sábado, 3 de fevereiro de 2024

Caso Abin: ‘Governo continua refém dos militares’, diz historiadora Priscila Brandão

O escândalo de arapongagem na Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) tem raízes profundas na falta de responsabilização dos militares e na ausência de um efetivo desmonte das estruturas de perseguição da ditadura (1964-1985). Essa é a avaliação da historiadora e especialista em segurança pública Priscila Brandão. Para ela, essa é a principal dificuldade para que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reaja e desarticule o aparelhamento bolsonarista do órgão.

“O governo continua refém dos militares. O grande problema que nós temos está na Lei de Anistia de 1979 e na interpretação que o STF deu em 2010, quando ele aceitou a interpretação que os militares deram. Os militares têm poder de veto efetivo desde a transição. Enquanto não houver uma possibilidade nem de falar sobre os crimes da ditadura, ninguém vai achar que vai ter punição nesse país”, afirma Priscila, em participação no podcast Três por Quatro.

A historiadora considera que o caso é o mais grave da história brasileira e representa um risco grande para a segurança do país. Sobretudo pela utilização de uma agência de Estado que teve sua estrutura desvirtuada para atender aos interesses políticos e pessoais do clã Bolsonaro.

“Nós tivemos o caso do grampo no BNDES, que ensejou a criação da CCAI (Comissão de Controle das Atividades de Inteligência, no Congresso Nacional), mas sem dúvida agora situação foi elevada a um novo patamar. Eu não entendo isso como uma ‘Abin paralela’. Essa atuação foi desenvolvida sob comando do Ramagem, sob supervisão do (General Augusto) Heleno – chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) à época – e com conhecimento do Bolsonaro. Nada disso existia sem haver esse tipo de comando”, avalia.

As investigações sobre o uso ilegal da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para monitorar ilegalmente autoridades, políticos e jornalistas durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) ainda precisa esclarecer quais eram os objetivos da espionagem. A suspeita da PF é de que assessores do vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos), que também são alvo da operação, pediam informações para o ex-diretor da Abin Alexandre Ramagem, alimentando uma rede de difamação. As investigações indicam ainda que a Abin foi usada para beneficiar Flávio e Jair Renan Bolsonaro, também filhos do ex-presidente, em investigações das quais eram alvos.

·        Hora de agir

O ex-presidente do PT, José Genoino, comentarista do podcast Três por Quatro, considera que o governo Lula errou em não realizar uma transição efetiva na área durante a mudança de governo. E precisa aproveitar a oportunidade criada pelo escândalo para fazer uma reforma na Abin, tanto no que diz respeito ao corpo de agentes, quanto às funções da agência.

“Inteligência e informação são estratégicos para qualquer país do mundo. Nós não podemos ser ingênuos com uma coisa dessa. Eu lamento muito que a nossa experiência de governo tenha sido ingênua de não fazer uma transição. Havia indícios de que o bolsonarismo se apoderou dentro do GSI. Eu acho que foi um erro o governo Lula não ter feito a transição na área de inteligência. É bom deixar claro as duas áreas que não teve transição: inteligência e Forças Armadas. Exatamente as duas áreas que mais geraram problema no nosso governo”, afirmou.

·        Função da Abin

De forma geral, uma agência de inteligência deve fornecer informações relevantes que auxiliem na tomada de decisão de autoridades, por exemplo, em relação a uma guerra iniciada entre nações estrangeiras, uma epidemia ou negociações econômicas. No entanto, segundo Brandão, a Abin foi criada com uma proposta totalmente aberta e age fora do que seria esperado de uma agência do tipo, por exemplo, realizando escutas ou invasão de dispositivos, algo que seria função apenas da Polícia Federal, em ações judiciais.

Genoíno destaca ainda que esse uso político da Abin pode ter outras repercussões, já que a agência detém informações sigilosas e estratégicas de diversas áreas, que podem ter sido acessadas e vazadas. “Você tem informações estratégicas do país, sobre recursos, projetos, áreas. Além disso, a Abin faz parte do SISBIN (Sistema Brasileiro de Informação). E o que está dentro do SISBIN? Os três instrumentos das Forças Armadas, Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), Polícia Federal e P2 (setor de inteligência das polícias militares). Se a Abin foi vulnerável, tudo isso pode ter sido vulnerável”, afirma.

 

Ø  Forças armadas são parte do serviço público e precisam cumprir seu papel institucional

 

A Condsef, Ascema, Ansef e INA, entidades que representam os servidores públicos federais do meio ambiente (Ibama, MMA, ICMBio e SFB) e da Funai, vêm a público manifestar sua indignação e repúdio à forma como as Forças Armadas têm atuado na operação Yanomami, que visa combater o garimpo ilegal na terra indígena, localizada nos estados de Roraima e Amazonas.

A operação Yanomami, iniciada em maio de 2023, é uma ação conjunta entre o Ibama, a Funai, a Polícia Federal e as Forças Armadas, coordenada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. O objetivo é proteger os direitos dos povos indígenas, preservar o meio ambiente e garantir a soberania nacional na região, que é alvo de invasões de garimpeiros que exploram ilegalmente o ouro e outros minérios, causando graves danos ambientais e sociais.

No entanto, as Forças Armadas estão deixando de cumprir sua missão de apoiar e facilitar o trabalho dos demais órgãos envolvidos nas ações de fiscalização e repressão ao garimpo ilegal. Segundo diversas reportagens e denúncias, as forças armadas têm:

  • Negado ou atrasado o uso de aeronaves para o transporte de servidores, equipamentos e materiais, prejudicando a logística e a eficiência das operações;
  • Impedido ou dificultado o sobrevoo de entidades civis e indígenas sobre o território Yanomami, restringindo o acesso à informação e à fiscalização independente;
  • Deixado de colaborar ou se omitido nas ações das instituições que envolvem destruição de maquinários, pistas de pouso e acampamentos dos garimpeiros, o que permite que eles continuem suas atividades ilegais;
  • Falhado em garantir a segurança dos servidores públicos e dos indígenas, que sofrem constantes ameaças, ataques e violências por parte dos garimpeiros armados;
  • Negado sobrevoar o território com autoridades do governo;
  • Desmobilizado pontos de apoio dentro do território indígena para abastecimento das aeronaves das instituições de proteção ambiental.

Tais atitudes colocam em risco a vida dos servidores dos órgãos envolvidos na operação e demonstram descompromisso com o serviço público, desrespeito aos povos indígenas, ao meio ambiente e à Constituição Federal, que estabelece as competências e as responsabilidades das instituições públicas. As forças armadas integram o serviço público brasileiro e têm que fazer sua parte nessa operação.

Cabe destacar que é atribuição das Forças Armadas a proteção, controle e monitoramento do território brasileiro em região de fronteira. Para tanto, há 03 (três) Pelotões Especiais de Fronteira (PEFs) do Exército na região Yanomami – em Maturacá, Surucucu e Auaris. Então, não é aceitável que a atuação das Forças Armadas na Operação Yanomami se restrinja ao apoio logístico. Faz-se necessário que cumpram suas atribuições institucionais de proteger o território brasileiro de ações criminosas de garimpo ilegal, por meio de participação ativa nas ações de fiscalização.

Além disso, as entidades denunciam que o Ministério da Defesa não acatou as diretrizes presidenciais de oferecer o apoio logístico adequado na Terra Indígena, contrariando o decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em janeiro de 2023, que atribuiu às Forças Armadas o papel de dar o apoio logístico necessário aos diversos órgãos envolvidos na retirada dos garimpeiros e no socorro aos indígenas.

Segundo a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), principal organização indígena do país, o Ministério da Defesa se recusou a corrigir cerca de 50 pistas de pouso que ajudariam na operação, atrasou a distribuição de cestas básicas, falhou no controle do espaço aéreo e retirou um posto de suprimento de combustíveis.

Agora, de acordo com a matéria da FSP, as Forças Armadas pedem quase um milhão de reais por dia para manter sua atuação! Por qual razão? Qual a necessidade dessa quantia se o soldo dos militares está garantido? Que outras missões as Forças Armadas estão cumprindo que não poderiam dispor de contingente e equipamentos para atender essa operação?

As entidades signatárias exigem que o governo tome as necessárias providências para garantir que as forças armadas passem a colaborar efetivamente com a operação Yanomami, respeitando e apoiando os demais órgãos envolvidos, cumprindo as determinações legais e judiciais, e atendendo aos interesses da sociedade brasileira, que clama pela proteção dos direitos humanos, da biodiversidade e da soberania nacional.

Brasília-DF, 30 de janeiro de 2024.

Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal – Condsef

Associação Nacional dos Servidores da Funai – Ansef

Indigenistas Associados – INA

ASCEMA Nacional – Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista
em Meio Ambiente e PECMA.

 

Fonte: Brasil de Fato/Indigenistas Associados

 

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