segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Saberes ancestrais: povos indígenas devem ter protagonismo na bioeconomia, aponta estudo

A bioeconomia é considerada uma das vertentes para o desenvolvimento sustentável na Amazônia, com benefícios às pessoas e à natureza. Mas, para que a estratégia seja bem-sucedida, é imperativo que povos indígenas e comunidades locais tenham participação e protagonismo.

O tema é tratado mais a fundo pelos antropólogos indígenas Braulina Baniwa e Francisco Apurinã no recém-lançado estudo Bioeconomia indígena: saberes ancestrais e tecnologias sociais, elaborado em colaboração com WRI Brasil, Uma Concertação Pela Amazônia e parceiros.

Este trabalho enfatiza a relevância do território como o princípio fundamental de existência, da cosmovisão, do bem viver e dos conhecimentos práticos que regem a economia da floresta, e traz elementos importantes para os debates sobre políticas públicas, como a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas, a Política Nacional de Bioeconomia e o Plano de Transformação Ecológica.

•        Economia indígena

Embora a bioeconomia seja um termo relativamente novo e em construção para as populações indígenas, sua prática é desenvolvida em muitas aldeias há tempos. Para estes povos, a economia está contida na natureza.

Há décadas, muitos deles comercializam a sua produção. O WRI Brasil destaca que, embora não existam estatísticas sobre o tamanho desse mercado, a bioeconomia é a base da segurança alimentar e promove geração de renda por meio da venda de produtos extraídos e manufaturados nos territórios, ligando-os com outras populações locais e com o resto do mundo.

Alguns exemplos são o café produzido pelo povo indígena Paiter-Suruí, o cogumelo Yanomami, a pimenta Baniwa e os grafismos estampados nas indumentárias confeccionadas pelos Yawanawas. Isso sem contar itens e técnicas de tradições indígenas que se popularizaram na cultura brasileira, como a tapioca, o beiju, o açaí e o vinho do buriti.

O estudo de Baniwa e Apurinã também busca deixar claro quais são os pilares da relação indígena com a economia. Para os pesquisadores, estes pilares são:

- Produzir de modo sustentável, no ritmo das aldeias e em consonância com a natureza, visando obter ganhos suficientes para o bem viver coletivo;

- Fortalecer os trabalhos das associações de bases a partir de técnicas locais e de fora, unindo os conhecimentos indígenas e não indígenas;

- Manter a relação de alteridade, respeito e reciprocidade entre humanos e “mais-que-humanos”, e buscar e consolidar parcerias, com vista a formação de indígenas para a realização de trabalhos em ambientes específicos e interculturais.

“Esses povos promovem a bioeconomia e a economia sem agredir ou prejudicar as florestas e suas paisagens bioculturais. Cultivam, manejam e comercializam seus produtos de forma sustentável, utilizando técnicas ancestrais como forma de garantir equilíbrio e manutenção do planeta visando a continuidade desta e, sobretudo, de futuras gerações indígenas e não indígenas, de humanos e ‘mais-que-humanos’”, diz o texto.

Economia é abundância

O sistema econômico dos povos originários é abundância, cheio de diversidade cultural e heterogeneidade, ressalta a pesquisa. Suas maiores diferenças em relação ao modelo não indígena estão no fato de que, por estar contido na natureza, não há externalidades, e que a remuneração não é necessariamente proporcional à dotação dos fatores de produção, o que significa que “é justo dar mais para quem tem menos”.

O novo estudo observa que a bioeconomia traz avanços, porém é necessário dar mais protagonismo a pesquisadores e povos indígenas para que as estratégias voltadas para a transição da economia na Amazônia e no Brasil respeitem os saberes ancestrais e valorizem seus conhecimentos.

Para os pesquisadores, é imprescindível que os indígenas sejam protagonistas da sistematização e difusão de seu conhecimento, especialmente sobre os processos da bioeconomia indígena, com qualificação dessas tecnologias sociais múltiplas e diversas e seus saberes. O estudo também destaca a importância do protagonismo indígena em medidas de qualificação e quantificação dessa grande economia que passa invisível pela estatística e dos serviços ambientais e ecossistêmicos promovidos pelos povos indígenas.

“Desde o conceito à execução de planos e projetos sobre bioeconomia, os conhecimentos indígenas são insubstituíveis e devem ser os principais condutores da bioeconomia indígena, em todos os territórios e todos os biomas. São esses conceitos e modos de vida das comunidades que devem balizar a construção de legislação específica para proteger o seu conhecimento, seus territórios, bem como as políticas públicas de promoção e apoio às atividades relacionadas à bioeconomia”, enfatiza o estudo.

 

       Brasil pode liderar a transição energética através do hidrogênio verde

 

Diante da crise climática enfrentada pelo planeta, a busca por alternativas energéticas mais sustentáveis tem sido uma corrida contra o tempo. Embora essa transição caminhe em passos mais lentos do que o necessário, o que concerne à pesquisa tem progredido bastante. Nesse contexto, os pesquisadores têm se voltado a um dos temas relacionados mais promissores da atualidade: o hidrogênio verde.

O termo “verde” é usado para destacar que a produção de hidrogênio não resulta em emissões líquidas de carbono, já que a energia utilizada na eletrólise é de fontes renováveis e não fósseis. Isso contrasta com o hidrogênio “cinza”, que é produzido a partir de fontes de energia convencionais, como gás natural, carvão ou petróleo, resultando em emissões de carbono significativas e diretamente ligadas às mudanças climáticas globais.

Desse modo, o Brasil parece se destacar como sendo o país com mais autonomia para liderar a produção de hidrogênio verde. Mas o que isso realmente significa?

•        Hidrogênio verde: alternativa abundante e eficiente de energia

O hidrogênio (H2) é um gás leve, invisível e inflamável que compõe a maior parte do Universo. Na Terra, ele é encontrado principalmente na água (H2O), onde está combinado com oxigênio.

A gasolina, por sua vez, é uma fonte de energia convencionalmente usada em motores de combustão interna, mas o hidrogênio tem um conteúdo energético ainda maior, tornando-o uma fonte potencialmente mais eficiente de energia.

Além disso, o hidrogênio produz calor e eletricidade sem poluir, pois seu único subproduto é a água. No entanto, para ser usado como combustível, o hidrogênio precisa ser separado de outros elementos, como na água, através de um processo energético intenso.

•        As “cores” do hidrogênio

Existem várias categorias – além do hidrogênio “cinza” – para classificar a forma como o hidrogênio é produzido, podemos chamar de “espectro de cores do hidrogênio“.

O hidrogênio “azul”, por sua vez, envolve a captura e armazenamento do dióxido de carbono (CO2) resultante dos processos de reforma de hidrocarbonetos ou da produção de energia termelétrica para alimentar a eletrólise de água.

Contudo, essa prática também pode mascarar as emissões de metano (CH4) associadas ao processo. Como o metano é um gás de efeito estufa muito mais potente que o CO2, há incertezas sobre a verdadeira sustentabilidade do hidrogênio azul.

Outras classificações abrangem os seguintes tipos:

o        hidrogênio “rosa”, que se origina de fontes nucleares como sua principal fonte de energia;

o        “turquesa”, que emprega a pirólise do metano para produzir hidrogênio e carbono sólido;

o        “amarelo”, que utiliza energia solar na eletrólise da água.

•        Brasil e o potencial na produção de hidrogênio verde

Curiosamente, a produção de hidrogênio verde possui um alto custo – maior do que o demonstrado na produção do hidrogênio cinza. Esse aspecto é o maior obstáculo enfrentando pelos países para tornar a transição energética possível.

Entretanto, o Brasil possui um grande potencial para se tornar líder na produção de hidrogênio verde mais barato do mundo até 2050, devido à abundância de recursos naturais, como sol e vento, no país.

Prevê-se que, com o avanço da tecnologia e a redução dos custos das energias renováveis, o hidrogênio verde brasileiro possa custar metade do preço do hidrogênio cinza atualmente produzido.

É evidente que a transição para o hidrogênio verde pode beneficiar diversas áreas da economia, como a agricultura, o transporte marítimo e a aviação comercial. Ademais, a produção de amônia verde a partir do hidrogênio verde tem o potencial de aumentar a fertilidade do solo em áreas pouco produtivas, bem como impulsionar a indústria de transporte marítimo, substituindo os combustíveis fósseis por alternativas mais limpas.

 

       COP30 deverá destacar financiamento climático e participação social

 

A 30ª Conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Climáticas (COP30), que será realizada em Belém (PA) em novembro de 2025, deverá priorizar a discussão do financiamento climático para países em desenvolvimento e também a participação social. A avaliação é da diretora da Fundação Europeia do Clima, Laurence Tubiana, que está no Brasil para participar de eventos paralelos ao G20.

Ela apresentou a representantes brasileiros os detalhes da força-tarefa criada para debater a necessidade de mobilizar recursos financeiros para apoiar a transição dos países em desenvolvimento e vulneráveis para uma economia de baixo carbono. O grupo é liderado pela Fundação Europeia do Clima, em parceria com os governos da França, do Quênia e de Barbados e já tem o apoio de países como Espanha e Colômbia. Segundo a diretora, a ideia foi bem recebida no Brasil.

“Existe a questão do financiamento internacional, essa é uma das razões da minha vinda aqui, para buscar novas fontes de financiamento, inclusive trabalhando a partir de novas formas de tributação internacional. Sabemos que existem fluxos de atividades que não têm contribuído no âmbito fiscal e que deveriam contribuir, pois se trata de um problema coletivo, sobretudo para os países em desenvolvimento que precisam desses recursos adicionais”, disse Laurence em entrevista na Embaixada da França.

Na última quinta-feira (22), a diplomata se reuniu com a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva. Um dos temas tratados foi a necessidade da participação da sociedade civil nas discussões da COP30, inclusive com as comunidades indígenas.

“Acredito que as comunidades indígenas da Amazônia têm muito para contribuir, sobretudo no combate às mudanças climáticas e na proteção da biodiversidade. Elas precisam ocupar um espaço não apenas simbólico na definição de um plano nacional”, disse.

A diretora elogiou o Plano de Transição Ecológica do Brasil, que busca impulsionar o desenvolvimento baseado em preservação ambiental e combate às mudanças climáticas. Segundo ela, além de combater as mudanças climáticas, o plano traz propostas para o desenvolvimento econômico, o combate à pobreza e às desigualdades. “Até agora, acredito que o plano é bastante convincente e coerente, é claro que precisa ser implementado”.

Laurence Tubiana também criticou a participação do setor petroleiro nas últimas conferências do Clima, especialmente na última edição realizada nos Emirados Árabes. “É importante que eles contribuam, mas não precisam estar no centro dos debates”.

Em Brasília, a diretora também esteve com o assessor especial do presidente da República, Celso Amorim, com representantes do Ministério da Fazenda, de Minas e Energia, do Itamaraty e do Banco Central, além de representantes de entidades da sociedade civil. Na próxima semana, ela vai participar do Fórum Brasileiro de Finanças Climáticas, em São Paulo, em painel sobre as últimas tendências para o fortalecimento dessa agenda.

Antes de entrar para a Fundação Europeia do Clima, Laurence foi embaixadora da França para Mudanças Climáticas e representante especial para a COP21, atuando como uma das principais articuladoras do Acordo de Paris.

 

Fonte: Um só Planeta/Só Cientifica

 

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