sábado, 3 de fevereiro de 2024

Dia de Iemanjá: por que é celebrado em 2 de fevereiro e quais os rituais

“Qual é seu dia, Nossa Senhora? É dia 2 de fevereiro, quando, na beira da praia, eu vou me abençoar”, já entoou a cantora baiana Maria Bethânia, ao interpretar a canção “Iemanjá Rainha do Mar“, em homenagem à divindade africana.

A data mencionada pela artista marca um grande acontecimento nas águas e areias das praias brasileiras: o dia de louvar e cantar para Iemanjá, também conhecida como “Rainha do Mar” pelos adeptos das religiões de matrizes afro-brasileiras, sempre trajados de vestes brancas.

A homenagem contém uma mistura vibrante de rituais, cânticos e oferendas, reunindo praticantes da umbanda e do candomblé e simpatizantes desde as primeiras horas do dia para lançar oferendas marítimas e expressar seus pedidos e agradecimentos à divindade do panteão iorubá.

·        2 de fevereiro e o sincretismo religioso

A data para homenagear Iemanjá não é unânime no país e muda conforme a região de celebração. As diferenças têm relação com o chamado “sincretismo religioso“, prática que consiste na combinação de elementos de tradições religiosas diversas que resultam em uma síntese de crenças, rituais e valores.

Ao longo dos séculos, diversas culturas se viram diante da necessidade, muitas vezes por sobrevivência, de conciliar suas crenças com as práticas religiosas dos povos com os quais entravam em contato. Esse processo levou à fusão de diversas divindades e mitologias.

Alexandre Meireles, babalorixá, xamã e dirigente há 28 anos do terreiro de umbanda Círculo de Irradiações Espirituais São Lázaro, na zona sul de São Paulo, aponta à CNN que o sincretismo se desenvolveu no Brasil a partir de uma triste página de nossa história: a escravidão.

Durante o longo período da escravatura, os praticantes encontraram maneiras de manter suas tradições de forma camuflada, fundindo-as com a liturgia católica. Essa estratégia permitiu que preservassem suas crenças enquanto aparentavam conformidade com as práticas religiosas impostas.

“Por conta das proibições e torturas imputadas à população negra e escravizada, incluindo a não permissão da realização de seus cultos, crenças e a imposição da crença no Deus cristão, no Deus católico e no catolicismo, os negros tinham de fazer suas venerações e orações às escondidas”, descreve Meireles.

“Para que não houvesse castigos ou reprimendas, os escravizados estabeleceram essa aproximação das características de santos católicos aos dos orixás, inquices ou voduns – nomenclaturas dadas às divindades. Então, cultuavam os orixás através das imagens dos santos, o que não significa que orixás e santos sejam a mesma coisa”, acrescenta o babalorixá.

Por isso, a grande maioria das datas de celebração aos orixás está diretamente ligada às datas dos santos, o que cria uma ponte simbólica entre as tradições africanas e católicas.

No dia 2 de fevereiro, por exemplo, segundo o calendário católico, é celebrado o dia de Nossa Senhora dos Navegantes, que passou a ser associado ao culto a Iemanjá, principalmente no Nordeste brasileiro.

Já no Sudeste, o sincretismo é com Nossa Senhora da Imaculada Conceição, cuja homenagem ocorre em 8 de dezembro, dia em que diversas praias de São Paulo são tomadas por umbandistas e candomblecistas para homenagear a divindade africana.

·        Embranquecimento

Devido à proximidade com as santas católicas, a representação visual de Iemanjá tem sido frequentemente embranquecida de diferentes formas, na arte, na publicidade e até mesmo em representações religiosas.

Cada vez mais, encontra-se a divindade, que é associada aos rios e mares, representada como uma mulher magra, branca, de cabelos lisos, em um vestido azul.

No entanto, em países africanos, e nos terreiros brasileiros onde o sincretismo não é regra, Iemanjá continua a ser representada como uma figura de formas largas e negra.

·        Roupa branca na virada do ano

Atualmente, é comum que pessoas de diversas tradições religiosas passem a virada do ano na beira da praia e com roupas brancas. Mas o costume teve início na primeira metade do século passado, quando umbandistas, saudando Iemanjá, faziam seus rituais nas praias, todos vestidos de branco, oferecendo flores, champanhe e reforçando seus pedidos de um bom ano novo.

“A tradição foi crescendo, e as pessoas começaram a ir de branco para a praia, mesmo se não tivessem a crença no orixá ou fossem da religião. E isso virou o ano novo brasileiro”, observa Meireles.

·        Odoyá: rituais, oferendas e agradecimentos

De acordo com a tradição iorubá, a grafia original da divindade é Yemanjá, com “y”, mas acabou de tornando mais comum no Brasil escrever o nome com “i”, assim como ocorreu com o próprio termo yorubá – Ye omo ejá” significa “mãe cujos filhos são peixes”.

Abaixo, conheça três simples rituais listados pelo babalorixá Alexandre Meireles que costumam ser realizados em 2 de fevereiro, no Dia de Iemanjá:

  • Ritual com vasilha

Junte sete rosas brancas, com os cabos cortados, e coloque-as em uma vasilha, dentro de casa, com água e perfume, de preferência alfazema. Ofereça as rosas para Iemanjá e as deixe flutuando de maneira bem bonita dentro do recipiente. Esse recipiente, inclusive, pode ser usado como enfeite para o lar. Pedidos: peça harmonia para a família, limpeza energética para o ambiente, paz e entendimento entre todos os familiares.

  • Ida ao mar

Se existir a possibilidade de ir até ao mar no dia 2 de fevereiro, coloque os pés dentro da água e realize as suas orações. Faça o planejamento do ano, do que é importante que aconteça no decorrer dos meses. Atente-se, sempre, à utilização de objetos não poluentes ao meio ambiente.

“Rosas rosas brancas, ou até mesmo a champanhe branca, que, ao abrir, pode ser despejada na água do mar, sendo oferecida à Iemanjá e a todos os seres do mar, que é um campo de renovação. Não esqueça de recolher a rolha da garrafa”, orienta Meireles.

  • Vela, água e lua cheia

Em um recipiente, acrescente água pura, acenda uma vela pra Iemanjá e peça à divindade, que é um orixá que cuida das cabeças, principalmente dos aspectos psicoespirituais, para que forneça firmeza, que não permita que as portas se abram para a depressão e ansiedade. Além disso, que traga o equilíbrio mental, harmonia familiar, abundância, entendimento e amorosidade.

Ao acender a vela, passe-a por cima desse recipiente com água, pedindo que Iemanjá deposite ali os seus desejos. Deixe o objeto durante a noite inteira no sereno.

Se chover, não há importância. Inclusive, se possível, deixe a vasilha receber a energia da Lua, principalmente nas fases cheia ou crescente, que são os dois melhores momentos para este ritual.

“No dia seguinte, pode envolver um pouco de perfume, já que Iemanjá também é o orixá do olfato e, portanto, os perfumes sempre estão presentes em suas ritualísticas. Em seguida, despeje a água em um objeto que possa ser utilizado para aspergir nos cantos da casa, sobre a sua cabeça, até mesmo no travesseiro, antes de dormir. Esse ritual servirá como uma maneira não só de limpeza, mas também de atração de bons fluidos”, afirma o babalorixá.

 

Ø  Dia de Iemanjá: conheça a história da celebração popular da 'orixá mais brasileira'

 

Celebrado em muitas cidades do Brasil nesta sexta-feira (2), o Dia de Iemanjá ainda não recebe o respeito em relação ao que representa na cultura brasileira, estando a Rainha do Mar consagrada na música popular brasileira e na literatura. É um dia de celebrações e devoção, mas também de luta contra o racismo religioso e de afirmação do direito de culto das religiões de matriz africana.  

Entrevista do Programa Bem Viver, Claudia Alexandre, jornalista e doutoranda em ciências da religião, destaca que Iamanjá é uma das rainhas-mãe das religiões de matriz africana, mas também se relaciona com Nossa Senhora, da fé católica, por conta do sincretismo construído devido à perseguição sofrida pelas religiões afro-brasileiras. E se tornou um elemento da cultura brasileira que extrapolou os espaços de culto religioso.  

“Hoje, além de celebrar a grande rainha do mar, temos muitos credos que, mesmo quem não vai na Igreja Católica, quem não vai em um terreiro, tem um apreço a essa simbologia que é tão brasileira. Iemanjá é a orixá mais brasileira que a gente tem hoje”, afirma.  

Claudia lembra que a devoção à Iemanjá no Rio Vermelho, em Salvador, palco das festividades principais do 2 de fevereiro, teve início nos anos 1950. Um repentino desaparecimento dos peixes no local, que sempre teve pesca abundante, desesperou os pescadores da região. 

“Um deles fez uma promessa e ao sair para pescar encontrou uma imagem de Iemanjá. Na verdade, não de Iemanjá, mas de Nossa Senhora e que ficou relacionada porque há um sincretismo. E a pesca voltou a ser abundante depois disso. Coincidência não existe, mas há toda uma dimensão espiritual que agiu ali para que os pescadores fossem abençoados. E a partir daí, todo 2 de fevereiro, os pescadores promovem essa festa. As primeiras embarcações que saíram agora de manhã para o mar levam presentes a Iemanjá”, conta a pesquisadora.  

Apesar de toda a importância da data e da longa história da celebração, o Dia de Iemanjá não é um feriado nacional. Vinte e três cidades do Rio Grande do Sul têm um feriado no dia 2 de fevereiro, mas oficialmente associados à Nossa Senhora dos Navegantes. No norte e nordeste dezenas de cidades celebram Iemanjá. Salvador é a cidade com maior mobilização popular para a data, mesmo assim não tem feriado. 

“A cidade está parada para essa festividade. Para você ver a força popular. Todo o comércio, o turismo, as pessoas que estão circulando pelas ruas, pelo Rio Vermelho, estão vivendo sua devoção. Quando vemos uma cidade como Salvador que é a capital da festa nesse 2 de fevereiro e o poder público não assume essa festividade como algo de valor e importância do povo, isso tem a ver com o preconceito”, avalia Claudia.  

Esse preconceito foi construído por séculos de opressão contra o povo negro, sua cultura e espiritualidade. E isso está visível ainda hoje no sincretismo religioso, que foi construído como uma maneira de os devotos de matriz africana cultuarem sua fé disfarçadamente, tentando evitar a perseguição e a repressão pela Igreja Católica.  

 

Ø  Qual orixá vai reger 2024?

 

Uma das perguntas mais pesquisadas no Google foi: “Qual orixá vai reger 2024?”. Por isso, a CNN consultou diversos líderes religiosos para descobrir o que os brasileiros querem saber.

A resposta não é simples, mas alguns pais e mães de santo, da umbanda e do candomblé, coincidem em afirmar que o ano será regido por Exu e Omulu.

A mãe Dai de Oxossi, do terreiro de umbanda Egbè Ofá N’la, explica: “O ano de 2024 será regido por Exu, e vamos sentir influência de Omulu e de Oxalá em determinados momentos”.

“Todo o contexto mundial coincide com as linhas de trabalhos, com as regências desses orixás”, completa.

·        Por que 2024 será regido por Exu e Omulu?

Algumas tradições consideram certos elementos para apontar a influências dos orixás sobre os anos:

  • Dia da semana em que o ano começa;
  • Numerologia do ano;
  • Astrologia.

<<< Dia da semana

O dia 1º de janeiro cairá numa segunda-feira em 2024. E a segunda-feira é apontada como dia de Exu, o orixá que inicia tudo na umbanda, “que abre os caminhos, que precede todos os rituais”, como diz mãe Dai de Oxossi.

As segundas também são apontada como dia de Omulu, que ainda pode ser chamado de Obaluaê.

·        A resposta na numerologia

A soma dos números dois, zero, dois e quatro (2+0+2+4, conforme o ano 2024) dá oito, número que é relacionado a Omulu em algumas situações.

Uma delas, por exemplo, é o mês oito, agosto, no qual é celebrado o dia desse orixá (16 de agosto).

·        Segundo a astrologia

Segundo o influenciador Alef Poffo, que se descreve como numerologista e umbandista, o ano será regido por Saturno na astrologia e esse planeta é associado a Omulu.

“Saturno, que estará regendo 2024, tem muitas características que são atribuídas a Omulu (…) o ano será regido principalmente por Omulu”, diz ele em vídeo publicado em seu perfil do TikTok.

·        O que significa 2024 ser regido por Exu e Omulu?

Os orixás são entidades divinas de religiões africanas que são representados pela natureza e divididos como forças masculinas e femininas. Em algumas religiões, eles também são entendidos como seres que auxiliam a humanidade a viver no planeta.

Assim, Exu é compreendido como o orixá da justiça.

“Exu é o movimento, é o orixá da justiça, ele é executor da justiça cármica. Quem deve paga, quem merece recebe. A gente infere um ano difícil, mas de escolhas, de possibilidades, decisões importantes, caminhos. Exu é o senhor da encruzilhada”, diz mãe Dai de Oxóssi.

Já Omulu é tido como um dos orixás mais temidos por estar associado à cura, mas também à doença. “Vão haver enfermidades, não só pela Covid-19, que passamos e, provavelmente, passaremos ainda”, diz ela.

O umbandista Alef Poffo completa em seu vídeo: “Omulu é o senhor da vida e da morte. Omulu também está muito ligado à terra, e a terra está ligada à ideia de colheita. A colheita só se dar com o plantio. O que você vem plantando?”.

·        Buscas no Google

As pesquisas por orixás e suas regências costumam crescer no final de cada ano.

Os estados onde mais pesquisas ocorrem sobre os orixás, segundo o Google Trends, são Bahia, Rio de Janeiro, Sergipe, Rio Grande do Sul e São Paulo, em ordem decrescente.

Além da pergunta “Qual orixá vai reger 2024”, os orixás que foram mais pesquisados nos últimos 30 dias, segundo o Google Trends, foram:

  1. Exu
  2. Ogum
  3. Oxum
  4. Xangô
  5. Iemanjá;
  6. Oxóssi;
  7. Oxalá;
  8. Nanã;
  9. Iansã;
  10. Pombagira;
  11. Obaluaiê (Omulu); e
  12. Obá.

 

Fonte: CNN Brasil/Brasil de Fato

 

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