressalvados alguns hiatos, como o próprio momento em que ocupava o poder o democrata, patriota e trabalhista João Goulart, derrubado por tentar abrir caminhos a reformas estruturais de base e à consolidação da soberania nacional. Mas uma ditadura aberta, terrorista, fascista, foi implantada em 1964. Fosse apenas um manejo conservador, o golpe militar de 60 anos atrás teria malogrado um ano depois, quando lideranças civis conservadoras que ajudaram a desfechá-lo rebelaram-se ao perceber que os generais vieram para ficar, como aliás advertira o Partido Comunista do Brasil nos primeiros documentos que lançou para analisar o caráter do novo regime. 

O golpe militar de 1964 foi uma viragem reacionária na vida política nacional, em que as classes dominantes, mancomunadas com o imperialismo estadunidense, lançaram mão do poder de fogo das forças armadas para esmagar a maré montante da luta popular por democracia, direitos sociais e soberania nacional. Tentada em outras ocasiões, a reviravolta política de sentido reacionário só foi possível porque prevaleceu a tendência malsã predominante nas forças armadas brasileiras desde sempre e até hoje não contida - o militarismo. Esta tendência, este vício, esta doença congênita da instituição militar brasileira é eivada de profundo sentido antidemocrático, antipopular e anticomunista, travestido de nacionalismo, mas como se viu, um nacionalismo de fancaria, porquanto a ditadura militar de 1964 serviu como vassala do imperialismo estadunidense.

A ditadura dos generais impôs, em conluio com os centros econômicos e financeiros do imperialismo, um modelo econômico antipopular e entreguista, contrário ao desenvolvimento do país e ao bem-estar social. O golpe de 1964 abriu um longo período calamitoso para o povo brasileiro.  O modelo econômico imposto pelo regime era antipopular e entreguista. O desenvolvimento do país foi prejudicado em prol de interesses neocolonialistas. 

É injusto, além de ser um erro político, não passar a limpo este passado porque ele está vivo entre nós nos arreganhos fascistas do ex-ocupante do Planalto com sua horda de milicianos, do lumpensinato, e os chacais fardados que até ontem ocupavam elevados cargos na cúpula das Forças Armadas e postos-chave no governo. 

A memória desses eventos sombrios serve como um lembrete de que a democracia e os direitos humanos devem ser protegidos e valorizados. A história nos ensina a nunca esquecer as consequências devastadoras da tirania e da violência das Forças Armadas. 

A história do Brasil não pode ser escrita sem o devido reconhecimento dos crimes cometidos durante a ditadura, e a responsabilidade das forças armadas nesse contexto deve ser encarada com frontalidade. 

Somente através do reconhecimento e da responsabilização dos responsáveis é que poderemos verdadeiramente construir uma sociedade  justa e democrática. A memória das vítimas e a luta por justiça não podem ser esquecidas, e cabe a esta e às gerações vindouras garantir que as lições daquele período sejam aprendidas e que tais atrocidades nunca mais se repitam.

As Forças Armadas têm a obrigação de se retratar e as forças democráticas o dever de apagar da Constituição qualquer possibilidade de interferência das corporações militares na vida política nacional. Extirpar o militarismo como tendência política, abolir a excrescência da GLO, fechar todas as portas ao golpismo são tarefas a realizar. 

As Forças Armadas devem desculpas ao povo e a nação e não as instituições que elas golpearam e vilipendiaram.  

Não é por revanchismo que os patriotas e democratas rememoram os acontecimentos desencadeados a partir de 31 de março e 1º de abril de 1964, mas para extrair lições pedagógicas que eduquem as gerações vindouras e preparem o país para construir um sistema democrático em que o povo seja efetivamente dono do poder, capaz de soerguer instituições suficientemente fortes para conjurar e se for necessário esmagar ações militaristas como as de 60 anos atrás. E no mister de analisar, é preciso transparência e frontalidade para designar os fatos como eles são. 

O regime militar no Brasil foi um período de grande impacto na história do país. As marcas desse período ainda são sentidas na sociedade brasileira, tanto na esfera política e econômica quanto nas relações internacionais. É importante analisar esse período de forma crítica e reflexiva, para entender seus efeitos, aprender com seus crimes e reunir forças para lutar por uma democracia autêntica. 

 

Fonte: Fórum

 

Piauí autoriza 10 fazendas a desmatarem 4 vezes área de Paris em um ano

ENTRE 2022 E 2023, o estado do Piauí autorizou o desmatamento de 78,6 mil hectares de vegetação nativa. Para apenas dez propriedades, as autorizações somaram 42,9 mil hectares, o equivalente a quatro vezes a área de Paris. Das 99 autorizações concedidas no período, 59 foram para propriedades localizadas no Cerrado, onde o desmatamento atingiu níveis recordes no ano passado.

“Se o Brasil quer efetivamente diminuir as suas emissões, não podemos mais fazer essa divisão de desmatamento legal e ilegal. Todo o desmatamento é desmatamento e está impactando a floresta, os povos indígenas e a biodiversidade”, pontua João Gonçalves, diretor sênior da organização Mighty Earth no Brasil. Na última quinta (14), a ONG publicou um relatório sobre como o desmatamento recente de quase 60 mil hectares no Cerrado e Amazônia está ligado à produção de soja e às cadeias de fornecimento de multinacionais do setor.

Em 2023, a perda de vegetação nativa no bioma somou 7.828 km² (782.800 hectares), número 43% superior ao ano anterior, segundo dados divulgados em janeiro pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). No mesmo período, o desmatamento na Amazônia teve redução de 50%. Pela primeira vez, o desmate no Cerrado foi superior ao do bioma amazônico.

O desmatamento é a principal contribuição brasileira para o aquecimento global. Em 2022, as mudanças de uso da terra responderam por 48% das emissões brutas de gás carbônico equivalente (métrica usada para comparar as emissões de diferentes gases de efeito estufa), de acordo com cálculos do Observatório do Clima

O Ministério do Meio Ambiente (MMA) estima que 50% da devastação do Cerrado tenha ocorrido com autorização, mas não há um levantamento preciso dessa proporção. Devido à falta de transparência dos estados e ao compartilhamento incompleto de informações entre órgãos estaduais e o governo federal, nem o próprio MMA sabe, com exatidão, qual é o total de autorizações para desmate emitidas Brasil afora. 

Em resposta à reportagem, a SEMARH-PI (Secretaria do Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Piauí) afirmou que todos os pedidos de autorizações são analisados pelos auditores fiscais ambientais do órgão, seguindo critérios como regularidade do imóvel e avaliação de proposta de reposição florestal ao que se pretende suprimir. Também afirmou que o Piauí só contribui com 0,95% do CO2 emitido pelo Brasil e que  investe na recuperação de áreas degradadas. 

<<<< 7,8 mil campos de futebol desmatados 

As maiores autorizações foram emitidas para produtores de soja, milho, algodão e gado da região de expansão agrícola conhecida como Matopiba, formada por áreas majoritariamente de cerrado nos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. 

Na cidade de Baixa Grande do Ribeiro, quatro autorizações permitiram o desmatamento de 22,7 mil hectares. O município é o segundo maior do Piauí, com área de 7,8 mil km² (ou 780 mil hectares). Projeções do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) apontam que a produção agrícola do município deverá crescer 31,7% nos próximos 10 anos.

Localizada em Baixa Grande do Ribeiro, a Fazenda Emaflor é detentora da maior autorização para desmate concedida no Piauí durante os últimos dois anos. Em setembro de 2023, a propriedade, que pertence à Emaflor Empreendimentos Rurais e Participações e é administrada pelo Grupo AZN, obteve o sinal verde para desmatar 7,8 mil hectares em seu interior. 

O Grupo AZN tem como sócio Alzir Pimentel Aguiar Neto, produtor de soja do Piauí e vice-presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja no estado (Aprosoja-PI). O próprio Alzir Neto também garantiu uma autorização para a supressão de 4,8 mil hectares de Cerrado na área ao lado da Fazenda Emaflor. O objetivo do desmatamento, segundo relatório apresentado à SEMARH-PI, é criar uma nova propriedade, destinada à criação de bovinos. 

A Fazenda Emaflor é fornecedora de soja da Bunge, segundo dados de notas fiscais acessados pela Repórter Brasil. Na safra 2022/2023, o grão colhido na propriedade foi enviado para a unidade da multinacional em Uruçuí (PI). 

A companhia americana assumiu um compromisso público de “desmatamento zero” em suas cadeias produtivas a partir de 2025. Em resposta à reportagem, a Bunge reafirmou o seu compromisso e disse que realiza o monitoramento dos seus fornecedores de soja para identificar aberturas de novas áreas. “Após a data estabelecida por nossa política, fazendas que plantarem soja em áreas recentemente abertas serão automaticamente excluídas da cadeia de fornecimento”, afirmou. Leia o posicionamento completo da companhia aqui

A Repórter Brasil também tentou contato com o produtor Alzir Neto, com o Grupo AZN e com a Emaflor Empreendimentos Rurais e Participações, mas não obteve resposta até o fechamento desta reportagem.

Dos silos da Bunge espalhados pelo Matopiba, a soja brasileira alcança o mundo. Em 2023, os principais clientes da multinacional estavam localizados na França, Alemanha e Espanha. A Espanha também é o segundo maior importador da soja produzida no Piauí, atrás apenas da China.

·        Nova barreira comercial não protege Cerrado

As exportações brasileiras de soja, gado, óleo de palma, café, madeira, borracha e cacau associadas ao desmate recente de matas nativas estão prestes a receber novas barreiras comerciais. Em dezembro de 2024 entra em vigor na União Europeia uma  nova lei que impede a importação de produtos oriundos de áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2020 – sem diferenciar se o desmatamento ocorreu de forma legal ou ilegal. 

A legislação, no entanto, não inclui áreas consideradas “não-florestais”, segundo o conceito da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Com isso, 73% do Cerrado fica fora do escopo da lei, estima um estudo do Observatório do Clima

A lei europeia faz parte da estratégia do bloco de se tornar neutro em emissões de gases de efeito estufa até 2050. Mas para Ana Carolina Crisostomo, especialista em Conservação e líder da estratégia de Conversão Zero do WWF Brasil, a decisão de excluir o Cerrado da nova lei ignora que a maior parte das emissões brasileiras “importadas” pelo bloco estão associadas ao desmatamento e à produção de grãos concentrados no bioma. “Excluir o Cerrado é tentar ‘dar um jeitinho’ de não resolver o problema mais grave e mais difícil”, resume.

“Estamos em campanha para que na revisão do regulamento, que vai acontecer este ano, sejam incluídas essas outras áreas florestais”, ressalta João Gonçalves, da Mighty Earth. “No Brasil, temos o Cerrado, o Pantanal, mas também temos o Chaco, o Pampa e outras áreas no Oeste Asiático e na África que ficaram de fora do escopo”.

Para além da nova lei europeia, outros acordos comerciais já em vigor são mais amplos em barrar a produção associada ao desmatamento. O principal exemplo é a Moratória da Soja,  iniciativa voluntária encampada pelas maiores compradoras globais de grãos e que prevê o boicote à soja plantada em áreas desmatadas após 2008 na Amazônia. A expansão de um acordo similar para o Cerrado é defendida há anos por organizações da sociedade civil, mas a ideia não avançou por falta de apoio do setor produtivo. Há muita área passível de desmatamento autorizado no Cerrado. Em termos de lucro, não vale a pena olhar para esse bioma. Só [começa a valer a pena] quando chega uma legislação como a da União Europeia, que chega impondo isso para as grandes tradings”, avalia Ana Carolina Crisostomo, do WWF-Brasil.

·        Bioma menos protegido

Enquanto que a área de reserva legal em fazendas do bioma amazônico deve ser de 80% do total da propriedade, segundo o Código Florestal Brasileiro, no Cerrado esse percentual cai para 20%, com exceção das propriedades do Cerrado localizadas em estados da Amazônia Legal. Nesse caso, o percentual é 35%. 

“O Cerrado sempre foi visto como um bioma menos relevante, inicialmente por uma falta de compreensão da complexidade do bioma, da sua biodiversidade. Há também um senso comum de que não tem nada ali, que é uma região que deve ser destinada à produção de commodities”, pontua Crisostomo, do WWF-Brasil. A especialista afirma que, além da legislação menos protetiva ao Cerrado, há um “descontrole das emissões das Autorizações de Supressão de Vegetação”.

 

Fonte: Reporter Brasil

 

Carne processada: o que é, riscos e impactos

Nas últimas décadas, com a vida corrida das grandes cidades, a carne processada ganhou espaço no cardápio da população. Muitas pessoas apreciam o sabor, a variedade e a conveniência que esse tipo de carne pode oferecer. Mas tudo tem o seu lado ruim e, neste caso, ele é bem extenso.

·        1. O que são carnes processadas?

Segundo a história antiga, o processamento de carne tem suas raízes na salga e na defumação dos alimentos. Essa prática se iniciou séculos antes da prática da refrigeração, amplamente disponível nos dias de hoje. O principal objetivo desses processos era o de conservar as carnes por um período mais longo. Desta forma, garantir o consumo em períodos de escassez de alimentos.

A carne processada é um produto fresco (de carne bovina, suína, de frango e de peru) alterado a partir do estado original. Logo, sendo submetido a uma (ou mais) fase de transformação ou elaboração. Podendo ser  moagem, adição de ingredientes e aditivos, cozimento, entre outros processos.

O que muda a aparência, a textura e o sabor, aumenta a “vida de prateleira” da carne processada. Mas também proporciona praticidade (uma das principais características procuradas pelo consumidor na hora da compra). Além de outros aspectos tecnológicos que visam aumentar a aceitação do consumidor.

Mas quais são as carnes processadas? Os principais exemplos dessas carnes e seus derivados presentes no mercado são: 

  • Carnes em peças
  • Charque (carne seca)
  • Presunto
  • Mortadela
  • Toucinho
  • Carnes temperadas
  • Salsichas
  • Linguiças
  • Salames
  • Patês
  • Carnes enlatadas
  • Caldos de carnes concentrados

<<< 2. Como é realizado o processamento?

Os tecidos animais, principalmente carne de músculo e gordura, são os principais ingredientes utilizados no processamento. Ocasionalmente outros tecidos animais também são usados, tais como órgãos internos, peles e sangue ou ingredientes de origem vegetal, segundo informações da FAO, braço da ONU que trata das questões relacionadas à agricultura e à alimentação.

As transformações no alimento são feitas por meio de tratamentos físicos, químicos e/ou biológicos. Como exemplos, temos a: 

  • Moagem 
  • Mistura 
  • Cura
  • Defumação
  • Cozimento
  • Fermentação
  • Secagem
  • Desidratação

O tipo de processamento varia entre os produtos cárneos, sendo que quanto mais processado o produto for, mais ele perde suas características nutricionais. Outro ponto é que, mais ele aumenta os riscos de possíveis danos à saúde, quando comparado a produtos in natura. A seguir, serão apresentados os níveis de processamento que um produto pode sofrer.

>>>> Produtos minimamente processados

Peças de carne que não envolvam agregação de sal, açúcar, óleos, gorduras e outras substâncias, e são vendidas em açougues, supermercados ou em feiras livres. Elas podem ser encontradas frescas, resfriadas ou congeladas. Englobam as carnes bovinas, suínas, aves e pescados.

>>>> Produtos processados

A carne processada é fabricada pela indústria com a adição de sal, açúcar ou de outras substâncias de uso culinário às carnes in natura para torná-las duráveis e mais agradáveis. Nesse grupo estão presente carne seca, bacon, sardinha e atum enlatados, entre outros produtos cárneos.

>>>> Produtos ultraprocessados

Alimentos ultraprocessados são formulações industriais feitas inteira ou majoritariamente de substâncias extraídas de alimentos, derivadas de constituintes de alimentos ou sintetizadas em laboratório com base em matérias orgânicas como petróleo e carvão. Nesse grupo estão presentes hambúrgueres, principalmente confeccionados com carne moída, extratos de carne e frango, peixes e frangos empanados do tipo nuggets, salsichas e outros embutidos.

·        3. Riscos à saúde

Durante o processamento da carne, é necessário considerar que existem diversos riscos que podem afetar a saúde do consumidor e a sua alimentação saudável. Por isso, ao comprar um produto cárneo, verifique se ele apresenta o selo do órgão fiscalizador oficial, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), e do Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (Riispoa), que garante a segurança alimentar do produto. Alguns exemplos são:

  • Os perigos físicos, que podem ser causados pelos restos de materiais indesejados (vidro, fragmentos de ossos, dentes de animais – no caso da carne da cabeça de processamento, fragmentos metálicos, como clipes de salsicha, lâminas de faca quebradas, agulhas, plásticos, pedras).
  • Os riscos biológicos, onde micro-organismos patogênicos (destacando-se as bactérias e fungos) podem causar doenças e intoxicações alimentares.
  • Os perigos químicos, que são os contaminantes (metais pesados, do PCB, solventes químicos, de limpeza e de desinfecção compostos), os resíduos (medicamentos veterinários, aditivos alimentares, pesticidas) e os aditivos alimentares que podem ser muito perigosos (nitrato, nitrito, conservantes químicos).

Todos esses processos são comuns aos alimentos industrializados, mas alguns são mais comuns quando se fala de carne processada, principalmente os riscos físico e químico.

Nas carnes processadas, há grande quantidade de fragmentos que não seriam mais aproveitados pela indústria de carnes, contendo alta concentração de gordura.

Como a carne é perecível, ela precisa de substâncias que prolonguem sua vida útil para ser comercializada e consumida antes de se estragar. Porém compostos que são utilizados para dar essa sobrevida às carnes são nitritos e nitratos, inseridos no processo de cura do item.

O problema é que, em certas condições, o nitrito e o nitrato podem formar nitrosaminas – compostos químicos cancerígenos em animais. Isso ocorre justamente nos produtos à base de carne fortemente cozidos ou fritos e que foram previamente curados com nitrito ou nitrato. Novamente segundo a Iarc, nitritos e nitratos em alimentos estão associados à incidência do aumento de câncer de estômago.

·        4. Carne processada é cancerígena?

De acordo com a Iarc, ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS), sim, carnes processadas são cancerígenas. Uma avaliação dos riscos do consumo de carne vermelha e processada concluiu e classificou as carnes processadas como carcinogênicas para humanos (grupo 1). Produtos como tabaco, álcool e amianto estão localizados no mesmo grupo de risco de desenvolver algum tipo de câncer.

As evidências são suficientes para afirmar que o consumo desse tipo de alimento provoca câncer colorretal. A ingestão diária de uma porção de 50 gramas de carne processada aumenta o risco de câncer colorretal em 18%, segundo especialistas da Iarc. Além disso, o risco aumenta de acordo com a quantidade de carne consumida.

Estimativas recentes feitas pelo Global Burden of Disease Project, uma organização acadêmica de pesquisa independente, apontam que, por ano, cerca de 34 mil mortes são causadas por câncer decorrente de dietas ricas em carne processada.

<<<< Comprovação

Os especialistas ainda não desvendaram totalmente como o risco de câncer é influenciado pela carne processada e pela carne vermelha. Esta última foi classificada no Grupo 2A – provavelmente carcinogênica para humanos. Contudo, sabe-se que, durante o processamento, químicos carcinogênicos como os N-nitrosos e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos se formam. 

No processo de cozimento também são formadas aromáticas policíclicas, que estão presentes até na poluição do ar. O potencial carcinogênico de alguns desses químicos é comprovado e outros são classificados como provavelmente cancerígenos. Confira respostas da Iarc sobre outras dúvidas comuns relacionadas aos riscos da ingestão desses alimentos).

Para o Dr. Kurt Straif, líder do Iarc Monographs Programme, a incidência de câncer causada pelo consumo de carne processada é uma questão de saúde pública. O diretor da organização, Christopher Wild, diz ainda que essas descobertas indicam a necessidade de recomendações sobre a limitação do consumo de carnes.

·        5. Por que colocar nitrito na carne?

O nitrito inibe a germinação do Clostridium botulinum e previne a formação de toxinas nos produtos cárneos curados. Assim, evitando a intoxicação alimentar por botulismo, que pode ser letal ou causar sequelas irreversíveis se não diagnosticada e tratada rapidamente. Admite-se que a concentração mínima de nitrito necessária para inibir o C. botulinum seja de 150 partes por milhão (ppm).

·        6. Alternativas naturais ao curado

De acordo com o American Meat Institute, alguns consumidores preferem carnes que são curadas usando nitrato natural e fontes de nitrito encontradas em extratos vegetais, como aipo em pó. Estes produtos estão cada vez mais disponíveis nos supermercados. O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) exige que nas embalagens destes produtos declare-se: “não curado”, e em uma fonte menor na rotulagem contenha que “não há nitratos ou nitritos adicionados, exceto para aqueles que ocorrem naturalmente no aipo em pó”.

Outras alternativas aos salitres (sais nitrato de sódio ou nitrato de potássio) são o sal marinho e suco de beterraba.

·        7. Impactos e aspectos ambientais

É importante considerar que em todas as etapas do processamento da carne, os principais aspectos e impactos ambientais resultantes dos processos são: 

  • O alto consumo de água
  • A geração de efluentes líquidos com alta carga poluidora
  • Principalmente orgânica
  • Alto consumo de energia

No caso da produção de carnes, as emissões atmosféricas são exorbitantes. Além da geração de resíduos sólidos e de ruídos, que são bastantes significativos.

Por todos esses motivos, o recomendado é não consumir carne processada, preferindo uma dieta vegetariana, que também evita o sofrimento animal. Você pode começar aos poucos… 

 

Fonte: eCycle