Como o mundo todo ficou mais inseguro desde
invasão russa da Ucrânia
A guerra entre Ucrânia e Rússia está
entrando no seu terceiro ano sem sinais de um fim próximo.
Mas o confronto — o
maior em continente europeu desde a 2ª Guerra Mundial — teve
repercussões muito maiores do que apenas na região.
Analistas e
historiadores ainda discordam sobre as dimensões exatas do conflito. Alguns
falam que a guerra na Ucrânia poderia talvez
ser enxergada dentro de um contexto de uma espécia de 2ª Guerra Fria — e há até
quem fale que ele poderia ajudar a desencadear uma 3ª Guerra Mundial.
Outros acreditam que
essas noções são exageradas.
O que todos parecem
concordar é que o mundo hoje é muito mais inseguro do que antes do dia 22 de
fevereiro de 2022, quando tropas russas invadiram a Ucrânia.
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Guerra mundial?
Os risco de uma guerra
maior vem sendo aventado desde que a guerra começou.
Em busca de apoio, o
presidente ucraniano, Volodymir Zelensky, foi um dos primeiros a acender o alerta.
"Se a Ucrânia
cair, o que acontecerá em dez anos? Pense nisso. Se [os russos] chegarem à
Polônia, o que acontecerá em seguida? Uma 3ª Guerra Mundial?", disse
Zelensky em setembro de 2023.
"Estamos
defendendo os valores do mundo inteiro. E é o povo ucraniano que está pagando o
preço mais alto. Estamos realmente lutando pela nossa liberdade, estamos
morrendo."
Dois anos depois, o
ex-presidente americano Donald Trump também vem
destacando o assunto como parte de sua campanha eleitoral acusando o
presidente Joe Biden de estar
empurrando os Estados Unidos para
uma nova guerra.
"Sou o único que
pode evitar uma 3ª Guerra Mundial", disse Trump em recente comício
eleitoral.
No Reino Unido e na
Europa, a possibilidade de que a guerra ultrapasse as fronteiras da Ucrânia
segue ganhando destaque recentemente. Veja o que disse o ministro britânico da
Defesa, Grant Shapps.
"Dentro de cinco
anos poderemos ter diversos conflitos, incluindo a Rússia, a China, o Irã e a
Coreia do Norte. Perguntem a si mesmos, olhando para os conflitos atuais em
todo o mundo, é mais provável que esse número aumente ou diminua? Eu suspeito que
todos sabemos a resposta: é provável que cresça", disse Shapps em uma
palestra no mês passado.
E declarações na mesma
linha vieram da própria aliança militar Otan (Organização do Tratado do
Atlântico Norte).
Um funcionário de alto
escalão da Otan, almirante Rob Bauer, disse que os países precisam ter mais
reservistas e aumentar sua capacidade de armas que sustentem um longo conflito.
Em entrevista esta semana com a BBC News Brasil, o cientista político americano Ian Bremmer, da consultoria
Eurasia, disse que concorda que o mundo está mais inseguro desde o começo da
guerra na Ucrânia.
A guerra que acontece
na Europa, segundo ele, traz riscos não apenas para o continente, mas para o
resto do mundo, que se vê mais violento e instável nesse cenário.
"A Rússia também
é hoje é um Estado pária para o G7 e para as democracias industriais avançadas.
Seus bens foram congelados. As autoridades russas foram sancionados de forma
muito significativa. Seu presidente é visto como um criminoso de guerra que não
é mais bem-vindo e eventos multilaterais que incluem democracias industriais
avançadas", disse Bremmer à BBC News Brasil.
"Os principais
aliados da Rússia em todo o mundo são vistos hoje como agentes do caos. São
outros Estados pária, como Coreia do Norte e Irã, cuja coordenação de ações
também torna o mundo muito mais perigoso. Então eu acho que de qualquer maneira
que você olhe as coisas, dois anos depois desta guerra, temos um mundo mais
violento, um mundo mais instável."
Mas, para ele, a
hipótese de uma 3ª Guerra Mundial é absurda.
"Eu não acredito
que nenhum líder global sério esteja falando sobre a 3ª Guerra Mundial. Eu
estive agora na Conferência de Segurança de Munique. Eu me encontrei com os
chefes de pelo menos 20 delegações e esse assunto não surgiu nenhuma vez."
Poucos dias depois do
início da invasão, historiadores alertavam para o risco de uma 3ª Guerra
Mundial. Foi o caso do cientista político Paul Poast, da Universidade de
Chicago, em entrevista para a BBC News Brasil na época.
A lógica dele é que a
própria guerra na Ucrânia já poderia ser considerada um conflito da Rússia
contra os Estados Unidos e seus aliados da Otan. Isso porque não são apenas
soldados na linha de frente que determinariam, na visão dele, que um país está
em guerra contra o outro. Imposição de sanções, envio de armas, treinamento
militar e outras formas de apoio seriam também decisivas.
·
Otan maior e mais
dividida
Outro ponto em que a
guerra na Ucrânia contribuiu para a insegurança mundial é que a própria aliança
militar do Ocidente – a Otan – cresceu e se fortaleceu.
Este ano, o orçamento
militar da Otan deve crescer 12% — atingindo 2 bilhões de euros, o equivalente
a mais de 10 bilhões de reais.
E a Otan já tem 31
membros. A Finlândia, que faz fronteira direta com a Rússia e temia ser um
próximo alvo, aderiu ao bloco. E a Suécia pode ingressar em breve.
Essa expansão da Otan
é vista por muitos como garantidora de mais segurança. Mas existe um risco de
que justamente essa ampliação possa aumentar a insegurança mundial, ao gerar
uma reação entre países fora do clube.
Uma das justificativas
do presidente russo Vladimir Putin para a invasão da Ucrânia foi a expansão da
Otan entre países do Leste Europeu. Foram 14 nações da região desde 1991, após
o colapso da União Soviética.
Mas mesmo a Otan sofre
com divisões.
A Hungria, por
exemplo, é hoje governada pelo primeiro-ministro Viktor Orbán — que é aliado
próximo de Vladimir Putin.
A Hungria foi, nos
últimos meses, uma pedra no sapato de outros países que queriam entrar no
bloco, como a Suécia. A decisão de receber um novo membro precisa ser unânime,
aprovada por todos os membros.
Além disso, Orbán
também vem pressionando contra o envio de auxílio militar e financeiro para a
Ucrânia dentro da União Europeia.
E alguns países
membros podem mudar sua posição em relação à guerra por causa de eleições.
Isso aconteceu em
recentes eleições na Holanda e na Eslováquia, onde os partidos vencedores têm
se manifestado contra apoio militar e econômico para a Ucrânia.
·
Indefinição nos EUA
Mas a grande dúvida no
ar hoje é: o que vai acontecer com a Otan se houver uma mudança de governo nos
Estados Unidos – caso Donald Trump vença as eleições deste ano?
Os Estados Unidos
financiam mais de dois terços do orçamento da Otan, com 85 mil soldados
americanos baseados hoje na Europa.
Ian Bremmer diz que um
novo governo Trump provavelmente mudaria drasticamente o papel da Otan na
guerra.
"Eu acho que os
EUA estariam menos comprometidos com a Otan, caso Trump seja eleito. Nós vimos
isso em 2016, mas é claro que naquela época não havia guerra ainda, e não era
tão urgente. Em 2025, a história seria muito diferente. Isso não significa que
os EUA se retirariam da Otan", diz o cientista político americano.
"Eu acho que
Trump será muito mais exigente com os europeus para que gastem mais. A sua
força de vontade de exigir condições melhores para os americanos provocaria
gastos maiores por parte dos europeus."
"Eu também acho
que considera Zelensky um inimigo pessoal e político, depois que ele exigiu que
Zelensky abrisse uma investigação contra o então ex-vice-presidente Biden, bem
como Hunter Biden. Zelensky se recusou e isso certamente levaria Trump a estar
mais disposto a forçar os ucranianos aceitar um cessar-fogo sob condições
difíceis — com partes importantes do seu território ocupadas. Tudo isso é uma
grande ameaça para os europeus, se Trump se eleger."
·
Eixo anti-Ocidente?
Outra questão debatida
por analistas hoje é a formação de um novo eixo de países contra os Estados
Unidos.
Em alguns debates
internacionais, tem se usado o termo “2ª Guerra Fria” para descrever a
geopolítica atual — uma rivalidade entre países sem a existência de um
confronto militar direto, como aconteceu com Estados Unidos e União Soviética
até 1991.
O verdadeiro
antagonista dos Estados Unidos nessa guerra fria, segundo analistas, não seria
a Rússia, mas sim a China.
É o que afirma o
historiador Niall Ferguson. Segundo
ele, em todos os conflitos e tensões no mundo hoje, o apoio do líder chinês Xi
Jinping é decisivo.
"O que é
interessante dessa Guerra na Ucrânia é que ela não estaria acontecendo sem a
benção de Xi Jinping (líder chinês). Ele deu o sinal verde. Sem apoio chinês, a
Rússia não seria capaz de sustentar essa guerra. Por que o comércio entre a
Rússia e a China explodiu deste que esta guerra começou. Xi Jinping é
claramente o protagonista, o Vladimir Putin é um coadjuvante", disse
Ferguson em entrevista a uma das rádios da BBC em outubro do ano passado.
O historiador acredita
que existe um eixo anti-Ocidente formado por China, Rússia, Irã e Coreia do
Norte. Para o historiador, a união desses quatro países — que ele batizou de
"eixo das más intenções" — é hoje uma das maiores ameaças à segurança
internacional. Segundo ele, são países que estão ativamente colaborando entre
si.
Esse eixo estaria
fazendo frente aos Estados Unidos e seus aliados nos principais pontos de
tensão no mundo hoje, não só na Ucrânia, mas também no Oriente Médio, em Taiwan
e na Península Coreana.
Essa visão de um mundo
com dois eixos e o termo 2ª Guerra Fria entraram em voga em debates
internacionais.
Até mesmo entidades
como o Fundo Monetário Internacional (FMI) já usam essa expressão para alertar
sobre os perigos econômicos do conflito.
"Se a
fragmentação se aprofundar, poderemos estar em uma nova Guerra Fria. Os custos
econômicos da 2ª Guerra Fria poderão ser elevados. O mundo ficou muito mais
integrado e enfrentamos uma variedade sem precedentes de desafios comuns que um
mundo fragmentado não consegue enfrentar", disse a economista-chefe do
FMI, Gita Gopinath, em dezembro do ano passado.
O FMI alerta que a
economia global hoje depende muito da globalização. O temor é que uma 2ª Guerra
Fria possa ter os mesmos efeitos que a pandemia: de interromper os fluxos de
comércio e encarecer a produção mundial de produtos.
Mas nem todo mundo
concorda com essa visão de 2ª Guerra Fria. Ian Bremmer afirma que é um exagero
já que, para ele, a China estaria longe de ter interesse em entrar em confronto
com os americanos, ao contrário de Rússia, Irã e Coreia do Norte.
"Os EUA e a China
são muito interdependentes em termos das suas relações econômicas. E a China,
ao contrário da Rússia, não é um agente do caos. Eles não querem uma grande
crise. Os americanos e os chineses querem gerir esta relação de forma mais eficaz",
diz Bremmer.
"Mas é claro que
existe uma enorme desconfiança entre os EUA e a China. É um relacionamento
tenso em vários aspectos. A China é vista pelos Estados Unidos como o seu
principal adversário estratégico a longo prazo, certamente econômica e
tecnologicamente. Também em termos do seu sistema político autoritário e do
sistema capitalista de Estado."
A guerra na Ucrânia --
que começou quando tropas russas invadiram o país em 24 de fevereiro de 2022 --
está entrando em seu terceiro ano ainda cercada de incertezas e com possíveis
impactos que vão muito além de suas fronteiras.
Fonte: BBC News Mundo
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