Vendilhões
da fé: Brasil tem mais templos religiosos do que hospitais e escolas juntos
O Brasil
tem mais estabelecimentos religiosos do que o total somado de instituições de
ensino e de saúde. É o que mostram os novos dados do Censo 2022 divulgados nesta sexta-feira (2) pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE). São, em média, 286 igrejas para cada 100 mil habitantes do
país.
Pela
primeira vez, o IBGE mapeou todas as coordenadas geográficas e os tipos de
edificações que compõem os 111 milhões de endereços do
Brasil cadastrados durante a pesquisa.
O Censo
entende como estabelecimento religioso igrejas, templos, sinagogas e terreiros,
por exemplo, de todas as religiões.
- Estabelecimentos
religiosos (igrejas, templos e outros): 579,7 mil - 286 para
cada 100 mil habitantes
- Estabelecimento
de ensino (escolas, creches, universidades): 264,4 mil - 130
para cada 100 mil habitantes
- Estabelecimento
de saúde (hospitais, clínicas, pronto socorro): 247,5 mil - 122
para cada 100 mil habitantes
A Região
Norte é a que concentra a maior relação entre o número de estabelecimentos
religiosos e o total da população. Há 79.650 igrejas nos estados do
Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, o que representa a
média de 459 para cada 100 mil habitantes, quase o dobro do valor do Brasil
como um todo.
O Acre
lidera a média nacional, com 554 igrejas para cada 100 mil habitantes, seguido
de Roraima e Amazonas, ambos com 485 para cada 100 mil.
Do lado
oposto, a região Sul (Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina) é a que tem a
menor relação entre o número de igrejas e a população, com 226 para cada 100
mil.
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Demais tipos de endereço
A grande
maioria dos endereços do Brasil é formada por domicílios particulares, ou seja,
casas e apartamentos. Em segundo lugar, estão os estabelecimentos comerciais
com "outras finalidades", como comércio, prédios culturais ou
públicos.
- Domicílios
particulares (casas, apartamentos): 90,6 milhões
- Estabelecimentos
de outras finalidades (lojas, prédios públicos e culturais): 11,7
milhões
- Estabelecimentos
agropecuários: 4 milhões
- Edificações
em construção: 3,5 milhões
- Domicílios
coletivos (hotéis, presídios, pensões, asilos): 104,5 mil
Segundo o
IBGE, a maior precisão do levantamento pode ser uma ferramenta importante
para o planejamento urbano e para a criação de políticas públicas específicas.
É
possível, por exemplo, mapear domicílios impactados for fenômenos ambientais
como enchentes, deslizamentos, queimadas e secas. Ou fazer a contabilização de
serviços oferecidos à população de acordo com a densidade demográfica.
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Após 50
anos, IBGE volta a usar o termo favela no Censo
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Divulgações anteriores
As
informações do Censo 2022 começaram a ser divulgadas em junho de 2023. Desde
então, foi possível saber que:
- O Brasil tem 203 milhões de habitantes, número menor do que era estimado pelas projeções
iniciais;
- O
país segue se tornando cada vez mais feminino e mais velho. A idade mediana do brasileiro passou de 29 anos (em 2010)
para 35 anos (em 2022). Isso significa que metade da população tem até 35
anos, e a outra metade é mais velha que isso. Há cerca de 104,5 milhões de
mulheres, 51,5% do total de brasileiros;
- 1,3 milhão de pessoas que se identificam como quilombolas (0,65% do total) – foi a primeira vez na História em
que o Censo incluiu em seus questionários perguntas para identificar esse
grupo;
- O número de indígenas cresceu 89%, para 1,7 milhão, em relação ao Censo de 2010. Isso pode ser explicado pela
mudança no mapeamento e na metodologia da pesquisa para os povos
indígenas, que permitiu identificar mais pessoas;
- Pela
primeira vez, os brasileiros se declararam mais pardos que brancos, e a população preta cresceu.
Ø
Templos evangélicos
crescem 228% em duas décadas e dominam cena religiosa
Que
evangélicos estão em franca ascensão no Brasil ninguém discute. Mas como
traduzir isso em números?
Um estudo
do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) chegou a uma fórmula que
ajuda a dimensionar essa dilatação religiosa. Em 2021, as 87,5 mil igrejas
evangélicas com CNPJ representavam sete em cada dez estabelecimentos religiosos
formalizados no país, enquanto católicas eram 11% do total. O restante se
dividia entre outras religiões e espaços sem classificação precisa, em grande
parte composto por associações comunitárias, beneficentes ou educacionais.
Um salto e
tanto em relação a 1998, primeiro ano contemplado na pesquisa. Os locais de
culto evangélicos somavam então 26,6 mil, ou 54,5% do todo.
O
pentecostalismo e sua variante neopentecostal dominam o bolo religioso. São as
pequenas igrejas, “aquelas de bairro”, que puxam o crescimento, aponta a
economista Fernanda De Negri, coautora do trabalho e diretora de Estudos e
Políticas Setoriais, de Inovação, Regulação e Infraestrutura do Ipea.
Tratam-se
de células independentes, com um ou poucos templos, de nomes como Ministério
Jesus Te Ama e Igreja Pentecostal Rocha Inabalável Deus É Fiel.
As grandes
marcas do segmento são fortes, claro. Só a Universal do Reino de Deus, que De
Negri define como “uma empresa com diversas filiais”, tem 6.800
estabelecimentos vinculados a um único CNPJ. A Quadrangular, outra gigante,
possui quase 5.000.
Mensurar o
agigantamento evangélico tem lá seus desafios. Comecemos pelo Censo, de onde
vêm dados mais precisos sobre essa população. As informações mais recentes
sobre a base religiosa nacional são do levantamento de 2010 -o IBGE ainda não
divulgou esse recorte a partir do Censo 2022.
O que o
Ipea fez foi usar dados da Rais (Relação Anual de Informações Sociais), do
Ministério do Trabalho e Emprego. Levou-se em conta, portanto, pessoas
jurídicas inscritas na categoria “atividades de organizações religiosas”.
Como a
Rais joga tudo no mesmo pacote, sem especificar a qual religião cada CNPJ
corresponde, foi preciso apelar a um algoritmo que filtrasse os nomes dos
estabelecimentos. Exemplo: para identificar igrejas evangélicas tradicionais,
peneirou-se termos como “metodista” e “anglicana”, e para pentecostais,
combinações como “Assembleia de Deus” (o maior galho evangélico do país) e o
próprio título “pentecostal”.
De Negri
reconhece alguns buracos metodológicos a se considerar aqui, já que muitas
igrejas nanicas espalhadas pelo país operam sem qualquer adesão formal.
Coloca-se
algumas cadeiras numa garagem mesmo, improvisa-se um púlpito na frente, e
pronto. Algo por aí.
Outra
imprecisão metodológica ilustra bem as dificuldades crônicas em radiografar o
corpo evangélico brasileiro. Formas antigas para categorizar as igrejas
tradicionais, ligadas ao protestantismo clássico, não funcionam tão bem para o
quadro contemporâneo.
Exemplo:
batistas a princípio fariam parte desse grupo histórico. O que dizer, no
entanto, de igrejas como a Batista Lagoinha (da família Valadão) ou Atitude
(com Michelle Bolsonaro entre os fiéis), que esfumaçam as fronteiras com o
pentecostalismo?
Desafio
parecido é separar o que é pentecostal e o que é neopentecostal. Basta pensar
nos templos sob guarda do pastor Silas Malafaia, comumente visto como líder do
segundo bloco por quem é de fora do meio. A Assembleia de Deus Vitória em
Cristo, todavia, entraria tradicionalmente na clivagem assembleiana, de DNA
pentecostal.
O que dá
para cravar com segurança é que os católicos foram os que menos cresceram de
1998 para cá. O número de locais subordinados ao Vaticano saltou 63% no
período, enquanto a fração evangélica galopou 228,5%.
Na falta
de dados frescos do Censo, projeções indicam que católicos são hoje metade do
povo, e seus pares cristãos, próximos de um terço -eram menos de 10% até os
anos 1990.
Uma série
de motivos explica a vantagem nessa corrida religiosa, inclusive abordagens
teológicas diversificadas que fazem mais sentido para o brasileiro médio do que
aquelas da Igreja Católica, mais enrijecida pela hierarquia da Santa Sé.
Para a
economista e colunista da Folha de S.Paulo Deborah Bizarria, isso inclui “uma
maior facilidade de abertura de igrejas em comparação com as católicas”. A
dianteira se beneficiaria de “uma flexibilidade significativa para identificar
áreas com crescimento populacional e maior potencial para atrair membros”.
Não
estamos falando apenas de geografia. “As igrejas evangélicas desfrutam de uma
liberdade mais ampla para definir crenças e práticas, alinhando-se com a
interpretação da Bíblia e a orientação de seus líderes”, diz Bizarria. “O que
não significa um ‘vale tudo’, mas há grande espaço para discordâncias em
questões como batismo, santa ceia e questões comportamentais como consumo de
bebida alcoólica.”
Em
compensação, afirma, as lideranças católicas “seguem uma doutrina mais
uniforme, fundamentada na autoridade do papa e nos concílios ecumênicos”.
Ela
frequenta em São Paulo a presbiteriana Comunidade da Vila, em Pinheiros (zona
oeste paulistana). O pastor Victor Fontana, diretor de ensino teológico ali,
concorda que ampliar o segmento é “bem mais fácil que formar paróquia”. Até um
antigo bar ou oficina mecânica abrigam uma nova casa de oração.
Fontana
faz um adendo: contabilizar templos não é o único medidor para a popularidade
desse filão religioso. Um giro por São Paulo ajuda a observar o aumento de
pontos comerciais “que carregam uma linguagem que o identifica como
evangélico”, diz. São nomes como El Shaddai (algo como Deus Todo Poderoso, em
hebraico), que batiza de livraria cristã a salão de beleza.
Ele repara
ainda que, embora o fenômeno seja mais paulatino longe das regiões centrais, o
alargamento da via evangélica também vem atingindo bairros mais nobres. “Onde
antes tinha uma cantina na Bela Vista ou um mercadinho em Perdizes, agora tem
uma ‘church’ cheia de gente jovem.”
Aqui cabe
ressaltar uma transição social importante. Muitos filhos de famílias pioneiras
no evangelicalismo “passaram a ter acesso a estudo universitário, seja por
causa das cotas, seja por causa dos programas de assistência [como o Fies]”, e
conquistam rendas mais polpudas, diz.
“A
expressão de fé que faz sentido para eles já não está mais tanto nas
periferias.” Crescei e multiplicai-vos, portanto, para todas as classes
sociais.
Fonte:
g1/FolhaPress
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